domingo, 3 de maio de 2020

Politização das Armas dá errado

A politização das Forças Armadas não é boa para as Forças Armadas por um lado - não é à toa que o Castelo Branco fez as reformas que fez - e por outro lado não é boa para o País, pois ele perde um instrumento eficaz de defesa
Francisco Doratioto, autor de "Maldita Guerra", a ser relançado, depois de 19 anos sobre a Guerra do Paraguai
Nota: O bolsonarismo militarizou o Governo com 106 integrantes da ativa e da reserva do primeiro ao terceiro escalão. Praticamente se igualou aos governos bolivarianos de Hugo Chavez e Nicolás Maduro

Cabresto virtual

Depois de criticar o ministro Alexandre de Moraes e afirmar que a suspensão da posse de Alexandre Ramagem na diretoria-geral da Polícia Federal quase criou um “incidente institucional”, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu sua reincidente descompostura a um “desabafo”. Mas estava dada a senha. No feriado da sexta-feira, as redes foram pilhadas freneticamente por xingamentos a Moraes e ao decano Celso de Mello - que teria privilegiado o ex-ministro Sérgio Moro -, com a repetição da frase “O STF opera em modo golpe de estado” e a hashtag #GolpedeEstado.

Difícil atribuir ao acaso.

Tática idêntica fora aplicada há duas semanas contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, algoz quase esquecido pelo bolsonarismo depois da crise provocada pela saída de Moro. No caso de Maia, Bolsonaro abriu a artilharia no dia 17 de março, em entrevista à CNN Brasil, quando acusou o deputado de agir em parceira com o governador de São Paulo, o desafetíssimo João Doria. “Parece que a intenção é me tirar do governo”, disse. Bastou para que o #ForaMaia virasse emergência e batesse recordes nas redes. Dois dias depois, as faixas Fora Maia eram vistas em manifestações contra o Legislativo e o Judiciário, inclusive em Brasília, em frente ao QG do Exército, local em que Bolsonaro improvisou palanque para aderir ao protesto.

Doria e o governador do Rio Wilson Witzel já tinham sido alvos da mesma prática, nos mesmos moldes. Primeiro o presidente fala, preferencialmente em entrevista a veículos com credibilidade, para depois a máquina de trituração de reputações agir. Ontem, dia de seu depoimento à PF, Moro virou o Judas da vez." 

Mas não há nada tão ruim que não possa ser pior.


Essa robusta rede - real ou robótica - opera da mesma forma na desinformação sobre a pandemia. Bolsonaro fala que o surto é uma gripezinha, um resfriadinho, e isso se multiplica em likes. Defende a cloroquina e o medicamento some das farmácias; diz que “esse problema do vírus está acabando” e milhares reproduzem a fala.

Difusor oficial de fake news, o presidente prejudica o combate à Covid-19 e estimula toda sorte de comportamentos condenáveis. Incentivou o relaxamento da quarentena, errando em todas as pontas: eliminou a chance de fôlego à rede pública de saúde, sem que isso aliviasse os prejuízos à economia. Uma insanidade.

E ainda tem o desplante de dizer que o isolamento social não funcionou, quando sabe – e o seu Ministério da Saúde assegura – que sem ele a pane no SUS já estaria instalada há semanas.

Insiste em sair às ruas. Ontem, repetiu o desatino em oposição às instruções do ministro da Saúde que ele demitiu, Luiz Henrique Mandetta, e do novo, Nélson Teich. Com isso, ainda que em número muito inferior do que seus fãs dizem arrebanhar, carros desfilam disparando buzinas em frente a hospitais, como se vê em São Paulo, epicentro da crise sanitária no país. Mais do que alienação aos ditos da ciência, uma atitude desumana e cruel com doentes e seus familiares.

Cenas de militantes que se acham guardiões da Praça dos Três Poderes, embandeirados e empoderados, agredindo profissionais de saúde que, em silêncio, reverenciavam seus mortos, ou de trabalhadores de Campina Grande, na Paraíba, forçados por seus patrões a pedir, de joelhos, a reabertura do comércio – uma tirania imperdoável – são consequências das leviandades em série do presidente.

Todo líder de uma seita tem responsabilidade sobre a crença que dissemina. Para o bem ou para o mal. Mas quando se prega o ódio, os danos são graves, por vezes irreparáveis.

Messias só no nome, Bolsonaro, ao contrário do que disse, parece crer que é fazedor de milagres. Terá agora de convencer que a manjada banda podre da política é composta por gente honesta, por cidadãos do bem. De novo, apostará no cabresto virtual.

