sábado, 17 de outubro de 2015

A serpente e seus ovos

Com ou sem impeachment, uma coisa é certa: a Era PT chegou ao fim. O partido não dispõe de quadros para seguir no comando do país. Seus principais líderes ou estão na cadeia ou empenhados em dela escapar, a começar por quem o simboliza, o ex-presidente Lula, de quem Dilma é apenas marionete.

Não quer isso dizer que a estrutura – CUT, MST, UNE, ONGs etc. - e as ideias que se apossaram da máquina estatal, e a lesaram como nunca dantes neste país, largarão o osso com tanta facilidade.

A serpente PT botou ovos. Os partidos-satélites, como PSOL, PSTU, PCdoB e mesmo a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva – o maior silêncio da crise -, aí estão para receber os sobreviventes.


O próprio PT, ciente de sua impotência eleitoral, concebe a estratégia de compor uma frente partidária de esquerda para as eleições municipais do ano que vem. Rui Falcão, presidente do partido, já explicou como isso funcionaria.

Quer ocultar a estrela da legenda, hoje amaldiçoada, dissolvendo-a em meio a uma frente “progressista”, que tentará levar adiante as “conquistas sociais” que os petistas juram ter estabelecido, embora a crise econômica, decorrente das políticas que o partido concebeu, se encarregue de desfazê-las uma a uma.

A clientela do Bolsa Família é de mais de 45 milhões de pessoas, que há 17 meses não têm reajuste, o que dispensa comentários. Os “mais de 30 milhões que ascenderam à classe média” – e esses números compõem um discurso, não uma demonstração -, se lá chegaram, já fizeram o caminho de volta, segundo as estatísticas de desemprego.

As pesquisas de opinião mostram o desgaste petista nas classes mais carentes, de que foram gigolôs nas últimas décadas. Enfim, o partido que levou o país à falência econômica, política, social e moral precisa salvar-se do naufrágio nos botes salva-vidas que cuidou de providenciar. E não é difícil identificá-los.

Basta ver o empenho, por exemplo, do PSOL em valer-se de Eduardo Cunha como cortina de fumaça para desviar a atenção de infratores bem mais pesados, alguns deles, como os ministros Edinho Silva e Aloizio Mercadante, dentro do próprio Palácio do Planalto. Se Cunha justifica a indignação – e não há dúvida de que sim -, por que Edinho e Mercadante, e a própria Dilma (citada por seis delatores, enquanto Cunha o foi por dois), não?

A indignação seletiva compõe a tecnologia de sobrevivência da esquerda, hoje ancorada em milhares de ONGs que dependem de verbas do Estado para sustentar a vasta militância, inimiga de uma burguesia fictícia, que ela melhor que ninguém representa.

O silêncio de Marina Silva, que em momento algum exibiu qualquer indignação com a roubalheira da Petrobras – até aqui orçada em R$ 20 bilhões -, e só veio a público para opor-se ao impeachment, não surpreende. Tem coerência biográfica.

Ela já se manifestou reiteradas vezes nostálgica do PT, abraçada à tese de que a proposta original era boa, mas foi distorcida – e Lula teria sido arrastado sem o perceber.

A proposta original, no entanto, era essa mesma – e Lula jamais foi outro. Quando se faz um retrospecto da ação do partido antes de chegar à presidência da República, quando agia apenas no âmbito dos municípios, já estava tudo lá.

O que aconteceu, por exemplo, em Campinas, com o assassinato do prefeito Toninho do PT, e em Santo André, com o de Celso Daniel, ao tempo em que o PT era oposição, dá uma mostra dos métodos que seriam expandidos e aperfeiçoados em Brasília.

Marina é fã de Lula – e Lula é quem hoje sabemos. Não o critica, nem a Dilma, ainda que tenha sido ofendida por ambos, em níveis cruéis, na campanha. Prefere silenciar e recolher a militância sobrevivente em sua Rede. É uma pescaria silenciosa, mas não invisível. Pretende herdar a organicidade e a estrutura de uma máquina que se empenha em dar sequência, em grau menos truculento, a um projeto de poder que estava na gênese do PT.

