sábado, 15 de julho de 2017

Ao pacato cidadão

Muito se fala que o Brasil vive hoje uma crise institucional. Não caia nessa. Na verdade, somos um País em crise institucional desde que nos entendemos como Nação, pelo fato de que a relação entre Estado e sociedade é desequilibrada. E entre os Poderes também. Criado pela Coroa como um empreendimento, o Brasil sempre tratou seus cidadãos com desprezo. Sempre privilegiamos as pessoas e não as instituições. Temos sido controlados por elites organizadas que se apropriaram do Estado. Suas ações sempre foram táticas e não estratégicas, destinadas a controlar a fonte de riqueza, como amplamente desvendado pela Operação Lava Jato. Sempre tivemos muitos projetos de poder, mas nenhum projeto de Nação.

Agora somos um Estado controlado por corporações de burocratas em aliança com políticos que afirmam sua superioridade por meio de salários privilegiados, benefícios, aposentadorias diferenciadas, excesso de burocracia e serviços de quinta categoria para a população. Propõem um Estado complexo, opaco e de baixa interatividade com a sociedade e se beneficiam disso. Ao pacato cidadão, sobram o fim da utopia e a guerra do dia a dia, como disse o Skank.

Desde sempre fomos uma Nação de pacatos cidadãos, por conta da participação errática no processo político, pela precariedade de nossa educação cidadã, pelo fluxo de informação de baixa qualidade. Em sendo uma sociedade pré-moderna, nossa capacidade de reflexividade é muito baixa. Estamos ainda na pré-história da democracia no mundo. No Brasil, o que é bem pior, ainda estamos no jardim de infância da pré-história, um lugar que o cientista político Thiago de Aragão situou entre a Idade Média e a Renascença. E, em decorrência, a relação entre os Poderes é igualmente desequilibrada. Perseguimos, sem vontade, o equilíbrio de Poderes. Aceitamos, bovinamente, a hegemonia do Executivo, tal qual hoje aplaudimos o ativismo do Judiciário como resposta ao desequilíbrio. Ao desequilíbrio concordamos com mais desequilíbrio.É hora de colocar um freio de arrumação nas instituições e fazê-las trabalhar para a sociedade. Esse deve ser o projeto de nossa Nação.

O pacato cidadão sempre preferiu não se meter no rolo. Acha que sempre foi assim e assim será. Em aceitando a situação, continuaremos a ser mais pacatos do que cidadãos, pagando uma carga tributária de primeiro mundo e usando serviços públicos de terceiro mundo. Pagamos em dobro para ter saúde, educação e segurança enquanto esperamos um salvador da pátria que não existe.

Mas, aparentemente, o pacato cidadão está ficando aborrecido e indignado. O passo seguinte deve ser o de se mobilizar em favor de uma ampla renovação da política. Devemos deixar de ser pacatos, devemos ser mais cidadãos, atuando em favor de um projeto de Nação que queremos para nossos netos. Já que para os filhos não há muito a fazer.

Gente fora do mapa

India/ “ Returning Home by Adam Rose ”                                                                                                                                                     Mais
"Volta pra casa", Adam Rose 

Temer e Lula, os irmãos camaradas

“Você meu amigo de fé, meu irmão camarada (...)/Me lembro de todas as lutas, meu bom companheiro/Você tantas vezes provou que é um grande guerreiro/O seu coração é uma casa de portas abertas/Amigo, você é o mais certo das horas incertas/Às vezes em certos momentos difíceis da vida/Em que precisamos de alguém pra ajudar na saída/A sua palavra de força, de fé e de carinho/Me dá a certeza de que eu nunca estive sozinho.”

