sexta-feira, 11 de maio de 2018

Salvar a água e o solo no nosso Semiárido

Pessoas habituadas a acompanhar o noticiário dos jornais e da televisão devem ter-se surpreendido nas últimas semanas com as informações sobre a frequência maior e a gravidade dos chamados “eventos climáticos” no País. E não apenas aqui, mas em todo mundo. Não por acaso, esta semana viu também a realização, em Bonn, na Alemanha, de mais uma rodada de negociações que possam conduzir a um documento de consenso entre os países signatários do Acordo de Paris (o Brasil entre eles), que buscam evitar que a temperatura média do nosso planeta ultrapasse uma alta de 1,5 grau Celsius (embora muitos cientistas digam que será inevitável uma elevação de 2 graus ou mais). Essas altas poderão ter efeitos desastrosos em grandes partes do mundo (UNFCCC, abril de 2018).

Por aqui, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) aprovou documento sobre pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Economia do câmpus Sorocaba segundo as quais gêneros alimentícios de origem animal – especialmente carne bovina e laticínios – “lideram o ranking de alimentos cuja produção ocasiona mais emissões de gases do efeito estufa, sendo responsáveis por 93% a 98% das emissões, dependendo da região do país”. Já entre alimentos de origem vegetal, “a produção de arroz desponta como principal responsável pela emissão desses gases” (UFSCar, 2/5). E mais: o sistema agroalimentar tem afetado as mudanças climáticas por ser uma das principais fontes de emissões de gases do efeito estufa, sobretudo de metano – pela fermentação entérica do gado e pelo cultivo de arroz; de óxido nítrico, razão do manejo dos solos e do uso de fertilizantes nitrogenados – e dióxido de carbono, dado o uso de combustíveis fósseis nos vários segmentos da cadeia agroindustrial, como ressalta o professor Danilo Rolim Dias de Aguiar, do Departamento de Economia (Comunicação Ufscar, 2/5).

Além disso tudo, eventos climáticos extremos e desastres – ressaltam outros documentos da área – já atingiram milhões de pessoas, além de perdas de US$ 190 bilhões anuais.


Numa cidade do Paquistão, Nawabshah, a temperatura há poucos dias chegou a 50,2 graus Celsius. Em Karachi, 1.200 pessoas morreram, num dos países mais vulneráveis a mudanças do clima. Segundo a publicação Nature Climate Change, ondas de calor nos próximos três anos atingirão 30% da população.

Não estamos imunes a fenômenos como esses. A Articulação Semiárido está “denunciando a morte do Rio São Francisco” e exige “ações imediatas” para “reverter o quadro de penúria, abandono, exploração, descaso e privatização de suas águas”. Os 160 municípios que o rio banha em Minas Gerais, na Bahia, em Pernambuco, Alagoas e Sergipe “passam por um dos piores momentos de sua existência” (ASA Brasil – Articulação Semiárido, 2/5). Na foz do rio, a vazão média, que antes era de 2.943 metros cúbicos por segundo, agora não ultrapassa 554 metros cúbicos por segundo. Em consequência, o mar avança “rio adentro” mais de 50 quilômetros e já compromete o abastecimento de água potável para as populações urbana e rural, por causa da alta taxa de salinidade da água, e aumenta a taxa de hipertensão entre moradores da região.

O professor Osvaldo Ferrera Valente, da Universidade Federal de Viçosa (MG), afirma que a construção de “tantas barraginhas” está sendo feita, com os parcos recursos disponíveis, “sem obedecer a fundamentos da hidrologia de produção”, não onde a ciência recomenda, e sim onde o terreno permite. “Implanta-se e pronto: cumprida a obrigação e dinheiro jogado fora. E a situação continua cada vez pior.”

Serão altos os custos para enfrentar o problema das águas no Semiárido. Desde 2016 a Agência Nacional de Águas vem desenvolvendo uma análise de custo-benefício de medidas de adaptação, por exemplo, na bacia hidrográfica do Piancó-Piranhas-Açu, entre os Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, onde têm sido frequentes as variações climáticas. Há mais de cinco anos a região vive dificuldades sociais e econômicas por falta de chuvas e escassez de água potável. Em razão do nível crítico das chuvas e do armazenamento nos principais reservatórios, a população segue vulnerável e, em muitos casos, depende de caminhões-pipa.

Não bastasse, a contaminação do solo já é um desafio para a produção de alimentos, a segurança alimentar e a saúde humana, mas ainda pouco se sabe sobre essa temática – adverte um relatório da FAO, organização da ONU para a agricultura e a alimentação (FAO, 2/5). Diz o documento que a industrialização, as guerras, a mineração e a intensificação da agricultura contribuíram para o desafio da segurança alimentar e da saúde humana. Mas ainda pouco se sabe sobre a escala desse desafio e dessa ameaça.