O impeachment, ainda que não saia – e, dada a crise econômica, é difícil imaginar essa hipótese, mesmo com a visível cumplicidade nos três poderes -, permite que se vislumbre os riscos embutidos no futuro, onde a fênix esquerdista aspira ao renascimento.

Éticas na política

A filosofia distingue entre a ética descritiva e a normativa. Enquanto a primeira se limita a arrolar as crenças morais das pessoas, a segunda tenta estabelecer se essas crenças se justificam à luz de princípios que permitam classificá-las em termos de certo e errado.

Como filósofos têm imaginação fértil, há desde sistemas baseados no cálculo da felicidade até os que se fundam na religião. Um dos favoritos é a chamada regra de ouro, segundo a qual não devemos fazer ao próximo aquilo que não desejaríamos que ele nos fizesse. Surgem assim normas morais invioláveis como não roubar, não mentir, pôr o interesse público acima dos particulares etc. O princípio é tão popular que já foi sequestrado por religiões tão diversas quanto cristianismo e budismo e por filósofos do calibre de Kant.


A aplicação da regra de ouro ao cenário político brasileiro recomendaria desistir do país. Ao que tudo indica, o governo acuado pela ruína econômica e por infindáveis denúncias de corrupção está em vias de fechar um acordo com o presidente da Câmara, ele próprio enredado em acusações de corrupção. Se os relatos de bastidores são precisos, parlamentares da base governista livrariam a cara do chefe dos deputados no Conselho de Ética em troca de ele segurar os trâmites que poderiam levar a um processo de impeachment contra a presidente da República. Como a oposição calcula que não pode dispensar as boas graças do ilustre parlamentar, também evita contrariá-lo.

Ninguém admite nada disso, pois fazê-lo equivaleria a confessar que um bom naco das normas morais supostamente invioláveis estão sendo violadas. Uma alternativa seria trocar a regra de ouro por éticas mais realistas, como o consequencialismo, segundo o qual ações devem ser julgadas pelos resultados que acarretam. Mas, neste caso, a emenda fica pior que o soneto, pois são as disputas entre políticos que estão magnificando a crise econômica.

Em busca do Brasil perdido

A desmoralização completa da cúpula do Executivo e do Legislativo e as atitudes temerárias de um Judiciário que toma decisões mais políticas que efetivamente jurídicas estão causando nojo, indignação e revolta no cidadão-eleitor-contribuinte que é honesto, trabalha e produz, embora sobreviva sob espoliação do Estado Capuminista (centralizador, clientelista, cartorial, cartelizado, corrupto e canalha). A deterioração da economia agrava os problemas na crise estrutural.

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As pessoas comuns estão perdendo a paciência com o noticiário que finge tratar, com isenção e objetividade, fatos criminosos que agridem a moralidade e a ética com a coisa pública. As chantagens e jogadas baixas de Dilma Rousseff para se manter no poder são deploráveis. Tão escrotas quanto as denúncias e investigações contra os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, que são defendidos por vários de seus pares como se fossem crianças inocentes que apenas cometeram uma traquinagem.

Mais assustadora é a inimaginável blindagem de Luiz Inácio Lula da Silva - o poderoso chefão do PT e Presidentro escancarado de Bruzundanga. Novamente, surgem denúncias sobre milionários pagamentos feitos a familiares dele com dinheiro oriundo de negociatas entre empresários e a administração pública. No entanto, Lula continua intocável e preparando o retorno (de fato) à Presidência da República que seu poder paralelo nunca deixou de ocupar desde 2003. É altíssimo o risco de nada acontecer com ele - a não ser que a Justiça Divina faça o serviço que a profana e profanada não consegue fazer...

O Brasil segue no perigoso processo de impasse institucional prontinho para culminar em uma ruptura - que tem alto risco de ser violentíssima, porque mistura politicagem, radicalismo e crime organizado. Se o processo de destruição nacional não for contido, com um choque de ordem e democracia, as consequências são imprevisíveis. O risco de fragmentação do País, que tem tudo para mergulhar em conflitos armados, é o menos ruim que pode acontecer. O deplorável é a perda inútil de vidas em uma guerra que já nasce sem vitoriosos.

A inação ou lentidão para solucionar tantos problemas custarão muito ao Brasil e aos brasileiros.

