quinta-feira, 10 de novembro de 2016
Das vantagens de ser bobo
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou pensando.”
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?”
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Clarice Lispector
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Marc Chagall |
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?”
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Clarice Lispector
Dilma quer vender a imagem de humilde e de pobre
A Folha de S. Paulo descobriu a Dilma em Porto Alegre e fez uma matéria chorosa com ela. Mostrou-a uma coitada, desolada em um modesto apartamento de um prédio sem porteiro. Para os desavisados, a ex-presidente, depois do impeachment, recolheu-se a um quarto e sala sem móveis onde é atendida por uma diarista tão ou quanto singela como ela. Atiçado pelo meu sentimento cristão, pensei, depois de ler o texto, em mandar um dinheirinho para ela, uma coisinha que ajudasse no seu sustento diário ou – quem sabe – ajudar no próprio aluguel. Mas logo me dei conta de que a Dilma recebe gordas aposentadorias, portanto, a história contada pelo repórter do jornal não passa de uma encenação de quem quer parecer honesta e não ostentar para fugir da Lava jato.
Resisti à minha tentação de bom samaritano porque logo lembrei como a Dilma foi nociva ao país. Como foi conivente com a organização criminosa petista que assaltou os cofres públicos. Como foi dissimulada com todas as falcatruas da sua equipe durante os seis anos de governo. Quanta desordem administrativa, quanta desordem mental nas decisões, nos discursos e nas conversas com líderes estrangeiros. Quanta roubalheira. Agora, querendo esquecer o passado, ela abre o seu quarto e sala para se mostrar uma mulher humilde, sem arrogância, pobre, mortal como a sua diarista. Quer passar a impressão que deixou a presidência com uma mão na frente e outra atrás, que não compactuou com a roubalheira que a envolveu quando autorizou a compra da refinaria do Texas.
É difícil para o brasileiro engolir essa farsa, quando sabe que ela passou na frente de milhares de contribuintes para conseguir outra aposentadoria, motivo de um processo administrativo dentro do INSS. Que ao deixar a presidência, agora tem direito a uma pensão vitalícia, segurança, carro oficial e combustível. Que se acumpliciou com o Palocci, seu ex-ministro, para captar milhões de reais de caixa dois para a sua campanha.
O repórter conta na matéria que a encontrou como uma simples dona de casa. Ainda com os móveis desarrumados e a casa em desalinho, em nada parecia aquela Dilma chique que vivia para cima e pra baixo no avião presidencial visitando chefes de estados e às vezes desviando da rota oficial para saborear um bacalhau em Lisboa. No meio da conversa, a Dilma ofereceu-lhe um café. Por falta de mesa, as xícaras ficaram sobre uma cadeira. Ela falou que ainda pedala e mostrou os punhos doloridos pelo exercício continuado.
Disse que sai pouco de casa. E quando isso acontece visita o ex--marido e alguns amigos antigos. Não é de badalação e, neste momento, nem de conversas políticas. Queixou-se também do peso dos 68 anos. A conversa descontraída entre os dois em nenhum momento é quebrada por perguntas inconvenientes, tipo: a senhora não teme a Lava Jato? Acha que vai escapar de depor na Polícia Federal, depois da descoberta do caixa dois na sua campanha? Não, nada disso. A pauta do jornal era essa mesmo: uma matéria com a Dilma para mostrar como vive a ex-presidente depois do impeachment. E o repórter a cumpriu com competência.
É assim que acontece no Brasil. Esquece-se os malfeitos rapidamente e procura-se recuperar a imagem, em pouco tempo, de personagens que fizeram mal ao povo, a exemplo da Dilma. Se não fosse o juiz Sérgio Moro nada disso estaria ocorrendo. Ninguém estaria na cadeia pelo assalto às empresas estatais porque, pelo último levantamento, a média de tempo no STF para finalizar um processar de um político é de 18 anos. É, isso mesmo o que você leu: 18 anos!
Veja o exemplo do Maluf. Procurado em mais de 100 países por corrupção, é deputado federal e até agora não foi condenado em nenhum de seus processos, mesmo com as suas contas descobertas no exterior e uma parte do dinheiro devolvido aos cofres da prefeitura de São Paulo. Os processos da Lava Jato que apuram os crimes dos políticos estão na gaveta dos ministros. Parecem uma chaleira quente, ninguém quer botar a mão. É assim que caminha a Justiça brasileira: a passos lentos como um paquiderme a caminho do cemitério.
Resisti à minha tentação de bom samaritano porque logo lembrei como a Dilma foi nociva ao país. Como foi conivente com a organização criminosa petista que assaltou os cofres públicos. Como foi dissimulada com todas as falcatruas da sua equipe durante os seis anos de governo. Quanta desordem administrativa, quanta desordem mental nas decisões, nos discursos e nas conversas com líderes estrangeiros. Quanta roubalheira. Agora, querendo esquecer o passado, ela abre o seu quarto e sala para se mostrar uma mulher humilde, sem arrogância, pobre, mortal como a sua diarista. Quer passar a impressão que deixou a presidência com uma mão na frente e outra atrás, que não compactuou com a roubalheira que a envolveu quando autorizou a compra da refinaria do Texas.
É difícil para o brasileiro engolir essa farsa, quando sabe que ela passou na frente de milhares de contribuintes para conseguir outra aposentadoria, motivo de um processo administrativo dentro do INSS. Que ao deixar a presidência, agora tem direito a uma pensão vitalícia, segurança, carro oficial e combustível. Que se acumpliciou com o Palocci, seu ex-ministro, para captar milhões de reais de caixa dois para a sua campanha.
O repórter conta na matéria que a encontrou como uma simples dona de casa. Ainda com os móveis desarrumados e a casa em desalinho, em nada parecia aquela Dilma chique que vivia para cima e pra baixo no avião presidencial visitando chefes de estados e às vezes desviando da rota oficial para saborear um bacalhau em Lisboa. No meio da conversa, a Dilma ofereceu-lhe um café. Por falta de mesa, as xícaras ficaram sobre uma cadeira. Ela falou que ainda pedala e mostrou os punhos doloridos pelo exercício continuado.
Disse que sai pouco de casa. E quando isso acontece visita o ex--marido e alguns amigos antigos. Não é de badalação e, neste momento, nem de conversas políticas. Queixou-se também do peso dos 68 anos. A conversa descontraída entre os dois em nenhum momento é quebrada por perguntas inconvenientes, tipo: a senhora não teme a Lava Jato? Acha que vai escapar de depor na Polícia Federal, depois da descoberta do caixa dois na sua campanha? Não, nada disso. A pauta do jornal era essa mesmo: uma matéria com a Dilma para mostrar como vive a ex-presidente depois do impeachment. E o repórter a cumpriu com competência.
É assim que acontece no Brasil. Esquece-se os malfeitos rapidamente e procura-se recuperar a imagem, em pouco tempo, de personagens que fizeram mal ao povo, a exemplo da Dilma. Se não fosse o juiz Sérgio Moro nada disso estaria ocorrendo. Ninguém estaria na cadeia pelo assalto às empresas estatais porque, pelo último levantamento, a média de tempo no STF para finalizar um processar de um político é de 18 anos. É, isso mesmo o que você leu: 18 anos!
