A precaução tomada contra ladrões que abrem cofres, examinam sacolas ou saqueiam gavetas, consiste em mantê-los com cordas e trancá-los com fechos e cadeados. É a isso que o mundo chama de sagacidade. Porém, chega um ladrão musculoso e leva a gaveta nos ombros, com o baú e a sacola, e foge, levando tudo nas costas. Seu único receio é que as cordas, fechos e cadeados não sejam bastante fortes. Por conseguinte, o que o mundo chama de sagacidade não é simplesmente assegurar as coisas para um ladrão musculoso?
E atrevo-me a afirmar que nada daquilo que o mundo chama de sagacidade é outra coisa senão poupar para os ladrões fortes. E nada do que o mundo chama de prudência é outra coisa senão entesourar para os ladrões fortes.
Chuang Tzu (370 e 301 a.C.)
quinta-feira, 4 de julho de 2024
Mudança climática é falha de mercado
No cerne das tentativas para interromper as mudanças climáticas, há duas ideias: descarbonizar a eletricidade e eletrificar a economia. Então, como isso está indo? Mal, é a resposta.
Se a situação mudará a tempo? Não, na trajetória atual. Ainda pior, a política, sempre difícil, tornou-se ainda mais complicada: as pessoas simplesmente não querem pagar pelo preço de descarbonizar a economia.
Um fato desanimador: em 2023, a produção de eletricidade gerada por combustíveis fósseis foi a maior na história. A participação da eletricidade produzida dessa maneira em relação ao total, na verdade, caiu, de 67%, em 2015 (data do célebre Acordo de Paris sobre o clima), para 61%, em 2023. Nesses oito anos, contudo, a produção total de eletricidade no mundo saltou 23%. Como resultado, embora a geração de fontes não fósseis (incluindo a nuclear) tenha aumentado impressionantes 44%, a de combustíveis fósseis cresceu 12%. Infelizmente, a atmosfera reage às emissões, não às boas intenções: estamos correndo para a frente, mas indo para trás.
A explicação para esse aumento explosivo na geração de eletricidade é o desejo de pessoas e empresas em países emergentes e em desenvolvimento de gozar dos estilos de vida dos países de alta renda, de uso intensivo de energia. Como estes últimos não têm intenção de abrir mão desse estilo de vida, como podem reclamar dos outros? Sim, existe um movimento, politicamente irrelevante, de “decrescimento”. No entanto, interromper o crescimento, mesmo que fosse politicamente aceitável (o que não é!), não eliminaria a demanda por eletricidade. Isso exigiria reverter o crescimento dos últimos 150 anos, em vez de apenas interrompê-lo.
A única solução é uma descarbonização mais rápida e, portanto, um maior investimento em eletricidade gerada por fontes renováveis e nucleares - na verdade, por qualquer fonte que não queime combustíveis fósseis. Precisamos admitir, entretanto, que até agora, apesar de muito discurso, as emissões não vêm diminuindo e, dessa forma, tanto os estoques de gases causadores do efeito estufa na atmosfera quanto as temperaturas mundiais vêm aumentando.
Uma resposta a isso muito mais perigosa (por ser mais potente politicamente) que a dos defensores do decrescimento vem de seu movimento oposto - o dos nacionalistas e defensores do livre mercado. Essa resposta é: “Quem se importa? Deixem a economia dos combustíveis fósseis se desenvolver”.
Há um importante contraponto a esse ponto de vista em um artigo recente de pesquisadores do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático (PIK, na sigla em alemão). O documento constata que “a economia mundial está comprometida a [ter] uma redução de renda de 19%” até 2050, dentro de uma faixa provável de queda entre 11% e 29%, dadas as incertezas, em relação ao que teria ocorrido sem as mudanças climáticas. A palavra “comprometida” aqui descreve apenas o impacto das emissões passadas e cenários futuros “socioeconomicamente plausíveis”, ou “se os negócios continuarem como sempre”.