O despejo descontrolado de dejetos nas cidades agrava o problema. “A contaminação dos solos afeta a comida que comemos, a água que bebemos, o ar que respiramos e os nossos ecossistemas”, diz a diretora-geral adjunta da FAO, Helena Semedo. “O potencial dos solos para enfrentar a contaminação é limitado e por isso a prevenção da contaminação dos solos deveria ser uma prioridade para o mundo”.

O pouco que sabemos, contudo, contém advertências: na Austrália já se conhecem 80 mil locais com contaminação dos solos; a China informa que 16% de seus solos e 19% das áreas agrícolas estão contaminados; na União Europeia são 3 milhões de lugares contaminados; nos Estados Unidos, 3 mil lugares. A contaminação afeta a segurança alimentar, ao dificultar o metabolismo das plantas e reduzir os rendimentos agrícolas, ao diminuir o consumo humano – sem falar no efeito altamente nocivo do chumbo, do arsênico e de outros produtos químicos e farmacêuticos.

Desde 2061 está aprovado um documento da FAO sobre formatos para enfrentar a contaminação dos solos. Mas pouco se avançou, na prática.

Washington Novaes

Gente fora do mapa


Brasil é de morte

O ex-general sérvio-bósnio Ratko Mladic, de 74 anos, foi condenado à prisão perpétua pelo massacre de Srebrenica e por crimes de guerra e contra a Humanidade durante a guerra da Bósnia (1992-1995) pelo Tribunal Penal Internacional. Madlic, só capturado em 2011, foi considerado culpado por dez de onze acusações, incluindo a morte de 8 mil homens e meninos muçulmanos em Srebrenica e o cerco a Sarajevo, em que mais de 11 mil civis foram mortos por uma campanha de franco-atiradores.

Na mesma época da condenação do Açougueiro da Bósnia, e com bem menos destaque, no Brasil se soube que os procedimentos hospitalares no país matam quase 20 vezes mais, por ano, do que Madlic. E a matança nacional de 300 mil por ano não irá nunca a qualquer tribunal de crimes contra a humanidade. Como também não se esboça qualquer reação contra os 60 mil assassinatos por ano, as dezenas de milhares de mortos em acidentes.

Os crimes governamentais brasileiros produzem genocídios assombrosos a cada ano, mas não tem ainda hoje um condenado, ou sequer indiciado, pois qualquer que seja estará ligado a governos ou nos próprios palácios.

Aqui se mata indiscriminadamente sob a chancela das chapas brancas como nas guerras africanas de libertação nos anos 1960/1970. E a única resposta é o silêncio dos que saúdam a prisão do ex-general europeu.
Luiz Gadelha

Narcotráfico quer fazer bancada no Congresso

 A reforma política que deu poderes aos presidentes de partidos para que eles distribuam bilhões de reais durante a campanha deste ano será responsável, provavelmente, por um grande desvio de dinheiro público semelhante aos escândalos dos últimos anos. Ao transformar esses donos de legendas em coronéis financeiros, a legislação permite que eles selecionem os candidatos que devem receber suas cotas para gastar na campanha à sua melhor conveniência. Os que se sentirem prejudicados certamente vão entrar na Justiça e o R$ 1,7 bilhão do fundo eleitoral pode ser suspenso interrompendo campanhas em alguns estados.

A ideia da criação do fundo era evitar que empresas participassem com dinheiro lícito ou ilícito nas campanhas, depois da descoberta da maior rede de corrupção do país com a geração do caixa dois por meio de contratos fraudulentos das empreiteiras com as empresas públicas. Pois bem, a nova lei, agora, deixa nas mãos dos presidentes dos partidos, muitos envolvidos na Lava Jato, a divisão do dinheiro para cada candidato nos estados. Abre-se, assim, é claro, uma janela para fabricação de notas fiscais frias e outros artifícios para justificar a saída desses recursos bilionários para centenas de candidatos no país.

Ora, se o Congresso legislou para moralizar as eleições, na prática, a realidade é outra. Ninguém sabe – nem advogados especializados – como será feito o rateio dessa fortuna na campanha. Até o momento, os candidatos majoritários, principalmente, desconhecem como vão fazer suas campanhas e como devem receber suas cotas, o que impede que eles contratem produtoras, marqueteiros, gráficas e montem a infraestrutura da campanha. Ganha quem apostar que esta será a eleição mais fraudada da história se os tribunais não forem vigilantes com a distribuição desse fundão.

