quarta-feira, 1 de junho de 2016
Telefonia e democracia
Careta é a máscara carnavalesca congeladora de expressões faciais. Geralmente, um sorriso ou a carranca cínica que domina o nosso palco político. Nele, assistimos a grandes papéis serem desacreditados por maus atores.
Quando Richard Morse me telefonava, o verso era a senha. Ele dizia uma parte e eu a outra. Quase sempre trocávamos “careta” por alguma palavra mais alusiva.
Telefonias gravadas – essas provas de transparência – arrebatam o sono dos poderosos (que têm partido, não ideais). Fruto do instituto da “delação premiada” – esse exemplo weberiano das consequências inesperadas das ações sociais – enxergamos a política nacional tal como ela se faz. Não é, portanto, por amor à democracia que os fascistas de um lado e de outro ambicionem extinguir esse mecanismo.
De fato, se a democracia diminui o espaço entre o particular e o público, como segurar esses segredos que ajudaram a quebrar o Brasil? A propósito, vai sem dizer que todo radical ama o “nós” onipotente.
As telefonias exibem uma rede de engravatados. Nela, observamos um amoral desfile de acordos desonestos e bilionários. Sabíamos que se roubava, mas não tínhamos ideia de como esse roubo era tão incestuoso. O assalto ao Brasil era ordenado, programado e federal!
Tal descoberta seria impossível sem as redes sociais, combinadas com a imprensa livre e uma imensa demanda de igualdade republicana a qual levou às portas do Judiciário e dali à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao juiz como símbolos derradeiros de uma justiça esvaziada de interesses mesquinhos.
A lei vale para todos e atua por meio de fórmulas burocrático-legais – esse modo de dominação teorizado por Weber e dramatizado por Kafka. Pois a lei independe do poder carismático ou patrimonial dos indiciados e dos seus algozes. Com isso, o Brasil assiste a um surpreendente espetáculo de prisão de poderosos que eram, de acordo com uma velha teoria nativa, “imprendíveis”.
O governo da lei aprofundado pela “delação premiada” mostrou a operação do nosso sistema. Ele não é gestor de p... nenhuma. É um eficiente mediador de barganhas pessoais as quais transcendem partidos e projetos de poder, mas não deixam de “arrumar” os seus atores. Não se pode mais esconder que a ética republicana da igualdade, tem como irmã gêmea a tradição do “dou para receber”. Como, eis o dilema, ser leal ao eleitor, ao partido, ao progresso do Brasil e também aos amigos e a si mesmo – arrumando-se?
Se você quiser deixar um político sem sono, cante para ele:
“Moro, moro, moroMoro da capa pretaPegue esse político que mente sem careta!”
*
“Mentiram-me!”, exclama uma poesia de Affonso Romano de Sant’Anna de 1980, numa destemida denúncia sobre a hipocrisia do regime militar. Com censura, mentiam sobre o caso do Riocentro – um ato terrorista malogrado, tramado pelo regime contra um grupo de artistas libertários. No poema, A Implosão da Mentira, o poeta explode a mistificação. E reitera como a mentira é uma invariante do cenário político nacional. “Ontem e hoje mentem novamente/ Mentem de corpo e alma, completamente/ E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente.”
Trinta anos depois, continuamos na mesma. Hoje, mentem-me à direita e à esquerda porque a verdade implora pelo eixo do alto e do baixo: dos limites e das eficiências que, espero, começamos a enfrentar.
*
Tal sequestro do Brasil pelos seus políticos e não por sua política é outro aspecto que a Lava Jato tem revelado. Como eleitores, elegemos cuidadores em vez de representantes. Aqueles são, como diz Faoro, “donos do poder”; esses seriam seus gestores. Contamos nos dedos governos de gestores. Abundam telefonias de pais, mãe, tios e compadres.
Esses cuidadores da pátria!
*
Os protofascistas dizem abertamente que a pior ditadura é a da lei. E estão certos ao repetir sem saber o historiador inglês E. P. Thompson. Em democracias, o que conta é a igualdade e não o relacionamento familiar e de amizade. Ou, até mesmo, o dinheiro que, demonizado, tudo controla. Mas é a lei que normalmente submete os fracos e segura o bando, até surgir um movimento como a Lava Jato, o qual mostra como a lei é a única regra possível na exigente e para alguns demoníaca democracia.
Dores do parto
Reza um velho lema que, quando os fatos ganham pernas, as pessoas perdem a cabeça. Literal e figurativamente é o que está acontecendo no mundo do poder. Do dinheiro, da política, da intersecção entre os dois.
Há algum tempo vivemos no Brasil todos os dias uma agonia. Muita gente se desconforta com isso. Instalou-se um estranhamento com a constante turbulência. Afinal, não era para tudo se resolver com o afastamento de Dilma Rousseff e o ponto e vírgula na era PT? Vozes se levantam ora contra a paralisia que a situação provoca no funcionamento do País ora contra a “sangria” que leva a economia ao buraco e poderosos aos tribunais.