Essa letra de Roberto Carlos, composta há 40 anos em homenagem a Erasmo Carlos, me lembrou a camaradagem recente e de ocasião entre Lula e Temer. No fim de junho, Lula defendeu Temer para uma rádio do Acre: “Se o procurador-geral da República tem uma denúncia contra o presidente da República, ele primeiro precisa provar. Tem de ter provas materiais. Falo isso porque já cansei de ser achincalhado sem ninguém apresentar nenhuma prova. Não adianta dizer que a pessoa cometeu um erro. Até agora Temer é inocente. O Janot não provou nada”.
O ex-presidente Lula acaba de ser condenado por corrupção passiva a nove anos e meio de prisão e vai recorrer. O atual presidente Temer acaba de comandar manobras imorais na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para tentar se livrar da investigação mais grave já aberta contra um governante na história do Brasil. Ambos se consideram vítimas inocentes de delações ilícitas e mentirosas. Ambos se sentem vítimas de conspirações políticas e judiciárias, sem provas materiais.

Os brasileiros, no íntimo, não acreditam que a condenação de Lula pelo tríplex do Guarujá – ou futuramente pelo sítio de Atibaia – acabe resultando em prisão, mesmo que ele seja impedido de, como réu, se candidatar em 2018. Nem o juiz Sergio Moro ousou decretar prisão preventiva. E Lula já se prepara para sair em caravana no Nordeste. Os documentos sobre o tríplex e o sítio continuam a ser pouca coisa diante da corrupção na Petrobras e da escandalosa promiscuidade com empreiteiras como a Odebrecht e a OAS, envolvendo valores muito mais altos.

Os brasileiros, no íntimo, também não acreditam que o plenário da Câmara, no dia 2 de agosto, contrarie a CCJ e acabe mandando a denúncia contra Temer para o Supremo Tribunal Federal. É que, no íntimo, não se acredita mais em nada. São necessários 342 votos de deputados a favor de ao menos se investigar Temer. Ignorar a delação de Joesley Batista e tudo que circundou esse encontro – de malas de dinheiro a favores – desmoraliza a Lava Jato. Mas nossos representantes nem estão aí.

A camaradagem entre o PT e Temer já havia sido selada por Dilma Rousseff, quando o peemedebista foi escolhido para vice em 2014. Vale a pena ver de novo os vídeos de Dilma no palanque: “Eu tenho um companheiro de chapa, um vice que é uma pessoa experiente, séria (abraços, sorrisos, aplausos de todos e de Lula), que tem uma tradição política, que eu tenho certeza que saberá somar e me substituir à altura quando nós tivermos de viajar para fora do Brasil. O meu vice não caiu do céu, não é um vice improvisado. É uma pessoa competente e um homem capaz”. Lula ergue o punho, Temer também, junto com Dilma. “Um homem capaz de dialogar, de fazer consenso, sobretudo um homem leal, um grande brasileiro. Agradeço a meu parceiro de todas as horas, meu vice Michel Temer.”

Quem estava colado a Lula nesse palanque? Sérgio Cabral, outro amigo de fé e irmão camarada, rindo e fazendo coraçãozinho para a plateia. O mesmo que, agora, preso, enfrenta mais uma acusação, de chegar a ter US$ 120 milhões numa conta no exterior. Em depoimento formal à Justiça, chamou de “uma maluquice essa história de 5%” de comissão em cima de obras no Rio de Janeiro.

O “perseguido” Cabral disse ao juiz Marcelo Bretas, em tom de deboche: “Eu não matei Odete Roitman”. Uma alusão à novela da TV Globo Vale tudo, que conquistou o Brasil em 1988 e 1989. A morte de Odete Roitman (a vilã interpretada por Beatriz Segall) registrou 81 pontos no Ibope. A trama abordou “até que ponto valia ser honesto no Brasil”, disse um de seus autores, Gilberto Braga. Continua valendo tudo, menos ser honesto.

Todos os personagens do nosso presidencialismo de cooptação – e que se incluam aí Aécio Neves, seu relator de estimação da CCJ Abi-Ackel e o resto dos tucanos, bichos em extinção em cima do muro –, amigos de fé, irmãos camaradas, todos eles mataram Odete Roitman.

