sábado, 26 de fevereiro de 2022
Contra as democracias
Nikolai Patrushev é o chefe do Conselho de Segurança Nacional da Rússia e o principal ideólogo da “turma” de Vladimir Putin, um grupo de ex-membros da KGB que comanda o governo. Sua visão básica: o Ocidente pretende esmagar a Rússia, impondo-lhe “agressivamente os valores neoliberais que contradizem nossa visão de mundo” (citado em The Economist, edição de 19 a 25 de fevereiro).
Qual visão de mundo? Não é a volta do comunismo, até por razões pessoais. É dinheiro. Esses ex-agentes da KGB, como o próprio Putin, acumularam fortunas quando caiu o regime soviético e foram introduzidas reformas capitalistas. Acumularam não pela capacidade como investidores. Foi roubo.
Primeiro, nas privatizações das grandes estatais. Aqueles funcionários tiveram acesso privilegiado a informações e a “moedas de privatização”, como títulos da dívida pública, vendidos a preço de banana e aceitos a preço de ouro na compra das estatais.
Depois, seguiram ganhando concessões “informais” de negócios nas áreas de energia, infraestrutura e bancos, principalmente.
Em resumo, um caso de capitalismo de amigos, levado ao limite.
Ao mesmo tempo, porém, foram introduzidas reformas capitalistas, como amplo direito à propriedade privada de bens e serviços, proteção do lucro e abertura de negócios para o exterior. Há uma política econômica baseada em metas de inflação, controle das contas públicas e taxa de câmbio mais ou menos flutuante. Com empresas privadas e seus acionistas, a Bolsa de Valores de Moscou passou a ser um alvo de investidores ocidentais.
Nesse quadro, surgiram magnatas não oriundos do regime soviético, mas investidores e negociantes que souberam aproveitar oportunidades na Rússia e, depois, em toda a Europa Ocidental. A formação de uma classe média cosmopolita foi a consequência direta — classe que se sente europeia.
Por que, então, o ideólogo de Putin tem tamanha bronca dos “valores neoliberais”? Ele se refere a direitos e liberdades individuais. Na visão de mundo de Putin e sua turma, a democracia à ocidental é ineficiente, incapaz de gerir a economia e a sociedade.
Dito de maneira direta: oposição só cria caso e atrapalha o governo; imprensa livre só serve para inventar fake news; as minorias são um estorvo; liberdade partidária divide o povo.
Essa é também a visão de mundo da China. Quando as democracias ocidentais enfrentavam dificuldades para lidar com crises financeiras e com a pandemia, o presidente Xi Jinping decretou o fim desse “modelo” e o sucesso do modo chinês de administrar um capitalismo de Estado.
De certo modo, Putin cometeu um erro ao acreditar demasiado nessa versão. Para ele, as democracias ocidentais — com suas liberdades dentro e fora dos países — jamais conseguiriam se unir para enfrentar seu expansionismo.
Foi o contrário, pelo que se vê até agora. Entre as principais democracias, é praticamente unânime a condenação da Rússia e o acordo para impor pesadas sanções econômicas a governo, empresas e indivíduos.
Sim, o Ocidente também pagará um preço pelo bloqueio aos negócios russos, mergulhados principalmente na economia europeia. Mas a ideia é provocar uma reação das elites empresariais russas e da classe média.
Até agora, as elites, em privado, manifestavam desagrado com o regime. Mas, como estavam ganhando dinheiro e em expansão, bom, deixa pra lá. Declaravam-se neutras e não se metiam em política.
Mas, se a economia russa for levada a uma forte recessão e perda de riqueza, muita gente por lá vai cogitar: tudo isso para anexar a Ucrânia? Tudo isso para alimentar as ambições sanguinárias de Putin?
Não existe a possibilidade de uma invasão à Rússia para derrubar o governo Putin. Seria iniciar uma guerra mundial nuclear. Mas é real a possibilidade de os próprios russos perceberem os danos causados pela turma de Putin.
Também é real a possibilidade de Putin endurecer ainda mais o regime ao se sentir pressionado internamente. Esse é um problema que os russos terão de resolver.
Qual visão de mundo? Não é a volta do comunismo, até por razões pessoais. É dinheiro. Esses ex-agentes da KGB, como o próprio Putin, acumularam fortunas quando caiu o regime soviético e foram introduzidas reformas capitalistas. Acumularam não pela capacidade como investidores. Foi roubo.