Veja o exemplo do Maluf. Procurado em mais de 100 países por corrupção, é deputado federal e até agora não foi condenado em nenhum de seus processos, mesmo com as suas contas descobertas no exterior e uma parte do dinheiro devolvido aos cofres da prefeitura de São Paulo. Os processos da Lava Jato que apuram os crimes dos políticos estão na gaveta dos ministros. Parecem uma chaleira quente, ninguém quer botar a mão. É assim que caminha a Justiça brasileira: a passos lentos como um paquiderme a caminho do cemitério.
Estados devolveram R$ 1,1 bi para novos presídios
Estados se queixam de presídios superlotados, mas em 2013 vários governadores devolveram um total de R$1,1 bilhão ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, destinados à construção de presídios. Indignado com a Papuda lotada, o juiz Ademar Vasconcelos, então titular da Vara de Execuções Penais de Brasília, ameaçou transformar o Estádio Mané Garrincha em presídio.
A verba para presídios teve de ser devolvida, em alguns casos, porque os projetos não atendiam às especificações do Ministério da Justiça.
O valor do Fundo Penitenciário para construir e manter presídios passou de R$ 45 milhões em 2014 para R$ 96,3 milhões este ano.
O ex-ministro Cardozo disse preferir morrer a ir para cadeia, mas só liberou R$20 mil dos R$27,6 milhões previstos para presídios federais.
Polícia Federal de pernas quebradas
Dias atrás o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a investigação da Polícia Federal em inquérito que envolvia senadores, na chamada Operação Métis. Ele externou o entendimento de que os senadores têm prerrogativa de foro, pela função que exercem, e por isso remeteu o processo à geladeira do Supremo.
Naquela famosa Corte, nove processos contra o senador Renan Calheiros dormem a sono solto. Agora será só mais um – e por isso não fará muita diferença para os julgadores, mas para nós representa uma porretada na cabeça.
Sim, com a decisão de Zavascki, a Polícia Federal fica praticamente de pernas quebradas. A remessa do processo ao Supremo significa que os policiais, para dar continuidade às investigações, terão de remeter um ofício ao presidente do STF, este o examinará pela ordem cronológica e, quando o deus da preguiça estiver satisfeito, será o processo enviado a algum dos ministros.
Aquele que o receber decidirá, quando lhe aprouver, se é o caso de deferir ou não a pretensão de investigar. O objetivo da investigação abortada era evitar e punir a ocorrência de crime por obstrução da Justiça, ou seja, a polícia interna do Senado tentava blindar as casas de alguns senadores de investigações em curso pela Operação Lava Jato.
Pelo que aprendemos com a Lava Jato, crimes dos mais graves se consumaram nos gabinetes e nas residências de senadores, como, por exemplo, acertar as propinas com as empreiteiras, exercer influência maléfica para destinar obras caras aos amigos, combinar valores a serem depositados no exterior e outras coisas assim. Isso se tornou público e ocorreu ao abrigo de um privilégio de virar o estômago, chamado prerrogativa de função, ou seja, a inviolabilidade e a imunidade que a Constituição federal concede a cada parlamentar.
Mas se a ação criminosa se situa além da inviolabilidade e da imunidade consagradas ao parlamentar, impedir investigações destinadas à apuração do crime representa um erro dos mais graves. Imagine-se, por exemplo, uma partida de droga camuflada na casa de um parlamentar, mesmo sem a participação dele. Não pode a Polícia Federal investigar?
A investigação suprimida pelo ministro Teori Zavascki fazia parte de processo da Lava Jato, ou seja, caso de corrupção, que precisa e deve ser posto a nu para julgamento. A Polícia Federal é instituição de alta credibilidade no País e não merecia ter sido submetida a humilhação pela fala arrogante do senador Renan Calheiros.
Ao estilo dos velhos coronéis nordestinos, com a arrogância que o caracteriza, Renan Calheiros chegou a investir furiosa e equivocadamente contra o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que nada tinha que ver com a ação em desenvolvimento pelos policiais do Senado nas residências de senadores. Foi grosseiro ao extremo, estava errado na sua avaliação e nem pediu desculpas. Alexandre de Moraes poderia até mesmo agradecer, porque, como diziam os antigos latinos, “laudari a bonis et vituperari a malis unum atque idem est”, ou seja, ser louvado pelos bons e censurado pelos maus é a mesma coisa.
Foi igualmente grosseiro com o juiz federal que exercia sua competência de conformidade com o que lhe delega a Constituição federal no seu artigo 109, V, ou seja, processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União.
Como a Constituição dá com uma mão, é curioso admitir que alguém tire com a outra, razão pela qual parece contraditório suprimir competência do juiz e dos policiais federais quando não se trata nem de inviolabilidade, nem de imunidade, que privilegiam o foro. Os senadores e deputados federais são pessoas como todas as outras e não podem ser diferenciados quando a acusação de crime se afasta das hipóteses de prerrogativas destinadas a proteger a independência do Poder Legislativo.
Essas prerrogativas foram estabelecidas em favor não do congressista, mas da instituição parlamentar, e se destinam a garantir o exercício da atividade com independência. Assim, por exemplo, deputados e senadores não respondem civil ou penalmente por suas opiniões, palavras e votos.
Mas se eles cometem crimes inafiançáveis, podem até ser presos. Razão por que não se deveria impedir a Polícia Federal de investigar crime comum praticado por senador ou deputado federal, sobretudo quando é cometido fora do recinto de trabalho.
No episódio em que a arrogância de Renan Calheiros abalou o Congresso Nacional, não havia provas de que o crime investigado fosse de sua autoria, mas ele causou a impressão de que era. Os chamados policiais do corpo de segurança interna do Senado tentaram, nas residências de alguns senadores, impedir a coleta de provas objeto de investigação pela Lava Jato, isto é, buscava-se dificultar a realização de justiça.
A grita de Renan Calheiros é própria de alguém que pretende apresentar-se como vítima quando contra ele ganham força os processos por suspeita de crime de corrupção que dormem no STF. Algo assim: “Estão vendo? Eu enfrentei os poderosos e agora tentam se vingar de mim...”.
Há uma certa ignorância, até mesmo de graduados políticos, a respeito do que seja a Lava Jato. Trata-se de processos judiciais que tramitam de conformidade com o Código de Processo Penal e o Código Penal, sob a supervisão de um juiz. Não existe a menor forma de interferir nesses processos, porque significaria desautorizar o juiz Sergio Moro.
Vários deputados federais e senadores são alvo desses processos e por isso a grita de Renan Calheiros de nada os livrará. Todos devemos alegrar-nos quando o Ministério Público Federal e a Polícia Federal agem no combate aos crimes do colarinho-branco.
Naquela famosa Corte, nove processos contra o senador Renan Calheiros dormem a sono solto. Agora será só mais um – e por isso não fará muita diferença para os julgadores, mas para nós representa uma porretada na cabeça.
Sim, com a decisão de Zavascki, a Polícia Federal fica praticamente de pernas quebradas. A remessa do processo ao Supremo significa que os policiais, para dar continuidade às investigações, terão de remeter um ofício ao presidente do STF, este o examinará pela ordem cronológica e, quando o deus da preguiça estiver satisfeito, será o processo enviado a algum dos ministros.
Aquele que o receber decidirá, quando lhe aprouver, se é o caso de deferir ou não a pretensão de investigar. O objetivo da investigação abortada era evitar e punir a ocorrência de crime por obstrução da Justiça, ou seja, a polícia interna do Senado tentava blindar as casas de alguns senadores de investigações em curso pela Operação Lava Jato.