Passa da hora de o Brasil real mostrar que está muito além dos devotos digitais que o presidente manipula ou dos incivilizados fanáticos que se apresentam em atos antivida.

Pensamento do Dia


Sérias decisões a serem tomadas nesta crise

A crise excita o espírito populista que existe no Congresso. Se ele é sempre avesso a fazer contas, neste momento a aversão aumenta e se mistura com a louvável mas desinformada intenção de se fazer “justiça social” não importa como, e que vai na contramão da lógica, por vias que estrangulam a única fonte de geração de empregos em uma situação como esta, a empresa privada. São feitas propostas que podem ser bem-intencionadas, como “empréstimo compulsório” e aumento da carga tributária sobre as pessoas jurídicas, mas justo quando as empresas veem seus caixas se esgotarem na queda em parafuso das receitas dragadas pela recessão. Não faz sentido.

O mergulho na recessão, com o fechamento de empresas, aumento de desemprego e toda uma série de malefícios que estrangulam também os cofres públicos, causa uma corrida no setor público em busca de novas receitas — mesmo que a base a ser taxada por aumento de impostos ou novos gravames esteja sendo estreitada pela redução da renda e da receita de pessoas físicas e jurídicas. Com o estrangulamento desta fonte de receitas do Estado, repete-se a piada do cavalo acostumado pelo dono a comer cada vez menos, até que um dia morre. Dentro da tradição nacional, não se fala em corte de gastos para ajudar no reequilíbrio das finanças públicas.


Reflete bem a excitação populista o número de projetos que se acumulam no Congresso há anos para a taxação de “grandes fortunas”, sempre vendida como a solução para todos os déficits fiscais. O mais conhecido dos autores de um desses projetos, o ainda senador tucano Fernando Henrique Cardoso, ele mesmo se convenceu da ineficácia da iniciativa. Assim como aconteceu com países europeus, que tentaram explorar este suposto rico filão e apenas incentivaram a fuga de patrimônios e ficaram com o prejuízo da queda de receita e da geração de empregos. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que em 1990 o bloco tinha 12 dos seus membros, países desenvolvidos, com este imposto; em 2017, apenas quatro: França, Noruega, Espanha e Suíça. Haviam extinto a taxação Alemanha, Áustria, Dinamarca, Holanda, Finlândia, Islândia, Luxemburgo e Suécia. Não compensava. O Nobel de Economia Milton Friedman foi certeiro: “Um dos maiores erros é julgar as políticas e programas por suas intenções, em vez de julgá-los por seus resultados.”

Se os políticos querem defender os eleitores e a sociedade, precisam cobrar um ajuste no setor público à altura desta crise, a maior desde a Grande Depressão de 1929/30. Devem trabalhar contra o fato muito injusto de trabalhadores do setor privado serem forçados pelas circunstâncias a abrir mão de parte do salário, com redução da jornada, para manter empregos e empregadores — uma coisa não existe sem a outra —, enquanto o funcionalismo se mantém como uma das maiores rubricas de gastos da Federação, sem que contribuam para o ajuste de que todos são levados a participar. Os servidores vivem num país à parte, sob a blindagem de fortes corporações no Congresso. E depois políticos denunciarão que a renda se concentrou ainda mais na crise. Precisam ter consciência das causas.

Executadas medidas de emergência, é preciso atacar de reformas estruturais, contornando o varejo de propostas tópicas impulsionadas por ideologia, sem uma visão de sistema. Em vez de mudanças oportunistas em impostos, deve-se realizar a reforma tributária. Também a do Estado. Mudanças como estas farão com que o país saia da crise em outras bases. Uma falha histórica será o enfrentamento da crise sem se fazerem as correções de que o país precisa.

Parece que parte dos políticos ainda não enxergou o Brasil que a paralisação abrupta do sistema produtivo no mundo e no país, devido ao coronavírus, colocou à mostra: a miséria no entorno e dentro de grandes capitais, a falta de saneamento básico —35 milhões de brasileiros não têm água tratada, e quase 100 milhões não dispõem de coleta de esgoto —, as dezenas de milhões sem emprego formal, sem fonte regular de renda, também por falta de instrução. Trata-se de uma população sem acesso a benefício previdenciário sustentável. Não terá qualquer segurança financeira na velhice. Milhões deverão continuar a constituir uma nação de pobres e, no futuro, de idosos miseráveis. Não se pode esquecer que o governo lançou o auxílio de R$ 600 e esperava atender 54 milhões. Poderão ser 70 milhões. Os tais “invisíveis” têm o tamanho de um país. Estão nas favelas, nos sinais fazendo malabarismo, pedindo esmola, trabalhando como “flanelinhas”, vendendo amendoim nos bares etc. Ficaram à vista.