Reclama-se que a discussão política infelicita, toma conta de tudo e impede o Brasil de caminhar. Ninguém mais tem sossego, argumenta-se, com tantos escândalos cuja sucessão soa interminável. Compreensível tal aflição, mas a confusão é imprescindível. Diria até que muito bem-vinda. Já não era sem tempo a sacudida na paz de cemitério que desde a redemocratização, há mais de 30 anos, reinava no universo político brasileiro.
Melhor o barulho dos embates e o estrondo dos trancos avançando sobre os barrancos que o silêncio insidioso que vinha mantendo a política brasileira amarrada ao toco do atraso. Em boa medida em decorrência de uma cultura de cultivo do desdém como sinônimo de engajamento.
Como se a politização de uma sociedade fosse possível pelo exercício da indiferença. Na realidade, tal atitude resulta em salvo-conduto para que os representantes exerçam seus mandatos à revelia dos representados. Se os políticos não são demandados, natural que se sintam autorizados a se lixar para a opinião pública.
Reformar seus meios e modos para quê? Razão pela qual a muito cantada reforma política nunca andou. Por anos, décadas, estiveram todos muito confortáveis. E assim continuariam não fosse o despertar da sociedade. Por paradoxal que possa parecer, provocado justamente pelo partido que representava a esperança de mudança. O PT aprofundou, ampliou e exorbitou tanto da prática de ilícitos, do recurso à mentira e do exercício da ganância, que acabou contribuindo de maneira definitiva para a explicitação dos vícios até então praticados em ambiente de alguma penumbra no qual ainda era possível administrar os danos.
Inexperientes, mas soberbos, os petistas jogaram-se de corpo, alma e apetite desmedido no poder. Parceiros não faltaram e como os donos da bola tinham na fidelização eleitoral um instrumento garantidor de impunidade, acomodaram-se naquele guarda-chuva e aderiram ao padrão do vale qualquer coisa. Ao excesso, no entanto, sucedeu a escassez. Acabou o dinheiro, minguou a popularidade, desvendou-se a manipulação, foram expostos os crimes e, assim, se iniciou o processo de depuração.
Poderíamos dar a ele o nome de reforma política, pois da presente avalanche surgirá algo que ainda não se sabe o que será, mas é certo que será melhor. Suas excelências não quiseram reformar a política por bem. Pois então, estão sendo reformadas por mal. A cada queda, seja de ministro, de reputação ou condenação, corresponde um passo adiante.
Ocorre, porém, que o passivo é imenso e não será passado em revista em um dia ou dois nem transcorrerá sem dor. Por menos que se goste de viver a conturbação, uma hora o pacto da má convivência consentida haveria de ser rompido. E isso não se faz com facilidade nem sem a produção de mortos e feridos pelo caminho.
Que o New York Times considere o cenário “burlesco” compreende-se pela natural falta de referência em relação ao modo de operação de nossa política. Nós, brasileiros, contudo, não temos direito à zombaria desinformada, pois sabemos da gravidade da situação e da responsabilidade de todos na construção de um Brasil mais sério.
Há algum tempo vivemos no Brasil todos os dias uma agonia. Muita gente se desconforta com isso. Instalou-se um estranhamento com a constante turbulência. Afinal, não era para tudo se resolver com o afastamento de Dilma Rousseff e o ponto e vírgula na era PT? Vozes se levantam ora contra a paralisia que a situação provoca no funcionamento do País ora contra a “sangria” que leva a economia ao buraco e poderosos aos tribunais.
Reclama-se que a discussão política infelicita, toma conta de tudo e impede o Brasil de caminhar. Ninguém mais tem sossego, argumenta-se, com tantos escândalos cuja sucessão soa interminável. Compreensível tal aflição, mas a confusão é imprescindível. Diria até que muito bem-vinda. Já não era sem tempo a sacudida na paz de cemitério que desde a redemocratização, há mais de 30 anos, reinava no universo político brasileiro.
Melhor o barulho dos embates e o estrondo dos trancos avançando sobre os barrancos que o silêncio insidioso que vinha mantendo a política brasileira amarrada ao toco do atraso. Em boa medida em decorrência de uma cultura de cultivo do desdém como sinônimo de engajamento.
Como se a politização de uma sociedade fosse possível pelo exercício da indiferença. Na realidade, tal atitude resulta em salvo-conduto para que os representantes exerçam seus mandatos à revelia dos representados. Se os políticos não são demandados, natural que se sintam autorizados a se lixar para a opinião pública.
Reformar seus meios e modos para quê? Razão pela qual a muito cantada reforma política nunca andou. Por anos, décadas, estiveram todos muito confortáveis. E assim continuariam não fosse o despertar da sociedade. Por paradoxal que possa parecer, provocado justamente pelo partido que representava a esperança de mudança. O PT aprofundou, ampliou e exorbitou tanto da prática de ilícitos, do recurso à mentira e do exercício da ganância, que acabou contribuindo de maneira definitiva para a explicitação dos vícios até então praticados em ambiente de alguma penumbra no qual ainda era possível administrar os danos.