Primeiro, nas privatizações das grandes estatais. Aqueles funcionários tiveram acesso privilegiado a informações e a “moedas de privatização”, como títulos da dívida pública, vendidos a preço de banana e aceitos a preço de ouro na compra das estatais.
Depois, seguiram ganhando concessões “informais” de negócios nas áreas de energia, infraestrutura e bancos, principalmente.
Em resumo, um caso de capitalismo de amigos, levado ao limite.
Ao mesmo tempo, porém, foram introduzidas reformas capitalistas, como amplo direito à propriedade privada de bens e serviços, proteção do lucro e abertura de negócios para o exterior. Há uma política econômica baseada em metas de inflação, controle das contas públicas e taxa de câmbio mais ou menos flutuante. Com empresas privadas e seus acionistas, a Bolsa de Valores de Moscou passou a ser um alvo de investidores ocidentais.
Nesse quadro, surgiram magnatas não oriundos do regime soviético, mas investidores e negociantes que souberam aproveitar oportunidades na Rússia e, depois, em toda a Europa Ocidental. A formação de uma classe média cosmopolita foi a consequência direta — classe que se sente europeia.
Por que, então, o ideólogo de Putin tem tamanha bronca dos “valores neoliberais”? Ele se refere a direitos e liberdades individuais. Na visão de mundo de Putin e sua turma, a democracia à ocidental é ineficiente, incapaz de gerir a economia e a sociedade.
Dito de maneira direta: oposição só cria caso e atrapalha o governo; imprensa livre só serve para inventar fake news; as minorias são um estorvo; liberdade partidária divide o povo.
Essa é também a visão de mundo da China. Quando as democracias ocidentais enfrentavam dificuldades para lidar com crises financeiras e com a pandemia, o presidente Xi Jinping decretou o fim desse “modelo” e o sucesso do modo chinês de administrar um capitalismo de Estado.
De certo modo, Putin cometeu um erro ao acreditar demasiado nessa versão. Para ele, as democracias ocidentais — com suas liberdades dentro e fora dos países — jamais conseguiriam se unir para enfrentar seu expansionismo.
Foi o contrário, pelo que se vê até agora. Entre as principais democracias, é praticamente unânime a condenação da Rússia e o acordo para impor pesadas sanções econômicas a governo, empresas e indivíduos.
Sim, o Ocidente também pagará um preço pelo bloqueio aos negócios russos, mergulhados principalmente na economia europeia. Mas a ideia é provocar uma reação das elites empresariais russas e da classe média.
Até agora, as elites, em privado, manifestavam desagrado com o regime. Mas, como estavam ganhando dinheiro e em expansão, bom, deixa pra lá. Declaravam-se neutras e não se metiam em política.
Mas, se a economia russa for levada a uma forte recessão e perda de riqueza, muita gente por lá vai cogitar: tudo isso para anexar a Ucrânia? Tudo isso para alimentar as ambições sanguinárias de Putin?
Não existe a possibilidade de uma invasão à Rússia para derrubar o governo Putin. Seria iniciar uma guerra mundial nuclear. Mas é real a possibilidade de os próprios russos perceberem os danos causados pela turma de Putin.
Também é real a possibilidade de Putin endurecer ainda mais o regime ao se sentir pressionado internamente. Esse é um problema que os russos terão de resolver.
O medo
Uma das consequências do medo é a submissão aos chefes. Todo o grupo social que tenha um vivo sentimento de medo, volta-se instintivamente para um chefe que julga digno da sua confiança. Este às vezes é bom, outras vezes é mau , mas o mecanismo do instinto é o mesmo nos dois casos. Um movimento idêntico fez com que a Inglaterra se voltasse para Churchill em 1940 e os alemães para Hitler na época de grande crise. No momento do perigo, a submissão a um chefe é muitas vezes necessária. É evidentemente bom, num naufrágio, que se obedeça ao capitão. Mas uma tal submissão comporta perigos inevitáveis que a tornam lamentável, quando o medo que a inspira não é necessário. Rouba o gosto da responsabilidade individual e o hábito de pensar por si mesmo. Se o chefe que se escolhe não possui uma elevação de espírito excepcional, sacrificará cedo ou tarde , os seus partidários aos seus interesses pessoais , o que faziam quase invariavelmente os tiranos gregos. E como o seu poder assentava apenas num medo geral e difuso, ele não cuidava de o dissipar , mas pelo contrário, encorajava os seus concidadãos a crerem-se cercados de inimigos. Daí a "caça às bruxas" no interior e as guerras no exterior. Toda esta cadeia trágica resulta do medo que o homem sente pelo seu semelhante.
