sábado, 30 de setembro de 2017

De volta para o passado

Há um tema recorrente em várias lendas: o do personagem que dorme por muito tempo e, ao acordar, não reconhece mais nada. No Brasil de hoje, a impressão por vezes é outra. O retrocesso é de tal monta que por vezes dá a sensação de que estamos todos de volta para o passado — mais remoto ou mais próximo, segundo o caso.

“Avante, soldados: para trás” é o título de um romance de Deonísio da Silva sobre o episódio histórico da Retirada da Laguna. Impossível não evocar essa ordem de recuo agora. O general Antonio Mourão fez palestra em Brasília e afirmou que pode haver intervenção militar se o Judiciário não solucionar o problema político do país.

O general Augusto Heleno declarou apoio. Mas o comandante do exército, general Eduardo Villas Bôas, rejeitou essa hipótese em “Conversa com Bial”. Frisou, porém, que a Constituição dá às Forças Armadas o poder de intervir legitimamente.

Tudo bem que não dar maior importância diminui a repercussão. Mas lembrar que as Forças Armadas têm o mandato de fazer intervenção, na iminência de uma situação de caos, não ajuda muito. Em que década estamos?

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Em outro campo, apesar de réu em vários processos, Lula aparece como primeiro colocado em pesquisa encomendada pela Confederação Nacional do Trabalho. Lidera intenções de votos em todos os cenários. No primeiro turno, a menção espontânea a seu nome é dez vezes maior que a de Marina, por exemplo — e o dobro de Bolsonaro que, no entanto, cresce no papel de anti-Lula. Em que ano estamos?

Na área comportamental, o moralismo hipócrita campeia. Comissão especial da Câmara dos Deputados vota mudança na Constituição para proibir qualquer tipo de aborto, mesmo os que hoje são legalmente permitidos.

Exposição no Santander do Rio Grande do Sul desencadeia série de trapalhadas e lambanças em meio a onda moralista.

Por um lado, recebia dinheiro público e, como contrapartida, organizou amplo programa de visitas escolares. Foi acusada de incitação à pedofilia e incentivo à zoofilia.

Por outro lado, o banco mais uma vez tratou de se mostrar dócil às pressões — como já fizera no caso das críticas de Lula a uma analista financeira que orientava investimentos, logo demitida.

Além disso, houve o cancelamento de uma peça teatral em Jundiaí por ferir suscetibilidades. E uma apreensão de quadros pela polícia a mando de deputados.

E evangélicos seguem apedrejando praticantes de cultos afro, invadem terreiros, fazem quebra-quebra, apontam armas para mães e pais de santo, demonizam e perseguem fiéis de outras crenças.

E a prefeitura do Rio quer saber a religião de quem se inscreve em academias de ginástica. E o deputado Pastor Franklin quer que rádios públicas sejam obrigadas a tocar músicas religiosas, sob pena de suspensão da concessão. Com que legitimidade?

De repente, no meio da tarde, a televisão mostra o STF discutindo se ensino religioso em escola pública deve ser confessional ou genérico. Como assim?

Que jabuti é esse? Escola pública não tinha de ser leiga?

Não foi essa uma conquista do país há mais de meio século?

Como ficou obrigatório ter aulas de religião pagas com o dinheiro de todos?

Mudaram a Constituição, e o país dormia e nem reparou?

Em que século estamos?

Mais de metade das cadernetas de vacinação das crianças não está em dia. Abandonou-se essa pré-condição para receber a Bolsa Família, ninguém mais liga. Mas é grave: trata-se da saúde infantil. Desde quando os programas sociais se acham no direito de dispensar a exigência de contrapartidas? Era uma avanço da sociedade.

Gangues dominam o Rio com tiroteios e intimidação ou se apossam do Estado pela força, passando por cima da lei. Concretiza-se o risco apontado pelo então secretário Beltrame, quando insistia em frisar que UPP era só o início mas não adiantaria retomar o território ao crime se o poder público não entrasse a seguir, garantindo aos moradores os serviços essenciais a que todos têm igualmente direito.

O retrocesso faz parte da nossa ojeriza a diminuir desigualdade. E dá nesse Estado paralelo a serviço do crime.

Em que milênio estamos?

No meio disso, a proposta do advogado do bandido Nem é chamar o “reeducando” para controlar o crime de perto. Ou seja, transferir para o Rio o criminoso, atualmente em presídio de segurança máxima em Rondônia, e lhe passar a tarefa de reduzir a criminalidade no estado. Esse advogado até o ano passado era presidente estadual de um partido em SP.

No STF, o neoministro Alexandre de Moraes pediu vistas e há meses senta em cima da proposta de limitação do foro privilegiado, garantindo que nada muda nessa área e impedindo que a Justiça siga seu rumo.

