quarta-feira, 6 de julho de 2016
Para sair do buraco
Possivelmente a crise econômica bateu no fundo do poço. Há sinais de discretas melhoras, ou de que as coisas pararam de piorar. Os indicativos são de aumento da confiança de empresários e consumidores, de desaceleração das demissões, embora o desemprego continue altíssimo e seja o grande tormento dos brasileiros. As previsões sobre o desempenho da economia para este ano e para 2017 estão sendo revistas para melhor. Ou menos ruim.
A leve mudança do cenário não deve alimentar leituras cor-de-rosa. O país não sairá do buraco, no qual submergiu em decorrência do desarranjo da economia promovido pelo governo Dilma Rousseff, apenas pela força da inércia. Por aí, o PIB brasileiro terá sempre voos de galinha.
Para dar o salto na direção do crescimento sustentado, o Brasil terá de passar por um novo momento de modernização de sua economia por meio de um amplo programa de privatizações e da definição de novos marcos regulatórios em diversas áreas hoje engessadas.
Em última análise, trata-se de retomar o eixo perdido na segunda metade do primeiro mandato de Lula, quando se adotou um modelo “nacional-desenvolvimentista” equivocado e tardio. Também não teve continuidade a política iniciada, com sucesso, no governo FHC.
A primeira vaga de privatizações e concessões trouxe enorme ganhos para o país, permitiu a modernização das telecomunicações, deu competitividade a Petrobras e estabeleceu regulamentos para dar segurança aos investidores.
O fim da “bolha das commodities” levou ao esgotamento do modelo pautado no protagonismo estatal, cuja consequência nós todos sabemos: estagnação, desindustrialização, fuga dos investidores, inflação e desemprego.
O desafio da equipe econômica do governo Michel Temer é estabelecer as bases para um modelo onde o grande protagonista seja a iniciativa privada, como acontece nas economias desenvolvidas. Só assim serão gerados os milhões e milhões de empregos que os brasileiros necessitam.
A nova vaga de privatizações e concessões não é uma imposição apenas da necessidade do Estado fazer caixa para reduzir a dívida pública, mas também da própria retomada do crescimento. O Estado não é mais o “motor do desenvolvimento”. Não tem mais sentido, portanto, manter em suas mãos atividades que podem ser tocadas pela iniciativa privada.
E mesmo aquilo que deve ficar nas mãos do Estado por ter uma função social ou econômica, não pode ser reserva de mercado, tem de ser submetido à concorrência para não se acomodar.
Temos um bom exemplo: quando a Lei 9.478, de agosto de 1997, quebrou o monopólio do petróleo foi um Deus nos acuda, tal a vociferação dos estatistas. Uma década depois havia amplo consenso quanto aos seus efeitos benéficos: fortalecimento da Petrobras, geração de empregos e de receitas para o Estado. Se assim foi, qual a razão de se manter o monopólio dos Correios, por exemplo?
Algumas condições são básicas para a atração dos investidores. A primeira delas, e aparentemente óbvia, é a estabilidade econômica, pois ninguém vai investir em um país de inflação alta, de contas públicas desajustadas. A segunda é a existência de um ambiente favorável aos negócios, com regulamentação clara, tanto para dar segurança jurídica aos investidores como para proteger os consumidores.
As agências reguladoras foram pensadas com este fim. Eram instituições do Estado e não do governo do momento. Um dos maiores crimes do lulopetismo – e Dilma tem muita culpa nisso – foi o esvaziamento das agências, seu sucateamento e loteamento político. O sucesso de um novo programa de privatização passa também pelo resgate das agências reguladoras.
São imensas as possibilidades do país atrair grandes investidores, particularmente na cadeia de óleo e gás onde os investimentos podem chegar a 30 bilhões de dólares por ano e gerar um milhão de empregos até 2030.
Mas aí voltamos ao início. Isto não acontecerá por osmose. É preciso quebrar as amarras, alterar o marco legal do pré-sal, uma camisa de força ideológica criada no governo Lula.