O ano fantasma

2015 nem terminou mas está antecipadamente com a vaga garantida na história do Brasil. Será o inédito ano da governança fantasma, quando o país ficou literalmente à deriva das tempestades de crises seguidas, provocadas pelo tufão de imoralidade.

Embora o governo esteja no Planalto, não se vê há mais de nove meses qualquer atitude governamental que não sejam brigas pelo poder e nenhuma resolução quanto aos reais problemas brasileiros. Ah, e muita picaretagem de marketing ululante da pelegada pró-pobreza.


Há caos por todo lado porque não existe presidente (só no retrato na parede, que é de anos anteriores). Aquela figura que se agarra ao poste acenando com a faixa presidencial pede socorro para não cair, enquanto o país desce ladeira abaixo.

Para assistir ao chamado de Dilma, Lula se arvorou em salvador do poste, não do país, para evitar que vá com a família para o xilindró ou acabe na rua do desprezo. Quanto ao resto, que se lixe, quer mais é manobrar para levar os náufragos até 2018.

A cada dia explodem as falcatruas encobertas há anos pela democracia de conchavo e o aparelhamento do Estado.

O executivo se envolve em acordos imorais e casos policiais. Não ficam atrás os poderes legislativo e escandalosamente, o judiciário. Conchavos, acertos sob o manto da imoralidade. Nas mesas dos três poderes, mesmo nos níveis estadual e municipal, o Brasil não está na pauta como prioridade.

A Lava Jato, a crise financeira ou o pega pra capar político são consequências de se levar o país de trambolhão por interesses partidários e pessoais.

Os verdadeiros problemas nacionais como saúde, educação e emprego, que foram tratados como produtos de marketing durante a dominação petista, com a oposição cúmplice, não estão em pauta como não estiveram. E não estarão nem mesmo no próximo ano.

A pauta única é assegurar o Poder custe o que custar, enquanto o país segue desgovernado ao custo do sacrifício dos que serão, como sempre, os fiéis grandes pagadores da conta.

E a conta não será pequena nem de suaves prestações deste ano perdido literalmente para as grandes questões do país. Se vamos pagar por mais uns sete anos a conta das trapalhadas petistas é para se por de molho o custo de um ano sem qualquer ato digno de ser denominado de interesse nacional.

A conta do descalabro petista e da falta de vergonha generalizada é para pesar nas costas de duas gerações, no barato. Um preço vexaminoso só comparável aos que estão em guerra civil.

PT e PSDB nos espectros político, econômico e social do Brasil

Passado um bom tempo da experiência da militância do PT e do PSDB, seja em coalizões partidárias, seja por meio de cooptação de partidos políticos menores com vistas a formar maioria parlamentar, esboçou-se um período de atividades reais capaz de mostrar algumas características de cada qual.

No princípio, reivindicava para si o PT a primazia da formação de uma agremiação socialista-obreira, no modelo de organizações europeias, cujo espelho refletia traços do eurocomunismo italiano, influenciado doutrinariamente por Gramsci.

Por sua vez, o PSDB optou por uma identidade social-democrata.

Sob o influxo das responsabilidades de governo a que foram levados, registram Carlos Pereira e Samuel Pessôa, em artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, a práxis marcou, entre os dois principais partidos brasileiros, duas diferenças efetivas.

Enquanto o PT se diferencia pela ênfase demagógica e populista, no gasto social e nas políticas de inclusão, na gestão da economia, repetindo desastradas experiências do desenvolvimentismo estatal e das coalizões partidárias, também com igual insucesso, do lado do PSDB, “o custo da governabilidade” acomodou-se moderadamente, mercê de coalizões mais homogêneas e estratégias de cooptação mais compatíveis.

Os resultados dessas clivagens entre os dois maiores adversários no campo das políticas públicas não se fizeram esperar. Daí as duas conclusões dos acadêmicos aqui referidos: “a diferença entre PSDB e PT não se encontra na prioridade do gasto social. A divergência real ocorre na definição do papel do Estado no desenvolvimento econômico e na escolha sobre como gerir o nosso (inviável) presidencialismo de coalização”. Nesse ponto, nova clivagem de quase duas décadas.