A combinação de moralismo, conservadorismo político, ignorância, corrupção, negação dos fatos e tantos outros males nos joga neste pesadelo desesperador em que vivemos. Não precisa terremoto nem furacão para causar estragos. Basta nosso próprio retrocesso. A um arquipélago de obscurantismo num oceano de barbárie. De volta a um passado inaceitável.

Em vez de salvar o Aécio, deveriam matar o foro

Há no Brasil mais de 220 mil presos provisórios. São brasileiros pobres que mofam esquecidos nas cadeias à espera de um julgamento. Mas Brasília vive um curto-circuito desde que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal proibiu Aécio Neves de sair de casa à noite. Num esforço para desligar a crise da tomada, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, prometeu ao presidente do Senado, Eunício Oliveira, que levará a julgamento em 11 de outubro uma ação que sustenta que as sanções contra parlamentares têm de ser aprovadas pela Câmara e pelo Senado. Numa palavra: deseja-se a restauração da impunidade.

Charge do dia 29/09/2017

Aécio e sua irmã foram gravados pedindo R$ 2 milhões ao corruptor Joesley Batista. Um primo de Aécio foi filmado recebendo mochilas com dinheiro. Um amigo de Aécio foi pilhado ocultando parte da verba. Diante de tudo isso, ministros que chegaram ao Supremo com o aval do Senado aplicaram uma lei aprovada pelos senadores para afastar Aécio do mandato e proibi-lo de sair de casa à noite. E os senadores agora informam que a lei que eles aprovaram para criar punições diferentes da prisão clássica vale para qualquer brasileiro, menos para eles.

Enquanto o plenário do Supremo se equipa para decidir que as punições impostas a Aécio pela Segunda Turma do mesmo Supremo não valem, permanece na gaveta há 115 dias o processo que impõe restrições ao foro privilegiado. Esse processo, se fosse julgado pelo Supremo, atenuaria o problema, pois investigações como a de Aécio desceriam para a primeira instância do Judiciário, onde mofam os 220 mil brasileiros presos sem uma sentença.

O Brasil será outro país no dia em que matar excrecências como o foro privilegiado for mais importante do que salvar da extinção a tribo dos aécios.

A aprovação e a desaprovação de Lula

Tamanha é a confusão e tão numerosos são os conflitos, escândalos e escaramuças cotidianas da política nacional que vai ficando impossível discutí-los no varejo. São ''os casos de fulano'' — assim, no plural; ninguém está metido numa encrenca apenas — ''as questões de beltrano'' e ''os rolos de sicrano'' que a análise se perde nos detalhes de uma dinâmica vertiginosa. Quem diz estar informado mente por má-fé ou simplesmente por desinformado que está. Ninguém armazena tanta informação e menos ainda processa tamanha complexidade. Tudo o que era sólido tornou-se impalpável e explodiu no ar.

Os fatos vistos no atacado têm feição mais clara: na grande fotografia da política nacional, pode-se dizer que o sistema ruiu: os partidos se desintegram à luz do dia, a liderança escafedeu-se na confusão e na grande divergência; a modernidade líquida fez, por aqui, um tremendo pântano de descrédito. As pesquisas e abordagens estatísticas demonstram isto: no quesito confiança nos políticos — num ranking de 137 países, organizado pelo Fórum Econômico Mundial — o Brasil ocupa exatamente o último lugar.

No Barômetro Político, do Instituto Ipsos, a desaprovação aos políticos brasileiros é estratosférica. A rigor, ninguém se salva: mesmo quem não é formalmente político e caiu nas graças da galera, como o juiz Sérgio Moro, tem índices elevadíssimos de desaprovação (45%); novidades de ontem, como o prefeito de São Paulo, João Doria, tampouco, ficam para trás (58%). Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin e o recordista Michel Temer, ninguém expressa confiança e passa pelo crivo da maioria. O governo Temer, aliás, pelo Ibope/CNI, é aprovado por rastejantes 3% dos pesquisados.

Claro que os dados colhidos por abordagens desse tipo partem de observações subjetivas, mas, concretamente, há razões mais que justificadas para estes resultados. A promessa da Política — entregar ao cidadão segurança, justiça e bem-estar — não se realiza; há medo no presente e insegurança quanto ao futuro. A frustração é evidente.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Petistas, no entanto, comemoraram outros tentos; vão argumentar que com Lula é diferente. Crentes, sustentam que os índices de reprovação ao ex-presidente têm caído (de 66% para 59%), contrariando o movimento dos demais postulantes à eleição do ano que vem e as expectativas, após tanto desgaste que o petista, de fato, vem sofrendo. Bradam que Lula é o primeiro colocado nas sondagens eleitorais e que sua caravana pelo Nordeste do Brasil foi um sucesso. Dados como os quais, supõem, desqualificam qualquer análise crítica que se faça ao ex-presidente. Reagem veementemente à crítica. Faz parte.