O Brasil não está condenado a ficar no buraco. Tem todas as condições para sair dele. A conferir se Temer será o homem para puxá-lo das profundezas.
A leve mudança do cenário não deve alimentar leituras cor-de-rosa. O país não sairá do buraco, no qual submergiu em decorrência do desarranjo da economia promovido pelo governo Dilma Rousseff, apenas pela força da inércia. Por aí, o PIB brasileiro terá sempre voos de galinha.
Em última análise, trata-se de retomar o eixo perdido na segunda metade do primeiro mandato de Lula, quando se adotou um modelo “nacional-desenvolvimentista” equivocado e tardio. Também não teve continuidade a política iniciada, com sucesso, no governo FHC.
A primeira vaga de privatizações e concessões trouxe enorme ganhos para o país, permitiu a modernização das telecomunicações, deu competitividade a Petrobras e estabeleceu regulamentos para dar segurança aos investidores.
O fim da “bolha das commodities” levou ao esgotamento do modelo pautado no protagonismo estatal, cuja consequência nós todos sabemos: estagnação, desindustrialização, fuga dos investidores, inflação e desemprego.
O desafio da equipe econômica do governo Michel Temer é estabelecer as bases para um modelo onde o grande protagonista seja a iniciativa privada, como acontece nas economias desenvolvidas. Só assim serão gerados os milhões e milhões de empregos que os brasileiros necessitam.
A nova vaga de privatizações e concessões não é uma imposição apenas da necessidade do Estado fazer caixa para reduzir a dívida pública, mas também da própria retomada do crescimento. O Estado não é mais o “motor do desenvolvimento”. Não tem mais sentido, portanto, manter em suas mãos atividades que podem ser tocadas pela iniciativa privada.
E mesmo aquilo que deve ficar nas mãos do Estado por ter uma função social ou econômica, não pode ser reserva de mercado, tem de ser submetido à concorrência para não se acomodar.
Temos um bom exemplo: quando a Lei 9.478, de agosto de 1997, quebrou o monopólio do petróleo foi um Deus nos acuda, tal a vociferação dos estatistas. Uma década depois havia amplo consenso quanto aos seus efeitos benéficos: fortalecimento da Petrobras, geração de empregos e de receitas para o Estado. Se assim foi, qual a razão de se manter o monopólio dos Correios, por exemplo?
Algumas condições são básicas para a atração dos investidores. A primeira delas, e aparentemente óbvia, é a estabilidade econômica, pois ninguém vai investir em um país de inflação alta, de contas públicas desajustadas. A segunda é a existência de um ambiente favorável aos negócios, com regulamentação clara, tanto para dar segurança jurídica aos investidores como para proteger os consumidores.
As agências reguladoras foram pensadas com este fim. Eram instituições do Estado e não do governo do momento. Um dos maiores crimes do lulopetismo – e Dilma tem muita culpa nisso – foi o esvaziamento das agências, seu sucateamento e loteamento político. O sucesso de um novo programa de privatização passa também pelo resgate das agências reguladoras.
São imensas as possibilidades do país atrair grandes investidores, particularmente na cadeia de óleo e gás onde os investimentos podem chegar a 30 bilhões de dólares por ano e gerar um milhão de empregos até 2030.
Mas aí voltamos ao início. Isto não acontecerá por osmose. É preciso quebrar as amarras, alterar o marco legal do pré-sal, uma camisa de força ideológica criada no governo Lula.
O Brasil não está condenado a ficar no buraco. Tem todas as condições para sair dele. A conferir se Temer será o homem para puxá-lo das profundezas.
Ao fugir da comissão, Dilma fez uma silenciosa confissão de culpa
Por que Dilma Rousseff resolveu ficar longe da comissão especial do impeachment? Por que desistiu de apresentar sua própria defesa numa sessão transmitida ao vivo pela TV? Por que a guerrilheira aposentada, que jura ter enfrentado na juventude até torturadores, agora foge de duelos verbais com um punhado de senadores? Por que o coração tão valente sucumbiu à arritmia horas antes do confronto com o que qualifica de “um bando de golpistas”?