O estudo também assevera que os custos para suavizar isso, limitando o aumento da temperatura a 2°C são apenas um sexto dos custos que seriam provocados pelas prováveis mudanças climáticas. Acrescenta que as maiores perdas serão sofridas pelos países mais pobres em “latitudes mais baixas” (o Sul Global de hoje), que não são responsáveis pela armadilha na qual se encontram.
Não é preciso acreditar em análises tão específicas como essas. Mas é preciso acreditar na física, não particularmente complicada, do aquecimento mundial e na maluquice de conduzir experimentos irreversíveis de longo prazo no único planeta habitável que temos. Além disso, agora está claro que as previsões passadas sobre o aquecimento mundial provaram estar corretas em grande medida. Persistir no ceticismo, é imoral e estúpido. Mesmo um fanático do livre mercado não pode negar que externalidades ambientais são uma forma de falha de mercado. O clima é a maior externalidade de todas. Também cria o maior problema possível de ação coletiva, um problema que afeta não apenas toda a humanidade, mas que também tem enormes consequências distributivas intergeracionais e dentro da própria geração.
Até recentemente, eu ainda esperava que pudéssemos ter sorte: as forças do mercado (somadas ao investimento maciço da China) poderiam conduzir o mundo rumo às fontes renováveis com a rapidez suficiente. Isso não parece mais plausível, porque o ritmo da mudança rumo às fontes renováveis precisa ser incrivelmente acelerado (sem contar os muitos outros investimentos necessários). Em seu livro “The price is wrong: Why capitalism won’t save the planet”, Brett Christophers argumenta que o fato de o preço da eletricidade gerada pelas fontes renováveis estar em queda não torna essas fontes um investimento atraente para os investidores: o que importa são os lucros, não os custos marginais. Caso Christophers esteja certo, será necessária alguma combinação de altos impostos sobre a emissão de carbono, de subsídios de longo prazo e de mudanças na estrutura dos mercados de eletricidade.
Isso não é tudo. Como Nicholas Stern e Joseph Stiglitz argumentam no artigo “Climate Change and Growth”, um dos problemas mais importantes nesse front é que os mercados de capital não conseguem dar um preço para o futuro de forma apropriada. Portanto, os retornos que os investidores de hoje buscam implicam que o bem-estar dos seres humanos futuros é quase irrelevante. Isso só faz sentido quando se pode presumir que o futuro estará bem. Mas e se as decisões sendo tomadas pelos investidores garantirem que não estará? Então, as instituições - os governos, evidentemente - precisam influenciar, ou mesmo derrubar, essas decisões. Isso dá muita força ao argumento de que se deve influenciar (ou determinar) os custos de capital. Isso é particularmente importante para países emergentes e em desenvolvimento, onde os custos de capital são punitivos. Um importante artigo recente do centro de estudos Bruegel, “The Economic Case for Climate Finance at Scale”, apresenta um argumento convincente a favor de financiar um processo acelerado para que esses países deixem de depender do carvão.
Daqui a 100 anos, as pessoas provavelmente lembrarão de nossa era como aquela em que legamos, de forma consciente, um clima desestabilizado. O mercado não corrigirá essa falha de mercado mundial. E a fragmentação política de hoje e o populismo nacional tornam quase inconcebível que venha a surgir a coragem necessária para corrigi-la. Falamos muito. Mas descobrimos que é praticamente impossível agir na escala necessária. Essa é uma falha trágica.
Se a situação mudará a tempo? Não, na trajetória atual. Ainda pior, a política, sempre difícil, tornou-se ainda mais complicada: as pessoas simplesmente não querem pagar pelo preço de descarbonizar a economia.
Um fato desanimador: em 2023, a produção de eletricidade gerada por combustíveis fósseis foi a maior na história. A participação da eletricidade produzida dessa maneira em relação ao total, na verdade, caiu, de 67%, em 2015 (data do célebre Acordo de Paris sobre o clima), para 61%, em 2023. Nesses oito anos, contudo, a produção total de eletricidade no mundo saltou 23%. Como resultado, embora a geração de fontes não fósseis (incluindo a nuclear) tenha aumentado impressionantes 44%, a de combustíveis fósseis cresceu 12%. Infelizmente, a atmosfera reage às emissões, não às boas intenções: estamos correndo para a frente, mas indo para trás.