Neste momento, o analista precisa sair do atacado, voltar ao varejo: Lula é de fato um fenômeno político e social e, na verdade, deve ser entendido como um caso particular. Mas, está aquém da condição de ''acima do bem e do mal'' que seus apóstolos proclamam. Sua situação emana menos de si próprio do que da parcela do eleitorado que realmente se seduz pelos símbolos que em Lula se encerram — trata-se de uma parcela significativa, grande; evidentemente, considerável. Mas, pelo menos por enquanto, ainda bem distante de formar a maioria da sociedade.

De um modo amplo e bastante generoso, pode-se dizer que Lula tem o apoio de 1/3 do eleitorado. Quem o aprova o faz quase por veneração — alguns com motivos justificados para isso, dadas as políticas sociais de seus mandatos; outros, pelas condições e interesses corporativos que Lula e o PT de algum modo encarnam. E uns outros por considerações ideológicas que, numa sociedade democrática, também são legítimas. No mundo, tudo tem razão de ser.

O fato é que quem o aprova, o adora — há muito tempo. É um eleitorado tradicional de Lula e do PT, que existia desde antes da experiência dos governos petistas. Contudo, quem o desaprova, por outro lado, hoje é maioria. À parte daqueles que o detestam com todas suas forças — o que deve ser algo em torno de um terço também; há uma grande parcela do eleitorado que simplesmente deixou de confiar e não gostaria de repetir a experiência petista, mostram as pesquisas. Voltamos à teoria dos três terços, que Duda Mendonça — o marqueteiro da primeira vitória — explicava em 2002: o desafio era conquistar um terço dos indiferentes a Lula.

Acontece que esses casos intermediários — nem adora, nem detesta — parecem ser hoje pouco expressivos; o Lula de 2017 desperta quase tudo que um fenômeno político-emocional é capaz de despertar: amor e ódio, menos indiferença. Na história política nacional, é pouco provável que tenha havido personagem capaz de fazer aflorar no eleitor sentimentos tão fortes e contraditórios assim — talvez nem mesmo Getúlio Vargas.

Isto, no entanto, se traduz como uma grande questão para a democracia brasileira, nestes tempos difíceis: a emoção desmedida tende a recusar fatos objetivos e dados de realidade; tende a contestar decisões formais das instituições; tende a incentivar conflitos, agudizar as disputas políticas e dramatizar as eleições.

Um exemplo: parte expressiva de seus apoiadores ficará muito, mas muito, contrariada caso o ex-presidente seja impedido pela justiça de disputar a eleição do ano que vem. Todavia, sua presença no pleito também tende a instigar, e muito, parcela da sociedade que o rejeita. Em outras palavras: a eventual condenação de Lula teria evidentes implicações políticas; mas sua absolvição tampouco seria assimilada com naturalidade.

É interessante ouvir os dois lados afirmarem que o ''outro'' terá que se submeter a uma decisão contrária quando ele mesmo não admite faze-lo se a decisão for em seu dissabor. Acima da figura, do ex-presidente, o que poderá ser colocado à prova será a credibilidade da Justiça e sua aceitação por esses setores da sociedade. A eventual prisão (ou não) de Lula não teria o mesmo significado que o impeachment de Dilma e, talvez, nem o mesmo tipo de reação.

Exatamente por isso, a atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a afirmar que os petistas deveriam boicotar a eleição, denunciando o que chamam de ''consumação do golpe'', caso Lula não esteja na cédula eleitoral, impedido pela Justiça. Gleisi, é claro, causou mal-estar até em parlamentares da legenda que pretendem disputar novos mandatos à parte de qualquer coisa e acima de tudo. Mas, sua manifestação encontra eco na militância e em boa parte da população que aprova o ex-presidente.

É pouco provável que manifestações como a carta recentemente publicada por Antônio Palocci venha a alterar significativamente este quadro. A manifestação do ex-ministro de Lula e Dilma é sumariamente desqualificada pela militância — delação boa, já disse aqui, é só a que arde no circulo íntimo do adversário. Mas, tampouco, um hipotético desmentido de Palocci alteraria a convicção dos que já condenaram Lula. Não há deus ou diabo que resolva essa desinteligência. As posições são irredutíveis e estancou as possibilidades de diálogo. É evidente que um ambiente assim não é nada saudável; pode, aliás, ser até bastante perigoso.

Carlos Melo 

Paisagem brasileira

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Rio de Contas (BA)

O avanço do fogo sobre o Brasil

O ano de 2017 deve entrar para a história como o período com maior número de queimadas já registradas no Brasil. Até o momento, mais de 197 mil focos foram contabilizados, quase metade deles (49%) na Floresta Amazônica. O recorde até o momento é de 270 incêndios, registrados em 2004.