Inexperientes, mas soberbos, os petistas jogaram-se de corpo, alma e apetite desmedido no poder. Parceiros não faltaram e como os donos da bola tinham na fidelização eleitoral um instrumento garantidor de impunidade, acomodaram-se naquele guarda-chuva e aderiram ao padrão do vale qualquer coisa. Ao excesso, no entanto, sucedeu a escassez. Acabou o dinheiro, minguou a popularidade, desvendou-se a manipulação, foram expostos os crimes e, assim, se iniciou o processo de depuração.
Poderíamos dar a ele o nome de reforma política, pois da presente avalanche surgirá algo que ainda não se sabe o que será, mas é certo que será melhor. Suas excelências não quiseram reformar a política por bem. Pois então, estão sendo reformadas por mal. A cada queda, seja de ministro, de reputação ou condenação, corresponde um passo adiante.
Ocorre, porém, que o passivo é imenso e não será passado em revista em um dia ou dois nem transcorrerá sem dor. Por menos que se goste de viver a conturbação, uma hora o pacto da má convivência consentida haveria de ser rompido. E isso não se faz com facilidade nem sem a produção de mortos e feridos pelo caminho.
Que o New York Times considere o cenário “burlesco” compreende-se pela natural falta de referência em relação ao modo de operação de nossa política. Nós, brasileiros, contudo, não temos direito à zombaria desinformada, pois sabemos da gravidade da situação e da responsabilidade de todos na construção de um Brasil mais sério.
O ministro da falta de transparência e a cultura do estupro
A histeria coletiva que tomou conta da imprensa parece ter o mindinho de lulão e seus sequazes, não é mesmo? Fui obrigado a discutir com mais pessoas do que eu gostaria, que afirmavam coisas do tipo “coitada da minha esposa” só porque me recuso a acreditar na história de um estupro perpetrado por trezentas pessoas, duas girafas, um anão de jardim e três cineastas desempregados. Já disse aqui mesmo que esse tipo de violência contra a mulher É CRIME HEDIONDO, não importando se cometido por um ou duzentos cretinos.
Me parece que finalmente uma delegada foi chamada para levar a brincadeira sórdida a sério e promover as prisões e investigações que se fazem necessárias. Já não era sem tempo. É justamente a falta do poder público nessas horas que permite toda sorte de conjecturas e ilusionismos. A imprensa é culpada, sim, por entrar de gaiato no navio, dar versões fantasiosas dos fatos e promover as marolas com que essa gente pretende desestabilizar o novo governo.
No momento em que o presidente Temer pede calma e união nacional – solicitações bastante louváveis diante do carnaval que se institucionalizou por aqui – todas as leitões, lobos e companhia resolveram apostar que os senadores estariam chantageando esse governo, com a não votação do impeachment. ACUMA? Qual será o senador que gostaria de ser visto “para o resto do sempre” como o responsável por trazer de volta aquela jamanta emborcada no governo?
O ministro transparente caiu. Pediu basta. Não sem antes afirmar o que todo jurista já sabe: não há crime nas tais gravações em que foi flagrado. Não que eu defenda sua permanência no cargo ou sua mera existência política; também não defendo estupro algum. O que não dá pra encarar é a tentativa da imprensa marreta de pautar o governo e inviabilizar sua administração, na base dos gritinhos histéricos e do cacarejo indecente.
Até agora parece que estão logrando resultados, o que aconselha o presidente em exercício a exercitar logo sua capacidade de defenestrar toda essa escumalha de esquerda aboletada nas tetas públicas. Essa é a verdadeira cultura do estupro professada por aqui, meus caros. Custou-nos a bagatela de 170 bilhões, quebrou o país, endividou até a geração dos nossos filhos e somos obrigados a ouvir o cacarejo indecente de um PSOL, questionando o custo de um Cunha sem questionar o custo de uma Dilma para o país.
Já disse e repito: se há algo de bom nessa tragédia em que nos metemos é conseguir ver claramente quem são os comparsas aliados nessa ladrocracia. Não escapa ninguém. A república das fanchonas está em polvorosa. As minorias sem mortadela também. Mais que temer as ameaças vagabundas desses movimentos dos quadris, desses sindicatos do crime e dessas seitas picaretas, temos que temer mesmo é a canalhada pendurada no poder público, aliada à imprensa marreta.
Já deu pra ver do que são capazes. Na falta do que fazer, acabam até gravando as orgias uns dos outros. Ou será que o Machado de Sérgio e aquele gaiato que postou o estupro numa rede social diferem no voyerismo escabroso? Vai indo, Brasil. A pirambeira nos espera adiante.
Me parece que finalmente uma delegada foi chamada para levar a brincadeira sórdida a sério e promover as prisões e investigações que se fazem necessárias. Já não era sem tempo. É justamente a falta do poder público nessas horas que permite toda sorte de conjecturas e ilusionismos. A imprensa é culpada, sim, por entrar de gaiato no navio, dar versões fantasiosas dos fatos e promover as marolas com que essa gente pretende desestabilizar o novo governo.
