segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

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Sem noção e sem nação

Não chega bem a ser novidade. Desde que a gente se auto desobrigou de fazer sentido, qualquer coisa é possível. A pesquisa só confirmou o que já desconfiávamos ou sabíamos. O Brasil é país onde a realidade não importa.

E isso é grave. Na pesquisa “Perigos da Percepção” (“Perils of Perception 2017”) realizada pela Ipsos Mori, o Brasil foi apontado como o segundo pais em que a percepção da população é mais distante que a realidade.

Também explica muita coisa. Não dá mesmo para esperar que boas decisões fluam de percepções equivocadas. Ignorância não constrói. Sem conhecimento baseado em informação, nada positivo vem. Só o engano é o engodo florescem. O sofrimento é a simples manifestação física da ignorância aparentemente crescente, que continua alargando (ou talvez simplesmente mantendo) a distância oceânica entre realidade e percepção.

Ignorância é poderosa. Enquanto conhecimento demora para ser construído, ignorância destrói rapidamente. A boa notícia é que ignorância é condição, não estado. Tem cura simples. Basta uma boa dose de conhecimento diário, voluntariamente consumida pelo paciente. Todos nascemos ignorantes. Mas permanecer assim é escolha.

A má notícia, é que sua cura depende exclusivamente da vontade do paciente. E este, talvez, não deseje ser curado. Ignorância pode não ser solução, mas as vezes ajuda a dormir. E gera autoconfiança, dispensando a necessidade de reexame de posições e pensamentos. E este talvez seja seu aspecto mais perigoso. Ignorantes estão sempre grávidos de certezas.

Não é por acaso que. de acordo com a pesquisa da Ipsos Mori, países onde a percepção é mais próxima da realidade, tem populações com menos certezas sobre a extensão de seu conhecimento, ou a precisão das informações a sua disposição. Sabem que combater ignorância é exercício diário de reexame de ideias e posições. Sem qualquer coincidência, estas são também as nações mais desenvolvidas.

Por outro lado, países onde a percepção da população é mais distante da realidade, prevalece a certeza. Em outras palavras, a população tem mais convicção em suas informações, ainda que estejam erradas. Não é também por acaso, que estas nações estejam no bloco das menos desenvolvidas.

Acesso a cidadania depende e acesso a informação e disposição a rever posições e evoluir. Estas são as bases para a formação de uma verdadeira nação.

Ignorância não forma cidadania. Apenas gente sem noção. E sem nação.

Paisagem brasileira

Capela do Senhor dos Passos ( século XVIII), Belém

Cinismo dos poderosos

Estamos vivendo num país de podres poderes, como já observou Caetano Veloso do alto de seu eclético saber. Modestamente, acrescento: podres poderes em mãos de poderosos ou parceiros do poder, cujo cinismo constitui hoje galardão de premiadas delações. Delações que, se favorecem o processo judicial, beneficiam antes de tudo os próprios delinquentes, réus confessos de ilícitos penais que já produziram prejuízos aos cofres públicos da ordem de trilhões de reais.

E o cinismo predomina a partir de donatários dos Três Poderes da nossa República, transformados em verdadeiros alcaguetes, delatores de malfeitos de que participaram ativamente mas que, de uma hora para outra, quando se veem encarcerados ou com o risco de ter até seus parentes presos, denunciam com o claro intuito de usufruir de premiação que vai da redução à prescrição de penalidades.


O instituto jurídico da delação premiada, que poderia sim estar sendo usado para o desmantelamento de quadrilhas, está sendo banalizado e servindo para garantir a impunidade de poderosos da política e da economia. Ao que parece, o Estado não consegue êxito nas investigações policiais e do Ministério Público e acaba se aliando aos criminosos para chegar à cúpula das máfias de plantão. O pior é que nem sempre se chega a algum lugar.

Nesse contexto, nem mesmo a magistratura consegue nadar incólume em meio à onda de corrupção que se espalha pelo país. Os juízes que descobrem como e por que condenar são os mesmos que absolvem até mesmo quem já haviam condenado. Seja em primeira ou segunda instância do Judiciário, julgamentos e sentenças contraditórios são uma constante nos tribunais. Não existe lógica nem coerência processuais. O mesmo juízo que condena é aquele que reduz e depois amplia penas já definidas com base em denúncias do Ministério Público.