Bertrand Russell, "A Última Oportunidade do Homem"
Bertrand Russell, "A Última Oportunidade do Homem"
Ucrânia sobrevive, mas Ocidente deveria se envergonhar
Quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022 – nunca esqueceremos este dia. O dia em que uma insana liderança russa decidiu lançar uma grande guerra contra a Ucrânia. O dia para o qual os ucranianos e seus amigos ao redor do mundo há muito se preparavam, embora tendo a esperança de que ele nunca fosse chegar. O dia em que o Kremlin simplesmente começou uma guerra na Europa.
Muitos estão se perguntando: como isso pode ter acontecido? A resposta pode ser tirada de uma citação de Winston Churchill: "Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra". A extensão da invasão não deixa dúvidas: as tropas russas atacaram a Ucrânia, assim como fizeram cerca de 100 anos atrás, quando a Ucrânia declarou a independência pela primeira vez. As consequências desse passo monstruoso abalarão o mundo.
O erro fatal do Ocidente
O Ocidente tem uma parte considerável da responsabilidade por esta situação. Quando a Rússia atacou a Ucrânia e anexou a Crimeia em 2014, pela primeira vez desde sua declaração de independência em 1991, o Ocidente optou pela desonra de que falava Churchill.
Os líderes dos EUA, Alemanha e outros países ocidentais importantes seguraram o governo ucraniano com as duas mãos e imploraram que não resistisse. Sob nenhuma circunstância o presidente da Rússia, Vladimir Putin, deveria ser "provocado". O motivo: exatamente 100 anos após a Primeira Guerra, o Ocidente temia uma nova conflagração mundial. Embora compreensível, esse foi um erro fatal.
A Rússia, embriagada por seu sucesso na Crimeia, continuou com a guerra na região do Donbass, no leste da Ucrânia. O Ocidente, por outro lado, armava a Ucrânia de forma apenas relutante (a Alemanha se recusou inteiramente a dar esse passo) e evitou impor medidas duras de retaliação contra Moscou.
Somente após a derrubada do voo MH17 da Malaysia Airlines houve sanções isoladas contra a economia russa. Mas elas eram tão limitadas e fracas que Moscou concluiu que provavelmente poderia continuar sem oposição séria.
Hora de ajudar Kiev
A Ucrânia também subestimou o nível de loucura da liderança de Moscou e a atitude de grandes setores da população russa, que não percebem a Ucrânia como um Estado independente. E muitos ucranianos também se sentiam seguros: "Somos vizinhos, parentes – a Rússia não ousará iniciar uma guerra aberta".
Nem mesmo o governo de Kiev cortou relações diplomáticas com a Rússia na época, enviando, assim, um sinal equivocado também a seus aliados no Ocidente. Sempre no espírito de "a coisa não é assim tão grave".
E assim perdeu-se a chance de se evitar a guerra que acaba de começar. Os líderes ocidentais optaram por negociar com a Rússia, na esperança de aplacar o agressor. Sendo que essa abordagem nunca foi bem sucedida na história humana – e igualmente fracassou no caso da Ucrânia.
A Rússia usou as receitas de suas exportações de petróleo e gás para desenvolver novas armas e se preparar para uma guerra apocalíptica – não apenas contra a Ucrânia, mas contra o Ocidente como um todo. Houve muitos avisos, tudo aconteceu abertamente – o Kremlin e seus propagandistas nunca esconderam suas intenções. Mas o Ocidente optou por fechar os olhos. Na verdade, a cara dos políticos ocidentais deveria estar vermelha de vergonha.
Ucrânia não volta ao controle de Moscou
Agora é a hora de corrigir os erros e ajudar a Ucrânia da maneira que pudermos. Haverá luta, derramamento de sangue, talvez ocupação e uma longa guerra de guerrilha. A Ucrânia perderá muitos de seus melhores filhos e filhas.
Mas ela sobreviverá – não há dúvida sobre isso. Os ucranianos nunca se conformarão em ser colocados na coleira por Moscou. Esse tempo acabou e não vai voltar.
E a Rússia? A rota de agressão tomada por Moscou contra a Ucrânia e todo o mundo ocidental mais cedo ou mais tarde terminará em desastre. Depois disso, a Rússia pode ter a chance de começar de novo. Mas neste momento, cada um que ama a liberdade é um ucraniano.