No momento em que o presidente Temer pede calma e união nacional – solicitações bastante louváveis diante do carnaval que se institucionalizou por aqui – todas as leitões, lobos e companhia resolveram apostar que os senadores estariam chantageando esse governo, com a não votação do impeachment. ACUMA? Qual será o senador que gostaria de ser visto “para o resto do sempre” como o responsável por trazer de volta aquela jamanta emborcada no governo?
Até agora parece que estão logrando resultados, o que aconselha o presidente em exercício a exercitar logo sua capacidade de defenestrar toda essa escumalha de esquerda aboletada nas tetas públicas. Essa é a verdadeira cultura do estupro professada por aqui, meus caros. Custou-nos a bagatela de 170 bilhões, quebrou o país, endividou até a geração dos nossos filhos e somos obrigados a ouvir o cacarejo indecente de um PSOL, questionando o custo de um Cunha sem questionar o custo de uma Dilma para o país.
Já disse e repito: se há algo de bom nessa tragédia em que nos metemos é conseguir ver claramente quem são os comparsas aliados nessa ladrocracia. Não escapa ninguém. A república das fanchonas está em polvorosa. As minorias sem mortadela também. Mais que temer as ameaças vagabundas desses movimentos dos quadris, desses sindicatos do crime e dessas seitas picaretas, temos que temer mesmo é a canalhada pendurada no poder público, aliada à imprensa marreta.
Já deu pra ver do que são capazes. Na falta do que fazer, acabam até gravando as orgias uns dos outros. Ou será que o Machado de Sérgio e aquele gaiato que postou o estupro numa rede social diferem no voyerismo escabroso? Vai indo, Brasil. A pirambeira nos espera adiante.
A multiplicação dos patetas
De Sarney a Lula, de Dilma a Jucá e Renan, os grampos escandalizam porque expõem o modo arcaico de se fazer política no Brasil. Há delitos previstos no Código Penal. Chocante, porém, é a naturalidade da conivência, o ambiente de cumplicidade, a consciência de ilícitos dos agentes públicos. É notável que os diálogos gravados não contenham sequer resquícios de lembrança do interesse público, ou mesmo referências à honestidade. Convergem na intenção de “acabar” com as investigações, em autodefesa. Talvez seja o milagre da multiplicação de patetasJosé Casado
Governo que não bate apanha
O Brasil está como uma reunião de comadres. Nunca vi tanta fofoca... A novidade é essa falsidade de “amigos” gravarem conversas de “amigos” desprevenidos, como fez esse Sérgio Machado, filho do ex-deputado e ex-ministro do Interior Expedito Machado, homem de prestígio e respeito, grande amigo de Jango. Estivesse vivo, Expedito certamente morreria de desgosto com o procedimento do filho, que foi esquecido na presidência da Eletrobras por 12 anos, sempre mudando de partido para garantir seu alto cargo. Dizem que um gambá cheira o outro... Deve ser por isso que, de repente, o cara apareceu no cenário do crime, íntimo de tanta gente que se acha importante, com a gravação, guardada por precaução e má-fé, de todos os fuxicos que fez com seus cupinchas.
Bem disse o poeta Soares da Cunha, de Governador Valadares, que “amigos são, todos eles, como aves de arribação”... Pense assim, Michel, e olhe ao seu redor: verá que “macaco que pula de galho em galho acaba caindo”. Jucá sempre pulou de galho em galho... Ele foi líder de FHC, de Lula, da terrorista Dilma e filiado a diversos partidos. Por que seria diferente agora?
Concordei, mesmo sem entender, com sua decisão de retornar a Cultura ao status de ministério. Mas você acha, mesmo, que a Cultura deve ser tratada como ministério – que, atualmente, patrocina até concurso de arroto com a mamata da Lei Rouanet – e os Direitos Humanos apenas como secretaria?
Muita gente acha, e eu também, que o número ideal de ministérios seria 17 – número de prédios idealizados por JK e construídos na Esplanada dos Ministérios. As demais pastas, sejam lá quantas forem, deveriam receber o status de secretarias, e algumas, como Pesca, Cidades, Mulher etc., não deveriam passar de departamentos.
Lá em Salinas, terra de muita gente boa e pobre, como, aliás, todo o Norte de Minas, eu sempre andava acompanhado por alguns desses que, deles mesmos, só têm a vida. Pessoas interessantes, de bom caráter, bons pescadores de piaba, cantadores de coco, poetas de cordel, gente que, como eu, adora a vida na solta, voando como passarinho... Liberdade de tomar banho pelado no rio e comer “de mão” uma carninha-seca com um punhadinho de farinha de mandioca...