Juízes, desembargadores e até ministros da alta corte disputam espaços na mídia, mergulhados em enfadonhas discussões que se espalham por membros de poderes igualmente podres ou em estágio de putrefação pelo inevitável contágio pelo vírus da corrupção.

E diante desse quadro atual, como será o amanhã? Será que continuaremos vivendo de espasmos de promessas de reformas salvadoras da pátria? Será que as reformas defendidas com tanta ênfase pelo governo conseguirão anular ou ao menos neutralizar os efeitos deletérios da desigualdade social, cujo ranking tem o Brasil figurando como um dos campeões? Estamos todos em busca de respostas, enquanto se agigantam o caos, a insegurança jurídica e a corrupção.

Gessy Rangel

A razão é filha do diálogo

Noticia que calha bem para essa nossa véspera de eleição em tempos de tribalismo algorítmico e destilações de ódio na internet dada pelo site http://www.books.fr/, que sempre aponta o que de mais interessante vem sendo publicado no mundo dos livros (sim, felizmente eles ainda existem!).

***

Estudos de Dan Sperber e Hugo Mercier, dois pesquisadores de ciências cognitivas, reunidos no livro “O Enigma da Razão” demonstram que a razão humana só funciona realmente bem num sentido dialógico. Simplesmente ela não evoluiu para funcionar com raciocínios abstratos solitários.

“As condições normais de utilização da razão são sociais e, mais especificamente dialógicas. Fora desse contexto não ha garantias de que o ato de raciocinar resulte em benefício para o raciocinador”.

Vários estudos de diferentes especialistas vêm afirmando, nos últimos 50 anos, que a nossa maneira de pensar esta longe de ser tão racional quanto se afirma normalmente. Dan Sperber e Hugo Mercier têm uma abordagem diferente. Eles procuram demonstrar que as fraquezas da razão apontadas nesses estudos são, na verdade, forças da razão, só que desvirtuadas pela utilização em contextos errados.

O ponto é que nossa capacidade de raciocinar é hereditária e, portanto, vem se adaptando segundo as leis da evolução. Nossos ancestrais não tinham de resolver problemas de lógica abstratos, eles tinham sobretudo de encontrar meios de viver e agir coletivamente e convencer seus semelhantes a fazê-lo.

A conclusão geral é, portanto, que para melhorar nossas decisões e produzir pensamentos de qualidade mais alta a natureza exige que dialoguemos uns com os outros.

Moral e política

Moral e política têm sido tão entrelaçadas em nosso país que por vezes se perde uma distinção essencial entre essas duas áreas do conhecimento e da ação. Se, por um lado, é um ganho político e institucional da maior importância moralizar a política, por outro, não se pode tornar essa mesma política uma atividade de cunho moral.

Uma coisa é a sociedade assumir a moralidade pública como bandeira, exigindo que os políticos ajam de acordo com os critérios de honestidade no tratamento da coisa pública – que, justamente por ser pública, não pode ser apropriada privadamente. Trata-se da acepção mesma de República. Outra, muito diferente, consiste em aplicar à política os mesmos critérios que são empregados nos julgamentos de outras ações humanas, visto que a política é o terreno da violência, da intriga e do engano do outro. Trata-se de uma dimensão irrecusável da realidade tal como ela é, devendo ser tratada conforme seus instrumentos específicos.

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Nada impede, por exemplo, que um governo envolvido em questões de imoralidade pública faça reformas necessárias em proveito da coisa pública, do bem-estar de todos. Pretender que a moral e a política coincidam pode produzir a satisfação da alma que se representa como virtuosa, sem que o dado básico da política enquanto atividade caracterizada por relações de força, pela falta de moralidade, sofra alteração alguma.

No caso do governo Temer, por exemplo, temos a velha política sendo utilizada conforme os ditames de uma agenda reformista, transformando o País. Ao assumir, o novo presidente defrontou-se com uma questão estrutural da democracia, atinente aos seus próprios fundamentos: todo presidente governa com o Parlamento que tem à mão. Não é de seu arbítrio escolher a composição do Poder Legislativo. É o jogo próprio das instituições democráticas. Trata-se do exercício da soberania popular. Não nos situamos na esfera da moralidade, mas da política, com seu amoralismo e sua demagogia.