Somente nos primeiros 29 dias de setembro deste ano, foram 107 mil focos de queimadas, maior número registrado em um mês desde o início do monitoramento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), iniciado ainda em meados da década de 1980.

"São dezenas de milhares de focos de queimada por dia", revela Alberto Setzer, coordenador do programa de monitoramento de eueimadas do Inpe. "Em termos de ocorrência de fogo detectada por satélite, trata-se de um caso extremo", complementa o pesquisador.

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Detentor do sistema de monitoramento de queimadas mais robusto do mundo, o Brasil agora sofre para apagar o fogo. Os alertas são resultado da vigilância ininterrupta de dez satélites, que geram 250 imagens por dia.

Elas mostram dezenas de unidades de conservação afetadas ou destruídas pelo fogo. O Parque Nacional do Xingu, por exemplo, está em chamas há mais de 30 dias. O estrago no Parque Nacional do Araguaia equivale a uma área duas vezes maior que a cidade de São Paulo. Cerca de 320 mil hectares foram perdidos – mais da metade da reserva, que tem 555 mil hectares de cerrado.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 20% das ocorrências vêm de territórios sob responsabilidade do governo federal. "Os demais 80% dos focos acontecem em terras particulares, ou de atuação do município e do estado", afirma Gabriel Constantino, chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).

Em 90% dos casos, o incêndio começa por ação humana. A permissão para o uso do fogo em propriedades particulares – geralmente para manutenção de pastagens – é dada pelo órgão estadual. O Ibama é responsável pelo combate em terras indígenas, quilombolas e assentamentos, e, atualmente, mil brigadistas atuam pelo órgão. As unidades de conservação – como o Parque Nacional do Araguaia –, por sua vez, são de competência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio).

Tanto o Ibama quanto Icmbio integram o o Ministério do Meio Ambiente, que, em abril deste ano teve sua verba cortada em 43% pelo governo federal. No entanto, segundo Constantino, a redução do orçamento não afetou a atuação do Prevfogo. "Todas as equipes estão em campo", afirma.

Embora seja a ação humana que inicie o fogo, ele atinge grandes proporções rapidamente, sai do controle e causa prejuízos devido às condições climáticas "favoráveis", de pouca chuva, baixa umidade do solo e vegetação mais seca.

"Podemos dizer que a má distribuição das chuvas no período chuvoso contribuíram", avalia Morgana Almeida, chefe da previsão do tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Como o solo não recebeu a recarga suficiente de água, a chegada do período com menor ocorrência de chuvas encontrou um solo mais seco que o normal.

"O Distrito Federal é um exemplo disso. O sudeste do Pará também apresentou um padrão similar, especialmente nos desvios de chuva nos meses de janeiro, abril e maio", cita alguns exemplos. É nessa região do Pará que está São Félix do Xingu, a cidade com maior número de focos de queimadas, segundo dados do Inpe.

"As chuvas não foram suficientes para recuperar o balanço das florestas. A vegetação se manteve seca e, por consequência, menos resistente ao fogo", pontua Constantino, do Prevfogo.

"Está sendo um ano climaticamente desfavorável, em que a população está desrespeitando a legislação irrestritamente e que as autoridades estão agindo muito aquém do que poderiam”, resume Setzer.

O cenário pode piorar num mundo mais quente – até o fim do século, a temperatura pode subir até 6°C no país, segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Com o avanço das mudanças climáticas, os períodos de seca devem se intensificar e, portanto, o risco dos incêndios florestais deve aumentar.

"O aumento da temperatura reduz as chuvas, o que pode elevar a incidência de queimada", diz Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de Sao Paulo (USP), especialista em mudanças climáticas.

Os modelos rodados em computadores que fazem as previsões, no entanto, ainda não são precisos. "Eles não conseguem prever bem como, onde e de que maneira vai chover. Então, não dá pra se ter um quadro muito claro em relação a incidência de queimada, embora a tendência seja de aumento", detalha Artaxo.

Mais difícil que lidar com a incerteza dos modelos, é prever o futuro das políticas públicas ambientais no Brasil, opina o pesquisador. "Elas foram muito enfraquecidas ao longo dos últimos dois anos. O Brasil firmou compromissos internacionais para reduzir emissões, mas parece ter se esquecido deles", diz Artaxo, apontando risco de o país não cumprir as metas assumidas no Acordo de Paris.

Por ser uma fonte considerável de emissão de gases estufa, que aceleram as mudanças climáticas, os incêndios em florestas tropicais entraram no radar dos projetos de cooperação do governo alemão. Desde 2012, a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) atua junto ao ministério brasileiro em ações de combate e manejo integrado do fogo em reservas ambientais.