Mas se a ação criminosa se situa além da inviolabilidade e da imunidade consagradas ao parlamentar, impedir investigações destinadas à apuração do crime representa um erro dos mais graves. Imagine-se, por exemplo, uma partida de droga camuflada na casa de um parlamentar, mesmo sem a participação dele. Não pode a Polícia Federal investigar?
A investigação suprimida pelo ministro Teori Zavascki fazia parte de processo da Lava Jato, ou seja, caso de corrupção, que precisa e deve ser posto a nu para julgamento. A Polícia Federal é instituição de alta credibilidade no País e não merecia ter sido submetida a humilhação pela fala arrogante do senador Renan Calheiros.
Ao estilo dos velhos coronéis nordestinos, com a arrogância que o caracteriza, Renan Calheiros chegou a investir furiosa e equivocadamente contra o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que nada tinha que ver com a ação em desenvolvimento pelos policiais do Senado nas residências de senadores. Foi grosseiro ao extremo, estava errado na sua avaliação e nem pediu desculpas. Alexandre de Moraes poderia até mesmo agradecer, porque, como diziam os antigos latinos, “laudari a bonis et vituperari a malis unum atque idem est”, ou seja, ser louvado pelos bons e censurado pelos maus é a mesma coisa.
Foi igualmente grosseiro com o juiz federal que exercia sua competência de conformidade com o que lhe delega a Constituição federal no seu artigo 109, V, ou seja, processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União.
Como a Constituição dá com uma mão, é curioso admitir que alguém tire com a outra, razão pela qual parece contraditório suprimir competência do juiz e dos policiais federais quando não se trata nem de inviolabilidade, nem de imunidade, que privilegiam o foro. Os senadores e deputados federais são pessoas como todas as outras e não podem ser diferenciados quando a acusação de crime se afasta das hipóteses de prerrogativas destinadas a proteger a independência do Poder Legislativo.
Essas prerrogativas foram estabelecidas em favor não do congressista, mas da instituição parlamentar, e se destinam a garantir o exercício da atividade com independência. Assim, por exemplo, deputados e senadores não respondem civil ou penalmente por suas opiniões, palavras e votos.
Mas se eles cometem crimes inafiançáveis, podem até ser presos. Razão por que não se deveria impedir a Polícia Federal de investigar crime comum praticado por senador ou deputado federal, sobretudo quando é cometido fora do recinto de trabalho.
No episódio em que a arrogância de Renan Calheiros abalou o Congresso Nacional, não havia provas de que o crime investigado fosse de sua autoria, mas ele causou a impressão de que era. Os chamados policiais do corpo de segurança interna do Senado tentaram, nas residências de alguns senadores, impedir a coleta de provas objeto de investigação pela Lava Jato, isto é, buscava-se dificultar a realização de justiça.
A grita de Renan Calheiros é própria de alguém que pretende apresentar-se como vítima quando contra ele ganham força os processos por suspeita de crime de corrupção que dormem no STF. Algo assim: “Estão vendo? Eu enfrentei os poderosos e agora tentam se vingar de mim...”.
Há uma certa ignorância, até mesmo de graduados políticos, a respeito do que seja a Lava Jato. Trata-se de processos judiciais que tramitam de conformidade com o Código de Processo Penal e o Código Penal, sob a supervisão de um juiz. Não existe a menor forma de interferir nesses processos, porque significaria desautorizar o juiz Sergio Moro.
Vários deputados federais e senadores são alvo desses processos e por isso a grita de Renan Calheiros de nada os livrará. Todos devemos alegrar-nos quando o Ministério Público Federal e a Polícia Federal agem no combate aos crimes do colarinho-branco.
Politização de estudantes e professores colabora para educação ser um lixo
Sei que muitos inteligentinhos vão ficar nervosinhos, mas, no que se refere a esta onda de invasões que tomou conta das escolas, os professores que apoiam e os estudantes autoritários que realizam o fazem, antes de tudo, porque uns não querem dar aulas e os outros não querem ter aulas. Casamento perfeito sob a "bênção" do blá-blá-blá da "luta pela educação". Uma das formas mais cínicas de ser um professor ruim é sê-lo em nome de um mundo melhor. Você pode passar a vida inteira sendo esse professor ruim e enrolar todo mundo. Para isso, basta dizer que "acredita na educação para formar cidadãos do futuro".
Antes, um pequeno reparo: claro que a educação no Brasil é um lixo. Mas a politização dos estudantes e dos professores é uma das causas para ela ser um lixo. Um modo chique de torná-la um lixo, dizendo que a está salvando. Como violentar alguém dizendo que está fazendo aquilo porque ela gosta.
Fiz parte de movimento estudantil. Nunca vi gente tão autoritária e manipuladora. Aliás, foi ali que comecei a desconfiar que o problema da esquerda era um problema de caráter, ainda que no contexto da ditadura não havia como não ser contra ela. "Ser de esquerda" era óbvio para todo jovem. Na época, optei por ser anarquista, pois sempre desconfiei de quem queria fazer assembleias, comitês burocráticos e decidir pelos outros. Além do mais, ser anarquista era mais chique e pegava mais meninas. Sexo ainda é um grande motivo (talvez um dos poucos sinceros) para se fazer movimento estudantil.
A educação se tornou, de certa forma, um dos grandes fetiches do mundo moderno. Não que não seja essencial (antes que algum bonitinho tenha um ataque de nervos), mas defendê-la, muitas vezes, é um modo de não realizá-la. A própria palavra "educação" vai, aos poucos, caindo no mesmo tipo de uso da palavra "energia": todo mundo sabe que é importante, que existe, mas ninguém sabe direito o que é.
Umas das melhores formas de matar a educação é dar a ela missões demais. Outra é dizer que ela forma "cidadãos do futuro". Como são do "futuro", ninguém sabe direito o que são. Desconfio de quem diz "eu acredito na educação". Para mim, soa como dizer "eu acredito em energia ruim" –ou seja, não quer dizer nada.
Eu "não acredito na educação", apenas gosto de dar aula. Aliás, grande parte do problema da educação é que muitos professores não gostam de dar aulas ou não gostam de jovens. Risadas? Que tal um cirurgião que não gosta de sangue? Além do eterno problema de grana, você envelhece, torna-se irrelevante e, num dado momento, nem sabe mais o que está fazendo ali. Ao final, está apenas ganhando uma graninha fazendo um negócio que dá um trabalho do cão.
A educação se tornou um fetiche (no sentido freudiano) porque ela serve para você gozar apenas com uma "parte" da experiência humana, "parte" esta que exclui todo o resto da realidade; "parte" esta que faz os professores, pedagogos e alunos gozarem em sua vaidade de se dizerem do bem. A experiência ampla, o enfrentamento da própria humanidade que nos une e nos inferniza, essa ninguém mais quer saber. Refiro-me aqui, claro, à educação não apenas como informação técnica, mas como formação humana (aquela mesma que os picaretas da "educação para a política" dizem representar na sua condição de novo clero hipócrita do mundo).
Outro problema com essas ocupações é que são levadas a cabo por uma parte mínima dos alunos se dizendo representar a totalidade do alunos. Representa nada. O movimento estudantil sempre foi uma excelente escola para você virar um daqueles "políticos de Brasília": alienado do resto do mundo, mentiroso e manipulador de sonhos. Essas invasões sequestram a escola dos outros, apenas.