Se a diferença entre PSDB e PT não se encontra na prioridade do gasto social – 0,17 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) por ano nos oito anos de FHC, com sua agenda de governo privilegiando a estabilização econômica (inflação renitente entre 1930 e 1980) –, o período petista encontrou o país em pleno equilíbrio econômico e denso programa de reformas; mas, ao acrescentar 2,29 pontos percentuais por ano ao gasto social, arrasou a economia, o que é gravíssimo, pois jogou a nação brasileira em regime de dominância fiscal, que emite sinais incontestáveis.

Finalmente, “à vol d’oiseau”, a gestão política foi a pior de todos os tempos. Anote-se que, ademais das diferenças de visões do processo de desenvolvimento econômico, cujas experiências foram repetidamente desastrosas para o país, sempre à custa de fortes desarranjos macroeconômicos, por meio de experiências de quem nada aprende sob o manto da cegueira ideológica, toda insistência revelada em planos heterodoxos resultou em enormes prejuízos para o Brasil. Em nível constitucional, a nação precisa agir contra toda essa lambança praticada e adotar o princípio da “accountability” do direito anglo-saxônico se quiser expungir da sua gestão a praga da irresponsabilidade de agentes públicos e políticos, que se fartam de causar danos imensos pelo gozo do privilégio de saírem ilesos das suas aventuras contra a sociedade política.

Ao revés, ampliado o âmbito de responsabilização, os autores de abusos como essas pedaladas fiscais poderão ser punidos e desestimulados a praticar atos irresponsáveis com certeza de impunidade.

Só resta a Cunha sair de cena em grande estilo

Admiradores e desafetos de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, deram por encerrado o expediente político da sexta-feira plenamente de acordo em pelo menos uma questão: não há mais nada a ser feito a favor dele ou contra ele.

Do ponto de vista jurídico, a levar-se em conta a lentidão dos tribunais, ainda se passará muito tempo para que Eduardo seja condenado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação de impostos.

Do ponto de vista político, Eduardo já era. Acabou. Cometeu o crime responsável pela maioria das cassações de mandatos: mentiu aos seus pares. Em depoimento à CPI da Petrobras, negou que escondesse dinheiro em contas bancárias no exterior.


Dilma Cunha chuta Domino impeachment


Ao denunciá-lo, esta semana, ao Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República provou com farta documentação que ele, a mulher e a filha foram titulares de pelo menos quatro contas bancárias na Suíça alimentadas com dinheiro de propina.

A única chance de Eduardo escapar de ser cassado por seus pares é não ser julgado por eles. Como? Renunciando ao cargo de presidente da Câmara e ao mandato de deputado. Antes dele, outros presidentes encrencados escolheram a renúncia.

O inconveniente: uma vez que renunciasse, perderia o direito a só responder por seus crimes no Supremo Tribunal Federal. Uma vez que perdesse tal direito, estaria sujeito a ser preso por ordem de qualquer juiz de esquina. Já pensou?

Bem, Eduardo talvez viesse a preferir sair da vida com um tiro para entrar na história – mas não parece ter o perfil de quem fosse capaz de proceder assim. E a abdução? Quem sabe a saída para ele não estivesse em ser abduzido? Há quem acredite nessas coisas.

O prontuário de Eduardo sugere que ele só sairá de cena atirando. Foi por brigar em excesso à direita e à esquerda, sentindo-se forte o suficiente para bancar o temerário, que ele chegou ao fim da carreira política mais rapidamente do que imaginou.

Antes que seja batido o último prego no caixão de Eduardo, ele ainda poderá detonar a bomba do impeachment contra Dilma. Como presidente da Câmara, cabe-lhe arquivar ou pôr para tramitar um dos pedidos de impeachment que ainda não foram examinados.

Não tem mais nada a perder. E, convenhamos: haveria maneira mais espetacular de ser lembrado?

charge regi 
Vacilações corrigem-se. Tiranetes, máfias e chantagens evaporam, não resistem a um dia de entendimento e sensatez
Alberto Dines, "No reino da chantagem"

À espera dos bárbaros

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.


