segunda-feira, 18 de junho de 2018

Renda básica universal: a última fronteira do Estado de bem-estar social

Os céus ameaçam tempestade. Os especialistas ainda não sabem se cairá com a suavidade de uma garoa ou a violência de um furacão, mas está chegando. Se demorará cinco anos ou uma década, mas está chegando. O homem terá de procurar abrigo sob novos sistemas de proteção social. Porque aqueles que existem são cada vez menos eficazes diante da desigualdade ou do desaparecimento de milhares de empregos por causa da robotização, da economia dos algoritmos e da inteligência artificial.

“Em vários países da OCDE, apenas uma em cada quatro pessoas que procuram trabalho recebe algum subsídio”, diz Herwig Immervoll, chefe de Políticas Sociais para o Emprego da organização que reúne as nações mais desenvolvidas do planeta. “Se deixarmos o mundo se movimentar à vontade, se não fizermos nada, cada vez haverá mais desigualdade. Devemos apoiar os perdedores da globalização de alguma forma”, adverte Federico Steinberg, principal pesquisador do think tank espanhol Real Instituto Elcano.

Sob este céu escuro começa o debate da Renda Básica Universal (RBU). Uma renda mínima que todas as pessoas receberiam “simplesmente” por existir. O discurso é poderoso e tem, claro, vantagens e ressalvas, mas também paladinos respeitáveis. Elon Musk, CEO da Tesla, Chris Hughes, cofundador do Facebook, e o prêmio Nobel de Economia Angus Deaton defendem esse caminho. Um abrigo contra a tempestade no qual muitos adivinham a nova fronteira do Estado de bem-estar social. Essa esperança percorre o mapa-múndi. Geografias tão diversas como Finlândia, Ontário (Canadá), Stockton (Califórnia), Barcelona, Quênia, Escócia, Utrecht (Holanda), Reino Unido, Itália e Índia já colocaram em funcionamento ou estão preparando programas-piloto de renda básica.

Essa expansão é uma resposta à necessidade de novas ideias para proteger milhões de seres humanos da desigualdade. “O Estado de Oregon impôs uma taxa às empresas que pagam aos seus CEOs cem vezes mais do que ao trabalhador”, diz Luca Paolini, estrategista-chefe da gestora Pictet AM. Esses “impostos sobre a desigualdade” poderiam ser um recurso. Mas outros defendem fórmulas mais ambiciosas. “A Renda Básica Universal pode ser uma ferramenta útil diante da desigualdade, mas isso não é o fim da história”, diz Branko Milanović, economista e professor da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland. “Para introduzir um instrumento desse tipo é necessário mudar o mecanismo de proteção social. Eles não podem ser financiados paralelamente. Devemos modificar a filosofia do sistema para deixar de pensar nele como um seguro e pensar como consequência da própria cidadania”.

“Demonstramos que é possível estabelecer um instrumento desse tipo no Reino Unido [que proporcionaria uma renda de 10.000 libras – cerca de 49.500 reais – por ano aos menores de 55 anos tributando as transações das grandes plataformas tecnológicas”, diz Anthony Painter, diretor de pesquisa da Royal Society of Arts (RSA). Um ajuste mais fino é o proposto pelo economista Geoff Crocker: “A RBU poderia ser projetada para reduzir a desigualdade se fosse distribuída de forma desigual. Mas alguns defensores argumentam que se o mesmo montante não for distribuído a todos, não é uma renda universal. Parece-me uma abordagem demasiado purista”, adverte.

Os críticos da proposta apelam à experiência e ao dinheiro. “Não existe nenhum país neste momento que a esteja aplicando, não há nenhuma prova sólida, prolongada no tempo e com caráter universal para introduzi-la”, critica Miguel Ángel Bernal, professor no Instituto de Estudos da Bolsa de Valores (IEB) da Espanha. “Um país cuja distribuição de renda tenha muitos ricos e poucos pobres poderia financiar uma renda universal. Mas as economias ocidentais não são assim. Sua distribuição tem um viés para rendas menores e, como resultado, um sistema dessa natureza necessitaria de impostos mais altos, causando problemas econômicos e políticos”, diz Nicholas Barr, professor de Economia Pública da London School of Economics. E conclui: “Uma RBU completa não é viável”.