Nesse meio, vivia o Zé Bonzinho, pobre feito Jó e amigo, como todo pobre vivedor. Deve ter morrido, sem saber, assim, pobrezinho como sempre foi. Foi ele que um dia, pescando piaba comigo no poço do Aluar, como se previsse, me alertou para a vida política que me esperava: “Sylo, ocê é como um irmão, pena que nós só encontra pra tecer conversa nos fim de ano. Ocê é gente boa, e nós pobre só gosta de gente iguala a nós mesmo, que nem pensa nas maldade do mundo. Deixa te falá uma coisa: aprende a bater tomém, proque quem não bate nessa vida apanha. E ocê num merece”.
Michel, você não me conhece nem tem por quê, mas aprenda a bater, como é da essência política, se quiser ficar aí...
Banqueiro indiciado é vestígio de um novo país
Até bem pouco, nenhuma revelação abalava o prestígio de uma eminência empresarial no Brasil. Mesmo quando apanhados de mau jeito, os empresários continuavam fornecendo matéria-prima às colunas sociais, publicando artigos nos cadernos de economia e distribuindo conselhos a presidentes da República e ministros. Ao indiciar na Operação Zelotes o presidente do Bradesco, Luiz Trabuco, a Polícia Federal oferece mais um vestígio de que algo de muito novo sucede no país: o braço punitivo do Estado tornou-se mais longo e menos seletivo.
Apura-se na Zelotes o pagamento de propinas para cancelar ou abater dívidas lançadas pela Receita Federal. A Procuradoria já denunciou na mesma operação o dono do Banco Safra, Joseph Safra. O rol de indiciados, que já incluía gente como o presidente do Grupo Gerdau, André Gerdau Johannpeter, é adensado agora por Trabuco e outros nove encrencados.
Considerando-se que a Lava Jato já levou à cadeia os barões da construção civil e que o mais poderoso deles, Marcelo Odebrecht, faz uma delação que abalará os pilares da República, já se pode dizer que a farra não está acabando apenas para os políticos. Aos pouquinhos, a elite empresarial brasileira também perde sua sua invulnerabilidade.
Até ontem, os contatos de Luiz Trabuco com o Estado ocorriam nos palácios do Planalto e do Alvorada. Era conselheiro econômico de Lula. Dava-se muito bem com Dilma. Reeleita, madame convidou-o para chefiar o Ministério da Fazenda. Agora, Trabuco defende-se noutras repartições públicas de cinco imputações: corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Sinal dos tempos.
Com o fim da mamata...
Acabou a era da militância paga. Nós teremos que fazer uma campanha com muitos voluntários e voluntárias e, para isso, é fundamental que a gente tenha ideias a oferecerRui Falcão, presidente do PT
Tragicômicos
Esta semana, aos 85 anos, faleceu Burt Kwouk. Este nome pode dizer pouco para você. Porém, quem gosta de cinema e, ainda mais, de comédias, conhece Cato Fong. Cato era o criado do Inspetor Clouseau na série de filmes A Pantera Cor-de-Rosa, verdadeira obra prima estrelada por Peter Sellers. E a dupla, como em um filme dentro de outro filme, protagonizava pequenas histórias paralelas as quais tinham um só enredo: a ordem expressa de necessariamente, em qualquer circunstância e à revelia de contraordens, Cato atacar o Inspetor quando ele voltasse para casa. Segundo Clouseau, um modo eficaz de manter sua sagacidade afiada.
Como era tal sequência? Bom, Clouseu, de volta ao lar, logo percebia Cato em estado oculto. Então, o Inspetor pedia por ele, suplicava, avisava bem alto que não tinha tempo para o exercício, que desta vez era para o criado aparecer, que havia algo mais importante para ser feito, etc. Nem por isso deixava de se armar ou de investigar possíveis esconderijos tendo nós, espectadores, como cúmplices de sua angústia. Até quando, do nada e para alegria de todos, Cato voava para cima de seu amo num ataque letal. Dali para adiante, ambos destruíam a casa lutando um contra o outro, restando Clouseau vencedor – como sempre digo, nada melhor do que ter o roteirista do nosso lado.
Enquanto lia a nota de obituário, logo depois de dar uma repassada na timeline da rede social, dei-me conta de que agora, no Brasil, estamos presos num igual fragmento de “história dentro da história”. Tipo assim: há milhões de pessoas desempregadas, desfalques trazidos à tona na maior operação judicial dos últimos tempos (dizem que poderá ser superada por outras), autoridades de diversos os partidos e em todas as esferas envolvidas, as contas da Nação deficitárias (apesar de só crescer o peso dos tributos), precários serviços públicos essenciais, desesperança generalizada e… “Catos” e “Clouseaus” combatendo um contra o outro, destruindo a casa e se ferindo porque… Por que razão, mesmo? Ah, porque é preciso estar atento – cada golpe sofrido pede um contragolpe de igual intensidade.