A explicação para esse aumento explosivo na geração de eletricidade é o desejo de pessoas e empresas em países emergentes e em desenvolvimento de gozar dos estilos de vida dos países de alta renda, de uso intensivo de energia. Como estes últimos não têm intenção de abrir mão desse estilo de vida, como podem reclamar dos outros? Sim, existe um movimento, politicamente irrelevante, de “decrescimento”. No entanto, interromper o crescimento, mesmo que fosse politicamente aceitável (o que não é!), não eliminaria a demanda por eletricidade. Isso exigiria reverter o crescimento dos últimos 150 anos, em vez de apenas interrompê-lo.
A única solução é uma descarbonização mais rápida e, portanto, um maior investimento em eletricidade gerada por fontes renováveis e nucleares - na verdade, por qualquer fonte que não queime combustíveis fósseis. Precisamos admitir, entretanto, que até agora, apesar de muito discurso, as emissões não vêm diminuindo e, dessa forma, tanto os estoques de gases causadores do efeito estufa na atmosfera quanto as temperaturas mundiais vêm aumentando.
Uma resposta a isso muito mais perigosa (por ser mais potente politicamente) que a dos defensores do decrescimento vem de seu movimento oposto - o dos nacionalistas e defensores do livre mercado. Essa resposta é: “Quem se importa? Deixem a economia dos combustíveis fósseis se desenvolver”.
Há um importante contraponto a esse ponto de vista em um artigo recente de pesquisadores do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático (PIK, na sigla em alemão). O documento constata que “a economia mundial está comprometida a [ter] uma redução de renda de 19%” até 2050, dentro de uma faixa provável de queda entre 11% e 29%, dadas as incertezas, em relação ao que teria ocorrido sem as mudanças climáticas. A palavra “comprometida” aqui descreve apenas o impacto das emissões passadas e cenários futuros “socioeconomicamente plausíveis”, ou “se os negócios continuarem como sempre”.
O estudo também assevera que os custos para suavizar isso, limitando o aumento da temperatura a 2°C são apenas um sexto dos custos que seriam provocados pelas prováveis mudanças climáticas. Acrescenta que as maiores perdas serão sofridas pelos países mais pobres em “latitudes mais baixas” (o Sul Global de hoje), que não são responsáveis pela armadilha na qual se encontram.
Não é preciso acreditar em análises tão específicas como essas. Mas é preciso acreditar na física, não particularmente complicada, do aquecimento mundial e na maluquice de conduzir experimentos irreversíveis de longo prazo no único planeta habitável que temos. Além disso, agora está claro que as previsões passadas sobre o aquecimento mundial provaram estar corretas em grande medida. Persistir no ceticismo, é imoral e estúpido. Mesmo um fanático do livre mercado não pode negar que externalidades ambientais são uma forma de falha de mercado. O clima é a maior externalidade de todas. Também cria o maior problema possível de ação coletiva, um problema que afeta não apenas toda a humanidade, mas que também tem enormes consequências distributivas intergeracionais e dentro da própria geração.
Até recentemente, eu ainda esperava que pudéssemos ter sorte: as forças do mercado (somadas ao investimento maciço da China) poderiam conduzir o mundo rumo às fontes renováveis com a rapidez suficiente. Isso não parece mais plausível, porque o ritmo da mudança rumo às fontes renováveis precisa ser incrivelmente acelerado (sem contar os muitos outros investimentos necessários). Em seu livro “The price is wrong: Why capitalism won’t save the planet”, Brett Christophers argumenta que o fato de o preço da eletricidade gerada pelas fontes renováveis estar em queda não torna essas fontes um investimento atraente para os investidores: o que importa são os lucros, não os custos marginais. Caso Christophers esteja certo, será necessária alguma combinação de altos impostos sobre a emissão de carbono, de subsídios de longo prazo e de mudanças na estrutura dos mercados de eletricidade.
