segunda-feira, 18 de junho de 2018

Brasil estreia em estádio de R$ 1 bi cercado por barracos, ratos e ruínas de incêndio

Em Rostov-on-Don, onde o Brasil estreou na Copa do Mundo da Rússia, neste domingo, pelo menos dez quadras em ruínas, com barracos de madeira e muito lixo separam o principal ponto de encontro de torcedores da imponente arena Rostov, uma estrutura de vidro e metal de 51 metros, o equivalente a 16 andares, construída especialmente para o evento por 19,8 bilhões de rublos, ou R$ 1 bilhão.

Esta reportagem começa por acaso, quando a BBC News Brasil chega à cidade portuária e, após perceber que não conseguiria almoçar na Fifa Fan Fest - onde as opções se resumem a cachorro-quente, pipoca, hambúrguer, refrigerante e cerveja - e decide buscar um restaurante local.

Sem registro oficial na prefeitura, moradias não têm saneamento
 nem infraestrutura (Ricardo Senra/BBC News Brasil)


O mapa mostra que a caminhada até a beira do rio Don, cartão postal da cidade, levaria menos de 15 minutos. Mas, após menos de 100 metros, este repórter percebe que não encontrará restaurantes ou lanchonetes - nem esgoto tratado ou água encanada existem na maioria das casas do local.

Se no cercadinho oficial da Fifa há telas gigantes de led, pufs com gosto duvidoso em formato de bola de futebol, espaços climatizados para proteger convidados do calor de 34 graus e centenas de torcedores acompanhando jogos e shows em telões barulhentos, os quarteirões seguintes são marcados por silêncio e destruição.

Nas ruas praticamente desertas, idosos com as costas curvadas carregam baldes cheios em torneiras enferrujadas que aparecem em algumas esquinas.

Ratos cruzam o asfalto por onde mato e lixo avançam - não há calçadas na maioria das vias.

Pilhas de pontas de cigarro barato, pequenas garrafas de vodca e de pulugar - uma espécie de fermentado milenar conhecido como "vinho de pão" - se acumulam em canteiros, evidenciando o desafio que Rússia enfrenta com o alcoolismo.

Estima-se que 10 litros de álcool puro são consumidos anualmente por habitante na Rússia e três em cada 10 homens morrem por causas ligadas a bebida.

Antigos prédios soviéticos, onde, em alguns casos, diferentes famílias compartilham o mesmo teto até hoje, convivem com ruínas de antigas chamuscadas, telhados destruídos e entulho.

Se, poucos quarteirões acima, turistas brasileiros e suíços desfilam animados com camisas de times e sacolas de compras, aqui homens e mulheres empurram carrinhos de construção com latas de tinta e tijolos de barro - é fim de semana, mas estes russos estão em jornada dupla tentando reformar casas simples, depois da semana pesada de trabalho em fábricas de construção naval, farinha, produtos agrícolas e comércio.


As reformas tentam cobrir marcas de fogo que se espalham por toda parte. Mais tarde a reportagem consegue entender por quê.

Rostov-on-Don fica no sudoeste russo, a 1.100 kilômetros de Moscou, em direção à tensa fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, palco de conflitos militares recentes.

Desde o século 18, o local é um dos mais importantes centros comerciais do sul da Rússia, graças à posição estratégica à beira do rio, ligando o mar de Azov ao Cáucaso - região rica em minérios e petróleo que inclui o sul russo, a Geórgia, a Armênia e Azerbaijão.

Diferente de grandes centros como Moscou e São Petersburgo, grandes cidades internacionais semelhantes às principais capitais ocidentais em termos de infraestrutura, Rostov-on-Don não está acostumada a receber turistas - muito menos estrangeiros.

Se na capital russa não é simples encontrar alguém que fale inglês, em Rostov a tarefa é quase impossível.

Para entender o que se passa no bairro pobre, a reportagem recorre a um aplicativo de tradução no celular.

Em um diálogo silencioso, delicado e triste, em que repórter e moradores se comunicam por mímica, expressões faciais e digitam perguntas e respostas em seus respectivos idiomas, a primeira descoberta sobre o local: o bairro é historicamente conhecido na região como Govnyarka, algo como "vizinhança fedida".

A poucos metros de avenidas reconstruídas para a Copa, com praças bem cuidadas e comércio em shoppings de vidro, as quadras precárias por onde a BBC News caminha correspondem ao centro antigo da cidade, onde estivadores, migrantes pobres, alcoólatras e desempregados convivem em ocupações e casebres com moradores de classe média há pelo menos um século.

Situadas em uma área central alvo de forte especulação imobiliária, próxima a teatros, com vista para o estádio, boa parte das moradias aqui são ilegais - algo semelhante aos barracos das favelas brasileiras ou a prédios ocupados em cidades como São Paulo.

As moradias não têm registro oficial nas prefeituras, portanto tampouco contam com infraestrutura e serviços públicos como saneamento.

"Só as ruas centrais e importantes estão em ordem", digita uma moradora no aplicativo de traduções. "O distrito antigo continua como sempre esteve. O governo não fez nada aqui para a Copa e estão todos como sempre viveram, apodrecendo."

Uma busca no Google por Govnyarka, termo recém-descoberto, finalmente explica as ruínas e marcas de fogo nas casas de alvenaria que restaram.

Em 2017, em meio às reformas para a Copa do Mundo, à construção do estádio e com o mercado aquecido por investidores de outros estados em busca de lucros com os turistas, um incêndio sem precedentes destruiu parte do bairro central, considerado por muitos um "câncer" no coração turístico da cidade.

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