Note-se que a política foi empregada não para contemplar critérios abstratos de moralidade, com suas próprias noções de bem, mas para a realização de outra noção específica do bem, a do bem público, coletivo. Poder-se-ia falar aqui de uma contraposição entre o bem abstrato da moralidade e o bem público da política, por mais que se busque reduzir o alcance dessa diferenciação. Reduzir, porém não anular, pois suas esferas de atuação são diferentes, assim como suas pressuposições e seus critérios.

Nessa perspectiva, o presidente negociou um projeto de reformas, voltado para os fundamentos do Estado e da sociedade, que veicula, por si mesmo, a sua própria noção de bem coletivo e de bem-estar social. O povo clama por moralidade pública, o novo governo não se caracteriza por seguir esses critérios, no entanto, reformas são feitas para tornar possível o bem público, menosprezado pelo governo anterior.

Temos, então, o que pode aparecer como um paradoxo. O presidente da República implementou um moderno projeto de reformas utilizando-se dos velhos instrumentos da política. Poder-se-ia dizer que a “imoralidade” se tornou um instrumento de uma outra conotação ética, a do bem público. O vício prestou serviço à virtude. Ora, o que aparece como um paradoxo desaparece na medida em que os critérios da moralidade abstrata e da política, assim como seus fundamentos e condições, não são os mesmos, seguindo outros parâmetros e pressupostos. O problema só surge quando aplicamos a uma e outra esfera de atuação humana critérios que são, por natureza, distintos.

A política é o terreno do “ser”, da realidade dada, em todas as suas dimensões, incluindo a violência e tudo o que desagrada ao juízo moral. Gostaríamos, certamente, de que as coisas fossem de outro modo, mais eis um dado incontornável de qualquer diagnóstico, análise e juízo. A moral é o terreno do “dever ser”, das construções valorativas, em que entram em jogo critérios do que estimamos que a realidade deveria ser, sem suas fraturas e imperfeições. No mundo real, a ideia de perfeição aparece como sendo algo desejável, um fim inalcançável, porém alguns a estimam como possível, o que transparece nas utopias e nas diferentes formas de messianismo político.

Ora, utopias e messianismo político expressam menosprezo pela realidade, como se esta pudesse ser simplesmente substituída por um movimento de tipo revolucionário que tudo destruiria do existente. Acontece que o mundo do “dever ser” é um mundo inexistente, um mundo de ideias que só encontra sustentação em si mesmo. Cria finalidades e objetivos que têm como fundamento somente a sua própria abstração.

Nesse sentido, o discurso das almas virtuosas pode produzir um efeito retórico para contemplar os amantes da moralidade abstrata, mas é de pouca utilidade quando confrontado com as questões concretas de como governar, conforme as agruras e o cinismo da política. Hegel dizia que a consciência veste aqui a roupagem do que ele chamava de “bela alma”, encantada com sua moralidade pura e sua beleza estética, como se pudesse viver à parte dos assuntos do mundo, onde impera a impureza.

Uma bela alma evita sujar-se com os assuntos do mundo, porém esse segue o seu curso com a sujeira que o constitui. Se permanecer em sua abstração, na subjetividade do lamento, não produzirá maiores consequências políticas, salvo se enveredar para posturas políticas.

No caso brasileiro, temos a especificidade de promotores e juízes que se estimam destinados a uma missão, como se pudessem construir um mundo totalmente novo, partindo do pressuposto de que toda a classe política é “má”, “suja”, a ser destruída e substituída por algo puramente moral. Esse outro, contudo, só existe no terreno das ideias, do “dever ser”. Querer impô-lo pela força de decisões judiciais expressa uma moralidade que se revela sob a forma do messianismo político.

Querer impor um novo mundo por decisões judiciais expressa uma forma de messianismo.

Gente fora do mapa

Quase sempre, quem menos tem é...

Orgulho de ser comum

Existe uma desenfreada busca pelas diferenças entre nós, seres humanos. Aliás, sejamos óbvios desde sempre. Cor de pele sempre foi motivo de discriminação, opressão, humilhação e uma série de preconceitos indizíveis. Assim vale para raça, crença ou gênero. Maiorias subjugam minorias, diferenças que, extremadas, dizimaram nosso pequeno e turbulento planeta em ferozes e inconsequentes conflitos.