A pergunta é se os políticos e a sociedade querem manter o Brasil depois da crise da mesma forma como está agora. Com renda e riqueza concentradas, sem infraestrutura condizente com um país de 220 milhões de pessoas, do tamanho de um continente e com um PIB entre os dez maiores do mundo — pelo menos era antes da epidemia —, e também um dos mais violentos. Muito pode ser feito agora contra isso.

Ministério da Morte

Se nada for feito nos próximos dias, os pronunciamentos do Ministério da Saúde se resumirão a informar o número de mortos.

Portanto, é fundamental que a população se sinta amparada e possa ouvir uma voz uníssona que reforce essas diretrizes, assumindo uma conduta única, em consonância com o que os cientistas de todo mundo pregam. Ainda não atingimos o pico da epidemia e o número de vítimas fatais continua em ascensão vertiginosa
Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciências (SBPC), cobrando em carta um plano de ação para o combate à Covid-19.ao ministro da Saúde, Nelson Teich

A 'gripezinha'

O biólogo e escritor britânico Richard Dawkins, professor emérito do New College da Universidade de Oxford — autor de O Gene Egoísta e Evolução, entre outras obras —, num comentário no Twitter, chama a atenção para um artigo da revista Science Magazine, da Associação Americana para Avanço da Ciência (AAAS), intitulado Como o coronavírus mata?, publicado no dia 17 deste mês. De autoria dos médicos Meredith Wadman, Jennifer Couzin-Frankel, Jocelyn Kaiser, Catherine Matacic, é um dos melhores textos sobre a pandemia, segundo Dawkins: “Se as pessoas na administração entenderem isso ou se importarem com isso, haveria um resultado melhor para a sociedade”, avalia.

Tratar desse assunto pode parecer chover no molhado, pois não se fala de outra coisa, mas o artigo realmente é muito bom. Ele faz um relato de como o novo coronavírus ataca o corpo humano e seus efeitos devastadores, “do cérebro aos pés”, ultrapassando o senso comum do diagnóstico de que é apenas uma síndrome resporatória aguda. “Pode atacar quase tudo no corpo, com consequências devastadoras”, segundo o cardiologista Harlan Krumholz, da Universidade de Yale e do Hospital Yale-New Haven, que lidera vários esforços para reunir dados clínicos sobre a Covid-19. “Sua ferocidade é de tirar o fôlego e é humilhante.”

O artigo corrobora o relato dos sobreviventes da doença e o testemunho dos médicos e de outros profissionais da saúde que atuam nas unidades de terapia intensiva aqui no Brasil. Muitas vezes esses últimos são duplamente derrotados: além de perderem pacientes, acabam adoecendo também e, em alguns casos, até morrem. Já passou da hora de o presidente Jair Bolsonaro ir a Manaus para ver o que é um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em meio à pandemia e parar de falar bobagens sobre a “gripezinha”. Tudo o que os profissionais de saúde precisam neste momento dramático é de mais apoio (equipamentos de proteção, respiradores, medicamentos) e distanciamento social.


Médicos e patologistas de todo o mundo estão lutando para entender os danos causados pelo coronavírus no corpo humano. Embora os pulmões sejam o ponto zero, o alcance do patógeno pode se estender a muitos órgãos, incluindo o coração e os vasos sanguíneos, rins, intestino e cérebro, o que explica a grande subnotificação do número de mortos, inclusive aqui no Brasil, devido às dificuldades de diagnóstico e falta de autópsias.

O vírus age como nenhum patógeno que a humanidade jamais viu. Quando uma pessoa infectada expele gotículas carregadas de vírus e outra pessoa as inala, o novo coronavírus (Sars-CoV-2) encontra um lar bem-vindo no revestimento do nariz, cujas células são ricas em uma enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), assim como na traqueia. Em todo o corpo, a presença de ACE2, que normalmente ajuda a regular a pressão sanguínea, marca os tecidos vulneráveis à infecção, porque o vírus entra nessa célula receptora. Uma vez dentro, o vírus sequestra as máquinas da célula, fazendo inúmeras cópias de si mesmo e invadindo novas células.

À medida que o vírus se multiplica, uma pessoa infectada pode lançar grandes quantidades dele, principalmente durante a primeira semana. Os sintomas podem estar ausentes neste momento. Ou a nova vítima do vírus pode desenvolver febre, tosse seca, dor de garganta, perda de olfato e paladar ou dores de cabeça e corpo. Se o sistema imunológico não repelir o Sars-CoV-2 durante esta fase inicial, o vírus marcha pela traqueia para atacar os pulmões, onde pode se tornar mortal. Mas o vírus, ou a resposta do corpo a ele, pode ferir muitos outros órgãos: cérebro, olhos, fígado, coração e vasos sanguíneos, rins e intestinos.