Alerta de spoiler: por força de enredo, Cato jamais atenderá aos apelos de trégua, mesmo quando a lógica manda focar na trama de fundo – o que vale é a luta. Triste também será o papel do Inspetor, incapaz de se dar por vencido: é protagonista. Porém, inacreditavelmente, esse patético pastelão não deixa de ter graça para quem vê de fora. Uma tragicomédia burlesca com direito a dedo no olho e mordida na bunda, ora convictos, ora dissimulando. Quem de nós será Burt? E Sellers? Ou, a pergunta de milhões na Suíça: quem escreve este roteiro?
Rubem Penz
Enquanto lia a nota de obituário, logo depois de dar uma repassada na timeline da rede social, dei-me conta de que agora, no Brasil, estamos presos num igual fragmento de “história dentro da história”. Tipo assim: há milhões de pessoas desempregadas, desfalques trazidos à tona na maior operação judicial dos últimos tempos (dizem que poderá ser superada por outras), autoridades de diversos os partidos e em todas as esferas envolvidas, as contas da Nação deficitárias (apesar de só crescer o peso dos tributos), precários serviços públicos essenciais, desesperança generalizada e… “Catos” e “Clouseaus” combatendo um contra o outro, destruindo a casa e se ferindo porque… Por que razão, mesmo? Ah, porque é preciso estar atento – cada golpe sofrido pede um contragolpe de igual intensidade.
Alerta de spoiler: por força de enredo, Cato jamais atenderá aos apelos de trégua, mesmo quando a lógica manda focar na trama de fundo – o que vale é a luta. Triste também será o papel do Inspetor, incapaz de se dar por vencido: é protagonista. Porém, inacreditavelmente, esse patético pastelão não deixa de ter graça para quem vê de fora. Uma tragicomédia burlesca com direito a dedo no olho e mordida na bunda, ora convictos, ora dissimulando. Quem de nós será Burt? E Sellers? Ou, a pergunta de milhões na Suíça: quem escreve este roteiro?
Rubem Penz
A farra dos cartões
Se o Temer, de fato, pensa em fazer uma administração austera para se diferenciar da bagunça financeira do governo petista, precisa urgentemente acabar com o cartão corporativo e criar uma rubrica para gastos do governo com total transparência. É inadmissível a orgia financeira da presidência da república com o dinheiro do contribuinte. Além dos gastos com alimentação, hotéis de luxo, roupas, flores e bugigangas diversas, a Dilma ainda está amparada pelo sigilo que protege as compras. O Lula determinou, quando exercia o cargo de presidente, que as despesas do governo ficariam em segredo. Ou seja: institucionalizou a maracutaia. E assim, desde então, nenhuma das autoridades de posse do cartão presta contas dos seus gastos.
Afastada do cargo, Dilma continua como se ainda estivesse no comando do país. Só este ano já foram gastos quase 4 milhões de reais. Em 2014, na época da eleição, o governo gastou R$ 64 milhões usando os cartões em todos os órgãos. Apenas a presidência da república torrou R$ 22 milhões (mais de 6 milhões de dólares). Não se conhece no mundo uma mordomia dessa grandeza, onde integrantes da cúpula do governo fazem compras indiscriminadamente com dinheiro público sem a obrigação de prestar contas.
O presidente em exercício parece que pretende moralizar a bagunça. Proibiu, por exemplo, despesas com compras de flores que a Dilma pretendia fazer recentemente para ser recepcionada pelos militantes petistas. É pouco, ou quase nada, mas já é um aceno à moralização. Temer precisa cortar na carne acabando com os cartões de seus principais auxiliares. Enquanto o país vive um momento de caos na economia, com 12 milhões de desempregados, a inflação ameaçando sair dos eixos, as contas públicas fora de controle e os preços dos alimentos nas alturas, ainda existem 11.510 cartões nas mãos de funcionários públicos que farreiam com o nosso dinheiro todo o dia.
O cartão corporativo já foi objeto de escândalo no governo do PT. Descobriu-se, à época, que ministros usavam-no até para comprar tapioca e fazer compras pessoais e íntimas como foi o caso de Orlando Silva, do Esporte. O escândalo ainda arrastou Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial, e Altemir Gregolin, da Pesca. Mesmo assim, os cartões voltaram a financiar o luxo dos seus donos porque o PT virou a Casa da Mãe Joana.
Temer daria um bom exemplo se eliminasse a farra dos cartões e tornassem transparentes os gastos da presidência da república e de seus auxiliares diretos. O povo brasileiro precisa de demonstrações efetivas de que o governo (interino) está sendo vigilante com o seu dinheiro.
Em 2014, a Dilma e a sua equipe gastaram uma media de 24 mil reais por dia usando os cartões, incluindo aí os feriados e fins de semana, no ano em que a presidente passou pouco tempo no comando do país. A despesa foi declarada sigilosa. Ou seja: os gastos estão amparados por uma lei draconiana que só beneficia a quem dela se serve de forma sorrateira e esperta. Como está sob reserva, é difícil saber se o dinheiro está sendo usado em hospedagens, restaurantes, passagens aéreas e locais suspeitos como motéis e casas de massagens, proibidos por lei.