Temos um olho clínico crítico e certeiro para apontar e atirar contra os que são diferentes de nós. Estranho, pois, ao mesmo tempo, achamos determinados aspectos diferentes, exóticos bem atraentes. Mas, no geral, formamos grupos que combatem outros que consideramos uma ameaça a nossos estilo, cor, crença, status social ou coisa que valha.

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O problema é que fomos criando uma série de subdivisões no normal, tal qual a medicina foi inventando especialidade dentro de especialidade, e, muitas vezes, perdemos a noção do todo. Ou seja, somos todos seres humanos. Mas, dependendo do lugar a que se vai, parece mais o filme “Guerra nas Estrelas”, cheio de ETs.

A globalização, o universo internáutico, as redes, os multimeios interligaram tribos impensáveis décadas atrás: supremacistas, coprofílicos, fazedores de explosivos, clubes de leitores de línguas mortas e outras excentricidades que, incrivelmente, são universais.

Mas, nestes tempos em que cada um cuida de si e ninguém por todos, respeitando sem entender a hipnose das telas e as cavernas dos quartos, vejo-me observando um artigo raro e que dará muito Ibope lá na frente. Eu me refiro à capacidade de ser comum. É um dom incrível conseguir sê-lo em tempos de tanto tribalismo e de tanta radicalização. Sem esquecer a especialização, é lógico.

Por exemplo: ter coisas em comum com filhos adolescentes, com pessoas de todas as idades, conseguir conversar animadamente com qualquer tipo de pessoa, contar um caso numa festa familiar e ser ouvido pelo avô, pela filha, pelo neto e pelos convidados sem ninguém usar o smartphone, conviver bem com todas as pessoas do trabalho, independentemente da função, da idade, da formação.

Esses desafios só podem ser superados por pessoas incrivelmente comuns! Vejam: comunicação, comunhão de ideias, vida comunitária têm exatamente a palavra comum em sua composição. A receita é tão óbvia que chega a ser constrangedora: respeitar as diferenças e buscar o que temos em comum são o que mais precisamos para resgatar um mínimo de convívio humano. Pois a doença mais comum é afetiva. Somos carentes de alegria, afago, relaxamento, carinho, compreensão, escuta, prazer. Desperte e pratique o jeito comum de ser. O extraordinário deixe para sonhar ou aplaudir.

Gastar para reformar, e não se reformam os gastos

O governo está em plena temporada de fazer mais concessões e renúncias fiscais a grupos empresariais. Uma parte, com o pretexto de aprovar a reforma da Previdência, o que é uma contradição. Outra parte é renúncia fiscal fora de hora e lugar, como as que subsidiam petrolíferas ou a que pode renovar o programa de subsídio às montadoras. O governo quer gastar ou economizar?
Miriam Leitão

20% da população espanhola se afasta da classe media devido ao emprego precário

Mar Cuba decidiu há três anos ser mãe. Ela e o pequeno Leo vivem em Vilagarcía de Arousa, a 30 quilômetros de Pontevedra, no noroeste da Espanha, a distância que Mar tem de cobrir todo dia para ir trabalhar. Leo, enquanto isso, espera por ela na creche. “As mães solteiras estão em uma situação de permanente risco de desemprego. Nossas probabilidades de perder o emprego são maiores: qualquer imprevisto que tenhamos em casa pode nos fazer perder o dia de trabalho e, às vezes, isso pode ser causa de demissão. Se isso ocorre, perde-se toda a economia familiar”.

Mar representa uma das caras da desigualdade. As famílias monoparentais são talvez o grupo que mais evidencia os graves problemas que ainda afligem a Espanha agora que a economia se recupera. Uma armadilha da qual é difícil sair. Mesmo se o desemprego e os níveis de pobreza caem, a desigualdade econômica aumenta. A Comissão Europeia situa a Espanha entre os países cuja população apresenta maiores diferenças de renda. Na média da União Europeia, os 20% que mais ganham recebem cinco vezes mais que os 20% que menos ganham. Na Espanha, essa proporção passa de seis vezes e meia. Esse dado deixa a Espanha entre os últimos da UE, juntamente com Bulgária, Grécia e Lituânia. Será que os cidadãos espanhóis estão tão mal como os desses países? Como isso pode ocorrer, depois de mais de três anos de recuperação econômica?