"A parceria faz parte da Iniciativa Internacional do Clima lançada na Alemanha, e que financia projetos que combatam as mudanças climáticas", explica Michael Schulze, do GIZ. "O controle dos incêndios florestais reduz as emissões de CO2 e protege a biodiversidade", complementa.

Nos últimos cinco anos, o Brasil recebeu cerca de 45 milhões de reais (12,5 milhões de euros) em projetos de cooperação técnica e financeira – parte desse dinheiro ajudou a financiar novos equipamentos e veículos usados pelas equipes do Prevfogo do Ibama.

E o seu nível de corrupção, como vai?

Dizem por aí que todo homem tem seu prego. Há quem vá mais longe afirmando que alguns homens são vendidos a preço de banana. Sempre esperei, na vida, o dia da Grande Corrupção, e confesso, decepcionado, que ele nunca veio. A mim só me oferecem causas meritórias, oportunidades de sacrifício, salvações da Pátria ou pura e frontalmente a hedionda tarefa de lutar contra a corrupção. Enquanto eu procuro desesperadamente uma oportunidade, as pessoas e entidades agem comigo de tal forma que às vezes chego a duvidar de que a corrupção exista. Mas, falar em corrupção, como anda a sua? Vendendo saúde ou combalida e atrofiada como a minha? Responda com muito cuidado às perguntas abaixo e depois conclua sobre sua própria personalidade: você é um corrupto total ou um idiota completo? (Não há meio-termo.) Conte 10 pontos para cada resposta certa (você é quem decide qual é a certa) e verifique depois o grau de sua corruptibilidade. Nota: Se você roubar neste teste, é porque sua corrupção é mesmo absolutamente incorruptível.

 A) Você descobre que o chefe do seu departamento está com um caso complicado com a secretária do outro chefe em frente. Você: 1) Finge que não viu nada. 2) Diz à secretária que ou também está, nessa ou vai botar a boca no mundo. 3) Oferece o seu sítio ao chefe pra ele passar o fim de semana. 4) Bota a boca no mundo. 5) Insinua ao chefe que há a perigosa hipótese de a mulher dele vir a saber (e enquanto isso põe a promoção embaixo do nariz dele pra ele assinar).

B) Você acha que a Lei e a Ordem é uma mística social maravilhosa para: 1) Impor a lei e a ordem. 2) Acabar com a grita dos descontentes. 3) Grandes oportunidades de ganhar algum por fora. 4) Dividir o bolo entre os íntimos sem ninguém de fora piar. 

C) A primeira vez em que você ouviu falar do escândalo de Watergate você disse: 1) Isso é que é país! 2) Como é que o governo americano permite uma imprensa dessas? Isso desmoraliza um país! 3) Eu não compraria um carro usado desse Nixon. 4) Isso jamais aconteceria entre nós. 5) Quanto terão levado esses caras pra se arriscarem dessa maneira? 

D) Você, como representante oficial da fiscalização, comparece à apresentação de contas, em dinheiro, no Instituto dos Cegos. Fica surpreendido com o alto volume das arrecadações e em certo momento: 1 ) Diz : "Estou surpreendido com a miserabilidade dos donativos". E tenta enrustir algum. 2) Diz: "Como representante do fisco sou obrigado a reter 30% de tudo porque esta arrecadação é totalmente ilegal". 3) Diz: "Teria sido até uma boa arrecadação se metade das notas não fossem falsas". 4) Disfarça bem a voz e diz, entredentes: "Todos quietinhos aí, seus Homeros de uma figa: Isto é um assalto!" 

E) Você se demite do cargo de maneira irrevogável por insuportáveis pressões morais e absoluta impossibilidade de compactuar com a presente política da firma. Eles prometem triplicar o seu salário. Você: 1) Recusa, indignado, por pensarem que é tudo uma questão de dinheiro. Só ficará se eles derem também as três viagens anuais à Europa a que todos os diretores têm direito. E participação nos lucros retidos da companhia. 2) Diz que, evidentemente, isso e uma prova moral de que eles estão de acordo com você. O dinheiro, aí é definitivo como demonstração de confiança na sua gestão. 3) Pede para pensar 5 minutos antes de dar a resposta. 4) Explica que tem mulher e filhos e não pode manter um pedido de demissão feito, afinal de contas, por motivos tão irrelevantes. 

F) Há uma diferença fundamental entre fraudar e evitar o imposto de renda. Quando você descobriu isso, você: 1) Ficou indignado com as possibilidades de os poderosos usarem tudo a seu favor. Como é que se pode escamotear um ordenado? 2) Começou a estudar furiosamente a legislação para descobrir todos os furos. 3) Tinha 11 anos de idade e estava terminando o curso primário. 4) Nunca mais pagou um tostão de imposto. 