Brasília ganha ar de Bagdá entregue a Ali-Babá

Charge do dia 15/07/2017
Ficou para agosto a votação da denúncia contra Michel Temer no plenário da Câmara. O governo entrou numa temporada de vale-tudo. O presidente apertou o botão de dane-se. Para se livrar de uma ação penal por corrupção, Temer negocia a entrega de mais cofres públicos aos partidos que o socorrem. Privilegia legendas como o PP, campeão no ranking de encrencados do petrolão. Ou o PR, feudo cartorial do mensaleiro Valdemar Costa Neto.

Temer exige que sua tropa seja leal. Se a política brasileira fizesse sentido, lealdade deveria pertencer ao mesmo grupo de palavras que inclui honradez e ética, não ao grupo de submissão e cumplicidade. Político confiável seria leal à sua consciência e correto com os seus eleitores. Mas no dicionário do governo honra e ética são outros nomes para deslealdade.

A Lava Jato às vezes parece um marco redentor. Passa a impressão de que o Brasil, maduro para punir a corrupção, jamais será o mesmo. No entanto, Temer sinaliza aos aliados que, para se salvar de uma investigação, está disposto a honrar as alianças espúrias que dão ao Brasil essa aparência de país das negociatas e dos trambiques. Aos poucos, o pedaço de Brasília onde pulsa o coração administrativo do governo vai ganhando a aparência de uma Bagdá entregue a Ali-Babá.

Lula não vê diferenças entre perseguido político e ladrão

Em fevereiro de 2010, o preso político cubano Orlando Zapata Tamayo acabara de morrer numa cadeia em Havana, depois de 85 dias em greve de fome, quando o ainda presidente Lula baixou na ilha-presídio decidido a bajular os irmãos Castro e atacar os opositores da ditadura comunista. “Greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto de direitos humanos para libertar pessoas”, ensinou o visitante que, nos tempos de líder metalúrgico e informante da polícia política do regime militar, brincava de grevista faminto no DOPS chefiado pelo amigo Romeu Tuma. “Imagine se todos os presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem libertação”.


Para Lula, não havia quaisquer diferenças entre os dissidentes que lutavam pela liberdade e os ladrões que povoam o sistema carcerário paulista. Passados sete anos e meio, o o ex-presidente foi condenado a nove anos e meio de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. O farsante que debochou dos bravos democratas de Cuba ficou ainda mais parecido com os bandidos comuns encarcerados em São Paulo. Mas continua caprichando no papel de perseguido político. Haja cinismo.

No mesmo palavrório em Havana, Lula explicou por que se recusara a interceder pela pela libertação de vinte presos políticos de verdade: “Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubano, de prender as pessoas em função da lei de Cuba, assim como quero que respeitem o Brasil”. O velho amigo Raúl Castro, portanto, está proibido pelo próprio Lula de solidarizar-se com o companheiro condenado. Precisa respeitar a Justiça brasileira, que se limitou a cumprir seu dever e punir na forma da lei o ex-presidente que se tornou um fora-da-lei.

Paisagem brasileira

Paraty (RJ)

Macunaíma de palácios e palanques

Quando alguém pede um autógrafo num exemplar de meu livro O que Sei de Lula (Topbooks, Rio de Janeiro, 2011), minha definição favorita para o protagonista que perfilei em suas 522 páginas é “Macunaíma de palanques e palácios”. É necessária, contudo, uma pequena inversão na frase com que Mário de Andrade definiu magistralmente seu personagem-símbolo da brasilidade, “um herói sem nenhum caráter”. Lula talvez mereça uma definição com uma troca de lugar do pronome indefinido na frase: “um herói sem caráter nenhum”.onheci-o em 1975, quando acompanhei sua ascensão à condição de maior dirigente sindical da História ao preparar, negociar e dirigir as greves que ajudaram a extinguir a longa noite da ditadura tecnocrático militar. Quase meio século depois, contudo, o empreiteiro Emílio Odebrecht, herdeiro e herdado da construtora encalacrada na corrupção da Lava Jato, contou que lhe pagou propinas para evitar greves. Ou seja, o maior líder operário teria sido também o maior “traíra” da História do movimento obreiro, tendo chegado ao ponto de tirar proveito pessoal de sua condição de condutor de massas.