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A atividade que se perdeu em torno da construção se recuperou graças às exportações e ao turismo. A hotelaria e o comércio geram muito emprego. Mas as exportações não exigem mão de obra intensiva. Isso explica por que se restabeleceram os níveis de riqueza, mas com 1,7 milhão de empregos a menos. Segundo um estudo de Francisco Goerlich, do Instituto Valenciano de Pesquisas Econômicas, o desemprego explica até 80% do aumento da desigualdade durante a crise. Na faixa dos 20% que menos ganham estão muitos desempregados com pouca ou nenhuma renda.

Ou seja, a desigualdade não ocorre por um crescimento desmedido do que os de cima ganham, embora estes tenham sido favorecidos pela recuperação da Bolsa. Segundo os especialistas, a desigualdade ocorre porque há menos horas trabalhadas nos grupos de menor renda, seja pelo desemprego, pela alta rotatividade de contratos ou pelo trabalho temporário não desejado, algumas das consequências da reforma trabalhista produzida no país há cinco anos e que inspirou a brasileira.

Enrique García teve sete contratos temporários consecutivos. O mais longo durou três meses. Enrique é de Madri, tem 55 anos e antes da crise desfrutava de um bom posto de trabalho. “Estive 10 anos no setor comercial de uma empresa grande de software. Tinha um salário fixo de quase 2.000 euros mensais (7.740 reais) e cobriam todos os meus gastos. Fui demitido depois de ter ficado de licença por depressão e me encontrei desempregado às portas da crise.”

Enrique entrou em um negócio que não deu certo e, a partir daí, temporariedade e precariedade. “Trabalhei como vendedor de frutas, frentista, operador de telemarketing, vendedor comissionado onde gastava mais do que me pagavam… fiz de tudo, e tudo com contratos temporários e salários de 700 euros (2.710 reais) ao mês.”

Seu último trabalho foi uma suplência como zelador, com a promessa de que teria um contrato fixo − que jamais chegou. “Com esta idade, é desesperador, porque vejo que tenho capacidade para trabalhar e fazer isso bem, mas é impossível entrar no mercado de trabalho”, lamenta.

O sistema espanhol de recolocação dá uma resposta muito precária a casos como o de Enrique. As agências públicas de emprego são muito boas na gestão do seguro-desemprego. Mas, depois de uma década de crise, continuam falhando na reciclagem e recolocação. Uma vez na armadilha da precariedade, é muito difícil escapar. E o problema mais urgente ocorre entre os que saíram da construção com idades como as de Enrique.

Efraim Medina chegou em 2001 do Peru. Fez isso por meio de um convênio entre a confederação sindical espanhola CCOO e um sindicato peruano que trouxe 50 trabalhadores da construção. “No início, sobrava trabalho”, conta Efraim, de 47 anos. “Depois de poucos meses na Espanha, chamaram-me de outra empresa e me fizeram um contrato fixo. E em seguida de outra, onde melhoraram minhas condições.”

Apesar disso, Efraim tinha consciência da fragilidade de sua situação. “Explicavam-nos que havia um boom da construção e que, a qualquer momento, tudo podia acabar. Por isso sabíamos que, se viesse uma crise, seríamos os primeiros a cair.” E assim foi. A empresa onde Efraim estava começou com atrasos no pagamento dos salários. “Diziam que não tinham dinheiro, que lamentavam, mas não podiam pagar a tempo. Assim, tive de tentar ganhar a vida por outro lado.”

Efraim começou então a alternar a fila do desemprego com trabalhos temporários pagos com um salário de 700 euros ao mês. “Dizem que a economia está se recuperando, mas acho que isto não é uma recuperação. As condições são muito ruins, cada vez piores, as pessoas estão dispostas a trabalhar por qualquer coisa e as empresas se aproveitam disso”, diz.

Muitos de seus amigos e companheiros retornaram ao Peru. “Eles nos telefonam e perguntam como está a Espanha. E nós dizemos: a mesma coisa.”

Imagem do Dia

Oguni shrine, Morimachi, Japan

Parlamentares, façam a sua parte!

O Brasil odeia o Congresso, visto como antro de ladrões, acomodados e aproveitadores regidos a altos salários e mordomias a perder de vista. A alegação corrente de um aparato demasiadamente custoso e ineficaz pesa como nunca sobre aquela casa parlamentar. Uma pesquisa na semana passada mostrou que a imensa maioria rejeita o trabalho feito ali. Para 60% dos entrevistados, o desempenho parlamentar foi considerado ruim ou péssimo. Irrisórios 5% consideraram a atuação aceitável.