Há pouco tempo, recebi um e-mail de um aluno de mestrado de uma grande universidade em que ele contava como um professor de sociais deu aos alunos duas opções de trabalho para nota: a primeira, ir a uma manifestação contra o Temer (e, assim, "fazer política" de fato); a outra, não ir e fazer prova oral. O que você escolheria se não estivesse a fim de estudar?
Luiz Felipe Pondé
Fiz parte de movimento estudantil. Nunca vi gente tão autoritária e manipuladora. Aliás, foi ali que comecei a desconfiar que o problema da esquerda era um problema de caráter, ainda que no contexto da ditadura não havia como não ser contra ela. "Ser de esquerda" era óbvio para todo jovem. Na época, optei por ser anarquista, pois sempre desconfiei de quem queria fazer assembleias, comitês burocráticos e decidir pelos outros. Além do mais, ser anarquista era mais chique e pegava mais meninas. Sexo ainda é um grande motivo (talvez um dos poucos sinceros) para se fazer movimento estudantil.
A educação se tornou, de certa forma, um dos grandes fetiches do mundo moderno. Não que não seja essencial (antes que algum bonitinho tenha um ataque de nervos), mas defendê-la, muitas vezes, é um modo de não realizá-la. A própria palavra "educação" vai, aos poucos, caindo no mesmo tipo de uso da palavra "energia": todo mundo sabe que é importante, que existe, mas ninguém sabe direito o que é.
Umas das melhores formas de matar a educação é dar a ela missões demais. Outra é dizer que ela forma "cidadãos do futuro". Como são do "futuro", ninguém sabe direito o que são. Desconfio de quem diz "eu acredito na educação". Para mim, soa como dizer "eu acredito em energia ruim" –ou seja, não quer dizer nada.
Eu "não acredito na educação", apenas gosto de dar aula. Aliás, grande parte do problema da educação é que muitos professores não gostam de dar aulas ou não gostam de jovens. Risadas? Que tal um cirurgião que não gosta de sangue? Além do eterno problema de grana, você envelhece, torna-se irrelevante e, num dado momento, nem sabe mais o que está fazendo ali. Ao final, está apenas ganhando uma graninha fazendo um negócio que dá um trabalho do cão.
A educação se tornou um fetiche (no sentido freudiano) porque ela serve para você gozar apenas com uma "parte" da experiência humana, "parte" esta que exclui todo o resto da realidade; "parte" esta que faz os professores, pedagogos e alunos gozarem em sua vaidade de se dizerem do bem. A experiência ampla, o enfrentamento da própria humanidade que nos une e nos inferniza, essa ninguém mais quer saber. Refiro-me aqui, claro, à educação não apenas como informação técnica, mas como formação humana (aquela mesma que os picaretas da "educação para a política" dizem representar na sua condição de novo clero hipócrita do mundo).
Outro problema com essas ocupações é que são levadas a cabo por uma parte mínima dos alunos se dizendo representar a totalidade do alunos. Representa nada. O movimento estudantil sempre foi uma excelente escola para você virar um daqueles "políticos de Brasília": alienado do resto do mundo, mentiroso e manipulador de sonhos. Essas invasões sequestram a escola dos outros, apenas.
Há pouco tempo, recebi um e-mail de um aluno de mestrado de uma grande universidade em que ele contava como um professor de sociais deu aos alunos duas opções de trabalho para nota: a primeira, ir a uma manifestação contra o Temer (e, assim, "fazer política" de fato); a outra, não ir e fazer prova oral. O que você escolheria se não estivesse a fim de estudar?
Luiz Felipe Pondé
Pós-verdade, pós-política, pós-imprensa
“quis mudar tudo
mudei tudo
agorapóstudo
extudo
mudo”
Augusto de Campos
Eles são muito ricos, chegam de fora, arrombam a porta da direita, destroçam os partidos que os acolhem, deblateram contra a política e os políticos, esnobam a imprensa e vencem. O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, é um deles. João Doria Junior, prefeito eleito da cidade de São Paulo, é outro. Os dois fizeram fama apresentando o programa de TV O Aprendiz, donde podemos concluir: todo poder emana de O Aprendiz e em nome de seus telespectadores será exercido. Quanto às consequências, seja na versão soft, empoada e periférica (Doria), ou na versão hard, abrutalhada e central (Trump), elas se escondem no subterrâneo do futuro.
O que vem por aí? E o que é que se foi por aí? O que ficou para trás?
Entre outras quinquilharias, parece que o que dançou de vez é aquilo a que se costumava chamar de verdade. Deixemos de lado o acessório (Doria) e fixemo-nos no principal (Trump). Um traço marcante no presidente Donald é que ele mentiu muito sobre fatos incontestáveis. Jurava que Obama não era americano, por exemplo. Trump foi tão longe no esporte de mentir que, em setembro, a revista inglesa The Economistsurgiu com uma capa sobre a “pós-verdade”. Segundo os argumentos da publicação, o descompromisso de Trump com os fatos levou a política à era da “pós-verdade”.
O desprestígio da verdade na política vem sendo anotado há tempos. A própria Economist sabe disso e anota que os políticos nunca primaram pela honestidade intelectual, em tempo algum. Dizer sempre a verdade nunca foi uma regra dos que administram a pólis. Uma providencial recapitulação do tema já foi feita pelo professor Celso Lafer em A mentira: um capítulo das relações entre a ética e a política, no livro Ética, organizado por Adauto Novaes (Companhia das Letras, 1992). Podemos ir direto às fontes.
No Livro III de A República, lá se vão 2.400 anos, Platão, que detestava os mentirosos, abre uma exceção para o governante que, por vezes, sonega aos governados uma informação ou outra: “Se compete a alguém mentir, é aos líderes da cidade, no interesse da própria cidade”. Platão atribui à mentira do líder, desde que “no interesse da própria cidade”, um caráter piedoso, mais ou menos como a mentira dos médicos, que, em certas circunstâncias clínicas, funcionaria como remédio.
Mais tarde, no início do século 16, Maquiavel expandiu com largueza a licença da inverdade na política e cobriu de elogios a astúcia da raposa. Para preservar seu poder e fortalecer o Estado mentir era apenas uma – entre tantas outras – das prerrogativas do príncipe. Não que o príncipe pudesse aloprar e levar suas mentiras ao absurdo total, como faz Trump. A pretensão de que a política deveria manter nexo com algum tipo de verdade persiste em Maquiavel e chegou até nossos dias.
Que tipo de verdade seria esse? Na segunda metade do século 20 Hannah Arendt a identificou: a verdade dos fatos – ou, no dizer dos jornalistas, a verdade factual. Em Verdade e Política a filósofa reflete sobre como o poder tende a distorcer os fatos – ela cita o caso da União Soviética, que fez desaparecer de seus registros históricos um dos maiores protagonistas da revolução bolchevique, Leon Trotsky – e constata que as tiranias combatem obstinadamente a verdade factual. Ela lembra que na Alemanha nazista era mais perigoso falar de um campo de concentração (um fato) do que “emitir pontos de vista ‘heréticos’ sobre o antissemitismo, o racismo e o comunismo”. Ou seja, as ditaduras podem até suportar discursos sobre teses abstratas, mas abatem a tiros as notícias factuais que as contrariem. As democracias, ao contrário, toleram os fatos com mais facilidade.