As greves espetaculares dos metalúrgicos do ABC, lideradas por ele de um palanque armado no centro do Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, contestaram a estrutura legal do peleguismo varguista, que perdurou na ditadura. As paralisações das montadoras de automóveis e fábricas da cadeia automotiva roeram os pés de barro do regime autoritário, que ruiu sobre as próprias bases. Mas ele mesmo foi informante dos militares, como contei na abertura de meu livro citado. E também do diretor do Dops paulista, o delegado Romeu Tuma, conforme relatou o filho deste, o também delegado que foi secretário de Justiça do Ministério da Justiça da primeira gestão presidencial de Lula, Romeu Tuma Jr. Nunca, em momento algum, as informações dadas nas páginas seja de O que Sei de Lula, seja de Assassinato de Reputações, também editado pela Topbooks, foram contestadas em entrevista, artigo ou processo judicial.

No entanto, essas bombas de hidrogênio sobre a imagem de qualquer político de esquerda no mundo inteiro não produziram o efeito de um traque junino na mitologia em torno do entregador de lavanderia e torneiro mecânico que chegou ao mais elevado posto da República. Neste, aliás, produziu a catástrofe de efeito ainda mais deletério: o maior escândalo de corrupção da História e, em consequência dele, uma crise política, que está passando pela segunda tentativa de afastamento do presidente da República, e econômica, que levou 14 milhões de trabalhadores à tragédia do desemprego. No entanto, o ex-presidente mantem a fama, a condição de mito e o poder que isso transfere. É o político mais celebrado na memória do povo e o mais temido pelas elites dirigentes, às quais sempre serviu, embora tendo sempre vendido o peixe de que é seu inimigo favorito.

O retirante nascido no agreste pernambucano e criado nas franjas industriais da Grande São Paulo, de onde emergiu para a fama, foi o pai dos pobres, que nunca se esquecem dele, e a mãe dos burgueses, que preferem vê-lo a distância segura, mas sabem que na hora H poderão contar com sua eterna gratidão. Por isso, o chefe da organização criminosa que limpou todos os cofres da República é o chefão da conspiração daqueles que participaram com ele desse assalto. Agora condenado, vale mais para ele do que para qualquer outra eventual vítima da limpeza da Operação Lava Jato aquele slogan do anúncio de vodca: “Eu sou você amanhã”. Por isso é o “rei do paparico”, embora suas qualidades pessoais e de gestor não possam ser comparadas ao cardápio do restaurante do Porto que leva esse nome.

Já dizia Caminha...

O Brasil é, modéstia à parte, o pais da improvisação, do êxito fácil, da publicidade ao alcance de todas as vaidades e ambições, o paraíso da impostura e do cabotinismo. Também nessa terra, plantando, tudo dá
Osório Borga, Os mascarados, 1959

E o sol começa a parecer quadrado

Enquanto Lula, condenado, excitava sua militância em overdose de si mesmo, pus-me a pensar sobre os caminhos que o levaram do torno da Villares ao trono da República e, daí, ao escorregador moral cujo mais provável término parece ser a porta da penitenciária.

Creio que essa trajetória encontra importante pista na resposta à seguinte pergunta: qual o bem de maior valor concedido por qualquer vendedor no balcão da corrupção política? Não, não é o que ele materialmente entrega. Não é o contrato, a Medida Provisória, o financiamento privilegiado. O mais valioso é aquilo a que ele renuncia em si para fazer essa entrega. Todo ser humano sabe que sua liberdade deve estar orientada para o bem, para a verdade, para a conduta digna. Desde algum lugar, a consciência emite conhecidos sinais de recusa à mentira, ao vício, ao ato ilícito. A corrupção, portanto, envolve a venda disso, a venda da consciência em troca de algo. Nessa mercancia, o corrupto vai alienando sua integridade, sua dignidade, seu amor próprio. Nunca é um ato singular, a corrupção. Na política, a pluralidade de atos dessa natureza constrói e consolida muitas carreiras. Mais adiante, nas últimas cenas dessas tragédias humanas, possivelmente vão-se os amigos, a família e a própria liberdade.