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Nem cobrador de impostos é tão impopular. O palhaço e deputado Tiririca, do alto da maior votação alcançada no pleito de 2014, foi à tribuna para dizer que iria desistir de reeleição. Confessou sua frustração com a atividade e, em especial, com a prática corrente entre os seus pares. Tiririca expôs o que está na mente de todo mundo. Muita conversa, muito conchavo e pouco resultado prático são a tônica nos gabinetes, corredores e nas sessões que nada resolvem. A repulsa genuína de Tiririca e de praticamente toda a Nação aborda, é claro, a falta de empenho dos congressistas para levar adiante, votar e aprovar projetos de interesse nacional. A reforma da Previdência, por exemplo, está entre eles e arrasta-se como uma pauta maldita. Como é possível adiar algo tão imprescindível para a sobrevivência do sistema? Alegam os senhores senadores e deputados que esse seria um tema por demais intragável às vésperas de eleição. Tentam mais uma vez, como fizeram sempre, iludir a massa com promessas populistas. Tome-se o comportamento nada dignificante do ex-presidente e líder da tropa petista, Lula, para quem a Previdência não passa de “porcaria”, como disse. Tal padrão de irresponsabilidade está vingando nas rodas de políticos.

Prevaricam com o futuro do País. Os recursos destinados a áreas vitais como educação e saúde estão por um fio por conta da necessidade de se manter as aposentadorias em dia. Logo, logo, nem esse esforço será suficiente. Ultrajante e indecente é a resistência dos congressistas em cumprir com o seu dever. Não passa pela cabeça de mais ninguém com um pingo de juízo a ideia de que a reforma da Previdência possa ser adiada. Essa bomba nuclear via conta dos aposentados foi armada há anos e agora está prestes a estourar. Desarmá-la é a decisão sensata a ser tomada no parlamento. E, ao contrário do que possa ser dito, ela não macula a reputação dos senhores candidatos. Sinaliza, na verdade, um engajamento no esforço conjunto dos brasileiros para a rápida recuperação da economia.


Responsabilidade com as contas públicas não tira voto de ninguém. São necessárias medidas austeras para salvaguardar o direito de todos. O grande trunfo da reforma da Previdência está justamente no combate aos privilégios. Igualar a conta dos servidores públicos e privados já será, por si só, um imenso avanço. Acochambrar o projeto, como tentou o PSDB para posar de bonzinho, é retrocesso punido inclusive com a desconfiança do mercado e de investidores. Na semana passada o dólar chegou a ter uma valorização espetacular devido ao temor de que a reforma não passasse. É isso que almejam os parlamentares? Um País economicamente instável e arriscado aos olhos do mundo? Eis um objetivo que só atende aos aventureiros de plantão e aos pseudos salvadores da pátria, vendedores de mentiras em proveito próprio.

Politicagem criminosa não cabe mais no assunto Previdência. Não está mais em jogo ser contra ou a favor do governo, ser aliado dessa ou daquela patota. O tema vai além de uma agenda meramente ideológica. A operação segue para a inviabilidade caso as mudanças não ocorram. A conta definitivamente não fecha. O presidente Temer, de sua parte, vem tentando o possível, no limite da negociação, para fazer vingar o projeto. Mas como disse, a questão cabe e interessa a todos os brasileiros. Se a maioria não se importa em travar a Previdência, eliminando as aposentadorias no médio prazo – porque é o que vai acontecer caso nada seja feito – paciência. O bom senso precisa prevalecer na discussão e os parlamentares, sem populismos baratos, realizarem a sua parte votando o que é devido. É o papel que lhes cabe. Vai da consciência de cada um exercê-lo. Mais cedo ou mais tarde, os brasileiros vão cobrar esse compromisso.

As grandes teles dos EUA se movem para dominar conteúdo e distribuição

Nestes dias, algumas das maiores empresas do planeta estão indo às compras. O que as move não é o espírito natalino, e sim o objetivo de se preparar para aproveitar certas tendências que estão mudando o mundo. E mais: estão dispostas a pagar por outras empresas os preços mais altos da história.

Mas em que será que elas apostam? Uma das transações em andamento aposta que nosso apetite por estar “conectados” é crescente e insaciável. Outra, que a forma como consumimos entretenimento e informação está mudando drástica e irreversivelmente.