Isso não é tudo. Como Nicholas Stern e Joseph Stiglitz argumentam no artigo “Climate Change and Growth”, um dos problemas mais importantes nesse front é que os mercados de capital não conseguem dar um preço para o futuro de forma apropriada. Portanto, os retornos que os investidores de hoje buscam implicam que o bem-estar dos seres humanos futuros é quase irrelevante. Isso só faz sentido quando se pode presumir que o futuro estará bem. Mas e se as decisões sendo tomadas pelos investidores garantirem que não estará? Então, as instituições - os governos, evidentemente - precisam influenciar, ou mesmo derrubar, essas decisões. Isso dá muita força ao argumento de que se deve influenciar (ou determinar) os custos de capital. Isso é particularmente importante para países emergentes e em desenvolvimento, onde os custos de capital são punitivos. Um importante artigo recente do centro de estudos Bruegel, “The Economic Case for Climate Finance at Scale”, apresenta um argumento convincente a favor de financiar um processo acelerado para que esses países deixem de depender do carvão.
Daqui a 100 anos, as pessoas provavelmente lembrarão de nossa era como aquela em que legamos, de forma consciente, um clima desestabilizado. O mercado não corrigirá essa falha de mercado mundial. E a fragmentação política de hoje e o populismo nacional tornam quase inconcebível que venha a surgir a coragem necessária para corrigi-la. Falamos muito. Mas descobrimos que é praticamente impossível agir na escala necessária. Essa é uma falha trágica.
Lei antidesmatamento da UE pode salvar florestas
As prateleiras dos supermercados europeus poderão em breve ser abastecidas com vários produtos livres de desmatamento, graças a uma lei da União Europeia (UE) que "mudará o jogo".
Aprovado em meados do ano passado e com entrada em vigor a partir do final deste ano, o Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR) exige que os comerciantes que colocam determinados produtos no mercado do bloco ou os exportam a partir dele provem que essas mercadorias não são originárias de terras que foram desmatadas após 2020.
O regulamento tem como alvo as commodities com a maior pegada de desmatamento, incluindo gado, cacau, café, óleo de palma – também conhecido como azeite de dendê –, borracha, soja e madeira, além de produtos como chocolate, pneus, móveis e papel derivados dessas commodities.
"É a primeira do gênero", afirma Anke Schulmeister-Oldenhove, diretora sênior de políticas florestais da ONG ambientalista WWF. "É uma mudança de paradigma que é benéfica para nós."
Nas últimas semanas, os Estados Unidos pediram um adiamento da lei, afirmando que ela prejudicaria os produtores que não pudessem cumpri-la.
Vários outros países, inclusive vários Estados-membros da própria UE, expressaram preocupações sobre a carga administrativa que a lei imporia aos agricultores.
Embora a UE ainda não tenha respondido publicamente aos pedidos de adiamento dos EUA, um porta-voz da Comissão Europeia disse que estava "trabalhando muito ativamente" para preparar a entrada em vigor da lei no próximo ano. Que impacto isso poderia ter sobre as florestas e o meio ambiente do mundo?
A lei tem como objetivo reduzir a contribuição da Europa para a "taxa alarmante" de desmatamento global e suas consequentes emissões e perda de biodiversidade.
Estima-se que o consumo na UE tenha sido responsável por cerca de 10% do desmatamento global nas últimas décadas.
As florestas são vitais para a vida no planeta, sustentando a existência de mais de 80% de todos os animais, plantas e insetos terrestres. Elas garantem que tenhamos ar suficiente para respirar, filtram nossa água potável e oferecem proteção contra deslizamentos de terra, inundações e tempestades.
E elas são cruciais quando se trata de mudanças climáticas. As florestas atuam como grandes sumidouros de carbono e, se forem destruídas, o CO2 é liberado novamente na atmosfera, alimentando o aumento da temperatura.
Apesar de a maioria dos países ter se comprometido a interromper a perda de florestas até 2030, o mundo não está nem perto dos níveis necessários para atingir esse objetivo.
