sexta-feira, 8 de junho de 2018

Brasil de hoje


Espectro eleitoral

O ex-presidente Lula criou um novo modelo de prisão no Brasil — ao menos para ele. Num país em que presidiários se amontoam em celas superlotadas, o petista é hóspede, há dois meses, em uma sala-cela preparada sob medida. O espaço de 15 metros quadrados, improvisado na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, tem cama, mesa, televisão de plasma, chuveiro com água quente (o que é considerado uma regalia no sistema carcerário nacional) e até uma esteira ergométrica para o petista manter a forma física. Faltou um frigobar, que Lula chegou a pedir, mas a Justiça achou que aí já era demais. A negativa não impediu novos pleitos fora de qualquer padrão penitenciário. A defesa do petista solicitou, na última segunda-feira 4, autorização para transformar a cela em um estúdio: quer que, de lá, ele possa gravar vídeos para a sua “campanha eleitoral”.

Dito ontem, o que diria hoje?

É possível sustentar com alguma aparência de exatidão que a imprensa de hoje mata a leitura e a leitura mata o pensamento
Lin Yutang

O mistério da ficha que não cai

Sabe aquela ficha que você insere na fenda adequada e volta para a sua mão por haver seguido percurso errado? Pois é. Lembrei-me muito dela ao acompanhar os recentes acontecimentos nacionais. Passavam-se os dias, a vida tornou-se uma verdadeira sala de aula, a conta crescia e a ficha era devolvida. Aliás, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, etc., etc.. Mas a ficha ainda não caiu. “E agora, José?”, perguntaria novamente Drummond.

A aritmética financeira do Estado é muito simples porque o bem-amado ente político que denominamos Estado só tem um bolso, o do cidadão. Mediante uma sutileza chamada imposto, em vez de nos punguear diretamente, ele nos obriga a lhe entregar dinheiro. Nesses atos – não sem certo sarcasmo - os cidadãos recebem do erário o gratificante e honroso título de “contribuintes”. Contribuintes das cotidianas coletas coercitivas organizadas nos diversos níveis do assim chamado poder público (outro sarcasmo da linguagem política), desta feita aplicado a si mesmo.


Sendo tão simples a aritmética oficial, se quem manda gasta e quem obedece paga, parece inacreditável que a maior parte da população não demonstre qualquer interesse em protestar contra os gastos do Estado. Obviamente, é a despesa pública que determina quanto tempo por mês trabalharemos para o Estado. Imposto é o preço da vida civilizada, disse alguém, e é também o preço do gasto público, complemento eu. Tudo piora quando o lado perdulário dessa relação perde o controle e começa a pedir dinheiro emprestado. Nessas circunstâncias, muitos “contribuintes” passam a imaginar que o aumento da despesa não está impactando os impostos que paga. É como se se tratasse um dinheiro novo, que logo ali adiante, salgado pelos juros, não fosse buscado nos bolsos de sempre. Nessas horas, não faltam vozes para exigir "auditorias", ou pregar calote.

Gasto, déficits e empréstimos, por essas forças inexoráveis do destino, têm que ser pagos. Greves com reivindicação salarial, subsídios públicos, custeio de empresas estatais, luxos e mordomias, obras suntuosas e supérfluas como as da Copa e dos Jogos Olímpicos, penduricalhos de categorias funcionais e toda a despesa incumbida ao Estado oneram o lado pagador dessa relação. Mesmo assim, nunca falta quem se perfile ao lado da criação de tais contas e por elas pressionem como exigências da justiça e dos mais nobres impulsos do coração humano. Onde estavam tais vozes enquanto a Petrobras era saqueada e o preço do combustível usado para proselitismo eleitoral?

Deveria ser o povo, então, o primeiro a se insurgir contra novas despesas, especialmente as não virtuosas, contra a irresponsabilidade fiscal e contra a velha prática de conceder benefícios a alguns à custa de todos. De longa observação, e com raras exceções, a atribuição de qualquer ônus ao poder público se faz em meio a ruidosos e incompreensíveis aplausos.