G) Você dá um nota de 10 pra pagar o jornal, no jornaleiro velhinho da banca da esquina, e percebe que ele lhe deu 50 como troco. Você imediatamente: 1) Corrige o erro do velhinho? 2) Reclama chateado aproveitando a gagaíce do vendedor: "Pô, eu lhe dei uma nota de 100?" 3) Chega em casa e manda todos os seus filhos comprarem vários jornais? 4) Bota o dinheiro no bolso e fica freguês?

 H) Você teve que fazer um trabalho na rua, não pôde almoçar, comeu um sanduíche. Você apresenta a conta na companhia: 1) Um sanduíche — 3 cruzeiros. 2) Almoço — 32 cruzeiros. 3) Almoço com o representante da A&F Ltda. — 79 cruzeiros. 4) Despesas gerais — 143 cruzeiros.

I) Quando o desfalque dado pelo auditor geral (8.000.000 pratas) chega a seus ouvidos você murmura: 1) "Idiota, se deixar apanhar assim". 2) "Será que eles vão descobrir também os meus 10.000?". 3) "Se ele tivesse me dado 10% eu tinha feito o negócio de maneira que ninguém nunca ia descobrir". 4) "Eu fiz bem em não entrar no negócio". Conselho de amigo: Quando alguém, na rua, gritar "Pega ladrão!", finge que não é com você.
Millôr Fernandes

Um pouco de música

Sangue do meu sangue

‘Filhos, melhor não tê-los/ Mas se não os temos/ Como sabê-lo?”, perguntava Vinicius de Moraes.

Com os filhos que tem, Lula deve entender o poeta.

Fábio Luiz, que odeia ser chamado de Lulinha, mas vive disso, e Luis Claudio, que detesta a alcunha de Luleco, de cara, tem feições que fariam a alegria de Lombroso, que eles não têm ideia de quem seja. Se perguntarem a um advogado, vão saber que não é um elogio.

Pobre Lula, inteligentíssimo e espertíssimo, que tem sua história, seus méritos, suas conquistas e serviços prestados ao Brasil, e corre sério risco de ir para a cadeia (também) pelas estripulias delituosas de seus filhos flagradas pela Lava-Jato.

LULECO PW


Claro, as empreiteiras que pagaram propina, ou “agrados”, como dizem no Nordeste, a Lulinha e Luleco, foram recomendadas por Papa Lula. Elas não procuraram espontaneamente os dois jovens “empresários” para fazer negócios, eles nunca iriam a elas sem a autorização, e uma forcinha, do paizão. A gente faz tudo pelos filhos, não é mesmo?

Eu entendo Lula, já fiz os papéis mais ridículos e patéticos da minha vida só para divertir minhas filhas. Mas tudo dentro da lei.

Agora, a Odebrecht entregou planilhas com pagamentos milionários para a empresa de Luleco patrocinar equipes de futebol americano em um campeonato que ninguém vê. Mas as equipes dizem que recebiam R$ 20 mil por mês.

No processo sobre a compra dos caças Gripen ele levou R$ 2,5 milhões, não se sabe bem por quê. Talvez porque soubesse antes da decisão e tenha pegado carona na firma de lobistas amigos contratada pelos suecos. Lula está no mesmo processo, é bonito o amor de pai e filho.

O irmão Lulinha já foi considerado pelo pai “um Ronaldinho dos negócios”, por sua desenvoltura em fazer muito dinheiro em pouco tempo apenas com sua mente privilegiada e seu preparo profissional... Tem pai que é cego, dizia o velho bordão de Jô Soares.

Parafraseando o psicanalista Hélio Pellegrino, que esculachava uma pessoa com elegância dizendo: “É um Rimbaud... mas sem o talento” (só sobrava a parte podre rsrs), Lulinha e Luleco são Lula, mas sem a inteligência e o carisma.

Imagem do Dia


Fortaleza de Sigiriya (Sri Lanka), Bruno Morndi Getty 


                               

Creonte, rei de Tebas, e as eleições de 2018

Não se pode prejulgar um homem, decidir de sua alma e do que sente, enquanto ele não mostrar quem é, ditando leis
Creonte, na Antígona de Sófocles

A fala de Creonte evidencia bem a distância que nos separa das monarquias da Antiguidade. O que o fez convocar os varões da cidade ao palácio foi a insistência da nobre Antígona em dar sepultura a seu irmão Polinice. Creonte rechaçava com firmeza a pretensão de Antígona, dado que a seu ver Polinices se tornara um inimigo da cidade, um traidor. Decretara o estrito cumprimento da tradição, determinando que Polinice não seria sepultado. Ficaria fora dos muros da cidade, ao relento, exposto à sanha de animais e aves predadoras.