É bom saber, portanto, que a corrupção não funciona como um precipício onde há uma única e decisiva queda, mas como um escorregador por onde o corrupto resvala pouco a pouco, vendendo sempre o mesmo bem de Fausto: sua consciência, sua alma.

O desconhecimento que temos ou a pequena importância que atribuímos aos primeiros movimentos nesse escorregador moral ajuda a corrupção a se disseminar nos níveis quase demográficos constatados em nosso país. Trata-se de algo semelhante ao observado em tantos vícios que criam dependência a partir das primeiras e pequenas doses. Faz lembrar, também, às enfermidades adquiridas por desinformação. Os indivíduos desconhecem o mal que aquilo lhes causará no tempo.


Rodrigo Loures, saindo furtivamente à calçada da pizzaria, escrutinando a rua e correndo para o carro com a mala que recebera de um emissário da JBS é imagem bem recente de tragédia clássica: o homem que se percebe como vilão, malgrado os aparatos do poder e o reconhecimento social. Não era ele o homem do homem?

Todo corrupto, porém, antes de ganhar triplex, sítio em Atibaia, conta corrente com alcunha na Odebrecht ou em nome de empresas offshore, "trust" na Suíça, mala de dinheiro, efetivou outras operações comerciais nas quais amordaçou a voz da consciência. E sempre a teve como mercadoria de troca. Para o político, a moeda com que a consciência é comprada pode ser sonante. Mas pode, também, ser voto na urna, emenda parlamentar, prestígio, poder, ou algumas dessas mordomias que a vida pública proporciona.

São muitas as formas da corrupção política e eu estou cada vez mais convencido de que a mentira (corrupção da verdade) é a primeiríssima em todas as piores biografias. As demais se vão encadeando por aí, umas às outras, sem que qualquer delas fique para trás, plasmando personalidades desprezíveis. O corrupto completo, o corrupto de aula de Direito Penal, cujas escorregadas acabam muito perto da porta da cadeia, fala como um falsário, corrompendo a lógica e a razão; distorce os fatos, corrompendo a história; difama adversários, jogando sobre eles seus próprios erros e lhes corrompendo a imagem. Por aí vão, na pluralidade de seus negócios, até que um Sérgio Moro apareça no caminho e o sol comece a parecer quadrado.

A aposta na bagunça

A manifestação de Lula, na sequência imediata de sua sentença condenatória, segue à risca a recomendação de Lênin a sua militância: “Acuse-os do que você faz; xingue-os do que você é”.

Lula acusa Sérgio Moro de ter politizado a sentença. Na verdade, é ele, Lula, que quer politizá-la para, transfigurado em perseguido político, livrar-se da pecha de primeiro ex-presidente condenado por crime comum. Quer substituir o Código Penal pelo Eleitoral - e quer impor essa metamorfose no grito.


Diz mais: que não há provas. Como pouca gente lerá as mais de duzentas páginas da sentença – e menos ainda a compreenderão -, vale-se disso para dar a interpretação que lhe convém.

Quer fazer crer que está sendo condenado pela delação de Leo Pinheiro, e que a prova de sua inocência estaria no fato de que o imóvel não está em seu nome. Omite o óbvio: que está sendo processado, entre outras coisas, por ocultação de patrimônio.

O fato de a OAS ter incluído o imóvel como garantia de um empréstimo não invalida a ocultação, já que a inclusão foi mera formalidade. Não seria preciso abrir mão dele.

Lula e seu advogado fingem ignorar todas as circunstâncias, depoimentos, documentos, testemunhos – e a articulação lógica de tudo isso – para distorcer o que lá está. Moro não adjetiva sua sentença – claramente substantiva - e dela exclui qualquer conteúdo ideológico. Atém-se aos fatos. E é até moderado ao não pedir a prisão cautelar, mesmo vendo (e tendo) motivos para pedi-la.