Somente em 2023, uma cobertura de floresta tropical do tamanho de Singapura desapareceu por semana. O desmatamento é um dos fatores mais importantes da mudança climática, contribuindo com cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa.
A lei tem como objetivo a principal causa do desmatamento.
Estima-se que 90% da perda de florestas seja causada direta ou indiretamente pela expansão da agricultura, pois as árvores são cortadas para dar lugar a campos e plantações, para alimentar a crescente demanda global por alimentos e outros recursos. Entre 1990 e 2020, uma área agregada de floresta maior do que o tamanho da UE foi convertida para uso agrícola.
De acordo com a organização de pesquisa americana Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês), apenas sete commodities – madeira, borracha, gado, café, cacau, óleo de palma e soja – foram responsáveis por 57% de toda a perda de cobertura florestal associada à agricultura entre 2001 e 2015, substituindo uma área de floresta com mais de duas vezes o tamanho da Alemanha.
A UE é o segundo maior mercado para esses produtos, depois da China, e a demanda está crescendo.
Somente o consumo e a produção contínuos de gado, café, óleo de palma, soja e madeira estariam ligados ao desmatamento de 250 mil hectares de floresta por ano até 2030, de acordo com uma avaliação do impacto da lei na UE.
O óleo de palma e a soja respondem por mais de 60% dos produtos importados pela UE ligados ao desmatamento.
Embora muitos países tenham tentado tornar mais transparentes e rastreáveis cadeias de suprimento específicas – desde o cacau em Gana até a madeira na Indonésia – o escopo das commodities e o tamanho do mercado-alvo diferenciam a regulamentação da UE, explica Tina Schneider, diretora de governança e políticas florestais do WRI. "A EUDR será muito importante no combate ao desmatamento porque é a primeira regulamentação que abrange todo o mercado das commodities listadas."
A Comissão afirma que a regulamentação poderia reduzir as emissões de carbono causadas pelo consumo e pela produção dos produtos listados na UE em pelo menos 32 milhões de toneladas métricas por ano e salvar mais de 70 mil hectares de florestas.
"Com uma agricultura mais eficiente e ecologicamente correta nas terras existentes, não deve haver necessidade de novos desmatamentos", diz Schulmeister-Oldenhove, da WWF, acrescentando que, pelo regulamento, a UE apoiará os países parceiros na transição para um modelo de produção mais sustentável.
Ela acrescenta que, embora outros fatores de desmatamento não sejam abordados pela regulamentação – como a criação de aves e suínos, assim como a extração de metais e minerais –, os produtos que ela abrange são extensos o suficiente para minimizar a chance de ter em seu prato algo que "custe uma floresta".
Um estudo de 2022 sobre as 350 empresas mais influentes ligadas ao desmatamento constatou que 72% delas não tinham um compromisso para todas as commodities em sua cadeia de suprimentos sob esse risco.
"Ter medidas voluntárias que não estão realmente produzindo os resultados desejados não é bom se quisermos atingir a meta global de interromper e pôr um fim à perda de florestas", diz Schneider. "Para obter uma ampla aceitação em todo o mercado, é preciso regulamentação."
Vários países reclamaram que a regulamentação sobrecarrega os agricultores. No entanto, Schneider enfatiza que, embora os agricultores possam ser solicitados a fornecer informações – como dados de geolocalização de seus terrenos – a obrigação legal de coletar e relatar essas informações recai exclusivamente sobre as empresas mais abaixo na cadeia de suprimentos, que colocam os produtos no mercado da UE.
De acordo com um porta-voz da Comissão Europeia, a instituição está trabalhando arduamente para ajudar os pequenos agricultores a se prepararem para a lei, inclusive por meio de dois programas financiados com um total de 110 milhões de euros (R$ 662 milhões). Segundo ele, algumas associações de pequenos agricultores enfatizaram que a EUDR poderia lhes proporcionar novas oportunidades, incluindo uma posição mais forte na cadeia de valor por terem seus dados de geolocalização.