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Você já tinha ouvido falar da Broadcom? Não? Eu também não. Entre as centenas de produtos que ela vende está o muito celebrado 16nm Nx56G PAM-4 PHY, que, como se sabe, é usado na infraestrutura de redes de Internet (ou algo assim). A empresa define seu negócio como a venda das “tecnologias que conectam o mundo”. Se você usa celular ou Internet, é muito provável que seus aparelhos contenham produtos da Broadcom. Esta empresa quer comprar a Qualcomm, outra gigantesca fabricante de semicondutores e produtos para telefonia móvel, telecomunicações e Internet. Ofereceu mais de 103 bilhões de dólares (338 bilhões de reais), o que seria o maior preço pago por uma empresa de tecnologia na história. A Qualcomm está resistindo bravamente, mas, se a aquisição for concretizada, quase todos os smartphones do mundo teriam um produto ou tecnologia da empresa resultante, cujas vendas superariam os 200 bilhões de dólares (657 bilhões de reais) ao ano (para ter uma ideia: essa quantia equivale às exportações anuais da Arábia Saudita).

Esse apetite voraz por empresas cujas receitas dependem de tecnologias que facilitam a “conectividade” e “mobilidade” das pessoas se deve ao fato de que a demanda por seus produtos cresce numa velocidade vertiginosa, e tudo indica que continuará crescendo aceleradamente. Não só porque aumenta a população mundial, como também porque cresce muito o número de usuários da Internet e dos produtos que ela torna possíveis. Também é esperada uma explosão da Internet das Coisas, ou seja, da conexão entre diferentes aparelhos que se coordenam entre si. Por exemplo: seu celular acorda você de manhã, liga a cafeteira, consulta em sua agenda os compromissos que você tem nesse dia e comunica ao navegador de seu carro para onde você vai, para que ele apresente as rotas mais convenientes. As aplicações industriais da Internet das Coisas são ainda maiores.

Não sabemos se a Broadcom conseguirá comprar a Qualcomm. Mas, certamente, sua intenção revela características interessantes do futuro.

Estas mudanças tecnológicas também têm alterado a forma como nos divertimos e nos informamos. A televisão “com encontro marcado” já é coisa do passado. A necessidade de que para ver seu programa favorito você tenha de “ter um encontro” com a TV no dia e na hora decididos pela emissora começou a desaparecer com o apogeu dos aparelhos de videocassete. E agora, graças à tecnologia de streaming pela Internet, proliferam empresas, como a Netflix, cujo negócio se baseia em que o usuário é que decida quando e onde ver o programa que lhe interessa.

Na indústria de comunicação vinha ocorrendo um intenso debate sobre o que é mais importante (e lucrativo): controlar a produção de conteúdo ou controlar os canais pelos quais esse conteúdo chega ao consumidor? As maiores empresas de comunicação do mundo decidiram que esse debate não é para elas: vão controlar tanto o conteúdo como a distribuição. E têm o dinheiro necessário para fazer isso.

A AT&T, a maior das empresas de telecomunicações (e, portanto, de distribuição de conteúdo), está tentando comprar a emblemática Time Warner, a terceira maior empresa de entretenimento (e de produção de conteúdo). A segunda maior, The Walt Disney Company, está interessada, por sua vez, em comprar uma parte importante da 21st Century Fox, propriedade do magnata Rupert Murdoch e de sua família. Murdoch ficaria basicamente com a Fox News, a super-rentável e polêmica rede de notícias. Essa negociação tem provocado muitas especulações. Uma delas é a de que o filho de Rupert Murdoch, James, o atual chefe da 21st Century Fox, substituiria Bob Iger como principal executivo da Disney. A outra é a de que Iger está estudando seriamente a possibilidade de ser candidato à presidência dos EUA nas eleições de 2020.

Nada de tudo que foi citado acima é definitivo, e certamente haverá surpresas. Embora as negociações com a Disney estejam muito adiantadas, tanto a Comcast como a Verizon manifestaram seu interesse em comprar a 21st Century Fox − e poderiam entrar na disputa oferecendo quantias ainda maiores que os 60 bilhões de dólares (197 bilhões de reais) que a Disney pagaria. E mesmo que a Disney seja a compradora, nada garante que seu conselho de administração nomeie James Murdoch como executivo (nem que o flerte de Iger com a política vá se concretizar). Talvez a maior incerteza seja se as autoridades antitruste autorizarão a enorme concentração empresarial causada por essas aquisições gigantescas, impulsionadas, em sua essência, pela profunda mudança tecnológica que, por sua vez, tem alterado radicalmente os hábitos do consumidor.