Embora a ideia de uma renda básica tenha um tom de política de esquerda, a verdade é que também foi defendida por economistas e presidentes conservadores. Richard Nixon esteve perto de introduzir um sistema parecido quando foi presidente dos EUA e até organizações de centro-direita como o Instituto Adam Smith admitem sua validade. Outra coisa é o preço que exigem: desmantelar o resto do sistema de proteção social. O problema básico, claro, é o dinheiro. Como se financia? Quanto custa? Cada geografia é uma narrativa e cada modelo de renda é um personagem diferente. O cálculo para a Austrália, por exemplo, varia de 5% a 10% de sua riqueza. “É desafiador, mas possível”, reconhece no The Guardian John Quiggin, professor de economia da Universidade de Queensland.

Um dos projetos-piloto mais entusiasmantes acontece em Stockton. Uma cidade na Califórnia deprimida pela pobreza, violência de gangues, desemprego e sem-teto. Seu prefeito, Michael Tubbs, de 27 anos, o mais jovem dos EUA e o primeiro afro-americano a ocupar o posto na cidade, tem um palpite. Seu programa-piloto, que começará no outono, consiste em dar 500 dólares por mês a 100 famílias durante dois anos e avaliar os resultados. É a primeira cidade do país que testa a renda básica seguindo um modelo que parece se repetir em outros lugares como Barcelona ou a província canadense de Ontário: escolher um pequeno número de pessoas e verificar sua utilidade.

Na Itália, o Movimento Cinco Estrelas –a formação mais votada nas últimas eleições italianas– propõe uma renda de cidadania, mas com muitas ressalvas. “Não seria concedida pelo simples fato de ser cidadão, mas estaria vinculada aos níveis de renda, que teriam de ser inferiores a um determinado patamar e condicionada à participação em programas de formação para o emprego e voluntariado”, diz Silvia Meiattini especialista da instituição Analistas Financeiros Internacionais (AFI).

Desde janeiro de 2017, o Governo finlandês está testando uma renda básica com 2.000 desempregados com idades entre 25 e 58 anos. Eles recebem 560 euros por mês sem a obrigação de procurar emprego. Mas o Estado decidiu não prorrogar o experimento, que terminará em janeiro. Petteri Orpo, ministro das Finanças, disse ao Financial Times que essa renda incondicional torna as pessoas “passivas”. “Os voluntariosos finlandeses tentaram e, para sua surpresa e decepção, não conseguiram nada além de um caro ensinamento de como, invariavelmente, a natureza humana funciona”, critica o The Washington Post.

Mas nem todos acreditam que o desencanto é a força que paralisa essa ideia. Os economistas catalães Jordi Arcarons, Lluís Torrens e Daniel Raventós fazem estudos há anos para garantir que os números se ajustem. “É possível financiar uma renda básica na Espanha para toda a população [43,7 milhões de pessoas] e que seja igual à linha da pobreza [calculada para o país]”, observa Raventós. Isso implicaria em um pagamento garantido de 7.741 euros por ano (33.500 reais) para maiores de 18 anos e 1.494 euros (6.400 reais) para menores. O salário mínimo na Espanha é de 858 euros mensais (3.700 reais). Para financiar a RBU, os economistas propõem uma taxa única de 49% no imposto de renda: “Quem ganha mais financia mais e quem ganha menos recebe mais”. Cerca de 70% da população sai ganhando os 30% mais ricos saem perdendo.

Corrupção como medida de tudo

Não há dúvida de que a corrupção é um dos grandes males do País, há muitos anos. Também não há dúvida de que a Operação Lava Jato e suas congêneres, que vêm expondo de maneira crua a pilhagem do Estado por quadrilhas políticas e empresariais, contribuíram decisivamente para que os brasileiros se dessem conta do tamanho do problema e nutrissem verdadeira ojeriza pelos corruptos. No entanto, a luta contra a corrupção e as denúncias produzidas quase diariamente pela vanguarda dessa campanha acabaram por sequestrar a agenda nacional, de tal modo que os eleitores parecem hoje incapazes de refletir sobre os problemas do País sem vinculá-los de alguma maneira à corrupção – que, como consequência, se tornou a medida de todas as coisas.

Esse fenômeno ficou espantosamente claro em uma pesquisa nacional do Instituto Ipsos Public Affairs a respeito da reforma da Previdência. De acordo com o levantamento, 75% dos entrevistados consideram que “o maior problema da Previdência é a corrupção no sistema, que desvia seus recursos”. Apenas 15% entendem que o maior entrave do sistema previdenciário “é o modo como ele foi pensado e também o envelhecimento da população”.

Ou seja, a maioria dos brasileiros, a julgar por essa enquete, acredita que o galopante déficit da Previdência não existiria se não fosse a corrupção.