Roman Goncharenko
Muitos estão se perguntando: como isso pode ter acontecido? A resposta pode ser tirada de uma citação de Winston Churchill: "Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra". A extensão da invasão não deixa dúvidas: as tropas russas atacaram a Ucrânia, assim como fizeram cerca de 100 anos atrás, quando a Ucrânia declarou a independência pela primeira vez. As consequências desse passo monstruoso abalarão o mundo.
O erro fatal do Ocidente
O Ocidente tem uma parte considerável da responsabilidade por esta situação. Quando a Rússia atacou a Ucrânia e anexou a Crimeia em 2014, pela primeira vez desde sua declaração de independência em 1991, o Ocidente optou pela desonra de que falava Churchill.
Os líderes dos EUA, Alemanha e outros países ocidentais importantes seguraram o governo ucraniano com as duas mãos e imploraram que não resistisse. Sob nenhuma circunstância o presidente da Rússia, Vladimir Putin, deveria ser "provocado". O motivo: exatamente 100 anos após a Primeira Guerra, o Ocidente temia uma nova conflagração mundial. Embora compreensível, esse foi um erro fatal.
A Rússia, embriagada por seu sucesso na Crimeia, continuou com a guerra na região do Donbass, no leste da Ucrânia. O Ocidente, por outro lado, armava a Ucrânia de forma apenas relutante (a Alemanha se recusou inteiramente a dar esse passo) e evitou impor medidas duras de retaliação contra Moscou.
Somente após a derrubada do voo MH17 da Malaysia Airlines houve sanções isoladas contra a economia russa. Mas elas eram tão limitadas e fracas que Moscou concluiu que provavelmente poderia continuar sem oposição séria.
Hora de ajudar Kiev
A Ucrânia também subestimou o nível de loucura da liderança de Moscou e a atitude de grandes setores da população russa, que não percebem a Ucrânia como um Estado independente. E muitos ucranianos também se sentiam seguros: "Somos vizinhos, parentes – a Rússia não ousará iniciar uma guerra aberta".
Nem mesmo o governo de Kiev cortou relações diplomáticas com a Rússia na época, enviando, assim, um sinal equivocado também a seus aliados no Ocidente. Sempre no espírito de "a coisa não é assim tão grave".
E assim perdeu-se a chance de se evitar a guerra que acaba de começar. Os líderes ocidentais optaram por negociar com a Rússia, na esperança de aplacar o agressor. Sendo que essa abordagem nunca foi bem sucedida na história humana – e igualmente fracassou no caso da Ucrânia.
A Rússia usou as receitas de suas exportações de petróleo e gás para desenvolver novas armas e se preparar para uma guerra apocalíptica – não apenas contra a Ucrânia, mas contra o Ocidente como um todo. Houve muitos avisos, tudo aconteceu abertamente – o Kremlin e seus propagandistas nunca esconderam suas intenções. Mas o Ocidente optou por fechar os olhos. Na verdade, a cara dos políticos ocidentais deveria estar vermelha de vergonha.
Ucrânia não volta ao controle de Moscou
Agora é a hora de corrigir os erros e ajudar a Ucrânia da maneira que pudermos. Haverá luta, derramamento de sangue, talvez ocupação e uma longa guerra de guerrilha. A Ucrânia perderá muitos de seus melhores filhos e filhas.
Mas ela sobreviverá – não há dúvida sobre isso. Os ucranianos nunca se conformarão em ser colocados na coleira por Moscou. Esse tempo acabou e não vai voltar.
E a Rússia? A rota de agressão tomada por Moscou contra a Ucrânia e todo o mundo ocidental mais cedo ou mais tarde terminará em desastre. Depois disso, a Rússia pode ter a chance de começar de novo. Mas neste momento, cada um que ama a liberdade é um ucraniano.
Roman Goncharenko
Existe muita empatia entre Putin e Bolsonaro
"Todos os homens do Kremlin — os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin", de Mikhail Zygar (Vestígio), é um livro-reportagem com detalhes reveladores sobre o círculo íntimo de Putin e sua longa permanência no poder. É a história de um líder ardiloso e perigoso, mas também de um grupo que assumiu o controle da Federação Russa. Putin “se tornou rei por acaso”, levado ao poder por oligarcas e políticos regionais, que o acolheram ao mesmo tempo em que manipulavam seus medos e ambições. Com o tempo, demonstrou uma habilidade incomum para se manter no poder e assumir o controle do grupo com mão de ferro, em meio a intrigas, conspirações e muita corrupção.