Do que não resta dúvida é que, independentemente do resultado dessas negociações, a televisão, como nossos pais a conheceram, deixará de existir muito em breve.

Dívida pública está travando crescimento nacional, mas candidatos silenciam

Não há dúvida de que o país está de cabeça para baixo – ou de ponta cabeça, como dizem os paulistas. A nação de maior potencial de crescimento sustentado está absolutamente travada, sem perspectivas. Esse problema começou a se agravar a partir do irresponsável governo de Fernando Henrique Cardoso, que passou a acumular uma dívida interna suicida, e hoje o Brasil está com seu desenvolvimento socioeconômico bloqueado, devido ao descontrole dos gastos públicos e à exploração financeira movida pelos investidores nacionais e internacionais.

A dívida pública bruta (governos federal, estaduais e municipais) já passa de R$ 4,7 trilhões, mais de 73% do PIB. Quem é otimista alega que no Japão, em Singapura, nos EUA, na China e em outros países esta relação entre dívida e PIB é até maior, mas os realistas logo explicam, à moda do marqueteiro americano James Carville: “Lá os juros são menores, estúpido!”

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Como todos sabem, aqui no Brasil a liberdade de imprensa tem limites e jamais são contrariados o interesse dos banqueiros e dos investidores. Por isso, hoje somente se fala em reforma da Previdência, não há um debate aberto sobre o maior problema nacional, que é justamente o descontrole da dívida.

Para “solucionar” o problema, o criativo ministro-banqueiro Henrique Meirelles inventou o teto de gastos, que é um programa do tipo “de volta para o futuro”, porque a dívida só estará sob controle daqui a 20 anos, e se tudo der certo. Mas até lá Inês é morta, diria o D. Pedro português. Aliás, a longo prazo todos estaremos mortos, como ensinava Lord Keynes, ao prescrever sempre medidas econômicas capazes de surtir efeito imediato.

E acontece que o tal “teto dos gastos” de Temer/Meirelles não deu certo, o déficit primário aumenta cada vez mais e o governo federal já está elevando o limite das despesas a serem feitas pelos Estados, depois será a vez dos municípios, e la nave va, cada vez mais fellinianamente…
 Há outros países, porém, que se acautelam do capitalismo financeiro. A Suécia e a Dinamarca se orgulham de terem dívida pública de menos da metade da média na zona do euro. O fundo de riqueza soberana de US$ 820 bilhões da Noruega significa que o governo não tem dívida líquida. Nessas nações que mesclam o capitalismo e o socialismo, o problema é a dívida dos consumidores e o aquecimento artificial do mercado imobiliário, ou seja, nada que a “mão invisível do mercado” não venha a resolver, como dizia Adam Smith.

Mas aqui debaixo do Equador decidiram transformar o Brasil no piloto de provas do capitalismo sem risco que o pensador Karl Marx tanto temia, a ponto de criar o neologismo “rentista” e prever que haveria essa nova forma de exploração do homem pelo homem, através da exploração dos países pelos detentores do capital.

Há poucos meses a importante revista britânica “The Economist” chamou atenção para o acerto da previsão de Marx, ao antever essa etapa do humanidade, em wur há predomínio do capitalismo financeiro, aquele que nada produz, não cria empregos nem distribui riquezas, é como o orgulho, que se alimenta de si mesmo.
É fundamental que os candidatos a Presidência da República exponham com clareza o que pretendem fazer em relação à dívida, sem essa embromação de aguardar a solução para daqui a duas décadas, já tendo fracassado logo no primeiro ano. Mas ninguém toca no assunto.

A questão financeira é tão grave e peculiar que no Brasil os bancos continuam cobrando de 400% a 500% ao ano em prosaicas dívidas de cartão de crédito, diante de uma inflação anual que o governo diz ser de apenas 3%. Isso não acontece em nenhum outro país do mundo civilizado, digamos assim. No entanto, nenhum candidato fala sobre isso. E também não se manifestam como vão reduzir os gastos públicos excessivos, as mordomias, os penduricalhos. Nada, nada.