Aqui chegamos a uma conjunção interessante. A verdade factual, que é “a própria textura do domínio político”, no dizer de Hannah Arendt, é também a matéria-prima da imprensa livre. Para que a verdade factual possa imperar, na política e na imprensa, é preciso que a liberdade esteja assegurada. Uma e outra, a política e a imprensa, só prosperam em sociedades democráticas, ou tendentes à democracia, onde a verdade dos fatos é um valor. Se a verdade factual cai em desprestígio ou em desuso, a imprensa perde relevância e a política simplesmente caduca.
À sombra do declínio da política surge uma forma deturpada de religião, um tipo de aglomeração de vontades em que as crenças contam mais do que a razão. As “bolhas” geradas pelos algoritmos das redes sociais jogam um peso enorme nesse descarrilamento. Com razão, as bolhas vêm sendo apontadas como ambientes de não diálogo que apenas celebram “pensamentos únicos”, mistificações e dogmas autoritários, à esquerda e à direita.
Os desdobramentos são óbvios. A verificação da verdade factual – o ofício por excelência da imprensa – deixa de ser essencial para os cidadãos, que prescindem de fatos para formar sua opinião. O brilho do extremismo ocupa o lugar da imprensa crítica. Vistas por essa lente, não há muita diferença entre a polarização das eleições presidenciais dos Estados Unidos da América e a polarização das eleições municipais do Rio de Janeiro. Nos dois lugares temos características de batalha entre seitas, mais que um debate de argumentos.
Enquanto a política se esvazia e caduca, a imprensa deixa de ser necessária, na exata medida em que a verdade factual deixa de ser o lastro do “agir em conjunto” (na expressão de Hannah Arendt), ou do “agir conjunto” (na expressão mais sintética e mais própria de seu principal intérprete no Brasil, Celso Lafer). Enfim, se ingressamos mesmo na era da pós-verdade, ingressamos também na era da pós-política e da pós-imprensa. E diante disso, francamente, um Trump (ou um Doria) a mais ou a menos é fichinha. De verdade. De fato.
O que vem por aí? E o que é que se foi por aí? O que ficou para trás?
Entre outras quinquilharias, parece que o que dançou de vez é aquilo a que se costumava chamar de verdade. Deixemos de lado o acessório (Doria) e fixemo-nos no principal (Trump). Um traço marcante no presidente Donald é que ele mentiu muito sobre fatos incontestáveis. Jurava que Obama não era americano, por exemplo. Trump foi tão longe no esporte de mentir que, em setembro, a revista inglesa The Economistsurgiu com uma capa sobre a “pós-verdade”. Segundo os argumentos da publicação, o descompromisso de Trump com os fatos levou a política à era da “pós-verdade”.
O desprestígio da verdade na política vem sendo anotado há tempos. A própria Economist sabe disso e anota que os políticos nunca primaram pela honestidade intelectual, em tempo algum. Dizer sempre a verdade nunca foi uma regra dos que administram a pólis. Uma providencial recapitulação do tema já foi feita pelo professor Celso Lafer em A mentira: um capítulo das relações entre a ética e a política, no livro Ética, organizado por Adauto Novaes (Companhia das Letras, 1992). Podemos ir direto às fontes.
No Livro III de A República, lá se vão 2.400 anos, Platão, que detestava os mentirosos, abre uma exceção para o governante que, por vezes, sonega aos governados uma informação ou outra: “Se compete a alguém mentir, é aos líderes da cidade, no interesse da própria cidade”. Platão atribui à mentira do líder, desde que “no interesse da própria cidade”, um caráter piedoso, mais ou menos como a mentira dos médicos, que, em certas circunstâncias clínicas, funcionaria como remédio.
Mais tarde, no início do século 16, Maquiavel expandiu com largueza a licença da inverdade na política e cobriu de elogios a astúcia da raposa. Para preservar seu poder e fortalecer o Estado mentir era apenas uma – entre tantas outras – das prerrogativas do príncipe. Não que o príncipe pudesse aloprar e levar suas mentiras ao absurdo total, como faz Trump. A pretensão de que a política deveria manter nexo com algum tipo de verdade persiste em Maquiavel e chegou até nossos dias.
Que tipo de verdade seria esse? Na segunda metade do século 20 Hannah Arendt a identificou: a verdade dos fatos – ou, no dizer dos jornalistas, a verdade factual. Em Verdade e Política a filósofa reflete sobre como o poder tende a distorcer os fatos – ela cita o caso da União Soviética, que fez desaparecer de seus registros históricos um dos maiores protagonistas da revolução bolchevique, Leon Trotsky – e constata que as tiranias combatem obstinadamente a verdade factual. Ela lembra que na Alemanha nazista era mais perigoso falar de um campo de concentração (um fato) do que “emitir pontos de vista ‘heréticos’ sobre o antissemitismo, o racismo e o comunismo”. Ou seja, as ditaduras podem até suportar discursos sobre teses abstratas, mas abatem a tiros as notícias factuais que as contrariem. As democracias, ao contrário, toleram os fatos com mais facilidade.
Aqui chegamos a uma conjunção interessante. A verdade factual, que é “a própria textura do domínio político”, no dizer de Hannah Arendt, é também a matéria-prima da imprensa livre. Para que a verdade factual possa imperar, na política e na imprensa, é preciso que a liberdade esteja assegurada. Uma e outra, a política e a imprensa, só prosperam em sociedades democráticas, ou tendentes à democracia, onde a verdade dos fatos é um valor. Se a verdade factual cai em desprestígio ou em desuso, a imprensa perde relevância e a política simplesmente caduca.
À sombra do declínio da política surge uma forma deturpada de religião, um tipo de aglomeração de vontades em que as crenças contam mais do que a razão. As “bolhas” geradas pelos algoritmos das redes sociais jogam um peso enorme nesse descarrilamento. Com razão, as bolhas vêm sendo apontadas como ambientes de não diálogo que apenas celebram “pensamentos únicos”, mistificações e dogmas autoritários, à esquerda e à direita.
Os desdobramentos são óbvios. A verificação da verdade factual – o ofício por excelência da imprensa – deixa de ser essencial para os cidadãos, que prescindem de fatos para formar sua opinião. O brilho do extremismo ocupa o lugar da imprensa crítica. Vistas por essa lente, não há muita diferença entre a polarização das eleições presidenciais dos Estados Unidos da América e a polarização das eleições municipais do Rio de Janeiro. Nos dois lugares temos características de batalha entre seitas, mais que um debate de argumentos.
Enquanto a política se esvazia e caduca, a imprensa deixa de ser necessária, na exata medida em que a verdade factual deixa de ser o lastro do “agir em conjunto” (na expressão de Hannah Arendt), ou do “agir conjunto” (na expressão mais sintética e mais própria de seu principal intérprete no Brasil, Celso Lafer). Enfim, se ingressamos mesmo na era da pós-verdade, ingressamos também na era da pós-política e da pós-imprensa. E diante disso, francamente, um Trump (ou um Doria) a mais ou a menos é fichinha. De verdade. De fato.
Os EUA meio atrapalhados
Pelos padrões tradicionais, nos países desenvolvidos, a esquerda aumenta impostos dos mais ricos e das empresas para gastar em programas sociais; a direita reduz impostos das corporações e dos mais ricos, na expectativa de que as primeiras invistam e os segundos consumam mais, gastando assim na economia real o que deixam de enviar para o governo. A esquerda quer distribuir renda e fazer justiça social. A direita acha que o gasto de corporações e ricos gera mais negócios e, pois, mais empregos.