Putin assumiu com apoio do grupo de Boris Yeltsin, que promoveu reformas liberalizantes radicais, contra os comunistas, que ainda eram fortes no Parlamento, cujo candidato era Ievgeni Primakov, um antiamericano radical e revanchista. Ataques terroristas em Moscou e o conflito na Chechênia catapultaram a candidatura do ex-diretor da FSB, a antiga KGB. A imagem de líder jovem e modernizador, que seduziu o público doméstico, não convenceu o Ocidente. Seu projeto inicial de integração da Federação Russa à União Europeia, inclusive à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), foi rejeitado pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e pela primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel.
Essa rejeição, que considerou uma humilhação, e a ambição de se perpetuar no poder levaram Putin à guinada nacionalista e autoritária que vem marcando sua trajetória, inicialmente alternando a Presidência e o cargo de primeiro-ministro com Dmitry Medvedev, que presidiu a Rússia entre 2008 e 2012. A consolidação de seu poder se deu em razão do apoio popular à ideia de restabelecer o status de potência mundial da Rússia e à agenda conservadora dos costumes, da aliança com os militares e com a Igreja Ortodoxa, e do controle dos meios de comunicação, dos órgãos de segurança, do Ministério Público e do Judiciário.
É aí que nasce a empatia entre Putin e Jair Bolsonaro, que ficou evidente na recente visita do presidente brasileiro à Rússia. Há um terreno fértil para essa aliança política pessoal. Bolsonaro não tinha um projeto político claro quando foi eleito, bafejado muito mais pela sorte do que em razão de suas virtudes. Tem o mesmo discurso nacionalista, a agenda conservadora, uma aliança religiosa fundamentalista, o apoio de setores militares e do sistema de segurança, porém não controla os meios de comunicação e o Judiciário.
O isolamento de Bolsonaro no Ocidente, antipatizado pela opinião pública e em litígio com os principais líderes mundiais, inclusive o presidente norte-americano, Joe Biden, faria de Putin um parceiro natural na cena mundial, após a viagem a Moscou, não fosse a crise da Ucrânia ter virado uma guerra quente. O verdadeiro teor da conversa privada entre Bolsonaro e Putin é um iceberg ainda, não ficou restrita à venda de carne e à compra de fertilizantes, estratégica para os dois países. Houve conversas no âmbito da cooperação tecnológica e militar, na qual a Rússia, sim, pode vir a fazer diferença. E, para a oposição, existe o fantasma da interferência de hackers russos nas eleições.
O silêncio de Bolsonaro em relação à guerra na Ucrânia é um sinal de que há, de fato, um pacto entre ambos, mal dissimulado pela atuação do Itamaraty e do chanceler, Carlos França, durante a crise. Na quinta-feira, Bolsonaro desautorizou o vice-presidente Hamilton Mourão, que condenou o ataque russo por desrespeitar a soberania da Ucrânia. A nota do Itamaraty pedindo a suspensão das “hostilidades” na Ucrânia, porém, não condenou a invasão. O Itamaraty disse apenas que acompanha as operações militares “com grave preocupação”.
A invasão da Ucrânia é o maior ataque de um país europeu contra outro do mesmo continente desde a Segunda Guerra. Putin ameaçou com “consequências nunca experimentadas na história” para quem interferisse, o que pode fazer escalar o conflito, ainda mais com a reação da Polônia, da Lituânia e da Suécia, que também têm históricas relações com o povo ucraniano. É uma reação sem precedentes contra a Rússia, desde o fim da antiga União Soviética. Entretanto, os países do G7 — Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Canadá, Japão e Estados Unidos — exigiram que o governo brasileiro condenasse a invasão da Rússia à Ucrânia sem subterfúgios. No Conselho de Segurança da ONU, o Brasil votou a favor da condenação.
Na viagem a Moscou, Bolsonaro havia agradecido a Putin pela histórica oposição da Rússia à internacionalização da Amazônia. Esse é um tema sensível para as Forças Armadas, principalmente o Exército. Mas qual a razão de o vice-presidente Hamilton Mourão ter sido tão enfático na condenação à invasão da Ucrânia, mesmo correndo risco de ser desautorizado, como foi, pelo presidente Bolsonaro? Sem dúvida, devido ao alinhamento do Alto Comando do Exército com o Ocidente nesta crise da Ucrânia. Entretanto, existe outra fronteira de cooperação entre os dois países no âmbito militar: a venda de equipamentos e transferência de tecnologia em áreas estratégicas para a nossa indústria de Defesa.
