O presidente Jair Bolsonaro age como se ainda estivéssemos sob a Constituição de 1824 e como se ele fosse o imperador. “Quem manda sou eu”, disse recentemente Bolsonaro, invocando, pela enésima vez, um poder que ele considera ilimitado. Neste caso específico, Bolsonaro quer ter poder de nomear amigos para dirigir a Polícia Federal (PF) e fazê-la trabalhar para atender a seus interesses e aos de seus filhos, que aparecem em investigações da PF.
Bolsonaro não se conforma que outros Poderes limitem o seu, como aconteceu na quarta-feira passada, 29, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, para chefiar a PF, em razão de evidente desvio de finalidade. “No meu entender, uma decisão política. Política!”, esbravejou Bolsonaro, tentando desqualificar a decisão do ministro Alexandre de Moraes.
Com espírito imperial, Bolsonaro avisou que vai insistir na nomeação, desautorizando a Advocacia-Geral da União (AGU), que havia informado que não recorreria da decisão. O problema, como explicou a própria AGU, é que não há mais do que recorrer, já que a nomeação de Alexandre Ramagem foi tornada sem efeito pelo próprio Bolsonaro. Se quiser insistir nisso, o presidente terá que reeditar a nomeação, em franca afronta ao Supremo.
O presidente disse que “desautorizar um presidente da República com uma canetada”, em referência ao ato do ministro Alexandre de Moraes, pode levar a uma “crise institucional”, e rogou: “Eu apelo a todos que respeitem a Constituição”.
Ora, o respeito pela Constituição deve começar pelo presidente da República, cujas nomeações devem observar os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público. Bolsonaro, ao contrário, não quer que seus ministros e assessores trabalhem pelo País, e sim como despachantes de interesses privados, tanto os de sua família como os dos amigos.
O presidente vive a infernizar ministros e assessores que não se curvam a suas vontades – os ex-ministros da Saúde e da Justiça que o digam –, enquanto favorece os sabujos que, malgrado sua incrível incompetência, não lhe economizam encômios. Na corte bolsonarista, em breve quase não haverá ministros, apenas amigos do rei.
Aos cortesãos, não faltarão prebendas. Como mostrou recentemente uma reportagem Estado, o presidente Bolsonaro cobrou da Receita Federal uma solução para as dívidas tributárias de igrejas evangélicas, cujos líderes são seus entusiasmados apoiadores. A Receita descobriu que as igrejas estavam usando a remuneração de pastores, também chamada de “prebenda”, que é isenta de tributos, para distribuir participação nos lucros e pagar remuneração variável, ou seja, de acordo com o número de fiéis. Bolsonaro não viu nenhum problema em exigir pessoalmente do secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, que alivie as multas.
Esse caso ilustra bem o tipo de influência que Bolsonaro quer exercer nos órgãos da República, que, ao contrário do que pensa o presidente, devem atuar nos limites da lei e conforme o interesse público. É com esse espírito que Bolsonaro ainda pretende colocar um funcionário de sua estrita confiança na chefia da PF para transformá-la em polícia particular. Sabe-se lá onde isso vai parar, razão pela qual o Supremo vem tomando seguidas decisões que mostram ao presidente que o tempo do soberano irresponsável já passou faz mais de um século.</p>
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