Alguns médicos suspeitam de que o ataque vertiginoso do coronavírus no organismo seja uma reação exagerada e desastrosa do sistema imunológico conhecida como “tempestade de citocinas”, na qual os níveis de certas citocinas sobem muito além do necessário, e as células imunológicas começam a atacar tecidos saudáveis. Pode ocorrer vazamento de vasos sanguíneos, queda de pressão arterial, formação de coágulos e falência catastrófica de órgãos. Mas o pior dos mundos, com a presença de vírus no trato gastrointestinal, pode ser a possibilidade inquietante de que ele seja transmitido pelas fezes, ainda mais num país como o nosso, no somente uma parcela da populaçao tem, esgoto tratado. A sorte, porém, é de que ainda não está claro se as fezes contêm vírus infecciosos intactos ou apenas o seu RNA (ácido ribonucleico), uma molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo.

A fila única para a Covid está na mesa

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto defendeu a instituição de uma fila única para o atendimento de pacientes de Covid-19 em hospitais públicos e privados. Nas suas palavras:

“Dói, mas tem que fazer. Porque senão brasileiros pobres vão morrer e brasileiros ricos vão se salvar. Não tem cabimento isso”.


Ex-diretor da Agência de Vigilância Sanitária e ex-superintendente do Hospital Sírio-Libanês, Vecina tem autoridade para dizer o que disse. A fila única não é uma ideia só dele. Foi proposta no início de abril por grupos de estudo das universidades de São Paulo e Federal do Rio. Na quarta-feira, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Zasso Pigatto, enviou ao ministro Nelson Teich e aos secretários estaduais de Saúde sua Recomendação 26, para que assumam a coordenação “da alocação dos recursos assistenciais existentes, incluindo leitos hospitalares de propriedade de particulares, requisitando seu uso quando necessário, e regulando o acesso segundo as prioridades sanitárias de cada caso.”

Por quê? Porque a rede privada tem 15.898 leitos de UTIs, com ociosidade de 50%, e a rede pública tem 14.876 e está a um passo do colapso.

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (ex-diretor de uma Unimed) jamais tocou no assunto. Seu sucessor, Nelson Teich (cuja indicação para a pasta foi cabalada por agentes do baronato) também não. Depois da recomendação do Conselho, quatro guildas da medicina privada saíram do silêncio, condenaram a ideia e apresentaram quatro propostas alternativas. Uma delas, a testagem da população, é risível, e duas são dilatórias (a construção de hospitais de campanha e a publicação de editais para a contratação de leitos e serviços). A quarta vem a ser boa ideia: a revitalização de leitos públicos. Poderia ter sido oferecida em março.

Desde o início da epidemia os barões da medicina privada se mantiveram em virótico silêncio. Eles viviam no mundo encantado da saúde de griffe, contratando médicos renomados como se fossem jogadores de futebol, inaugurando hospitais com hotelarias estreladas e atendendo clientes de planos de saúde bilionários. Veio a Covid, e descobriram-se num país com 40 milhões de invisíveis e 12 milhões de desempregados.

Se o vírus tivesse sido enfrentado com a energia da Nova Zelândia, o silêncio teria sido eficaz. Como isso era impossível, acordaram no Brasil, com 60 mil infectados e mais de seis mil mortos.

A Agência Nacional de Saúde ofereceu aos planos de saúde acesso aos recursos de um fundo se elas aceitassem atender (até julho) clientes inadimplentes. Nem pensar. Dos 780 planos, só nove aderiram.

O silêncio virótico provocou-lhes uma tosse com a recomendação do Conselho Nacional de Saúde. A fila única é um remédio com efeitos laterais tóxicos. Se a burocracia ficar encarregada de organizá-la, arrisca só ficar pronta em 2021. Ademais, é discutível se uma pessoa que pagou caro pelo acesso a um hospital deve ficar atrás de alguém que não pagou. Na outra ponta dessa discussão, fica a frase de Vecina: “Brasileiros pobres vão morrer e brasileiros ricos vão se salvar.” Os números da epidemia mostram que o baronato precisa sair da toca.

A Covid jogou o sistema de saúde brasileiro na arapuca daquele navio cujo nome não deve ser pronunciado (com Leonardo DiCaprio estrelando o filme). O transatlântico tinha 2.200 passageiros, mas nos seus botes salva-vidas só cabiam 1.200 pessoas: 34% dos homens da primeira classe salvaram-se; na terceira classe, só 12%.