E embora as cadeias de suprimentos sejam notoriamente complexas de rastrear – muitas vezes abrangendo vários atores e cruzando fronteiras –, Schneider diz que agora há um número crescente de tecnologias e plataformas que facilitam esse trabalho.
"Agora estamos vendo esse enorme aumento na atenção e no esforço para que tudo isso seja preparado a tempo de apoiar diretamente a devida diligência para a EUDR para aqueles que colocam produtos no mercado da UE, ou de fornecer ao comprador informações sobre a origem de seus produtos", afirma Schneider.
Ela explica que embora os Estados Unidos e o Reino Unido também estejam caminhando rumo a regulamentações semelhantes, a EUDR deu um grande impulso à luta contra o desmatamento. "Ela comunica claramente ao resto do mundo e aos atores da Europa que a UE está priorizando a responsabilidade pelo seu consumo e pelos possíveis efeitos negativos desse consumo."
Aprovado em meados do ano passado e com entrada em vigor a partir do final deste ano, o Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR) exige que os comerciantes que colocam determinados produtos no mercado do bloco ou os exportam a partir dele provem que essas mercadorias não são originárias de terras que foram desmatadas após 2020.
O regulamento tem como alvo as commodities com a maior pegada de desmatamento, incluindo gado, cacau, café, óleo de palma – também conhecido como azeite de dendê –, borracha, soja e madeira, além de produtos como chocolate, pneus, móveis e papel derivados dessas commodities.
"É a primeira do gênero", afirma Anke Schulmeister-Oldenhove, diretora sênior de políticas florestais da ONG ambientalista WWF. "É uma mudança de paradigma que é benéfica para nós."
Nas últimas semanas, os Estados Unidos pediram um adiamento da lei, afirmando que ela prejudicaria os produtores que não pudessem cumpri-la.
Vários outros países, inclusive vários Estados-membros da própria UE, expressaram preocupações sobre a carga administrativa que a lei imporia aos agricultores.
Embora a UE ainda não tenha respondido publicamente aos pedidos de adiamento dos EUA, um porta-voz da Comissão Europeia disse que estava "trabalhando muito ativamente" para preparar a entrada em vigor da lei no próximo ano. Que impacto isso poderia ter sobre as florestas e o meio ambiente do mundo?
A lei tem como objetivo reduzir a contribuição da Europa para a "taxa alarmante" de desmatamento global e suas consequentes emissões e perda de biodiversidade.
Estima-se que o consumo na UE tenha sido responsável por cerca de 10% do desmatamento global nas últimas décadas.
As florestas são vitais para a vida no planeta, sustentando a existência de mais de 80% de todos os animais, plantas e insetos terrestres. Elas garantem que tenhamos ar suficiente para respirar, filtram nossa água potável e oferecem proteção contra deslizamentos de terra, inundações e tempestades.
E elas são cruciais quando se trata de mudanças climáticas. As florestas atuam como grandes sumidouros de carbono e, se forem destruídas, o CO2 é liberado novamente na atmosfera, alimentando o aumento da temperatura.
Apesar de a maioria dos países ter se comprometido a interromper a perda de florestas até 2030, o mundo não está nem perto dos níveis necessários para atingir esse objetivo.
Somente em 2023, uma cobertura de floresta tropical do tamanho de Singapura desapareceu por semana. O desmatamento é um dos fatores mais importantes da mudança climática, contribuindo com cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa.
A lei tem como objetivo a principal causa do desmatamento.
Estima-se que 90% da perda de florestas seja causada direta ou indiretamente pela expansão da agricultura, pois as árvores são cortadas para dar lugar a campos e plantações, para alimentar a crescente demanda global por alimentos e outros recursos. Entre 1990 e 2020, uma área agregada de floresta maior do que o tamanho da UE foi convertida para uso agrícola.
De acordo com a organização de pesquisa americana Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês), apenas sete commodities – madeira, borracha, gado, café, cacau, óleo de palma e soja – foram responsáveis por 57% de toda a perda de cobertura florestal associada à agricultura entre 2001 e 2015, substituindo uma área de floresta com mais de duas vezes o tamanho da Alemanha.