A prova de que sua liberdade é problemática é o uso político, falso e ofensivo que dela faz. E esse é outro ineditismo: o condenado acusar o juiz de um crime, que a tanto monta uma sentença com fins políticos, que já estaria decidida independentemente dos autos.

É uma acusação grave, gravíssima. Lula testa os seus limites – e quem deve dá-los é o Judiciário, ainda silente.

Ao lançar-se candidato, pouco importa a Lula sua viabilidade eleitoral. O que importa é que, condenado em primeira instância, dispõe, no emaranhado da lei processual brasileira, de incontáveis recursos e chicanas para adiar o desfecho, período em que investirá na versão de perseguição política.

O suposto patrimônio eleitoral de Lula é altamente questionável. Há nove meses, nas eleições municipais, não conseguiu eleger seu enteado vereador em São Bernardo do Campo. E o PT só elegeu prefeito numa capital, Rio Branco, perdendo 75% das prefeituras que detinha em todo o país.

Na mais recente pesquisa do Instituto Paraná, no Rio de Janeiro, um de seus redutos mais festejados, perde por larga margem para Bolsonaro, de 22% a 17%. E ganha na rejeição: 45%.

Não por acaso, apenas ele e Bolsonaro já se declararam candidatos à Presidência. Não se sabe quem mais os confrontará – 2018, na vertigem da crise em curso, está ainda muito longe.

O que parece óbvio é que o PT não investe mais em eleições ou na própria democracia. Convém-lhe, mais que nunca, o “quanto pior, melhor”. E é o que a militância tem dito, quando avisa que vai “tocar fogo no país” e que vai transformá-lo “num inferno” (como se já não o tivesse feito).

O “Fora, Temer”, nesses termos, cai como uma luva. Convém não esquecer que o primeiro eleitor de Temer foi exatamente Lula, que o impôs como companheiro de chapa de Dilma Roussef. Não é a primeira (nem será a última) vez que, em nome do pragmatismo irresponsável, muda de lado. Se Temer cair, virá, na sequência, o “Fora Maia” e o “Fora Eunício”, tendo Lula como porta-voz.

Só a bagunça geral e a perspectiva de quebra da ordem institucional atenderão a ânsia do partido por um recomeço, no qual terá o apoio dos aliados bolivarianos, que, não por acaso, vivem o mesmo pesadelo de situação-limite. Todos estão unidos no Foro de São Paulo, berço estratégico comum.

O esforço para que o Brasil não vire uma Venezuela tem, neste momento, a implacável oposição de Lula e sua corte: PT, partidos-satélites e movimentos ditos sociais. No bojo da bagunça, querem passar o trator não apenas sobre a Lava Jato, mas sobre o país. A sorte está lançada. Façam suas apostas.

Imagem do Dia

A corrupção e a miséria explícita dos cidadãos

As baixas temperaturas dos últimos dias expõem a farsa das conquistas sociais dos miseráveis deste país alardeadas por Luiz Inácio Lula da Silva. Em diferentes pontos da cidade, desabrigados enrolam-se em cobertores doados em meio a papelão para barrar o vento gélido. Alguns têm barracas de camping e instalam-se nos vãos de casas comerciais ou em pilotis de prédios públicos, buscando mais proteção, antes que sejam enxotados. Faltam-lhes, certamente, comida e bebida quentes para debelar a fome e conferir-lhes calor interno, barrando dificuldades respiratórias ou enrijecimento muscular, causas comuns de morte decorrente do frio.

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Imagens da televisão mostram gente com agasalho insuficiente a caminho do trabalho ou na volta dele. Seus calçados gastos e a falta de meias indicam desconforto nos pés. Alguns moram em bairros distantes e andam bastante depois que deixam a condução, sofrendo ainda mais. Sentem-se aliviados, entretanto, pelo endereço certo, apesar da precariedade da moradia e superlotação para dormir em catres espalhados pelo chão. Seus corpos exauridos exigem sono profundo para recomeçar outra jornada de trabalho às quatro horas da madrugada seguinte.