Konstantinos Kaváfis (1863 - 1933)

Guerra e paz

Numa palestra que fiz recentemente na série "Como Viver Juntos", promovida pelo Fronteiras do Pensamento, defendi a tese de que o ser humano prefere a paz à guerra, muito embora a história esteja marcada por inumeráveis conflitos, que datam desde as nossas origens até os tempos atuais. De fato, nos dias de hoje são tantos os conflitos que a minha tese, que pareceria óbvia, se torna quase inaceitável. Não obstante, insisto em que o homem prefere a paz à guerra.

(Foto: Reprodução)
Detalhe de "Guerra e Paz", de Portinari
Como se explicaria, então, que os conflitos armados sejam um fator constante, envolvendo os mais diferentes povos e países? A resposta, que pode parecer simplista, é que nem sempre fazemos o que consideramos certo e o que desejamos. Se isso vale para cada um de nós, individualmente, imaginem quando se trata de questões que envolvem interesses econômicos e políticos nacionais e internacionais.

Refletindo sobre o tema que me foi proposto, logo me veio à mente os indígenas que habitavam o território nacional, antes que aqui chegassem os colonizadores. Viviam guerreando. É que, sendo nômades, alimentavam-se das frutas e dos animais que caçavam na floresta. Quando esses recursos se esgotavam na zona em que viviam, deslocavam-se para outra, já ocupada por diferente tribo, do que resultavam verdadeiras guerras de extermínio. Mas, com a chegada dos colonizadores e, particularmente, dos jesuítas que os catequizaram, os índios se tornaram sedentários e aqueles conflitos terminaram.

Tal fato me leva a pensar que à medida que os homens conquistam condições estáveis de vida, o motivo de muitos conflitos desaparece, embora, claro, possam surgir outros, conforme se sabe.

Se recordamos a história das nações, ao longo dos séculos, constatamos que o desenvolvimento econômico e social, pesados os prós e os contras, tem contribuído para maior acordo entre as nações. Certamente, os países têm seus interesses, que se expressam também no intercâmbio comercial, o qual melhor se mantém e desenvolve com o entendimento e não com os conflitos.

É verdade também que esses mesmos interesses podem conduzir ao desentendimento, particularmente quando as disputas no plano econômico se tornam inevitáveis. Nesses casos, muitas vezes contribuem para o acirramento das contradições fatores ideológicos que tornam o entendimento inviável. Em alguns momentos da história - mesmo em épocas mais próximas de nós - vimos surgir conflitos deliberadamente suscitado por líderes políticos e não por interesse real da nação.

Ninguém desconhece que, em diversos momentos, fatores religiosos também conduziram a guerras, de que são exemplos as Cruzadas, na Idade Média. Hoje assistimos ao fanatismo do Estado Islâmico, cujo sectarismo ultrapassa qualquer explicação razoável. Por pura intolerância, tem assassinado milhares de pessoas e destruído relíquias artísticas, patrimônios da humanidade, simplesmente para afirmar seu fanatismo.

Um dos casos mais lamentáveis de conflito irrazoável é o que se mantém entre palestinos e israelenses desde a década de 1940, quando a ONU aprovou a criação dos dois estados, o israelense e o palestino.

Os palestinos não aceitaram a decisão e, com isso, iniciou-se um conflito que dura até hoje e de que tem resultado a morte de milhares de pessoas. Duvido, sinceramente, que as mães palestinas e as mães israelenses queiram que seus filhos vão à guerra morrer. Quem, na verdade, deseja as guerras são alguns poucos, seja por razões religiosas, ideológicas ou econômicas.

E não são eles que vão para as linhas de frente pôr em jogo suas vidas. Por isso, insisto em dizer que as pessoas preferem a paz à guerra. É certo que, às vezes, se deixam levar por líderes belicistas mas, no final, quase sempre se arrependem de o terem feito.

Na palestra, mencionei um fato a que já me referi em outras ocasiões. Fui, certa vez, entrevistado por um jornalista israelense, que perguntou o que eu achava do conflito entre Israel e os palestinos. Respondi-lhe: "Acho eu devem sentar à mesa e fazer as pazes. Chega de ter razão enquanto milhares de pessoas perdem a vida".