A esquerda acha que é preciso proteger os trabalhadores e os empresários nacionais, restringindo importações e investimentos externos. A direita pensa o contrário, que fronteiras abertas estimulam positivamente a competição.
Esquerda, na Europa, são, ou melhor, eram os partidos trabalhistas, socialistas, social-democratas etc. Nos EUA, o Partido Democrata. Direita, na Europa, eram os partidos conservadores, com nomes variados, até como o Partido Popular da Espanha. Na Europa, liberal é da direita. Nos EUA, é da esquerda.
Já faz tempo que é difícil classificar os movimentos políticos com aquelas categorias. A globalização e a vida moderna trouxeram fatos que bagunçaram os conceitos tradicionais.
Nos anos 90, por exemplo, liberais à EUA, como Bill Clinton, e trabalhistas europeus, como Tony Blair, foram campeões de medidas pró-mercado — desregulamentação, reformas, privatizações etc. — e pró-globalização, com a assinatura de acordos mundiais e regionais de livre comércio. Era a nova esquerda, diziam.
Os anos foram passando e a globalização/livre comércio produziu seus efeitos. Gerou um fortíssimo crescimento econômico global, dos anos 90 até a crise financeira de 2008/09. O comércio mundial chegou a crescer mais de 10% ao ano — hoje, se cresce, já está mais que bom.
A globalização deslocou fábricas para os países emergentes, que também se tornaram ganhadores. Exemplo principal, a China. Mas todo o mundo emergente cresceu a taxas vigorosas. Milhões de pessoas deixaram a zona de pobreza, surgiram as novas classes médias.
Mas também apareceram os perdedores. Considere os EUA. Foi o país que melhor surfou na onda global. Ali surgiu a indústria do século XXI, toda ela em torno da tecnologia da informação: Microsoft, Google, Amazon, Facebook, Apple. Mas dali partiram as fábricas de automóveis, eletrônicos e vestuário, que foram para a Ásia e América Latina.
O iPhone traz a inscrição: “Projetado pela Apple na Califórnia. Montado na China”.
É o exemplo perfeito: a inteligência da coisa está na Apple da Califórnia (repararam, nem citam os EUA); a parte mecânica, a fundição e a montagem das peças estão na China, em geral, nem citam o nome da fábrica, pois o aparelho pode ser montado em várias ou em qualquer uma.
Do que o consumidor pagar no celular, 90% acabam ficando para a Apple.
Mas Detroit das fábricas de automóvel ficou parecida com uma cidade fantasma. A morte de uma indústria, nos países desenvolvidos, golpeou a classe média trabalhadora, colarinhos azuis, operários sem curso superior, homens e mulheres de mais idade, que não se conseguiam se adequar aos novos tempos.
Enquanto as coisas avançavam, os protestos antiglobalização não prosperavam. Mesmo a chegada de imigrantes aos países mais prósperos passava sem problemas. Tinha emprego para eles. Até que veio a crise de 2008/09, que espalhou recessão mundo afora.
Todos perderam, mas os que já eram perdedores sofreram muito mais.
Esses perdedores elegeram Donald Trump, assim como votaram pelo Brexit.
É simples assim, mas também mais complicado. Por exemplo, ao mesmo tempo que elegeram Trump, os americanos aprovaram a liberação da maconha em muitos estados.
Aparentemente, não combina. Os eleitores de Trump são conservadores, interioranos, contra o aborto, o casamento gay e as drogas.
Mas, pensando bem, são votos diferentes, mostrando agendas diferentes. Os eleitores de Trump querem fechar as fronteiras no sentido amplo: de construir muros a cortar importações e barrar imigrantes. É a principal promessa de Trump — o protecionismo populista.
O outro voto é da parte da sociedade que se chamaria hoje liberal. Esta agenda avança, mas agora, nos EUA, enfrentará mais bloqueios.
Quanto ao protecionismo, nacionalista-populista, de Trump, disso sabemos bem por aqui: não funciona. Protege alguns empregos, mas a perda de produtividade breca o crescimento. E pode terminar em inflação, pelo aumento de custos da importação, por exemplo, e pela perda de competição.
Não há como transferir as montadoras de iPhone para os EUA. Vai ficar mesmo mais caro.
Se é mesmo que Trump vai conseguir fazer o que disse. Mas de direita, ele não é. Antigamente, protecionismo nacionalista era de esquerda. Mas Trump de esquerda?
Digamos que o eleitor americano tinha motivos para se equivocar.
Carlos Alberto Sardenberg
A esquerda acha que é preciso proteger os trabalhadores e os empresários nacionais, restringindo importações e investimentos externos. A direita pensa o contrário, que fronteiras abertas estimulam positivamente a competição.
Esquerda, na Europa, são, ou melhor, eram os partidos trabalhistas, socialistas, social-democratas etc. Nos EUA, o Partido Democrata. Direita, na Europa, eram os partidos conservadores, com nomes variados, até como o Partido Popular da Espanha. Na Europa, liberal é da direita. Nos EUA, é da esquerda.
Já faz tempo que é difícil classificar os movimentos políticos com aquelas categorias. A globalização e a vida moderna trouxeram fatos que bagunçaram os conceitos tradicionais.
Os anos foram passando e a globalização/livre comércio produziu seus efeitos. Gerou um fortíssimo crescimento econômico global, dos anos 90 até a crise financeira de 2008/09. O comércio mundial chegou a crescer mais de 10% ao ano — hoje, se cresce, já está mais que bom.
A globalização deslocou fábricas para os países emergentes, que também se tornaram ganhadores. Exemplo principal, a China. Mas todo o mundo emergente cresceu a taxas vigorosas. Milhões de pessoas deixaram a zona de pobreza, surgiram as novas classes médias.
Mas também apareceram os perdedores. Considere os EUA. Foi o país que melhor surfou na onda global. Ali surgiu a indústria do século XXI, toda ela em torno da tecnologia da informação: Microsoft, Google, Amazon, Facebook, Apple. Mas dali partiram as fábricas de automóveis, eletrônicos e vestuário, que foram para a Ásia e América Latina.
O iPhone traz a inscrição: “Projetado pela Apple na Califórnia. Montado na China”.
É o exemplo perfeito: a inteligência da coisa está na Apple da Califórnia (repararam, nem citam os EUA); a parte mecânica, a fundição e a montagem das peças estão na China, em geral, nem citam o nome da fábrica, pois o aparelho pode ser montado em várias ou em qualquer uma.
Do que o consumidor pagar no celular, 90% acabam ficando para a Apple.
Mas Detroit das fábricas de automóvel ficou parecida com uma cidade fantasma. A morte de uma indústria, nos países desenvolvidos, golpeou a classe média trabalhadora, colarinhos azuis, operários sem curso superior, homens e mulheres de mais idade, que não se conseguiam se adequar aos novos tempos.
Enquanto as coisas avançavam, os protestos antiglobalização não prosperavam. Mesmo a chegada de imigrantes aos países mais prósperos passava sem problemas. Tinha emprego para eles. Até que veio a crise de 2008/09, que espalhou recessão mundo afora.
Todos perderam, mas os que já eram perdedores sofreram muito mais.
Esses perdedores elegeram Donald Trump, assim como votaram pelo Brexit.
É simples assim, mas também mais complicado. Por exemplo, ao mesmo tempo que elegeram Trump, os americanos aprovaram a liberação da maconha em muitos estados.
Aparentemente, não combina. Os eleitores de Trump são conservadores, interioranos, contra o aborto, o casamento gay e as drogas.