Os moradores de aglomerados vivem o desconforto do frio, na precária habitação, no banheiro externo e nas poucas cobertas para várias pessoas. A marmita é preparada numa varanda, onde o vento assobia, enquanto passa por caminhos incertos entre outros barracos. Sofrem ainda pela certeza de comida insossa, pelo medicamento inacessível e pelo risco de demissão a qualquer momento numa economia trôpega.

Dezenas de milhões de brasileiros estão nessa rotina e querem sobreviver, porque precisam criar os filhos, cuidar dos pais idosos e usufruir plenamente seu direito à vida. Sentem, entretanto, que seus ideais serão cada vez mais apenas sonhos impossíveis.

Enquanto isso, a corrupção corre solta em todos os segmentos do Estado, inviabilizando um sistema produtivo sólido para absorver todos os brasileiros ao trabalho e propiciar os recursos adequados para apoiar as crianças, os idosos e os enfermos. Sabíamos que muito dinheiro era desviado dos cofres públicos para enriquecer burocratas e autoridades, gerir currais eleitorais, financiar campanhas de partidos e aliciar empresários. Não imaginávamos, entretanto, que as cifras atingissem valores bilionários, que foram divulgados a partir das investigações da operação Lava Jato. Houve o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de corruptos e corruptores. A posse de Michel Temer trouxe um raio de esperança de que algo iria melhorar, mas os escândalos apareceram logo depois, demonstrando que a roubalheira foi mantida com a mesma desfaçatez. É lamentável que os autores de todos esses crimes não tenham sensibilidade para observar milhões de cidadãos tiritando de frio, sonhando com um prato de comida quente e tentando acalentar seus bebês.

Estamos saturados de discursos demagógicos e mentiras sem fim quanto a seus feitos pelo país.

Como zerar a conta de luz e ainda compartilhar eletricidade

Um programa de televisão chamou a atenção de Karsten Kaddat, um jovem eletricista do norte da Alemanha, no ano passado. Explicava que qualquer pessoa podia conseguir energia verde de graça para consumir em casa. Intrigado, Kaddat correu para o Google e acabou se somando à comunidade em que milhares de alemães compartilham a energia que produzem em suas casas com painéis solares. Quando acaba a eletricidade armazenada em suas baterias, o usuário retira da bolsa comum onde o restante cede o que sobra de sua produção. Desde janeiro deste ano a conta de eletricidade da família Kaddat é zero. “Quando conto a meus companheiros de trabalho que não pagamos nada pela eletricidade, ficam com a boca aberta”, ri Kaddat, com café na mão, em seu chalé perto da fronteira com a Polônia.

A comunidade energética de Kaddat é a prova de que a economia colaborativa alcançou o setor de energia elétrica, mas também que a digitalização e descentralização da energia são fenômenos imparáveis, ao menos na Alemanha. Converter os consumidores em produtores e provedores de energia e conectá-los para que compartilhem a energia é algo como o Uber do setor elétrico, segundo a Sonnen, empresa que deu à luz a invenção que começa a se repetir em países como Austrália e Itália.

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“Estamos em plena revolução. Nesse país temos mais de um milhão e meio de produtores privados de energia solar. Não param de surgir iniciativas de energia cidadã, enquanto as plataformas digitais para trocar quilowatts abrem possibilidades que eram impensáveis até muito pouco tempo”, afirma Jens Weinmann, especialista em setor energético da escola de negócios ESMT de Berlim e autor de The Descentralizes Energy Revolution in Germany (A revolução descentralizada da energia). Weinmann fala sobre como cada vez mais alemães se sentem orgulhosos de produzirem sua própria eletricidade e sobre como proliferam as cooperativas energéticas.