Fala-se muito, nestes dias, em reduzir impostos, como se o Estado estivesse entesourado ou entesourando. E se deixa de lado o gasto público em seu longo e persistente crescimento. O diabo da ficha não cai!
Percival Puggina

Vampiros do povo

Foi o fracasso administrativo, econômico e ético dos governos Dilma e Temer que abriu espaço para um Jair Bolsonaro. Ou algum aventureiro que ainda apareça.

Os culpados pela desilusão popular que se transformou em ódio aos políticos são eles mesmos. Enquanto o governo corta dinheiro do SUS e da educação, não se tem noticia de um mínimo gesto de qualquer um dos Três Poderes, para diminuir suas despesas que afrontam a penúria popular.


Parlamentares, magistrados, altos funcionários não têm vergonha de aumentar os gastos públicos para seu próprio beneficio, mesmo durante uma das maiores crises de nossa história, provocada por um desastre econômico combinado a uma corrupção sistêmica, e protagonizado por políticos e funcionários, com o beneplácito ou a inação do Judiciário.

Quem decide os salários e vantagens dos parlamentares ? Eles mesmos.

Quem fixa os vencimentos e bônus dos juízes? Eles mesmos.

E do governo central? Eles mesmos.

O que são essas bonificações por “triênios”, “licença-prêmio” e outras bandalhas que juízes e o funcionalismo abocanham com a ajuda dos políticos? O cara ganha uma bonificação porque cumpre o seu dever ? Mas não é sua obrigação ? Não é seu contrato, que justifica o salário que recebe ? Aqui qualquer funcionário mequetrefe tem carro e motorista. Já os ministros da Suprema Corte americana andam de táxi ou de metrô. Aqui, castigo de juiz ladrão é aposentadoria com salário integral. E o CNJ não se envergonha?

O dinheiro que cada cidadão paga ao Estado parece uma abstração, números, mas é fruto de trabalho, de horas e dias e meses de esforço, de chateação, de repetição, de calor e de frio, de dor e suor. De tempo de vida! Para sustentar a boa vida dessa gente?

Vou votar em quem não só prometa, mas mostre como fará, assuma o compromisso público de acabar com todas essas vantagens bilionárias e indecentes que beneficiam os Três Poderes. Antes de qualquer coisa, de planos de governo, de projetos grandiosos, de grandes ações sociais.

Seria a prova constitucional de que todos os cidadãos são iguais perante a lei na hora de pagar a conta.

Pensamento do Dia


Que pensam os eleitores?

A poucos meses da próxima eleição, quase não se têm indicações do que pensam os eleitores, do que desejam para suas cidades, para o País, que futuro esperam para seus filhos. As poucas aspirações em pesquisas sugerem o “fim da violência”, renda menos desigual, por aí. E os candidatos, o que eles dizem, de modo geral? E os jornalistas, de que tratam?

A memória dá um salto de mais de meio século para trás, quando o autor destas linhas começava sua vida no jornalismo como redator (hoje seria copidesque) na então Folha da Manhã, antecessora da Folha de S.Paulo. Um dia, o então secretário do jornal, Mário de Araújo Lôbo – competente, extremamente ético –, pediu que reescrevesse a matéria de um repórter sobre um homem de menos de 40 anos que, desempregado havia muito tempo, sem conseguir sustentar a família, matara a mulher e os filhos pequenos e, com a última bala do revólver, se suicidara. Lôbo escreveu no novo texto as indicações para a oficina do jornal: “uma coluna, página 14”. Indagado por que publicava uma notícia como aquela sem nenhum destaque, perdida numa página interna, ele perguntou: “Você faria o quê?”. A resposta foi imediata: “Daria na primeira página, com muito destaque”. E ele: “Há alguns anos fiz o que você está sugerindo, publiquei uma notícia semelhante na primeira página, com destaque. Nos dias que se seguiram apareceram várias notícias de chefes de família desempregados e desesperados que mataram a família e se suicidaram. Não tenho como saber se algum deles encontrou no jornal o seu caminho; mas não tenho coragem de publicar outras notícias como essa na primeira página, chamar a atenção para o desfecho terrível. Então, faço isso, publico em página interna, sem nenhum destaque. Se alguém tiver outra solução que me indique”.