A resposta revela um grau tão absurdo de desconhecimento da realidade que só se pode concluir que os brasileiros em geral estão mesmo convencidos de que a corrupção é a fonte deste e de qualquer outro mal que assole o País.

Como mostram os dados publicados regularmente pelo governo e pela imprensa há muito tempo, a Previdência é deficitária porque o brasileiro se aposenta cedo demais e porque não há contribuintes em número suficiente para sustentar a aposentadoria de uma massa crescente de beneficiados – tudo isso sem mencionar privilégios desmedidos concedidos a determinados grupos.

Nada disso obviamente é fruto de corrupção, e sim de um sistema disfuncional construído a partir de deliberações conscientes dos representantes do povo, tudo com amplo respaldo democrático. Ao atribuir a “corruptos” um problema que é, em grande medida, dos próprios eleitores – a escolha de candidatos de triste fama –, os entrevistados parecem ter encontrado uma maneira de transferir sua responsabilidade cidadã a terceiros, devidamente caracterizados como ladrões de dinheiro público. Ou seja: se não fosse a corrupção, tudo funcionaria bem.

Basta notar que, para 51% dos entrevistados, o modelo de Previdência atual “é sustentável, ou seja, pode continuar da mesma forma por muitos anos”. E, mais espantoso ainda, 52% dos entrevistados com curso superior entendem que o sistema vai bem e não precisa mudar. Ou seja, não se pode alegar ignorância, pois se supõe que os entrevistados nessa faixa socioeconômica tenham amplo acesso às informações necessárias para embasar sua opinião.

Assim, fica muito claro que uma parte considerável dos brasileiros, inclusive os supostamente mais esclarecidos, está convencida de que é a corrupção que inviabiliza o País, e não as escolhas malfeitas, tanto nas urnas como na administração do Estado. Não é uma situação de todo surpreendente, ante a desmoralização completa da política em razão do denuncismo que tão bem caracteriza o trabalho de uma parte da força-tarefa da Lava Jato e que ganha manchetes escandalosas dia e noite.

A transformação da corrupção em régua que mede todos os recantos da vida nacional, conveniente tanto para os jacobinos que pretendem destruir a política tradicional como para os eleitores que preferem respostas fáceis para problemas difíceis, está na raiz da indisposição generalizada no Brasil com tudo o que diz respeito ao governo, aos políticos e às próximas eleições – decisivas para o futuro do País. Sempre que os brasileiros foram às urnas para eleger não um presidente da República, e sim um campeão contra a corrupção – Jânio Quadros e Fernando Collor, por exemplo –, os resultados foram nada menos que desastrosos. Mais do que nunca, é preciso impedir que a histeria anticorrupção governe o País.

Gente fora do mapa

Steve Mc Curry

Versos áureos

Entre os ensinamentos morais que não deveriam faltar na mesa de um homem de poder, ou de quem tem apreço a si e à humanidade, estão os “Versos Áureos”, de Pitágoras. Confesso que muitas vezes me esqueço de consultá-los e, assim, afundo-me mais dentro de meus erros. É sempre bom lembrá-los antes de uma decisão.
Aos deuses, segundo as leis, presta justas homenagens; respeita a palavra dada, os heróis e os sábios; honra teus pais, teus reis, teus benfeitores; escolhe para teus amigos os melhores dos homens; sê obsequioso, sê fácil nos negócios; não odeies teu amigo por faltas leves; serve com teu poder à causa do bom direito; quem faz tudo o que pode faz tudo o que deve.
Sabe reprimir, como um mestre severo, o apetite e o sono, Vênus e a cólera.
Não peques contra a honra nem de longe, nem de perto. E só sê juiz severo de ti mesmo; sê justo em ações, e não em palavras; não ofereças pretextos frívolos ao mal.
A sorte não enriquece, ela pode empobrecer-nos. Fracos ou poderosos, devemos todos morrer.
Não sejas refratário a tua dor, aceita-a; aceita o remédio útil e salutar e sabe que os homens virtuosos são os menos infelizes dos mortais aflitos; que teu coração se resigne aos injustos colóquios (à calúnia).
Deixa falar o mundo e segue sempre teu caminho, mas não faças nada levado pelo exemplo que seja sem retidão e sem utilidade.
Faze caminhar à frente o conselho que te aclara para que a obscuridade não venha atrás.
A tolice é sempre a maior das desgraças; não faças nada sem saber, sê cioso para aprender. Dá ao estudo um tempo que a felicidade deverá retribuir.
Não sejas negligente em cuidar de tua saúde e toma o necessário com sobriedade; tudo o que não pode prejudicar é permitido na vida.
Sê elegante e puro sem excitar a inveja; foge à negligência e ao fausto insolente; o luxo mais simples é o excelente.
Não procedas sem pensar no que vais fazer e reflete, à noite, sobre toda a tua jornada: “O que fiz”, “o que ouvi”, “o que devo lastimar”.
Por essa via de justiça divina, assim tu poderás escalar a excelência.
Dispensam comentários.

