Somente nos primeiros 29 dias de setembro deste ano, foram 107 mil focos de queimadas, maior número registrado em um mês desde o início do monitoramento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), iniciado ainda em meados da década de 1980.
"São dezenas de milhares de focos de queimada por dia", revela Alberto Setzer, coordenador do programa de monitoramento de eueimadas do Inpe. "Em termos de ocorrência de fogo detectada por satélite, trata-se de um caso extremo", complementa o pesquisador.
Detentor do sistema de monitoramento de queimadas mais robusto do mundo, o Brasil agora sofre para apagar o fogo. Os alertas são resultado da vigilância ininterrupta de dez satélites, que geram 250 imagens por dia.
Elas mostram dezenas de unidades de conservação afetadas ou destruídas pelo fogo. O Parque Nacional do Xingu, por exemplo, está em chamas há mais de 30 dias. O estrago no Parque Nacional do Araguaia equivale a uma área duas vezes maior que a cidade de São Paulo. Cerca de 320 mil hectares foram perdidos – mais da metade da reserva, que tem 555 mil hectares de cerrado.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 20% das ocorrências vêm de territórios sob responsabilidade do governo federal. "Os demais 80% dos focos acontecem em terras particulares, ou de atuação do município e do estado", afirma Gabriel Constantino, chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).
Em 90% dos casos, o incêndio começa por ação humana. A permissão para o uso do fogo em propriedades particulares – geralmente para manutenção de pastagens – é dada pelo órgão estadual. O Ibama é responsável pelo combate em terras indígenas, quilombolas e assentamentos, e, atualmente, mil brigadistas atuam pelo órgão. As unidades de conservação – como o Parque Nacional do Araguaia –, por sua vez, são de competência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio).
Tanto o Ibama quanto Icmbio integram o o Ministério do Meio Ambiente, que, em abril deste ano teve sua verba cortada em 43% pelo governo federal. No entanto, segundo Constantino, a redução do orçamento não afetou a atuação do Prevfogo. "Todas as equipes estão em campo", afirma.
Embora seja a ação humana que inicie o fogo, ele atinge grandes proporções rapidamente, sai do controle e causa prejuízos devido às condições climáticas "favoráveis", de pouca chuva, baixa umidade do solo e vegetação mais seca.
"Podemos dizer que a má distribuição das chuvas no período chuvoso contribuíram", avalia Morgana Almeida, chefe da previsão do tempo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Como o solo não recebeu a recarga suficiente de água, a chegada do período com menor ocorrência de chuvas encontrou um solo mais seco que o normal.
"O Distrito Federal é um exemplo disso. O sudeste do Pará também apresentou um padrão similar, especialmente nos desvios de chuva nos meses de janeiro, abril e maio", cita alguns exemplos. É nessa região do Pará que está São Félix do Xingu, a cidade com maior número de focos de queimadas, segundo dados do Inpe.
"As chuvas não foram suficientes para recuperar o balanço das florestas. A vegetação se manteve seca e, por consequência, menos resistente ao fogo", pontua Constantino, do Prevfogo.
"Está sendo um ano climaticamente desfavorável, em que a população está desrespeitando a legislação irrestritamente e que as autoridades estão agindo muito aquém do que poderiam”, resume Setzer.
O cenário pode piorar num mundo mais quente – até o fim do século, a temperatura pode subir até 6°C no país, segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Com o avanço das mudanças climáticas, os períodos de seca devem se intensificar e, portanto, o risco dos incêndios florestais deve aumentar.
"O aumento da temperatura reduz as chuvas, o que pode elevar a incidência de queimada", diz Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de Sao Paulo (USP), especialista em mudanças climáticas.
Os modelos rodados em computadores que fazem as previsões, no entanto, ainda não são precisos. "Eles não conseguem prever bem como, onde e de que maneira vai chover. Então, não dá pra se ter um quadro muito claro em relação a incidência de queimada, embora a tendência seja de aumento", detalha Artaxo.
Mais difícil que lidar com a incerteza dos modelos, é prever o futuro das políticas públicas ambientais no Brasil, opina o pesquisador. "Elas foram muito enfraquecidas ao longo dos últimos dois anos. O Brasil firmou compromissos internacionais para reduzir emissões, mas parece ter se esquecido deles", diz Artaxo, apontando risco de o país não cumprir as metas assumidas no Acordo de Paris.
Por ser uma fonte considerável de emissão de gases estufa, que aceleram as mudanças climáticas, os incêndios em florestas tropicais entraram no radar dos projetos de cooperação do governo alemão. Desde 2012, a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) atua junto ao ministério brasileiro em ações de combate e manejo integrado do fogo em reservas ambientais.
"A parceria faz parte da Iniciativa Internacional do Clima lançada na Alemanha, e que financia projetos que combatam as mudanças climáticas", explica Michael Schulze, do GIZ. "O controle dos incêndios florestais reduz as emissões de CO2 e protege a biodiversidade", complementa.
Nos últimos cinco anos, o Brasil recebeu cerca de 45 milhões de reais (12,5 milhões de euros) em projetos de cooperação técnica e financeira – parte desse dinheiro ajudou a financiar novos equipamentos e veículos usados pelas equipes do Prevfogo do Ibama.
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