Sinal dos tempos estranhos

Um dia alguém vai estudar o Brasil de 2020 durante a pandemia.

Enquanto a rede pública de saúde dava sinais de colapso, o presidente da Federação Brasileira de Hospitais, guilda de 4.200 instituições privadas, informava que a ociosidade média dos leitos de UTIs de seus associados estava em 50%.

O diretor do Sírio-Libanês, o hospital das celebridades (Lula, Dilma e companhia), explicava o efeito dessa ociosidade, provocada pela suspensão dos procedimentos eletivos para clientes de planos de saúde dos abonados:

“Todos os nossos hospitais nesse momento que estão com ocupação baixa têm custos fixos que têm que ser pagos. Essas empresas vão ficar numa situação econômica difícil. Já neste mês há instituições com dificuldade de pagar a folha de pagamento. Outros vão aguentar de dois a três meses. Mas se essa situação persistir por muito tempo, vão ter problema de solvência.”

Se esse darwinismo econômico é irredutível, vale o que disse o doutor Paulo Guedes: “É da vida ser abatido, é do mercado. Uma economia de mercado de vez em quando é atingida”. Quem acha que é da vida ser abatido pelo coronavírus deve entender que também é da vida que sua empresa pegue o vírus da insolvência.

Madame Natasha

Natasha adora as entrevistas do ministro Nelson Teich. Suas platitudes permitem que ela tire sonecas vespertinas.

Por acaso ela ainda não tinha adormecido quando o doutor disse o seguinte:

“O que tem que ficar claro é que é um número que vem crescendo”.

Naquele dia haviam morrido 473 pessoas (durante todo o ano em que combateu o exército alemão na Itália, a Força Expedicionária Brasileira perdeu 474 pracinhas).

Como o ministro havia visto sinais de que a epidemia estava contida, deveria ter dito o seguinte:

“Ficou claro para mim que o número vem crescendo.”

Na mesma entrevista, o ministro apontou para o fato de que o aumento das mortes estava restrito a alguns estados, como São Paulo, Rio e Amazonas.

Em agosto de 1945, os militares japoneses aloprados diziam em Tóquio que havia um problema restrito às cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Chavismos

A deputada Joice Hasselmann, ex-líder do governo de Jair Bolsonaro no Congresso, disse à repórter Julia Chaib que o Brasil corre o risco de cair “num chavismo de verdade, com sinal trocado”.

Em 2018, durante a campanha eleitoral, o general Hamilton Mourão, que foi adido militar na Venezuela, explicou a essência do poder chavista:

“Existe uma corrupção muito grande nas Forças Armadas venezuelanas. Elas perderam a mão em relação à missão que têm no país.”

Vargas tentou

Quando o ministro Alexandre de Moraes bloqueou a nomeação de um delegado amigo da família Bolsonaro para a direção da Polícia Federal, mostrou que o bom funcionamento das instituições acaba protegendo os presidentes.

Na manhã de 29 de outubro de 1945, Getulio Vargas decidiu nomear seu irmão Benjamin para a Chefatura de Polícia do Rio, um dos cargos mais importantes da República. À noite, estava deposto.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e garante:


Essa epidemia é uma gripezinha, o programa Pró-Brasil era apenas um estudo e o amigo inglês de Paulo Guedes está pronto para oferecer 40 milhões de testes para o coronavírus.

A verdadeira herança maldita no Brasil


Pandemônio

Em entrevista ao programa Câmera Aberta, da Band, em 1999, Bolsonaro, indagado se, caso fosse presidente, fecharia o Congresso, respondeu: “Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia”. Nessa entrevista defendeu a tortura e disse que o Brasil “só vai mudar, infelizmente, quando partirmos para uma guerra civil (...) matando uns 30 mil (...). Vão morrer alguns inocentes. Tudo bem. Em toda guerra morrem inocentes”.

Ao votar no impeachment, ele o fez em homenagem ao torturador coronel Brilhante Ustra, “o pavor de Dilma Rousseff”, disse.

Pela segunda vez, em plena pandemia, dia 19/4, Bolsonaro foi à manifestação dominical contra o Congresso Nacional e a favor da ditadura. Antes da fala de Bolsonaro, circunstantes gritavam “Fora Maia”, “AI-5”, “Fecha o Congresso”, “Fecha o STF” e carregavam faixas pedindo “intervenção militar já com Bolsonaro”, que em seu discurso falou: “Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil” – adotando como seu, portanto, o teor do encontro.

A identificação com essa reunião se comprova ao pretender interferir a favor dos manifestantes, com a mudança do diretor da Polícia Federal: na mensagem enviada a Moro, ministro da Justiça, Bolsonaro reproduz nota do site O Antagonista segundo a qual a PF está “na cola” de 10 a 12 deputados bolsonaristas.