Brasil estreia em estádio de R$ 1 bi cercado por barracos, ratos e ruínas de incêndio

Em Rostov-on-Don, onde o Brasil estreou na Copa do Mundo da Rússia, neste domingo, pelo menos dez quadras em ruínas, com barracos de madeira e muito lixo separam o principal ponto de encontro de torcedores da imponente arena Rostov, uma estrutura de vidro e metal de 51 metros, o equivalente a 16 andares, construída especialmente para o evento por 19,8 bilhões de rublos, ou R$ 1 bilhão.

Esta reportagem começa por acaso, quando a BBC News Brasil chega à cidade portuária e, após perceber que não conseguiria almoçar na Fifa Fan Fest - onde as opções se resumem a cachorro-quente, pipoca, hambúrguer, refrigerante e cerveja - e decide buscar um restaurante local.

Sem registro oficial na prefeitura, moradias não têm saneamento
 nem infraestrutura (Ricardo Senra/BBC News Brasil)


O mapa mostra que a caminhada até a beira do rio Don, cartão postal da cidade, levaria menos de 15 minutos. Mas, após menos de 100 metros, este repórter percebe que não encontrará restaurantes ou lanchonetes - nem esgoto tratado ou água encanada existem na maioria das casas do local.

Se no cercadinho oficial da Fifa há telas gigantes de led, pufs com gosto duvidoso em formato de bola de futebol, espaços climatizados para proteger convidados do calor de 34 graus e centenas de torcedores acompanhando jogos e shows em telões barulhentos, os quarteirões seguintes são marcados por silêncio e destruição.

Nas ruas praticamente desertas, idosos com as costas curvadas carregam baldes cheios em torneiras enferrujadas que aparecem em algumas esquinas.

Ratos cruzam o asfalto por onde mato e lixo avançam - não há calçadas na maioria das vias.

Pilhas de pontas de cigarro barato, pequenas garrafas de vodca e de pulugar - uma espécie de fermentado milenar conhecido como "vinho de pão" - se acumulam em canteiros, evidenciando o desafio que Rússia enfrenta com o alcoolismo.

Estima-se que 10 litros de álcool puro são consumidos anualmente por habitante na Rússia e três em cada 10 homens morrem por causas ligadas a bebida.

Antigos prédios soviéticos, onde, em alguns casos, diferentes famílias compartilham o mesmo teto até hoje, convivem com ruínas de antigas chamuscadas, telhados destruídos e entulho.

Se, poucos quarteirões acima, turistas brasileiros e suíços desfilam animados com camisas de times e sacolas de compras, aqui homens e mulheres empurram carrinhos de construção com latas de tinta e tijolos de barro - é fim de semana, mas estes russos estão em jornada dupla tentando reformar casas simples, depois da semana pesada de trabalho em fábricas de construção naval, farinha, produtos agrícolas e comércio.


As reformas tentam cobrir marcas de fogo que se espalham por toda parte. Mais tarde a reportagem consegue entender por quê.

Rostov-on-Don fica no sudoeste russo, a 1.100 kilômetros de Moscou, em direção à tensa fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, palco de conflitos militares recentes.

Desde o século 18, o local é um dos mais importantes centros comerciais do sul da Rússia, graças à posição estratégica à beira do rio, ligando o mar de Azov ao Cáucaso - região rica em minérios e petróleo que inclui o sul russo, a Geórgia, a Armênia e Azerbaijão.

Diferente de grandes centros como Moscou e São Petersburgo, grandes cidades internacionais semelhantes às principais capitais ocidentais em termos de infraestrutura, Rostov-on-Don não está acostumada a receber turistas - muito menos estrangeiros.

Se na capital russa não é simples encontrar alguém que fale inglês, em Rostov a tarefa é quase impossível.

Para entender o que se passa no bairro pobre, a reportagem recorre a um aplicativo de tradução no celular.

Em um diálogo silencioso, delicado e triste, em que repórter e moradores se comunicam por mímica, expressões faciais e digitam perguntas e respostas em seus respectivos idiomas, a primeira descoberta sobre o local: o bairro é historicamente conhecido na região como Govnyarka, algo como "vizinhança fedida".