No mundo atual – e neste triste momento brasileiro-, a dimensão dos problemas é milhões de vezes maior que o tormento que se abateu sobre Tebas. Começando pelo conjunto, o que temos é uma economia ainda desorganizada, incapaz de prover adequadamente os bens, serviços e empregos de que nós, 206 milhões de brasileiros, necessitamos para viver. Um Estado ainda incapaz de educar nossas crianças, de ligar metade dos domicílios à rede pública de saneamento, de eliminar a corrupção que lhe devora as entranhas e de reprimir de forma decisiva o narcotráfico, que caminha a passos largos para se incrustar em dezenas ou centenas de favelas. Uma mineradora mata um de nossos melhores rios e fica tudo por isso mesmo. A sexta economia do mundo não tem uma sequer entre as cem melhores universidades do planeta.

Nas antigas monarquias, como observei, o soberano detinha a prerrogativa de ser avaliado depois, não antes de “editar as leis” que considerava necessárias. No mundo atual, a avaliação é ex ante, não ex post, e não diz respeito a leis, mas a programas vagamente formulados, informações rarefeitas e gesticulações demagógicas, sem esquecer as famigeradas artes do marketing. O soberano, em nosso caso, é um eleitorado que já beira os 150 milhões, com carências educacionais notórias, mas cuja responsabilidade por nossas desgraças é pequena, pois a ação concreta de governar não cabe a ele, e sim às elites, cujo comportamento recente tem sido obsceno.

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Que esperar de 2018? Uma eleição esfarelada, sem um candidato “natural”, uma liderança com estatura suficiente para diluir o ambiente raivoso e “contra todos” que ora predomina e apontar uma estrada mais larga para os próximos anos? Um segundo turno polarizado, com os suspeitos de sempre cumprindo os enredos de sempre, um se fazendo passar por “esquerda” e o outro por “direita”, ambos incapazes de perceber a perda de significado desses termos no mundo atual? Não nos iludamos, por enquanto, o que se delineia é a clássica tragicomédia latino-americana.

A questão em jogo, evidentemente, é se seremos ou não capazes de formar um governo capaz de atrair grandes investimentos e estruturar um novo ciclo de crescimento. A grande incógnita é se Lula poderá ou não concorrer, mas será elástica, como sempre, a oferta de populistas irresponsáveis, dispostos a dizer qualquer coisa. Alguns desses chegam mesmo a acreditar que representam o “bem”, um compromisso com o desenvolvimento e com políticas sociais sensatas. Acreditam que os grandes investimentos de que necessitamos virão de um jeito ou de outro, nem que seja pela bela cor de nossos olhos. Não compreendem que nenhum megainvestidor, pessoa física ou jurídica, é tatu a ponto de colocar seus recursos num país que não lhe oferece garantias sérias.

Uma novidade, como sabemos, é João Doria, mas é difícil crer que ele se disponha a deixar a Prefeitura antes da metade do mandato para disputar a vez com o governador Geraldo Alckmin. Este tem experiência e potencial, mas depende vitalmente de uma transformação do clima político. Não tem perfil de radical. Poderá ser um candidato adequado se as camadas médias se desvestirem da presente atitude raivosa, antipolítica, e demandarem um programa consistente, com proposições efetivas para a retomada do crescimento. Sobre Marina Silva (que possivelmente terá Joaquim Barbosa como vice) não tenho grandes expectativas. Confesso certo ceticismo quanto à sua capacidade de empolgar o eleitorado.

Outra novidade é o deputado Jair Bolsonaro. Até o momento, o que me foi dado depreender é que combinará proposições econômicas na velha linha intervencionista, a mesma a que Dilma Rousseff recorreu para levar o País ao desastre, com o discurso da segurança pública – “lei e ordem”, na conhecida expressão norte-americana. Que esse discurso ressoa, não há dúvida. A segurança é uma das preocupações dos cidadãos e aqueles que subestimavam a proporção atingida pelo narcotráfico pôde apreciar ao vivo e em cores os tiroteios na Rocinha. Mas ressonância não necessariamente se traduz em votos. Para que isso ocorra a sociedade precisa acreditar que a tendência ascendente da violência pode ser revertida num prazo relativamente curto e que esse candidato em particular – aqui falo de Bolsonaro – seja capaz de operar tal milagre. Acreditar nisso é mais difícil que acreditar em duendes e no saci-pererê.

Ou seja, fórmulas para retardar ou afugentar investimentos nós temos em abundância. Se não formos capazes de desarmar os espíritos e construir uma grande coalizão de centro, convém nos prepararmos para um longo período de sofrimento. Crescendo alguma coisa entre 2% e 3% ao ano, levaremos mais de 20 anos para atingir a renda por habitante dos países mais pobres da Europa. Nessa hipótese, em duas décadas não teremos um só Polinices, mas milhões deles, servindo de pasto para hienas e abutres.