Se nada fez de errado, se é uma ilha de honestidade no oceano da bandidagem, se é vítima de uma sórdida trama urdida por malfeitores em pânico com o avanço da Lava Jato, por que Dilma Rousseff preferiu escalar José Eduardo Cardozo para representá-la na sessão desta quarta-feira, em vez de desmoralizar seus algozes com a autodefesa arrasadora, e em seguida acuar a oposição com a fulminante contra-ofensiva que a devolveria ao gabinete presidencial?
Uma única resposta liquida os cinco pontos de interrogação: Dilma não se animou a dar as caras no Senado porque é culpada. Simples assim. A presidente prestes a ver consumada a demissão por justíssima causa só ousa fantasiar-se de inocente em apresentações para plateias amestradas.
Uma única resposta liquida os cinco pontos de interrogação: Dilma não se animou a dar as caras no Senado porque é culpada. Simples assim. A presidente prestes a ver consumada a demissão por justíssima causa só ousa fantasiar-se de inocente em apresentações para plateias amestradas.
Brasil vai mal, mas e a Botswana?
Cidade de Botswana, capital do "tigre" africano |
Uma característica comum entre Botswana e os países da Ásia que tiveram um excepcional desempenho econômico são as altas taxas de poupança e investimento. Tomando as médias de 1980 a 2015 nossas taxas de poupança e investimento foram respectivamente de 17,7% e 20%, em Botswana, no mesmo período, as taxas foram de 38,1% e 30,8%. Além de poupar mais e investir mais Botswana também poupa mais do que investe, na figura abaixo é possível ver que na maior parte do período a taxa de poupança fica acima da taxa de investimento. No Brasil acontece o contrário, via de regra a taxa de poupança é menor que a taxa de investimento, o que significa que além de investimos pouco temos de financiar parte de nosso investimento no resto do mundo. Não que o financiamento externo seja um problema, mas é uma característica que deve ser considerada quando analisamos o Brasil, principalmente pela turma que vive a pedir desvalorização cambial. As figuras seguintes mostram as taxas de investimento e poupança no Brasil e em Botswana.
Comparada ao Brasil a dívida pública de Botswana é baixa. Entre 1998 e 2015, dados anteriores a 1998 não estão disponíveis na base do FMI, o maior valor da dívida como proporção do PIB, alcançado em 2011, foi de 20,3%, em 2015 já havia caído para 17,8%. No mesmo período o maior valor no Brasil foi de 78,8% em 2002, depois disso começou uma trajetória de queda até chegar no mínimo de 60,4% em 2013, a partir daí a dívida voltou a subir de forma que em 2015 já alcançava 73,4% do PIB, quase mesmo valor de 2013.
Alojamento dos estudantes da universidade de Botswana |
Não conheço a fundo a economia e a história dos países da África, dedico mais atenção à América Latina, sendo assim não arrisco dizer quais das muitas diferenças existentes entre Brasil e Botswana podem explicar que eles tenham crescido tão mais que nós. Existem questões culturais, demográficas e econômicas que podem explicar o ocorrido, entretanto não deixa de chamar atenção que um país coberto por um deserto, exportador de commodities, mas que poupa mais do que investe, que investe mais e poupa mais que o Brasil e que tem uma economia bem mais livre que a nossa conseguiu sair de uma situação de pobreza e alcançar uma posição de renda média enquanto nós não saímos da renda média. Também vale registrar que a combinação investir muito, poupar mais ainda e dar mais liberdade econômica aparece em várias experiências de sucesso econômico. Não arrisco estabelecer uma causalidade, mas não recomendo ignorar tais fatores em uma tentativa de explicar o sucesso de Botswana.
Cadeia alimentar
Cidade do México distribui 15 mil apitos antiassédio
Tania Gutiérrez, de 23 anos, segura sua filha de dois meses com o braço esquerdo e, com a mão livre, mostra contente o seu apito. A prefeitura da Cidade do México começou a distribuir nesta segunda-feira de 15.000 apitos antiassédio. A medida, parte de um programa governamental para erradicar a violência sexual que atinge milhares de mulheres no transporte público da capital, foi duramente criticada por organizações feministas, e as redes sociais a transformaram na piada nacional.