O presidente, então, escreveu: “Mais um motivo para a troca”. Patente, destarte, que buscava intervir no inquérito determinado pelo ministro Alexandre de Moraes instaurado para verificar “a existência de organizações e esquemas de financiamento de manifestações contra a democracia e a divulgação em massa de mensagens atentatórias ao regime republicano”. A nomeação de pessoa íntima para a diretoria da PF, cuja posse foi obstada pelo STF, é prova do interesse de demissão do então dirigente para se imiscuir nas investigações.


A atitude de Bolsonaro em face da pandemia, “uma gripezinha”, mostra indiferença pelo que poderia acontecer se desrespeitadas as normas de isolamento e quarentena determinadas pela OMS e pelo ex-ministro Mandetta.

Na última terça-feira, indagado sobre o aumento do número de mortes, o presidente deu resposta agressiva: “E daí? Lamento. Eu sou Messias, mas não faço milagres”. A soberba, todavia, revela-se no uso das expressões “eu sou a Constituição”, “tenho a caneta”, “o presidente sou eu”, “quem manda sou eu”.

Tais comportamentos indicam possível anormalidade de personalidade, a merecer análise médica acurada.

Já opinei ser a interdição um caminho eventual para Bolsonaro. Não estava a fazer blague. As atitudes habituais permitem supor possível transtorno de personalidade, falha profundamente estudada por Odon Ramos Maranhão, titular de Medicina Legal (Psicologia do crime, 2.ª ed. Malheiros, 1995, cap. 7) e objeto de classificação pela CID-10, a Classificação Internacional de Doenças da OMS, em livro específico sobre doenças mentais (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, editor Artes Médicas, pág. 199).

Nessa classificação, o transtorno de personalidade antissocial tem por características a “indiferença insensível face aos sentimentos alheios; uma atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito a regras; a baixa tolerância à frustração; a incapacidade para experimentar culpa e propensão a culpar os outros”.

Poderia haver, eventualmente, transtorno de personalidade paranoide, cujos sintomas seriam, por exemplo, “combativo e obstinado senso de direitos pessoais; tendência a experimentar autovalorização excessiva e preocupação com explicações conspiratórias”.

Outra publicação respeitada é o DSM-5, da Associação Psiquiátrica Americana, que em http://www.niip.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Manual-Diagnosico-e-Estatistico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf, nas páginas 645 e seguintes, estuda os tipos de transtornos da personalidade, cabendo destacar: “1- paranoide, caracterizado por desconfiança e suspeita tamanhas que as motivações dos outros são interpretadas como malévolas; 2- antissocial, cujo padrão é desrespeito e violação dos direitos dos outros; 3- narcisista, que apresenta sentimento de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia”.

Atentemos para o comportamento reiterado de Bolsonaro, ao longo do tempo, em favor de situações que geram dor, em apoio a manifestações pelo fechamento do Congresso e do STF, chegando a agir, como presidente, para não se apurar devidamente a organização do ato de domingo 19 de abril; em campanha contra o isolamento social, única medida possível para reduzir mortes; usando a trágica expressão, “e daí?” acerca do aumento do número de mortes; no gosto pelo aplauso popular, pois, no domingo 15 de março, ao ser ovacionado em frente ao Planalto falou: “Isso não tem preço”.

São esses os sinais indicativos de possível enquadramento nas categorias psiquiátricas acima lembradas, o que cumpre ser verificado por experts em medida adotada em defesa do País.

No meio da pandemia, um pandemônio.

Exemplo do vírus delivery

Cerimônia de posse dos novos ministros da
Justiça, André Luiz Mendonça, e da AGU, José Levi
 O leitor desavisado e incrédulo olha para esses registros e até desconfia se não foram feitos em uma época passada, tamanho o absurdo e o descaso com a saúde pública e com o compromisso de se dar o exemplo para a sociedade. Milhares de pessoas mortas por causa de uma pandemia ainda sem cura, países chorando por seus falecidos, médicos desesperados longe de suas famílias e os representantes dos poderes brincando com a vida. O mundo vê isso e deve pensar que tipo de ignorantes moram neste país,  já que os seus próprios mandatários andam na contramão cotidianamente e chutam todas as recomendações para escanteio. Dá vergonha. Dá medo. Marcelo Copelli 

Os vivos e os mortos

1.