A UE é o segundo maior mercado para esses produtos, depois da China, e a demanda está crescendo.
Somente o consumo e a produção contínuos de gado, café, óleo de palma, soja e madeira estariam ligados ao desmatamento de 250 mil hectares de floresta por ano até 2030, de acordo com uma avaliação do impacto da lei na UE.
O óleo de palma e a soja respondem por mais de 60% dos produtos importados pela UE ligados ao desmatamento.
Embora muitos países tenham tentado tornar mais transparentes e rastreáveis cadeias de suprimento específicas – desde o cacau em Gana até a madeira na Indonésia – o escopo das commodities e o tamanho do mercado-alvo diferenciam a regulamentação da UE, explica Tina Schneider, diretora de governança e políticas florestais do WRI. "A EUDR será muito importante no combate ao desmatamento porque é a primeira regulamentação que abrange todo o mercado das commodities listadas."
A Comissão afirma que a regulamentação poderia reduzir as emissões de carbono causadas pelo consumo e pela produção dos produtos listados na UE em pelo menos 32 milhões de toneladas métricas por ano e salvar mais de 70 mil hectares de florestas.
"Com uma agricultura mais eficiente e ecologicamente correta nas terras existentes, não deve haver necessidade de novos desmatamentos", diz Schulmeister-Oldenhove, da WWF, acrescentando que, pelo regulamento, a UE apoiará os países parceiros na transição para um modelo de produção mais sustentável.
Ela acrescenta que, embora outros fatores de desmatamento não sejam abordados pela regulamentação – como a criação de aves e suínos, assim como a extração de metais e minerais –, os produtos que ela abrange são extensos o suficiente para minimizar a chance de ter em seu prato algo que "custe uma floresta".
Um estudo de 2022 sobre as 350 empresas mais influentes ligadas ao desmatamento constatou que 72% delas não tinham um compromisso para todas as commodities em sua cadeia de suprimentos sob esse risco.
"Ter medidas voluntárias que não estão realmente produzindo os resultados desejados não é bom se quisermos atingir a meta global de interromper e pôr um fim à perda de florestas", diz Schneider. "Para obter uma ampla aceitação em todo o mercado, é preciso regulamentação."
Vários países reclamaram que a regulamentação sobrecarrega os agricultores. No entanto, Schneider enfatiza que, embora os agricultores possam ser solicitados a fornecer informações – como dados de geolocalização de seus terrenos – a obrigação legal de coletar e relatar essas informações recai exclusivamente sobre as empresas mais abaixo na cadeia de suprimentos, que colocam os produtos no mercado da UE.
De acordo com um porta-voz da Comissão Europeia, a instituição está trabalhando arduamente para ajudar os pequenos agricultores a se prepararem para a lei, inclusive por meio de dois programas financiados com um total de 110 milhões de euros (R$ 662 milhões). Segundo ele, algumas associações de pequenos agricultores enfatizaram que a EUDR poderia lhes proporcionar novas oportunidades, incluindo uma posição mais forte na cadeia de valor por terem seus dados de geolocalização.
E embora as cadeias de suprimentos sejam notoriamente complexas de rastrear – muitas vezes abrangendo vários atores e cruzando fronteiras –, Schneider diz que agora há um número crescente de tecnologias e plataformas que facilitam esse trabalho.
"Agora estamos vendo esse enorme aumento na atenção e no esforço para que tudo isso seja preparado a tempo de apoiar diretamente a devida diligência para a EUDR para aqueles que colocam produtos no mercado da UE, ou de fornecer ao comprador informações sobre a origem de seus produtos", afirma Schneider.
Ela explica que embora os Estados Unidos e o Reino Unido também estejam caminhando rumo a regulamentações semelhantes, a EUDR deu um grande impulso à luta contra o desmatamento. "Ela comunica claramente ao resto do mundo e aos atores da Europa que a UE está priorizando a responsabilidade pelo seu consumo e pelos possíveis efeitos negativos desse consumo."
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