“Vim pegar o apito porque aceito qualquer coisa que me faça me sentir segura. Tenho muito medo quando ando sozinha com a minha menina”, diz Gutiérrez. Ela veio com seu marido, Martín, coordenador de segurança da estação Guerrero do metrô, porque dias atrás ele escutou o silvo de uma mulher, e seus colegas de trabalho comentaram que seria uma boa ideia para suas esposas. Perla Sandoval, de 34 anos, não vem por ela, mas por seus filhos: “Me disseram que, se tirarem o meu menino de mim, eu poderia soprar o apito e pedir ajuda às pessoas”. A maioria das mulheres que compareceram na segunda-feira para solicitar o apito provém de bairros inseguros, escuros à noite, despovoados e humildes. Elas, que cruzam a cidade diariamente sozinhas ou carregando seus bebês, dizem se sentir um pouco mais protegidas por esse artefato, apesar de não terem certeza da sua eficácia.
A medida foi divulgada pela prefeitura poucos dias depois da primeira grande manifestação local contra a violência de gênero, em 24 de abril. Embora seja parte de um conjunto de medidas de conscientização sobre o problema, o prefeito a escolheu como a primeira ação, a que encabeçaria a estratégia, e logo começaram a chover críticas. “Por que preciso pendurar em mim um sinal para que não me estuprem? Quem decidir não usá-lo então está dando sinal verde para que abusem dela?”, perguntavam-se algumas mulheres.
O Instituto das Mulheres, um organismo ligado ao Governo da capital que presta assessoria ao programa, diz que se trata de uma medida dissuasiva, que não busca solucionar a raiz do problema. "Se um assediador vê um apito, pensará duas vezes", especula, por telefone, Teresa Incháustegui, diretora da entidade. A diferença principal entre apitar e gritar é que “o apito alcança 700 metros”, diz, convicta. Diante das críticas, Incháustegui defende a medida: “Não estamos confiando a segurança das mulheres a um apito. Estamos aumentando a vigilância das câmeras de segurança, colocando botões de alarme nos ônibus para os motoristas, e já ampliamos o número de vagões para mulheres no Metrô, entre outras medidas”.
“Vim pegar o apito porque aceito qualquer coisa que me faça me sentir segura. Tenho muito medo quando ando sozinha com a minha menina”, diz Gutiérrez. Ela veio com seu marido, Martín, coordenador de segurança da estação Guerrero do metrô, porque dias atrás ele escutou o silvo de uma mulher, e seus colegas de trabalho comentaram que seria uma boa ideia para suas esposas. Perla Sandoval, de 34 anos, não vem por ela, mas por seus filhos: “Me disseram que, se tirarem o meu menino de mim, eu poderia soprar o apito e pedir ajuda às pessoas”. A maioria das mulheres que compareceram na segunda-feira para solicitar o apito provém de bairros inseguros, escuros à noite, despovoados e humildes. Elas, que cruzam a cidade diariamente sozinhas ou carregando seus bebês, dizem se sentir um pouco mais protegidas por esse artefato, apesar de não terem certeza da sua eficácia.
A medida foi divulgada pela prefeitura poucos dias depois da primeira grande manifestação local contra a violência de gênero, em 24 de abril. Embora seja parte de um conjunto de medidas de conscientização sobre o problema, o prefeito a escolheu como a primeira ação, a que encabeçaria a estratégia, e logo começaram a chover críticas. “Por que preciso pendurar em mim um sinal para que não me estuprem? Quem decidir não usá-lo então está dando sinal verde para que abusem dela?”, perguntavam-se algumas mulheres.