Putin assumiu com apoio do grupo de Boris Yeltsin, que promoveu reformas liberalizantes radicais, contra os comunistas, que ainda eram fortes no Parlamento, cujo candidato era Ievgeni Primakov, um antiamericano radical e revanchista. Ataques terroristas em Moscou e o conflito na Chechênia catapultaram a candidatura do ex-diretor da FSB, a antiga KGB. A imagem de líder jovem e modernizador, que seduziu o público doméstico, não convenceu o Ocidente. Seu projeto inicial de integração da Federação Russa à União Europeia, inclusive à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), foi rejeitado pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e pela primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel.
Essa rejeição, que considerou uma humilhação, e a ambição de se perpetuar no poder levaram Putin à guinada nacionalista e autoritária que vem marcando sua trajetória, inicialmente alternando a Presidência e o cargo de primeiro-ministro com Dmitry Medvedev, que presidiu a Rússia entre 2008 e 2012. A consolidação de seu poder se deu em razão do apoio popular à ideia de restabelecer o status de potência mundial da Rússia e à agenda conservadora dos costumes, da aliança com os militares e com a Igreja Ortodoxa, e do controle dos meios de comunicação, dos órgãos de segurança, do Ministério Público e do Judiciário.
É aí que nasce a empatia entre Putin e Jair Bolsonaro, que ficou evidente na recente visita do presidente brasileiro à Rússia. Há um terreno fértil para essa aliança política pessoal. Bolsonaro não tinha um projeto político claro quando foi eleito, bafejado muito mais pela sorte do que em razão de suas virtudes. Tem o mesmo discurso nacionalista, a agenda conservadora, uma aliança religiosa fundamentalista, o apoio de setores militares e do sistema de segurança, porém não controla os meios de comunicação e o Judiciário.
O isolamento de Bolsonaro no Ocidente, antipatizado pela opinião pública e em litígio com os principais líderes mundiais, inclusive o presidente norte-americano, Joe Biden, faria de Putin um parceiro natural na cena mundial, após a viagem a Moscou, não fosse a crise da Ucrânia ter virado uma guerra quente. O verdadeiro teor da conversa privada entre Bolsonaro e Putin é um iceberg ainda, não ficou restrita à venda de carne e à compra de fertilizantes, estratégica para os dois países. Houve conversas no âmbito da cooperação tecnológica e militar, na qual a Rússia, sim, pode vir a fazer diferença. E, para a oposição, existe o fantasma da interferência de hackers russos nas eleições.
O silêncio de Bolsonaro em relação à guerra na Ucrânia é um sinal de que há, de fato, um pacto entre ambos, mal dissimulado pela atuação do Itamaraty e do chanceler, Carlos França, durante a crise. Na quinta-feira, Bolsonaro desautorizou o vice-presidente Hamilton Mourão, que condenou o ataque russo por desrespeitar a soberania da Ucrânia. A nota do Itamaraty pedindo a suspensão das “hostilidades” na Ucrânia, porém, não condenou a invasão. O Itamaraty disse apenas que acompanha as operações militares “com grave preocupação”.
A invasão da Ucrânia é o maior ataque de um país europeu contra outro do mesmo continente desde a Segunda Guerra. Putin ameaçou com “consequências nunca experimentadas na história” para quem interferisse, o que pode fazer escalar o conflito, ainda mais com a reação da Polônia, da Lituânia e da Suécia, que também têm históricas relações com o povo ucraniano. É uma reação sem precedentes contra a Rússia, desde o fim da antiga União Soviética. Entretanto, os países do G7 — Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Canadá, Japão e Estados Unidos — exigiram que o governo brasileiro condenasse a invasão da Rússia à Ucrânia sem subterfúgios. No Conselho de Segurança da ONU, o Brasil votou a favor da condenação.
Na viagem a Moscou, Bolsonaro havia agradecido a Putin pela histórica oposição da Rússia à internacionalização da Amazônia. Esse é um tema sensível para as Forças Armadas, principalmente o Exército. Mas qual a razão de o vice-presidente Hamilton Mourão ter sido tão enfático na condenação à invasão da Ucrânia, mesmo correndo risco de ser desautorizado, como foi, pelo presidente Bolsonaro? Sem dúvida, devido ao alinhamento do Alto Comando do Exército com o Ocidente nesta crise da Ucrânia. Entretanto, existe outra fronteira de cooperação entre os dois países no âmbito militar: a venda de equipamentos e transferência de tecnologia em áreas estratégicas para a nossa indústria de Defesa.
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