O mais grave, porém, são os buracos na legislação que dão margem a corrupção e o desvio de recursos do fundo eleitoral. Candidatos medíocres, os porcas urnas, aqueles de pouca importância – ou nenhuma - numa coligação partidária, vão ressurgir nas eleições. Muitos aparecem nessas horas para extorquir empresários. Outros, mais habilidosos, apresentam-se como laranjas. Existem, no entanto, aqueles que estão no mandato e vão apelar para se reeleger. Preteridos na distribuição da cota, vão correr atrás do dinheiro fácil.

Políticos experientes, com quem conversei, alertam que esse dinheiro invisível poderá vir do tráfico de drogas. Dizem que, a exemplo do surgimento das bancadas dos evangélicos e dos ruralistas no Congresso Nacional, os traficantes também se preparam para ocupar espaço na política e formar seus ninhos no congresso financiando candidatos. Em doses homeopáticas isso já vem ocorrendo. No Rio, a deputada federal Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, e o deputado estadual Marcus Vinicius (PTB), respondem a processo por associação ao tráfico, depois da descoberta de que traficantes do bairro de Cavalcanti ajudaram a elegê-los.

Ora, não é difícil supor que candidatos sem acesso ao fundo eleitoral recorram ao dinheiro fácil da droga para bancar suas campanhas, já que o caixa dois – se existir – estará muito vigiado e alguns desses políticos vão preferir o dinheiro “não contabilizado” para financiar suas campanhas. O Brasil, na América do Sul, não seria o único país com uma bancada financiada pelo narcotráfico. É bom lembrar que na Colômbia até o chefão Pablo Escobar representou a sua turma na Câmara dos Deputados eleito legitimamente pelo voto popular.

Portanto, não seria de se estranhar que o narcotráfico e as facções criminosas, que agem dentro dos presídios, comandassem ações aqui fora para criar uma base política de defesa de seus interesses no Congresso Nacional.

No comércio das drogas, o Brasil não está tão longe dos cartéis colombianos.

Eleitor pode levar nova facada pelas costas, ou coisa pior

Das duas, uma: ou os brasileiros levarão mais uma facada pelas costas depois das eleições ou, coisa pior, viverão uma crise de proporções inéditas relacionada à ruína dos serviços públicos de que necessitam. Desde a redemocratização, a regra tem sido a da facada, de traição ao eleitor.

Fernando Collor confiscou a poupança, FHC 2 desvalorizou o real após a reeleição, Lula 1 adotou a cartilha do FMI e Dilma 2 chamou um executivo do Bradesco para fazer o ajuste fiscal. Nada disso tinha sido combinado ou informado previamente.



Falar que o país precisa de ajustes, todos falam, com gradações. Mas é de lamentar que ninguém desça a detalhes mínimos a pouco mais de quatro meses da eleição.

“Não temos um esboço. É cedo para falar”, disse Persio Arida, coordenador do programa de Geraldo Alckmin (PSDB), em entrevista à Folha sobre a reforma da Previdência. “Não quero dar detalhes”, foi outra resposta, sobre retirar da Constituição vinculações obrigatórias entre receitas e gastos em saúde e educação.

Marina Silva (Rede) fala de mais impostos para os ricos. Como? Ciro Gomes (PDT), de aumentar o poder de indução do Estado sobre o crescimento. Com mais isenções de um governo falido? Jair Bolsonaro (PSC) simplesmente não fala.

Na atual conjuntura, ajuste equivale a perdas consideráveis para grupos ou pessoas. Como ele deve ser enorme, equivalente a uns R$ 250/300 bilhões por ano que o país precisa para sair da rota da insolvência, é muita gente que vai perder estando mal informada.

O desequilíbrio fiscal é de tal ordem que o gasto da União com Previdência, servidores e outros benefícios saltou de 57% da receita líquida em 2010 para 77,5% agora. Dos 22,5 pontos de aumento, 16 decorreram do Regime Geral de Previdência Social.

Isso deprimiu os investimentos em infraestrutura e custeio da máquina para o menor valor em quase meio século.

Não estamos longe de a administração como um todo começar a parar, apesar de 70% da população depender, por exemplo, do SUS.

O percentual (70%) é o mesmo dos eleitores em famílias que ganham até R$ 2.800/mês, o que dá a dimensão da dependência que eles têm de escolas, hospitais e transporte públicos. Tudo isso será agravado por uma massa de aposentados nos estados que vem aí, onerando ainda mais suas previdências já deficitárias e tirando pessoal dos balcões de atendimento.