Estendendo as mãos para fora da cama, admirou-se de não encontrar nada. "Ora essa", pensou, "as formigas devem ter comido a parede", e voltou a dormir. Pouco depois, a mulher o sacudiu: "Olha, seu preguiçoso", disse ela, "enquanto você estava dormindo, roubaram a nossa casa". O céu intacto espraiava-se por todos os lados. "Bem, o que está feito, está feito", pensou ele.

Pouco depois, ouviu-se um barulho. Era um trem que se aproximava deles a toda velocidade. "Com tanta pressa", pensou, "vai chegar com certeza antes de nós", e voltou a dormir. Depois, o frio o despertou. Estava banhado em sangue. Alguns pedaços da sua mulher jaziam junto dele. "Com o sangue", pensou ele, "surgem sempre muitos contratempos; se aquele trem não tivesse passado eu seria feliz. Mas, uma vez que já passou...", e tornou a adormecer.

Nos últimos anos, sonâmbulos como o homem pacífico de Henri Michaux pulularam por estas terras. Liberais com deficiência de aprendizado, juristas de palanque e articulistas do chefinho distraíram-se dos ímpetos totalitários do asno que alçaram ao poder com o simples objetivo de apear um governo levemente trabalhista.

Quando confrontados, disseram: "O poder irá moderá-lo...", e voltaram a dormir.


2.

Hoje, as instituições estão sequestradas por milícias fascistas. A cada dia mais frágeis, adiam o momento em que terão que finalmente combater ou capitular. Indecisos entre o cálculo político e a defesa da Constituição, a desonra e a guerra, congressistas, senadores e presidentes das duas casas assistem, lívidos, a corrosão do que nos sobrava de Estado Democrático de Direito. Sem perceber que, um a um, todos estão virando sombras.

Antes de cair no sono, soltarão outra nota de repúdio.

3.

As intrigas palacianas com ramificações em grupos de extermínio que testemunhamos no meio de uma pandemia só podem acabar em (mais) tragédia. Não haverá renúncia ou acordo. Haverá tiroteio, assassinato, suicídio. Este governo miliciano sabe que, fora do poder, será encarcerado.

Entre a inocência e a impotência, a oposição democrática descobre a cada dia novos buracos para enfiar o pescoço. Enquanto nós, os últimos ilustrados, inventamos novas formas de conversar com o espelho. Sempre um pouco acima do chão, um pouco revolucionários – ligeiramente subversivos. Mas não muito.

Talvez por isso, nós, que ainda estamos vivos, fomos – e seguimos – incapazes de estar a altura do desafio histórico que temos diante dos olhos. A esperança que nos resta é outra.

4.

Quantos zeros precisam estar à direita para que a pilha de corpos torne-se (ou deixe de ser) uma abstração? Qual é o limite do aceitável? Qual o grau de parentesco? A aritmética da compaixão? Qual será a imagem, o cadáver exposto na calçada, a cova coletiva, que irá riscar uma linha a partir da qual um "e daí?" seja respondido com a guilhotina que merece?

Logo uma tempestade pesada cairá em cada trecho do Planalto Central, nas secas colinas, sobre os mangues e as florestas. Cairá, também, sobre os cemitérios, em rajadas nas cruzes e lápides, nas pontas dos portões, nos espinheiros e jardins, na grama, na lama. Ouviremos essa chuva cair na terra, como se encontrasse seu pouso definitivo, sobre todos os vivos e todos os mortos.

Talvez nesse dia, os últimos falem mais alto que os primeiros.

J.P. Cuenca

Com o Centrão revigorado por Jair Bolsonaro, vêm aí uma enorme Farra do Boi

Vem aí uma enorme Farra do Boi. É o Centrão revigorado, com a mão na botija de ouro. Bolsonaro já combinou com Valdemar Costa Neto – este exemplo de honestidade – a área de vigilância da Saúde. Na área está ainda o epidemiologista Wanderson Oliveira, que ficou (por enquanto) da gestão Mandetta.

Por que o PL mira a vigilância? É a área das grandes compras do Ministério da Saúde. Dá para faturar um dindim formidável.

 O PL levará também a presidência do Banco do Nordeste, outra teta do dindim na região.

Para o PP – um partido de homens probos – irão o FNDE e o DNOCS. Dois centros de grandes compras do governo. O FNDE toca programas da educação básica – a merenda e o transporte escolar e o Programa Nacional do Livro Didático.Já pensou o tamanho do bufê da festa?

O PSD ficará com a Funasa, outro foco de faturamento extra. O Republicanos (???) levará uma secretaria na Agricultura e a Secretaria de Mobilidade Urbana. O PTB de Roberto Jefferson quer influir no Dnit (ex-DNER).


Vamos destrinchar o caso como se fosse um frango assado sobre a mesa. Moro diz que Bolsonaro lhe falou que precisa “interagir” com o diretor da PF, ter informações sobre investigações da PF.