Outra medida que mostraria um governo preocupado com os gastos público seria a de acabar com as viagens dos jatinhos da FAB que cortam o país nos fins de semana levando a bordo ministros e assessores para seus estados. Uma despesa desnecessária já que existem aviões de carreira disponíveis a toda hora para qualquer lugar do Brasil. Aqueles que se envergonham ou temem ser hostilizados em aeroportos comerciais estão condenados a não exercer cargos públicos.
O fim dessas mordomias certamente levaria o brasileiro a acreditar que realmente o país está mudando para melhor. Certamente seria visto com um olhar diferente. Se nada for feito de forma a impedir a evasão do dinheiro do povo, mais cedo ou mais tarde a massa vai novamente às ruas cobrar as mudanças. E dessa vez, as consequências serão imprevisíveis.
O presidente em exercício parece que pretende moralizar a bagunça. Proibiu, por exemplo, despesas com compras de flores que a Dilma pretendia fazer recentemente para ser recepcionada pelos militantes petistas. É pouco, ou quase nada, mas já é um aceno à moralização. Temer precisa cortar na carne acabando com os cartões de seus principais auxiliares. Enquanto o país vive um momento de caos na economia, com 12 milhões de desempregados, a inflação ameaçando sair dos eixos, as contas públicas fora de controle e os preços dos alimentos nas alturas, ainda existem 11.510 cartões nas mãos de funcionários públicos que farreiam com o nosso dinheiro todo o dia.
O cartão corporativo já foi objeto de escândalo no governo do PT. Descobriu-se, à época, que ministros usavam-no até para comprar tapioca e fazer compras pessoais e íntimas como foi o caso de Orlando Silva, do Esporte. O escândalo ainda arrastou Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial, e Altemir Gregolin, da Pesca. Mesmo assim, os cartões voltaram a financiar o luxo dos seus donos porque o PT virou a Casa da Mãe Joana.
Temer daria um bom exemplo se eliminasse a farra dos cartões e tornassem transparentes os gastos da presidência da república e de seus auxiliares diretos. O povo brasileiro precisa de demonstrações efetivas de que o governo (interino) está sendo vigilante com o seu dinheiro.
Em 2014, a Dilma e a sua equipe gastaram uma media de 24 mil reais por dia usando os cartões, incluindo aí os feriados e fins de semana, no ano em que a presidente passou pouco tempo no comando do país. A despesa foi declarada sigilosa. Ou seja: os gastos estão amparados por uma lei draconiana que só beneficia a quem dela se serve de forma sorrateira e esperta. Como está sob reserva, é difícil saber se o dinheiro está sendo usado em hospedagens, restaurantes, passagens aéreas e locais suspeitos como motéis e casas de massagens, proibidos por lei.
Outra medida que mostraria um governo preocupado com os gastos público seria a de acabar com as viagens dos jatinhos da FAB que cortam o país nos fins de semana levando a bordo ministros e assessores para seus estados. Uma despesa desnecessária já que existem aviões de carreira disponíveis a toda hora para qualquer lugar do Brasil. Aqueles que se envergonham ou temem ser hostilizados em aeroportos comerciais estão condenados a não exercer cargos públicos.
O fim dessas mordomias certamente levaria o brasileiro a acreditar que realmente o país está mudando para melhor. Certamente seria visto com um olhar diferente. Se nada for feito de forma a impedir a evasão do dinheiro do povo, mais cedo ou mais tarde a massa vai novamente às ruas cobrar as mudanças. E dessa vez, as consequências serão imprevisíveis.
Paternalismo cultural
Apesar dos inúmeros e abrangentes problemas com os quais o novo governo vem se defrontando, a começar pelo descalabro que tomou conta de setores prioritários, como segurança, educação e saúde, passando pelo desequilíbrio assustador das contas públicas, para não falar do desemprego crescente e da paralisia econômica, um assunto até certo ponto menor tomou conta das manchetes recentemente: a incorporação do Ministério da Cultura ao Ministério da Educação.
Demonstrando enorme falta de sensibilidade social e valendo-se de sua visibilidade midiática natural, boa parte do meio artístico protestou de forma veemente contra aquela medida, fazendo com que o governo voltasse atrás de uma decisão oportuna e correta. Tais movimentos, não raro, reverberaram a falsa premissa de que o fomento à produção artística nacional seria uma política prioritária, quando não imprescindível, para a sociedade.
Os prejuízos financeiros derivam do fato de que, ao contrário dos patrocinadores privados, os quais estarão atentos, entre outros aspectos, à viabilidade econômico-financeira de qualquer investimento, os governos frequentemente estarão de olho apenas no ganho político. Ao desconsiderar o retorno econômico de um projeto objeto de financiamento direto, ou promovendo renúncia fiscal a fundo perdido (modelo predominante da Lei Rouanet), o governo está dilapidando recursos que não lhe pertencem, e consequentemente aumentando o ônus tributário — presente e futuro — dos pagadores de impostos. Tudo isso em prol de investimentos cujo retorno social é bastante duvidoso.