Como sair dessa armadilha é do que a campanha deveria tratar. Mas o padrão do estelionato eleitoral deve ser mantido, parece.
Quando Dilma 2 traiu o eleitorado, sua taxa de reprovação pulou de 24% no pós eleição para 71% em menos de um ano, superando o recorde de Collor em 1992. Foi o começo do fim da petista.

Como as mudanças necessárias (Previdência ou desvinculação de receitas de gastos obrigatórios) precisarão de 3/5 dos votos dos parlamentares, ser um presidente impopular ou com pecha de traidor poderá, mais uma vez, custar caro ao país.

Paisagem brasileira

Marinha, Durval Pereira 

Nossa estupidez

Para Mauro Paulino, diretor do instituto de pesquisa Datafolha, a segurança pública será tema central das narrativas eleitorais esse ano, ainda que a economia continue a ter importância e influência no processo. Ele tem razão, porque a sensação de insegurança nas cidades aumentou, apesar de, paradoxalmente, terem surgido boas notícias aqui e ali.

Em São Paulo, por exemplo, houve queda significativa (de 5%) no número de homicídios dolosos em 2017, na comparação com o ano anterior. Na verdade, a taxa de homicídios no estado vem caindo consistentemente desde 2001, mas o ex-governador Geraldo Alckmin não conseguiu nem divulgar esses bons resultados nem fortalecer a sensação de segurança nas ruas.

Já os acontecimentos verificados no estado do Rio de Janeiro e em outros estados apontam para uma realidade dramática. Conforme levantamento do Instituto Paraná de Pesquisas divulgado em janeiro, para a imensa maioria dos brasileiros — 67,9%, para ser preciso — o nível de violência aumentou nos últimos anos.

No Rio de Janeiro, a violência urbana era crescente antes mesmo do Carnaval desse ano, quando se intensificou.

Nem mesmo a intervenção na segurança pública do estado, medida mais do que justificada tomada em fevereiro pelo governo federal, ainda que pontual e temporária, conseguiu diminuir a sensação de insegurança entre os cidadãos.

Assim, no debate pré-eleitoral, o tema vai ganhar corpo. Serão sugeridas iniciativas como a unificação das polícias, a criação de um organismo de inteligência de segurança pública, o fortalecimento da Força Nacional, a unificação das polícias militares em uma única força federal, entre outras.

Mas a questão que deveria ser debatida é que largas porções do nosso território não têm estado, nem governo, nem vigência de lei. Não há solução à vista, já que nem as elites — essas, quando não são corrompidas ou omissas, são delirantes em suas propostas politicamente corretas — nem a população em geral parecem interessadas na solução do problema para além da segurança pessoal.

No fundo, não há um desejo comunitário de segurança. E quando as manifestações aparentam ser comunitárias, elas são capturadas pela radicalidade da direita e esquerda, ambas autoritárias. Nossa omissão é nossa grande estupidez. Era assim também na Venezuela de Andrés Pérez e Rafael Caldeira. A elite, omissa e então interessada em produzir misses e ganhar dinheiro sem promover educação e emprego, deixou Hugo Chávez fazer o que fez. Foram viver em Miami. Deu no que deu.

Eleição de partidos bichados

Com raras exceções, a próxima eleição será travada entre partidos bichados pela corrupção, uns mais do que os outros, mas quase todos bichados
Ricardo Noblat

Situação do PT se tornou simples como o ABC

A situação política do PT se complica a cada dia. De tão complicada, vai ficando simples. Simples como o ABC. Existe o Plano A: Lula. Está preso em Curitiba. Existe o Plano B: Jaques Wagner. É investigado num caso que envolve R$ 82 milhões em propinas e caixa dois da Odebrecht e da OAS. Existe o Plano C: Fernando Haddad. Acaba de ser denunciado sob a acusação de uso eleitoral de R$ 2,6 milhões em propinas extraídas da Petrobras pela construtora UTC.


É de dar pena a encrenca em que se meteu o petismo. Não sabe se escolhe um vice para arrastar a bola de ferro do presidenciável preso ou se substitui Lula por um poste antes que a Justiça Eleitoral carimbe em sua biografia o título de ficha-suja. Trata Ciro Gomes com os pés mesmo sabendo que não dispõe de nenhuma boa alternativa à mão.

Se o PT tivesse algo novo a oferecer, já teria aparecido alguém sugerindo que o partido fechasse para balanço pelo menos até a convenção de julho. Os companheiros conseguiram demonstrar que agremiações partidárias também podem falir. O partido da estrela vermelha foi à breca.

Brasil tem 6,9 milhões de famílias sem casa e 6 milhões de imóveis vazios

O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo e foi ao chão no centro de São Paulo, não apenas escancarou o problema do déficit habitacional no Brasil como jogou luz sobre a situação dos imóveis vazios que, mesmo sem condições adequadas, atraem milhares de pessoas em busca de teto.