Pergunta: há inquéritos da PF que interessam diretamente a Bolsonaro? Sim. As investigações do STF sobre as fake-news visam ao “gabinete do ódio”, operado por Carlos Bolsonaro.

Sim. As investigações sobre rachadinha e relações com a milícia de Rio das Pedras (incluindo assassinato de Marielle) visam a Flávio Bolsonaro.

Sim. As investigações sobre financiamento de manifestações anticonstitucionais, contra o Congresso e o STF, visam a Eduardo Bolsonaro.

Faz lógica, não faz?

Este post é dedicado aos ingênuos que votaram em Bolsonaro para acabar com a corrupção no Brasil.

A corte de Bolsonaro

Na extinta monarquia brasileira, conforme o artigo 99 da Constituição de 1824, “a pessoa do imperador é inviolável e sagrada” e “ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Ou seja, o imperador não respondia pelos seus atos, sendo estes, em si mesmos, a expressão da lei. Essa figura do Poder irresponsável, acima de todos os outros, foi extinta com a Proclamação da República, em 1889. A primeira Constituição republicana, de 1891, estabelece a “responsabilidade do presidente” (Capítulo V) e os diversos crimes de responsabilidade pelos quais o presidente poderia ser acusado (artigo 54), como desrespeito à Constituição e improbidade administrativa.

O presidente Jair Bolsonaro age como se ainda estivéssemos sob a Constituição de 1824 e como se ele fosse o imperador. “Quem manda sou eu”, disse recentemente Bolsonaro, invocando, pela enésima vez, um poder que ele considera ilimitado. Neste caso específico, Bolsonaro quer ter poder de nomear amigos para dirigir a Polícia Federal (PF) e fazê-la trabalhar para atender a seus interesses e aos de seus filhos, que aparecem em investigações da PF.


Bolsonaro não se conforma que outros Poderes limitem o seu, como aconteceu na quarta-feira passada, 29, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, para chefiar a PF, em razão de evidente desvio de finalidade. “No meu entender, uma decisão política. Política!”, esbravejou Bolsonaro, tentando desqualificar a decisão do ministro Alexandre de Moraes.

Com espírito imperial, Bolsonaro avisou que vai insistir na nomeação, desautorizando a Advocacia-Geral da União (AGU), que havia informado que não recorreria da decisão. O problema, como explicou a própria AGU, é que não há mais do que recorrer, já que a nomeação de Alexandre Ramagem foi tornada sem efeito pelo próprio Bolsonaro. Se quiser insistir nisso, o presidente terá que reeditar a nomeação, em franca afronta ao Supremo.

O presidente disse que “desautorizar um presidente da República com uma canetada”, em referência ao ato do ministro Alexandre de Moraes, pode levar a uma “crise institucional”, e rogou: “Eu apelo a todos que respeitem a Constituição”.

Ora, o respeito pela Constituição deve começar pelo presidente da República, cujas nomeações devem observar os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público. Bolsonaro, ao contrário, não quer que seus ministros e assessores trabalhem pelo País, e sim como despachantes de interesses privados, tanto os de sua família como os dos amigos.

O presidente vive a infernizar ministros e assessores que não se curvam a suas vontades – os ex-ministros da Saúde e da Justiça que o digam –, enquanto favorece os sabujos que, malgrado sua incrível incompetência, não lhe economizam encômios. Na corte bolsonarista, em breve quase não haverá ministros, apenas amigos do rei.

Aos cortesãos, não faltarão prebendas. Como mostrou recentemente uma reportagem Estado, o presidente Bolsonaro cobrou da Receita Federal uma solução para as dívidas tributárias de igrejas evangélicas, cujos líderes são seus entusiasmados apoiadores. A Receita descobriu que as igrejas estavam usando a remuneração de pastores, também chamada de “prebenda”, que é isenta de tributos, para distribuir participação nos lucros e pagar remuneração variável, ou seja, de acordo com o número de fiéis. Bolsonaro não viu nenhum problema em exigir pessoalmente do secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, que alivie as multas.

Esse caso ilustra bem o tipo de influência que Bolsonaro quer exercer nos órgãos da República, que, ao contrário do que pensa o presidente, devem atuar nos limites da lei e conforme o interesse público. É com esse espírito que Bolsonaro ainda pretende colocar um funcionário de sua estrita confiança na chefia da PF para transformá-la em polícia particular. Sabe-se lá onde isso vai parar, razão pela qual o Supremo vem tomando seguidas decisões que mostram ao presidente que o tempo do soberano irresponsável já passou faz mais de um século.</p>