O Instituto das Mulheres, um organismo ligado ao Governo da capital que presta assessoria ao programa, diz que se trata de uma medida dissuasiva, que não busca solucionar a raiz do problema. "Se um assediador vê um apito, pensará duas vezes", especula, por telefone, Teresa Incháustegui, diretora da entidade. A diferença principal entre apitar e gritar é que “o apito alcança 700 metros”, diz, convicta. Diante das críticas, Incháustegui defende a medida: “Não estamos confiando a segurança das mulheres a um apito. Estamos aumentando a vigilância das câmeras de segurança, colocando botões de alarme nos ônibus para os motoristas, e já ampliamos o número de vagões para mulheres no Metrô, entre outras medidas”.
'Vaquinhas' gordas
Em três dias da semana passada _ entre quarta-feira e sábado _ a “vaquinha” organizada para financiar viagens da presidente afastada pelo País arrecadou R$ 581 mil, superando a meta de R$ 500 mil. No início de 2014, campanha semelhante feita para pagar as multas devidas pelos petistas mensaleiros à Justiça amealhou R$ 2,7 milhões em menos de um mês.
Um fenômeno e ao mesmo tempo um mistério que uma turma com essa capacidade de mobilização de simpatizantes dispostos a tirar “algum” do bolso tenha contabilizado apenas R$ 565 mil em doações de pessoas físicas para a campanha presidencial da reeleição de Dilma Rousseff.
Os dois fatos não combinam. Ou talvez combinem perfeitamente com a carência de maiores esclarecimentos a respeito da origem do capim que sustenta vaquinhas tão gordinhas.
Milagres acontecem!
Se Deus é brasileiro, como não acreditar em milagres? Eles acontecem e até com data marcada. Podem consultar a folhinha. Se for ano eleitoral, até este mês começam obras e se "inauguram" aqueles conhecidos caça-votos, projetinhos de mil réis para atender curral. O boca a boca completa a obra de convencer sobre a honorabilidade e o trabalho dos candidatos situacionistas. É que só eles têm o monopólio da caneta e do papel.
Agora pode se percorrer quilômetros mil nos redutos políticos, que geograficamente são conhecidos por municípios. Vai-se esbarrar em tapa buracos, pó de pedra salpicado no barro, máquinas acertando aqui e ali. Sem contar as eternas reformas de pracinhas, que serão deixadas ao Deus dará por mais quatro anos ou década. Como os honoráveis prefeitinhos poderiam mostrar serviço se não fosse reformar praças abandonadas, ainda mais aquelas próximas a seções eleitorais?
E as obras para atender nichos de interesses? Se faz parque de skate, centro hípico, se promovem feiras de literatura e de arteanato. Se enfeitam os municípios com penduricalhos como os portugueses ofereciam espelhiam aos indígenas.
Embora muitos se vangloriem de uma modernização na política brasileira, a receita eleitoral ainda é composta de 90% de demagogia de esquerda ou de direita. Demagogia não tem mãe, porque é pródiga em presentear com o dinheiro alheio.
A farra nos cofres públicos para uso em "santinhos" de maquiagem está bem longe de acabar. Por mais que se criminalize o financiamento de campanha, a bica aberta dos governos é mais generosa. Sempre há sobras suficientes do dinheiro público para a cretinice governamental desequilibrar a balança para seus protegidos. E a ameaça eterna de que perderão a boquinha se a oposição vencer mexe com o bolso da malandragem, que se vira a cada dois anos para garantir o leite dos próximos dois.
E as obras para atender nichos de interesses? Se faz parque de skate, centro hípico, se promovem feiras de literatura e de arteanato. Se enfeitam os municípios com penduricalhos como os portugueses ofereciam espelhiam aos indígenas.
Embora muitos se vangloriem de uma modernização na política brasileira, a receita eleitoral ainda é composta de 90% de demagogia de esquerda ou de direita. Demagogia não tem mãe, porque é pródiga em presentear com o dinheiro alheio.
A farra nos cofres públicos para uso em "santinhos" de maquiagem está bem longe de acabar. Por mais que se criminalize o financiamento de campanha, a bica aberta dos governos é mais generosa. Sempre há sobras suficientes do dinheiro público para a cretinice governamental desequilibrar a balança para seus protegidos. E a ameaça eterna de que perderão a boquinha se a oposição vencer mexe com o bolso da malandragem, que se vira a cada dois anos para garantir o leite dos próximos dois.