O país tem, pelo menos, 6,9 milhões de famílias sem casa para morar. Tem também cerca de 6,05 milhões de imóveis desocupados há décadas.

Esse descompasso, que já havia sido indicado pelo Censo de 2010, tem motivado uma onda de ocupações e invasões em uma escala jamais vista no país, diz o urbanista Edésio Fernandes, professor de direito urbanístico e ambiental da UCL (University College London).

"A diferença das ocupações tradicionais está no volume. Não se sabe quantas pessoas vivem dessa forma, sem falar das práticas precárias de aluguel e o surgimento dos cortiços, sobretudo nas áreas centrais, agravado pelo crescimento da população de rua", diz Fernandes, pontuando que as novas ocupações são maiores que muitos municípios brasileiros em termos populacionais.

O professor cita como exemplo dessa nova onda a ocupação batizada de Izidora, em Belo Horizonte. Formada por três vilas interligadas (Esperança, Rosa Leão e Vitória), Izidora reúne 30 mil pessoas numa área de cerca de 900 hectares ocupada a partir de 2013. Fernandes cita também a ocupação Povo Sem Medo, de São Bernardo, que em uma semana já tinha reunido 6 mil pessoas no ano passado.

Fernandes diz que o problema é a falta de leis para definir onde os mais pobres vão morar. "Não há planejamento e pensamento sobre onde vão viver os pobres. (...) Os centros de cidades estão perdendo população, mas o lugar dos pobres é cada vez mais a periferia", afirma o professor, que é membro da Development Planning Unit da UCL.

Para resolver esse problema, diz Fernandes, a solução não passa apenas por facilitar a aquisição de propriedades para quem tem baixa renda. Ele defende uma mescla de políticas públicas, que incluem também propriedades coletivas, moradias subsidiadas e auxílio-aluguel como medidas necessárias para acabar com o déficit habitacional, que é maior entre famílias que têm renda entre zero e três salários mínimos - cerca de 93% dos 6,9 milhões de famílias sem teto têm renda de até R$ 2,8 mil.
Cotas sociais e raciais para moradia

É por isso que a arquiteta e urbanista Joice Berth defende reservar cotas habitacionais em espaços com mais infraestrutura para negros.

"A gente precisa desfazer o modelo de casa grande e senzala", afirma Berth, dizendo que bairros como Pinheiros e Itaim Bibi, em São Paulo, são bairros mais brancos e com maior renda "onde a negritude não pode estar".

A arquiteta pontua que "brancos e pretos pobres se parecem, mas não são iguais". Por isso, ela defende cotas não apenas em programas de aquisição de imóveis em conjuntos habitacionais, mas também uma política que garanta acesso direto à terra aos negros.

Ela também acredita que está na hora de radicalizar as pautas. "Até porque com o advento das cotas (na educação) temos pessoas com novo olhar", observa.

Em relação às ocupações, Berth diz que a solução pode passar por reformar esses imóveis e manter os moradores que lá estão.

O professor Edésio Fernandes, no entanto, observa que o "Brasil não tem tradição nem know how" para transformar imóveis comerciais em residenciais, e isso pode encarecer e dificultar essa conversão. "Faltam tradição e tecnologia", salienta.
Perversidade

Fernandes observa ainda que programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV) deixaram a desejar. Na avaliação dele, além de não atender com prioridade a população com renda mais baixa, o MCMV oferece imóveis de baixa qualidade construtiva e ambiental.

O professor lembra, no entanto, que o Brasil não é o único país a enfrentar dificuldades para manter uma política habitacional de qualidade. Fernandes cita o incêndio consumiu Grenfell Tower, prédio de 127 apartamentos para pessoas de baixa renda em Londres, que usou material de baixa qualidade e inflamável em uma reforma antes da tragédia que matou 71 pessoas.

Ele também compara o incêndio da torre britânica com o do prédio do centro de São Paulo. "Os dois incêndios revelam muito mais do que a falência de um modelo e de uma política, revelam a perversidade dessa forma de se fazer cidade e moradia", afirma.

A falência, acredita Fernandes, também se estende ao sistema de representação política e reflete a falta de mobilização da sociedade para demandar seus direitos.

"Sobretudo, é a falência da nossa história de não confrontar a estrutura fundiária, segregada e privatista", diz.

Fernandes e Berth conversaram com a BBC e defenderam mudanças na política habitacional brasileira no sábado, durante palestra no Brazil Forum UK, evento organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido.
BBC Brasil