Cerca de 6.000 pessoas espalhadas por toda a Alemanha fazem parte da comunidade a que Kaddat pertence e que lhe permite desfrutar de eletricidade grátis durante o ano todo. Antes, no entanto, devem fazer um investimento inicial: 3.600 euros (13.400 reais) por bateria, além dos painéis solares. Em troca, Kaddat, por exemplo, economiza cerca de 1.500 euros por ano na conta de luz. O jovem eletricista pega o celular e abre um aplicativo com o qual controla o consumo de sua casa. Nele pode ver quanto usa de seus próprios painéis e quanto da comunidade, quanto está gastando e qual é a previsão do tempo para os próximos sete dias, e, portanto, quando irá produzir. Ele tem o controle sobre o que produz e o que consome.

A Sonnen é uma jovem empresa alemã líder mundial em baterias capazes de armazenar energia renovável. Começou a fabricá-las em 2010, cinco anos antes de a Tesla apresentar seu próprio modelo. Eram peças enormes, que sete anos mais tarde se tornaram caixinhas brancas um pouco maiores que computadores de mesa. Desde o primeiro momento, as baterias se conectaram à Internet, o que permitiu à empresa ter informação dos hábitos de consumo dos clientes em tempo real. Assim perceberam que não de forma individual, mas agregadas, as famílias produziam mais do que consumiam. Em 2015, começaram a conectar uns lares com os outros para que pudessem compartilhar sua energia. No ano passado decidiram dar mais um passo. Compreenderam que graças ao armazenamento de energia tinham capacidade de contribuir para estabilizar a rede das grandes empresas, que em troca pagam por seu serviço. Essas receitas permitem oferecer a tarifa de zero euros.

O beco obscuro da mediocridade

Como alguém supostamente capacitado para investigar, inquirir e perquirir em busca da verdade pode acreditar na primeira versão que se lhe apresenta?

As pessoas comuns tendem a acreditar na primeira versão, razão por que adágios se consagram ao longo do tempo: a primeira impressão é a que fica; onde há fumaça, há fogo; todo boato tem um fundo de verdade.

O ser humano é inclinado à maledicência. Se o boato for de uma notícia boa, o interlocutor somente acreditará depois de pesquisar em mais de uma fonte, até constatar que, “infelizmente”, a pessoa mencionada é realmente espetacular. Todavia, se a referência for negativa, imediatamente ela se espalha como rastilho de pólvora.

Ensina a crença popular que notícia ruim é que vende jornal. Não à toa, quase todos os veículos de comunicação priorizam a desgraça humana para preenchimento de suas páginas diárias, decerto porque a miséria alheia serve de consolo para os demais.

Imagine-se passando as maiores dificuldades, reclamando da vida e de tudo, quando, de repente, desaba um avião lotado de passageiros – homens, mulheres e crianças. A comoção é geral. Todos os que não estavam no voo darão graças a Deus por estar vivos.

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No Brasil, por não ser um país que valoriza a vocação como a realização de uma atividade com sentido, predomina a cultura do emprego. O trabalho é um fardo onde se ganha aquele pouco para gastar na folia, por isso a maioria das pessoas se sente infeliz com o que faz e se joga desesperada em busca de prazeres sem limites, seja na droga, no álcool ou no sexo. Para manter-se no emprego, mesmo que maldito, valem as mais abjetas indignidades.

Por isso a fofoca é tão acreditada nos ambientes de trabalho, especialmente se tiver como objetivo derrubar alguém que está no caminho de algum carreirista incompetente, porém astuto e enganador.

Fiquei sabendo que três profissionais se encontraram por acaso em um restaurante e foram vistos por outros dois colegas que por lá também passaram, e esse encontro fortuito chegou aos ouvidos do chefe como uma conspiração para derrubá-lo. Sem checar o informe maledicente, cuidou de afastar os supostos conspiradores de suas posições.

Os incompetentes sempre apontam seus dedos sujos para os que não passam pela vida em brancas nuvens. Quem não aceita ser pisado e não dá ouvidos aos cochichos do compadrio colide com aqueles que vivem à espreita, esgueirando-se pelos cantos escuros da mediocridade.

Miguel Lucena