O arraial da branca atitude
Estou em Paraty. Dei-me conta, no momento em que me sentei para escrever esta coluna, de que já se passaram doze anos desde a primeira vez que visitei a Flip, para participar num debate com Caetano Veloso, moderado por Cacá Diegues. Foi um desses momentos intensos e maravilhosos, que ficam ecoando em nós pela vida afora e, nesse sentido, nunca se transformam em passado. Lembro-me que regressei a Luanda mesmo a tempo de assistir ao nascimento da minha filha. Desde esse dia até hoje a menina cresceu, lindíssima, e a Flip também. Muitos dos escritores que passaram pela Flip acabaram criando uma ligação com o festival e com a cidade que o acolhe. Comigo aconteceu algo semelhante. Confesso que as críticas ao evento, mesmo as mais justas, me irritam um pouco, como se fossem dirigidas a um familiar ou amigo próximo.
Uma crítica que sempre escuto tem a ver com a ausência de escritores negros. Este ano a acusação repetiu-se, com mais motivos do que em edições anteriores. O próprio curador do evento, Paulo Werneck, reconheceu a falha. Sou amigo da maior parte dos escritores africanos que participaram no evento ao longo dos últimos anos. Em 2008, aliás, moderei um debate entre a Chimamanda Adichie e Pepetela. Em conversa com Chimamanda, Teju Cole e Uzodinma Iweala, em diferentes ocasiões, e em diferentes lugares do mundo, todos eles manifestaram surpresa, e até alguma indignação, não tanto pelo fato de haver poucos escritores negros nas mesas, mas sim por terem falado para uma plateia quase exclusivamente branca, num país onde a maioria da população possui ascendência africana.
Esta deveria ser a questão central: por que não há mais negros nas plateias? A verdade é que continua a existir uma linha de cor separando aqueles que no Brasil têm acesso ao livro e a vasta maioria da população. Para formar escritores é preciso primeiro formar grandes leitores. Se queremos formar bons escritores negros teremos primeiro de formar muitos milhões de bons leitores negros.
Participei há poucas semanas num outro festival literário, muitíssimo menos badalado do que a FLIP, mas não menos interessante — a FLUPP, Festa Literária Internacional das Periferias. O debate decorreu no Teatro Mário Lago, na Vila Kennedy, no Rio de Janeiro. Teju Cole e Uzodinma Iweala teriam gostado de estar ali, diante daquela plateia, constituída por uma forte maioria de jovens de ascendência africana. Foi uma experiência gratificante. Não é muito comum encontrar leitores tão interessados e informados. A sofisticação de uma plateia avalia-se pela qualidade das perguntas. Aquela foi uma plateia particularmente interessante, cujas questões, em alguns casos, me apanharam desprevenido, levando-me a reavaliar convicções. Uma plateia assim é tudo o que um escritor pode ambicionar.
Júlio Ludemir, escritor, produtor cultural e um dos criadores da FLUPP, explicou-me que muitos daqueles jovens integram oficinas de literatura. Foi de um desses núcleos que emergiu, por exemplo, o escritor Jessé Andarilho, autor de “Fiel”, um romance, com a precisão de um testemunho, que conta a ascensão e queda de um menino no tráfico carioca. Foi também do mesmo ambiente que surgiu Yasmin Thayná, a jovem autora revelação de “Kbela”, um filme que discute a identidade da mulher negra através da sua relação com o cabelo. Yasmin deve lançar em breve o seu primeiro livro.
São experiências como a FLUPP que poderão mudar (provavelmente já estão a mudar) a FLIP. O curador de um festival literário não pode ser uma espécie de fiscalizador de raça, como os que existiam na África do Sul no tempo do apartheid. Quando me falam em raças lembro-me sempre da história de um pianista de jazz, nos Estados Unidos, que anunciou, durante uma conferência de imprensa, ter contratado um novo contrabaixista. “Esse novo contrabaixista é negro?” — quis saber um dos jornalistas. “Não sei.” — Respondeu o pianista. — “Nunca lhe perguntei.”