Mas, pensando bem, são votos diferentes, mostrando agendas diferentes. Os eleitores de Trump querem fechar as fronteiras no sentido amplo: de construir muros a cortar importações e barrar imigrantes. É a principal promessa de Trump — o protecionismo populista.
O outro voto é da parte da sociedade que se chamaria hoje liberal. Esta agenda avança, mas agora, nos EUA, enfrentará mais bloqueios.
Quanto ao protecionismo, nacionalista-populista, de Trump, disso sabemos bem por aqui: não funciona. Protege alguns empregos, mas a perda de produtividade breca o crescimento. E pode terminar em inflação, pelo aumento de custos da importação, por exemplo, e pela perda de competição.
Não há como transferir as montadoras de iPhone para os EUA. Vai ficar mesmo mais caro.
Se é mesmo que Trump vai conseguir fazer o que disse. Mas de direita, ele não é. Antigamente, protecionismo nacionalista era de esquerda. Mas Trump de esquerda?
Digamos que o eleitor americano tinha motivos para se equivocar.
Carlos Alberto Sardenberg
Cai um muro, ergue-se outro
Neste dia 9 se completam 27 anos que milhares de alemães derrubaram, com as próprias mãos, o muro que por mais de duas décadas dividiu Berlim entre oriental e ocidental. A marca visível de uma guerra fria que incentivou ditaduras e repressão política pelo mundo. E nesta quarta, justamente quando se comemora o aniversário da queda do muro de Berlim, é eleito nos Estados Unidos um presidente que propõe construir uma nova muralha de mais de 3 mil quilômetros de extensão na fronteira entre os Estados Unidos e o México. O objetivo de Donald Trump é conter a imigração ilegal de latino-americanos. A obra, orçada em cerca de 8 bilhões de dólares, seria paga pelo governo mexicano. Para isso, Trump planeja bloquear a transferência de dinheiro de imigrantes ilegais dos EUA para o México até que o governo do país vizinho concorde em arcar com o custo da obra.
O discurso contra os imigrantes hispânicos ocorre num momento de crise econômica e falta de empregos e rendeu muitos votos da classe média branca ao bilionário norte-americano. Mas entre o discurso radical de campanha e a realidade existe um fosso enorme. Uma distância que, se não for respeitada, colocará o mundo de volta ao seu pior passado. Um confronto não ideológico, como foi o da extinta União Soviética contra os Estados Unidos, mas da perseguição das minorias como fez Hitler com os judeus na Alemanha nazista. É bom lembrar que Trump também defendeu a proibição da entrada de muçulmanos no país, a vigilância das mesquitas pelo serviço de inteligência e o uso da tortura em suspeitos de terrorismo para arrancar confissões de supostos atentados.
Mas até onde Donald Trump está realmente disposto a investir nessa verdadeira guerra interna contra os imigrantes? Até que ponto, por exemplo, ele irá avançar na radicalização contra a colônia latina que hoje representa mais de 55 milhões de pessoas? Convenhamos: não seria prudente para um governo em início de mandato e cercado de desconfiança internacional enfiar a mão nessa cumbuca. Principalmente depois que ele obteve parte dos votos de hispânicos em estados como a Flórida, que acabaram por garantir sua vitória no país. Trata-se de um eleitorado latino conservador e religioso, que não raro é machista, homofóbico e contra o aborto. E, portanto, alinhado com o pensamento do novo presidente.
Por tudo isso, não acredito que Trump irá cumprir a promessa bizarra da construção física de um muro. Mas acho bem plausível que ele, com suas políticas públicas, amplie ainda mais o muro invisível de preconceitos e de exclusão contra os latinos na sociedade norte-americana. Daqui para frente vai ser bem mais difícil para os hispânicos tentarem a vida nos Estados Unidos. E mais difícil ainda para os ilegais permanecerem no país. Mas quem sabe essa não seja a janela que se abre para os latino-americanos começarem um novo sonho em seus próprios países. Agora, gostem ou não, o futuro é aqui nestas outras Américas, Central e do Sul.
Mas até onde Donald Trump está realmente disposto a investir nessa verdadeira guerra interna contra os imigrantes? Até que ponto, por exemplo, ele irá avançar na radicalização contra a colônia latina que hoje representa mais de 55 milhões de pessoas? Convenhamos: não seria prudente para um governo em início de mandato e cercado de desconfiança internacional enfiar a mão nessa cumbuca. Principalmente depois que ele obteve parte dos votos de hispânicos em estados como a Flórida, que acabaram por garantir sua vitória no país. Trata-se de um eleitorado latino conservador e religioso, que não raro é machista, homofóbico e contra o aborto. E, portanto, alinhado com o pensamento do novo presidente.
Por tudo isso, não acredito que Trump irá cumprir a promessa bizarra da construção física de um muro. Mas acho bem plausível que ele, com suas políticas públicas, amplie ainda mais o muro invisível de preconceitos e de exclusão contra os latinos na sociedade norte-americana. Daqui para frente vai ser bem mais difícil para os hispânicos tentarem a vida nos Estados Unidos. E mais difícil ainda para os ilegais permanecerem no país. Mas quem sabe essa não seja a janela que se abre para os latino-americanos começarem um novo sonho em seus próprios países. Agora, gostem ou não, o futuro é aqui nestas outras Américas, Central e do Sul.
PT e aliados tentam transformar Lula em mártir
Em ato programado para as 18h30 desta quinta-feira, em São Paulo, o Partido dos Trabalhadores e seus aliados lançarão um movimento que tem o seguinte slogan: ''Por um Brasil justo pra todos e pra Lula.''
Na explicação oficial, o evento servirá para inaugurar uma “campanha em defesa da democracia, do Estado de direito e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.” Na prática, trata-se de uma reação antecipada à provável condenação e à eventual prisão de Lula na Operação Lava Jato. Tenta-se convertê-lo em mártir.
Participam do movimento capitaneado pelo PT legendas e entidades companheiras —PCdoB, CUT e MST, por exemplo—, além de artistas e intelectuais. Será divulgado um manifesto seguido de abaixo-assinado. Nele, a Lava Jato é apresentada como uma iniciativa deletéria.
Insinua-se no texto que, “sob o pretexto de combater a corrupção”, a maior e mais bem-sucedida operação contra o assalto sistêmico aos cofres do Estado promove “ataques aos direitos e garantias” individuais.
Depois de apontar alegados “excessos e desvios” da força-tarefa de Curitiba contra Lula, o documento sustenta: ''Esse conjunto de ameaças e retrocessos exige uma resposta firme por parte de todos os democratas, acima de posições partidárias.”
Acrescenta: “Quando um cidadão é injustiçado – seja ele um ex-presidente ou um trabalhador braçal – cada um de nós é vítima da injustiça, pois somos todos iguais perante a lei. Hoje no Brasil, defender o direito de Lula à presunção da inocência, à ampla defesa e a um juízo imparcial é defender a democracia e o Estado de direito…”
Confrontado com a realidade, o manifesto de vitimização de Lula torna-se uma peça de ficção. Na vida real, a Lava Jato não ameaça nenhum trabalhador braçal. Mas já derreteu a presidência de Dilma Rousseff; prendeu empreiteiros do porte de Marcelo Odebrecht; mantém atrás das grades petistas como José Dirceu, Antonio Palocci e João Vaccari; arrastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara para a carceragem de Curitiba; enrolou a corda no pescoço de peemedebistas como Renan Calheiros e Romero Jucá; transformou em protagonistas de inquéritos e delações tucanos com a plumagem de Aécio Neves e José Serra; subiu a rampa do Planalto e bate à porta de ministros palacianos e de Michel Temer.