Chega de ter razão. O que importa é ser feliz
Ferreira Gullar

Por que não sou liberal. Nem conservador. Nem porcaria nenhuma

Vivemos um momento novo, um contexto inédito. A esquerda já não reina soberana na cultura nacional. Pessoas identificadas com diversas correntes políticas colocam-se como opositoras do esquerdismo. Mas, afinal, quem somos nós? Sobram incompreensões várias – o que até é normal em uma conjuntura incipiente. Os debates públicos, em redes sociais e mesmo em grupos fechados parecem definir o seguinte: há, do lado direito, o conservadorismo moral e o liberalismo econômico; do lado esquerdo, há o libertarianismo moral e o socialismo econômico; no meio, há o liberalismo moral e econômico. Mas esse aparente arranjo é tão-somente isso, aparente.

O que escrevo a seguir define o que não somos. O resto é Síndrome do Diagrama de Nolan, na qual o sujeito sente uma irresistível necessidade de encaixotar os posicionamentos políticos e sociais em categorias cartesianas. Quem faz isso (“Veja bem, não sou de direita, sou um liberal na acepção austro-húngara com compreensão antropomoral turco-otomana) já caiu no joguinho marxista de dividir o mundo entre nós e eles e aceita os rótulos vazios e desmoralizantes que lhes são jogados. Na verdade, essa divisão até existe: ou você vive no mundo real, ou orbita gostosamente, ludicamente, oniricamente, no mundo das idéias. E esse mundo de abstração ideológica, quando realizado, bem sabemos (e melhor sabem soviéticos e chineses), é mortal.
***
O verdadeiro conservadorismo não poderia ser chamado de conservadorismo. Não se trata de um ideário, como o são o liberalismo e o socialismo (e.g.), mas de uma percepção acurada do mundo real, do que deu certo e do que deu errado ao longo da História, com a base de uma moralidade sempiterna, de um Direito Natural fundado na Verdade com "v" maiúsculo. Dizer-se conservador, sem atinência a essas ressalvas, é ser qualquer coisa, menos conservador.

"A política é a arte do possível", diz o conservador: ele pensa nas políticas de Estado como as que intentam preservar a ordem, a justiça e a liberdade.O ideólogo, ao contrário, pensa na política como um instrumento revolucionário para transformar a sociedade e até mesmo a natureza humana. Em sua marcha para a utopia, o ideólogo é impiedoso.

Esse eixo de certo e errado fundador daquilo a que se chama conservadorismo foi percebido em diferentes civilizações, em distintas regiões da Terra e em diversos momentos da História. Não o respeitamos sempre, mas ele segue pétreo, impávido colosso. Isso a que se chama erroneamente de conservadorismo não possui um nome preciso; "realismo" ou "verdadismo", talvez, seriam mais exatos, mas "-ismos" não têm nada a ver com perceber e respeitar a realidade dos fatos. O mesmo se passa com aquilo a que se deu o nome de capitalismo. Novamente, não temos um ideário, um conjunto de idéias abstratas, mas o resultado de uma relação natural, próprio dos seres humanos: a relação de trocas.

Aquilo que chamam de conservadorismo é, na verdade, a defesa da Verdade e da tensão certo-errado como mediadores das relações sociais. É algo que varia superficialmente, que muda de aspecto aqui e ali, mas cujo eixo é sempre o mesmo. É o respeito ao princípio mais básico, sólido e irrefutável que o ser humano já percebeu, o princípio da identidade (A = A). Como num exemplo de C. S. Lewis, em Cristianismo puro e simples:

Os homens divergiram quanto ao número de esposas que podiam ter, se uma ou quatro; mas sempre concordaram em que você não pode simplesmente ter qualquer mulher que lhe apetecer.

Liberalismo e esquerdismo não são opostos a o que se chama conservadorismo; sequer são diferentes, porque não são da mesma categoria, não havendo, portanto, como estabelecer tal comparação. Estes dois e outros são conjuntos de idéias, excelentes subsídios para masturbação intelectual. As boas idéias que têm, aliás, nada mais são do que a defesa da Verdade dos fatos que descrevem, da prevalência do certo sobre o errado.

[...] só nos resta aceitar a existência de um certo e de um errado. As pessoas podem volta e meia se enganar a respeito deles, da mesma forma que às vezes erram numa soma; mas a existência de ambos não depende de gostos pessoais ou de opiniões, da mesma forma que um cálculo errado não invalida a tabuada.
C. S. Lewis
Leia mais o artigo de Mateus Colombo Mendes