Eu próprio faço a curadoria de um festival literário, o Fólio — Festival Literário Internacional de Óbidos, em Portugal, que acontecerá em setembro. Enquanto escrevia esta coluna decidi fazer contas e descobri que dos 40 autores que teremos este ano em Óbidos, nas mesas principais, 17 são mulheres e oito têm origem africana ou asiática. Os dois escritores mais conhecidos, V. S. Naipaul e Salman Rushdie, são de origem indiana. Nada disto foi premeditado, evidentemente. Aconteceu assim. Não perguntei a raça a ninguém. Não me interessa. A verdade, contudo, é que o resultado final importa, e importa muito. Não existindo um equilíbrio, isso não significa que o festival deva ser condenado como racista ou machista. Mas é uma indicação de que a sociedade, no seu conjunto, está doente.
José Eduardo Agualusa
Esta deveria ser a questão central: por que não há mais negros nas plateias? A verdade é que continua a existir uma linha de cor separando aqueles que no Brasil têm acesso ao livro e a vasta maioria da população. Para formar escritores é preciso primeiro formar grandes leitores. Se queremos formar bons escritores negros teremos primeiro de formar muitos milhões de bons leitores negros.
Participei há poucas semanas num outro festival literário, muitíssimo menos badalado do que a FLIP, mas não menos interessante — a FLUPP, Festa Literária Internacional das Periferias. O debate decorreu no Teatro Mário Lago, na Vila Kennedy, no Rio de Janeiro. Teju Cole e Uzodinma Iweala teriam gostado de estar ali, diante daquela plateia, constituída por uma forte maioria de jovens de ascendência africana. Foi uma experiência gratificante. Não é muito comum encontrar leitores tão interessados e informados. A sofisticação de uma plateia avalia-se pela qualidade das perguntas. Aquela foi uma plateia particularmente interessante, cujas questões, em alguns casos, me apanharam desprevenido, levando-me a reavaliar convicções. Uma plateia assim é tudo o que um escritor pode ambicionar.
Júlio Ludemir, escritor, produtor cultural e um dos criadores da FLUPP, explicou-me que muitos daqueles jovens integram oficinas de literatura. Foi de um desses núcleos que emergiu, por exemplo, o escritor Jessé Andarilho, autor de “Fiel”, um romance, com a precisão de um testemunho, que conta a ascensão e queda de um menino no tráfico carioca. Foi também do mesmo ambiente que surgiu Yasmin Thayná, a jovem autora revelação de “Kbela”, um filme que discute a identidade da mulher negra através da sua relação com o cabelo. Yasmin deve lançar em breve o seu primeiro livro.
São experiências como a FLUPP que poderão mudar (provavelmente já estão a mudar) a FLIP. O curador de um festival literário não pode ser uma espécie de fiscalizador de raça, como os que existiam na África do Sul no tempo do apartheid. Quando me falam em raças lembro-me sempre da história de um pianista de jazz, nos Estados Unidos, que anunciou, durante uma conferência de imprensa, ter contratado um novo contrabaixista. “Esse novo contrabaixista é negro?” — quis saber um dos jornalistas. “Não sei.” — Respondeu o pianista. — “Nunca lhe perguntei.”
Eu próprio faço a curadoria de um festival literário, o Fólio — Festival Literário Internacional de Óbidos, em Portugal, que acontecerá em setembro. Enquanto escrevia esta coluna decidi fazer contas e descobri que dos 40 autores que teremos este ano em Óbidos, nas mesas principais, 17 são mulheres e oito têm origem africana ou asiática. Os dois escritores mais conhecidos, V. S. Naipaul e Salman Rushdie, são de origem indiana. Nada disto foi premeditado, evidentemente. Aconteceu assim. Não perguntei a raça a ninguém. Não me interessa. A verdade, contudo, é que o resultado final importa, e importa muito. Não existindo um equilíbrio, isso não significa que o festival deva ser condenado como racista ou machista. Mas é uma indicação de que a sociedade, no seu conjunto, está doente.
José Eduardo Agualusa
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