Já o dano moral é um pouco mais sutil e, por isso, difícil de ser percebido. Quando o Estado coloca dinheiro público numa obra qualquer, uma ínfima, porém significativa, parcela daquele recurso pertence a cada um dos contribuintes. Isto quer dizer que, independentemente da minha vontade, dos meus valores, dos meus princípios morais, políticos e religiosos, meu dinheiro pode estar sendo usado para financiar espetáculos com os quais não tenho a menor afinidade ou, pior, dos quais discorde frontalmente.
Outra mazela importante do financiamento público à cultura, como de resto a qualquer outra atividade produtiva, é a partidarização dos beneficiários. Em tese, os recursos de fomento deveriam ser distribuídos de forma democrática, mas, como eles são escassos, o mecenas estatal, agindo pelas mãos de alguns “especialistas” estrategicamente instalados em pontos chave da cadeia burocrática, irá inevitavelmente escolher, entre os inúmeros postulantes, aqueles politicamente alinhados com o governo, além dos que se mostrarem mais eficientes na arte da adulação. É claro que a maioria tenderá a apoiar o partido da hora.
Não há razão para que atividades artísticas — como ademais qualquer outra atividade empresarial — não devam sobreviver às suas próprias expensas. Um filme, uma peça, um concerto, um circo ou uma ópera darão retorno quando forem de boa qualidade, bem divulgados e vendidos a preço justo. No Brasil, infelizmente, criou-se o hábito do paternalismo cultural, em que os eventuais lucros de um espetáculo são dos produtores, mas os prejuízos são de todos. Não por acaso, Millôr Fernandes costumava dizer, com seu habitual sarcasmo, que o cinema brasileiro quando dá lucro é indústria, quando dá prejuízo é arte.
João Luiz Mauad
Demonstrando enorme falta de sensibilidade social e valendo-se de sua visibilidade midiática natural, boa parte do meio artístico protestou de forma veemente contra aquela medida, fazendo com que o governo voltasse atrás de uma decisão oportuna e correta. Tais movimentos, não raro, reverberaram a falsa premissa de que o fomento à produção artística nacional seria uma política prioritária, quando não imprescindível, para a sociedade.
Trata-se de argumento oportunista e absolutamente afastado da realidade. Sim, cultura é importante, mas uma sociedade pobre e cheia de problemas tem inúmeras prioridades antes de começar a pensar em incentivá-la com dinheiro público. Mas esse não é o único problema. Na verdade, o subsídio cultural acaba impondo aos cidadãos dois tipos distintos de dano: um de caráter financeiro, e outro de cunho moral.
Os prejuízos financeiros derivam do fato de que, ao contrário dos patrocinadores privados, os quais estarão atentos, entre outros aspectos, à viabilidade econômico-financeira de qualquer investimento, os governos frequentemente estarão de olho apenas no ganho político. Ao desconsiderar o retorno econômico de um projeto objeto de financiamento direto, ou promovendo renúncia fiscal a fundo perdido (modelo predominante da Lei Rouanet), o governo está dilapidando recursos que não lhe pertencem, e consequentemente aumentando o ônus tributário — presente e futuro — dos pagadores de impostos. Tudo isso em prol de investimentos cujo retorno social é bastante duvidoso.
Já o dano moral é um pouco mais sutil e, por isso, difícil de ser percebido. Quando o Estado coloca dinheiro público numa obra qualquer, uma ínfima, porém significativa, parcela daquele recurso pertence a cada um dos contribuintes. Isto quer dizer que, independentemente da minha vontade, dos meus valores, dos meus princípios morais, políticos e religiosos, meu dinheiro pode estar sendo usado para financiar espetáculos com os quais não tenho a menor afinidade ou, pior, dos quais discorde frontalmente.
Outra mazela importante do financiamento público à cultura, como de resto a qualquer outra atividade produtiva, é a partidarização dos beneficiários. Em tese, os recursos de fomento deveriam ser distribuídos de forma democrática, mas, como eles são escassos, o mecenas estatal, agindo pelas mãos de alguns “especialistas” estrategicamente instalados em pontos chave da cadeia burocrática, irá inevitavelmente escolher, entre os inúmeros postulantes, aqueles politicamente alinhados com o governo, além dos que se mostrarem mais eficientes na arte da adulação. É claro que a maioria tenderá a apoiar o partido da hora.
Não há razão para que atividades artísticas — como ademais qualquer outra atividade empresarial — não devam sobreviver às suas próprias expensas. Um filme, uma peça, um concerto, um circo ou uma ópera darão retorno quando forem de boa qualidade, bem divulgados e vendidos a preço justo. No Brasil, infelizmente, criou-se o hábito do paternalismo cultural, em que os eventuais lucros de um espetáculo são dos produtores, mas os prejuízos são de todos. Não por acaso, Millôr Fernandes costumava dizer, com seu habitual sarcasmo, que o cinema brasileiro quando dá lucro é indústria, quando dá prejuízo é arte.
João Luiz Mauad
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