Bolívar Lamounier

A farsa das conquistas sociais após 2003

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As imagens aéreas da Rocinha, no Rio de Janeiro, para registrar o tiroteio entre gangues rivais são o mais contundente registro da farsa cantada em prosa e verso quanto a conquistas sociais obtidas pela classe trabalhadora desde 2003. As precárias habitações em relevo acidentado sem vestígios de urbanismo e os respectivos serviços promovidos pelo Estado moderno demonstram, cabalmente, como mais de 70 mil pessoas não têm reconhecimento pleno de sua cidadania, vivem em condições lamentáveis e tornam-se alvo de adversidades por causas naturais, conflitos internos, ações demagógicas e discriminação social. O perigo ronda permanentemente, seja por desabamento ou picada de escorpião. A falta de privacidade pode ensejar assédio sexual por vizinhos ou desconhecidos. O desconforto é gritante para preparar a marmita na madrugada, dormir após a jornada de trabalho noturno ou permanecer acamado em caso de doença. Subir ou descer o morro é desafio constante, sendo mais penoso para crianças, gestantes, enfermos e idosos.

Há, certamente, outras dificuldades para a maioria absoluta de uma gente honesta que não consegue viver no espaço formal da mais bonita cidade brasileira porque está desempregada ou não tem rendimentos que cubram o custo de subsistência, apesar do trabalho duro na metrópole. Falta-lhes tudo no que se refere à modernidade e cidadania: urbanização, arborização, privacidade, iluminação pública, edificação sólida, título de propriedade, endereçamento, coleta de lixo, saneamento, boas escolas, ampla assistência médica, áreas de lazer, acessibilidade, policiamento e, sobretudo, segurança. Podem perder a vida a qualquer momento como vítimas de balas perdidas ou execução sumária por quadrilhas que desconfiarem de sua submissão às normas para manter a fortaleza no emaranhado de ruelas e barracos. Os últimos dias foram mais arriscados, porque o fogo cruzado entre bandidos e policiais poderia atingir qualquer pessoa. O mais doloroso para todas as famílias honestas é, certamente, o risco de que seus filhos sejam recrutados para o crime, comprometendo, definitivamente, seu futuro e extinguindo sua esperança de dias melhores.

O foco atual é a Rocinha, porque se trata do aglomerado em que houve explosão interna de violência. Ficou patente o péssimo tratamento conferido pelo Estado àquele local, bem como à parcela significativa da população brasileira, enquanto agentes públicos apropriam-se do patrimônio em benefício próprio e de seus apaniguados. Eles fazem, sobretudo, muita demagogia em milhares de favelas espalhadas pelo país, para construir redutos eleitorais. Não pretendem realizar planejamento estratégico para promover o desenvolvimento socioeconômico em perspectiva nacional. Isso demanda instrução com alta qualidade em que fique expressa a capacitação crítica de todos os cidadãos para cobrar políticas que os libertem de partidos e lideranças nocivas a projetos relacionados à democracia plena e modernidade.

O alerta de Nuh

Dia desses, lendo o Jakarta Post, deparei-me com uma singular declaração do Ministro da Educação e Cultura da Indonésia, Mohammad Nuh: "Dirijo-me às pessoas instruídas: não se envolvam em corrupção. Vocês conseguiram um elevado nível educacional e ainda querem ser corruptas? A corrupção é inadequada, especialmente para pessoas instruídas".

Talvez seja este o alerta que falta ao Brasil, país no qual as elites se divertem contando a conhecida piada segundo a qual, quando da Criação, o Brasil teria sido privilegiado com riquezas imensas e poupado dos desastres naturais que atingem outros países para compensar o "Zé Povinho" que seria colocado aqui.

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É realmente curioso: a falência moral do nosso país, invariavelmente administrado por pessoas do mais elevado quilate intelectual, é culpa do "Zé Povinho"! Fiquei a pensar na sabedoria secular do Padre Antônio Vieira, de cujos ensinamentos aparentemente se esqueceram nossos luminares.

Lá pelos idos de 1655, ao proferir o antológico "Sermão do Bom Ladrão", realizado na Igreja da Misericórdia de Lisboa, Conceição Velha, perante o Rei D. João IV e toda a sua corte, teve o Padre Vieira a coragem de disparar palavras firmes:

"Levarem os Reis consigo ao Paraíso ladrões, não só não é companhia indecente, mas ação tão gloriosa e verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei. Mas o que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levarem consigo os ladrões ao Paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno".

"O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera. Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos".

Decorridos já mais de 300 anos, continuam rigorosamente atuais as palavras daquele grande sacerdote. E com ele concluo: o culpado pela nossa falência moral não é o nosso pobre "Zé Povinho" - este, pelo contrário, é vítima.

Pedro Valls Feu Rosa