Ao alcançar Lula, a faxina da Lava Jato perturba a oligarquia que cultivava a fantasia de que um dia seria possível “estancar a sangria”. Pela primeira vez desde as caravelas uma operação anticorrupção deixa impotentes os poderosos que se julgavam acima da lei. Faz isso com o respaldo de tribunais superiores. No caso de Lula, os procedimentos vêm sendo saneados e ratificados pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, longe de estar ameaçada, a democracia brasileira revela-se vigorosa.
A campanha a ser deflagrada nesta quinta-feira prevê a organização de atos em defesa de Lula no Brasil e no exterior. Entretanto, as únicas defesas que podem ajudar o personagem são as petições que seus advogados enfiam dentro das três ações penais em que Lula figura como réu. Até aqui, essas petições têm se revelado insubsistentes. Ainda assim, Lula sustenta que não tem nada a ver com a corrupção. Quem ousaria discutir com um especialista?
A grande ameaça
Emana de Trump uma grande ameaça, pois como um populista e demagogo, ele destrói todas as regras escritas e tácitas da política americana, para chamar atenção e chegar ao sucesso.
Afinal de contas, ele emprega as regras da "reality TV" americana na política, destruindo assim todas as regras políticas do país. E quando as regras da política e da vida social de uma nação são destruídas, então não se sabe que efeitos colaterais surgirão desse fatoThomas Weber, professor de História e Política Internacional e diretor do Centro de Segurança Global na Universidade de Aberdeen, na Escócia
Passar por tantas crises e ainda estar vivo é quase um milagre
Depois do impeachment traumático da ex-presidente Dilma, da posse do então vice-presidente Michel Temer, da aprovação na Câmara da PEC 241 (que, sob o número 55, ainda depende de aprovação no Senado) e de acontecimentos dramáticos, que só entristecem e deprimem, sinto-me, às vezes, como alguém que se salvou (ou foi salvo?) de monumental incêndio. Mesmo assim, quando tento divisar o passado recente, que já engoliu mais de meio século, e, ao mesmo tempo, compará-lo ao presente, sou levado a admitir, leitor, que já vivemos dias piores. Os integrantes de minha geração não negarão isso. Os jovens, porém, acharão que tal coisa é simplesmente impossível. E é o desencanto deles que me angustia, pois deles dependerá nossa frágil democracia.
O progresso tecnológico, que tomou conta do mundo e, em especial, de nosso país, cuja vanguarda igualmente preocupa, parece que não deixou espaço para o desenvolvimento humano. Digo isso, leitor, mas imagino que o que digo não passa de bobagem. Esse progresso, bem utilizado, pode ser a ferramenta ideal para a construção de um mundo novo e melhor. Claro que jamais gozarei disso, mas tenho certeza de que meus filhos e netos não se espantam com o que digo.
“Acho o Brasil infecto”, disse, em 1920, o poeta Carlos Drummond de Andrade, em carta a Mário de Andrade, numa época em que ninguém pensava em redes sociais: “Não tem atmosfera mental; não tem arte; tem apenas uns políticos muito vagabundos”. Se me lembro bem, sobre Minas, Drummond publicou, no “Jornal do Brasil”, a crônica “Minas não há mais”. Ele usou essa mesma frase no poema “E agora, José?”: “Com a chave na mão,/ quer abrir a porta,/ não existe porta;/ quer morrer no mar,/ mas o mar secou;/ quer ir para Minas,/ Minas não há mais./ José, e agora?”. Sobre Itabira, sua terra, deixou poema com este final: “Tive ouro, tive gado, tive fazenda./ Hoje sou funcionário público./ Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói”.
Transcrevo aqui (mais uma vez) frase do jornalista e escritor Otto Lara Resende: “A política é a arte de enfiar a mão na merda. Os delicados pedem desculpa e se retiram (vide Milton Campos)”. Milton, destaque na galeria dos grandes mineiros, figura ímpar, foi governador de Minas, além de senador. Foi também, em 1964, ministro da Justiça do general Humberto de Alencar Castello Branco, em sua curta passagem pela Presidência da República, quando ainda não se imaginava qual seria o destino da ditadura ferreamente imposta ao povo brasileiro.
Sandra Starling, em recente artigo em O TEMPO, diante desta balbúrdia em que nos meteram, disse que busca “consolo em textos de antigos escritores, com certeza desconhecidos pelos jovens, que hoje se digladiam nas redes sociais”. Sandra se refere ao livro “À Sombra das Chuteiras Imortais”, do dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues, preparado pelo escritor mineiro Ruy Castro. E há quem, como eu, se distraia revendo grandes filmes do faroeste norte-americano…
Que, mambembe, volta à cena com Donald Trump fazendo o papel do bandido, mas sem a presença do mocinho. O embate com Hillary Clinton atemorizou o mundo, que já sofre essa queda de braço irracional (porque radical) de esquerda e direita, que, na realidade, só tem levado mais sofrimento aos desvalidos de tudo. E é nesse exato instante que ouço do prefeito eleito Alexandre Kalil a afirmação de que veio para governar para os pobres: “Quem não quiser governar para os pobres, eu darei nomes”. Seria Kalil o mocinho que faltava aos pobres?
O progresso tecnológico, que tomou conta do mundo e, em especial, de nosso país, cuja vanguarda igualmente preocupa, parece que não deixou espaço para o desenvolvimento humano. Digo isso, leitor, mas imagino que o que digo não passa de bobagem. Esse progresso, bem utilizado, pode ser a ferramenta ideal para a construção de um mundo novo e melhor. Claro que jamais gozarei disso, mas tenho certeza de que meus filhos e netos não se espantam com o que digo.
Transcrevo aqui (mais uma vez) frase do jornalista e escritor Otto Lara Resende: “A política é a arte de enfiar a mão na merda. Os delicados pedem desculpa e se retiram (vide Milton Campos)”. Milton, destaque na galeria dos grandes mineiros, figura ímpar, foi governador de Minas, além de senador. Foi também, em 1964, ministro da Justiça do general Humberto de Alencar Castello Branco, em sua curta passagem pela Presidência da República, quando ainda não se imaginava qual seria o destino da ditadura ferreamente imposta ao povo brasileiro.
Sandra Starling, em recente artigo em O TEMPO, diante desta balbúrdia em que nos meteram, disse que busca “consolo em textos de antigos escritores, com certeza desconhecidos pelos jovens, que hoje se digladiam nas redes sociais”. Sandra se refere ao livro “À Sombra das Chuteiras Imortais”, do dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues, preparado pelo escritor mineiro Ruy Castro. E há quem, como eu, se distraia revendo grandes filmes do faroeste norte-americano…
Que, mambembe, volta à cena com Donald Trump fazendo o papel do bandido, mas sem a presença do mocinho. O embate com Hillary Clinton atemorizou o mundo, que já sofre essa queda de braço irracional (porque radical) de esquerda e direita, que, na realidade, só tem levado mais sofrimento aos desvalidos de tudo. E é nesse exato instante que ouço do prefeito eleito Alexandre Kalil a afirmação de que veio para governar para os pobres: “Quem não quiser governar para os pobres, eu darei nomes”. Seria Kalil o mocinho que faltava aos pobres?
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