A poucos metros de avenidas reconstruídas para a Copa, com praças bem cuidadas e comércio em shoppings de vidro, as quadras precárias por onde a BBC News caminha correspondem ao centro antigo da cidade, onde estivadores, migrantes pobres, alcoólatras e desempregados convivem em ocupações e casebres com moradores de classe média há pelo menos um século.

Situadas em uma área central alvo de forte especulação imobiliária, próxima a teatros, com vista para o estádio, boa parte das moradias aqui são ilegais - algo semelhante aos barracos das favelas brasileiras ou a prédios ocupados em cidades como São Paulo.

As moradias não têm registro oficial nas prefeituras, portanto tampouco contam com infraestrutura e serviços públicos como saneamento.

"Só as ruas centrais e importantes estão em ordem", digita uma moradora no aplicativo de traduções. "O distrito antigo continua como sempre esteve. O governo não fez nada aqui para a Copa e estão todos como sempre viveram, apodrecendo."

Uma busca no Google por Govnyarka, termo recém-descoberto, finalmente explica as ruínas e marcas de fogo nas casas de alvenaria que restaram.

Em 2017, em meio às reformas para a Copa do Mundo, à construção do estádio e com o mercado aquecido por investidores de outros estados em busca de lucros com os turistas, um incêndio sem precedentes destruiu parte do bairro central, considerado por muitos um "câncer" no coração turístico da cidade.

O vulcão social

Os geofísicos ensinam que a fusão de rochas com materiais voláteis, submetidas a uma temperatura que pode chegar aos 1500º C, resulta em magma, substância existente no interior da terra em uma profundidade entre 15 a 1500 kms. Nas últimas semanas, contemplamos essa massa avermelhada de um vulcão na Guatemala, América Central, correndo por encostas, cobrindo cidades de fogo e cinzas e deixando um grande saldo de mortos e desaparecidos.

A imagem nos remete a uma leve sensação de conforto pelo fato de o Brasil não ter vulcões em atividade. Não significa que estamos imunes às desgraças por outros fatores. Nossa cultura política, por exemplo, é fonte de desvios e curvas que tiram o país de seu rumo civilizatório. Nem bem saímos da pior recessão da história, sob a sombra de reformas para recolocar o trem nos trilhos, eis que o pessimismo volta a abater o ânimo.


Apesar do alerta do ex-presidente Fernando Henrique (em seus tempos de mando) de que “não podemos cair no catastrofismo”, o futuro é tão sombrio que não há como escapar à ideia de magmas em formação subindo à superfície para explodir na erupção de um vulcão social, caso se eleja este ano um perfil de extrema direita ou esquerda. A sugestão do próprio FHC de se arrumar consenso em torno de Marina Silva (Rede) não resiste à evidente inferência de que essa figura pacata não reúne condições para enfrentar a real politik. Seria tragada pelo tufão político.

Voltemos aos extremos. O espírito beligerante de Jair Bolsonaro, caso eleito, levaria o país para uma posição de continuados conflitos. Estabeleceria de imediato a disputa de “cabo-de-guerra” entre militantes, com arengas e querelas expandindo posições radicais e envolvendo classes sociais em confrontos nas ruas e no Congresso. A ingovernabilidade ganharia corpo, o clima social sob a ameaça de um rastilho de pólvora. Os bolsonarianos gostariam de acender o pavio. O vulcão entraria em erupção diante de gestos tresloucados do governante.

Do outro lado, eventual perfil representando correntes de esquerda reforçaria o refrão do apartheid social, “nós e eles”, que o PT continua a brandir em suas mensagens e expressões de seus porta-vozes – Lula, Gleisi, Lindberg Faria, entre os principais. Para montar firme na sela do cavalo, o eleito não deixaria brechas: encheria a máquina governamental de radicais e enfiaria o Estado na estrutura partidária. Todos os cantinhos seriam reocupados no projeto de poder de 20 anos, com juros e correção monetária cobrados do impeachment de Dilma. Teríamos a amarração da sociedade ao Estado forte.

O país está dividido. E a hipótese de harmonia social não passa de lorota expressa pelas extremidades. O que se vê na linguagem de militantes nas redes sociais é a destilação de ódio, infâmias, acusações pesadas e enaltecimento das ditaduras. O Brasil volta a sofrer a síndrome de Sísifo, o condenado pelos deuses a depositar a pedra no cume da montanha, tarefa que tenta executar por toda a eternidade.

Gaudêncio Torquato