Encerrado o expediente daquela noite, conversamos longamente sobre o assunto. Lôbo enfatizava que jornalistas muito raramente discutiam a questão de sua responsabilidade pessoal nas notícias que apuravam e publicavam; notícias que poderiam apontar caminhos pessoais e sociais para os leitores – responsabilidade que não era apenas dos editores ou do jornal, era também de quem apurava o fato e o reproduzia na medida de suas crenças pessoais, responsabilidades e possibilidades no órgão onde trabalhava.


Hoje, o que fazem ou deveriam fazer os jornalistas no universo caótico, violento, que nos cerca, no mundo, no País, na nossa cidade? Têm autonomia para reproduzir tudo? Perguntam-se a si mesmos quais seriam as consequências? Discutem com seus chefes? Sentem a consciência pesando em certas circunstâncias – que pensamos do fato de termos no País mais de 12 milhões de desempregados? De termos mais de 11 milhões de jovens “nem-nem”, que não estudam nem trabalham, que futuro os aguarda? Da iníqua distribuição de renda no País; já com uma taxa de homicídios em torno de 30 por 100 mil pessoas – altamente concentrada numa minoria exígua? A que atribuem a progressão da violência no País? Como veem o crescimento desenfreado das cidades, atendendo quase apenas aos interesses de loteadores e construtores? Se puderem manifestar-se, que dirão das nossas horripilantes taxas de homicídios (mais de 60 mil mortes por ano) – a que as atribuirão? E a fome diária de 23 milhões de pessoas, estampada na comunicação? Alguém está preocupado em dar-lhe solução? E para os 6,9 milhões de pessoas sem casa nenhuma, própria ou alugada? Para os 12,6 milhões de desempregados e em busca de trabalho? Para mais de cinco mortes em acidentes de trabalho a cada dia? Enquanto isso, o desperdício de comida aqui e em toda parte chega a 1,3 bilhão de toneladas diárias.

Há quem pense que o poder público possa resolver boa parte, pelo menos, dessas dramas. Mas como fará antes para saldar a dívida pública nacional (da União, dos Estados e municípios), que está em mais de R$ 5 trilhões pela primeira vez, ou 75,9% do produto interno bruto (Estado, 31/5). Passaremos todos a trabalhar em dobro? Ou vai-se promover uma redistribuição da renda? Como, se hoje as projeções indicam que o produto interno bruto do País – para o qual se projetava no começo do ano um crescimento acima de 4% – crescerá somente, segundo os mais otimistas, 2% ou pouco mais (Estado, 17/5).

Tudo isso a sociedade precisaria estar discutindo com os candidatos às próximas eleições. Não basta dizer que se é contra a corrupção Nem informar apenas que “é preciso reformar a Previdência”. Que se vai fazer diante da espantosa diferença entre os índices mais altos para a aposentadoria no setor público e muito mais baixos para o setor privado? Que razões justificam isso? Mas é preciso, ao discutir com os candidatos, estar preparado para contrapor razões. Nesse e em outros temas. Um dos mais urgentes é a nossa dependência quase total do sistema rodoviário para passageiros e cargas. Num Estado como Goiás, por exemplo, a queda no transporte de cargas por ferrovias continua muito forte, menos 40% em cinco anos – quando um maquinista pode transportar carga equivalente à levada por 200 caminhoneiros.

O modelo embutido em quase toda a nossa comunicação subentende que a imensa maioria dos nossos meios de informação ou divulgação difunde as notícias que atendem apenas aos seus critérios, sem cogitar do que pensa o seu público e cada um de seus integrantes. Esse modelo de mão única, evidentemente, implica muitas consequências negativas, a começar por não contribuir para formar uma opinião pública que se fortalece e uma consciência social desejável, que faça avançar o desenvolvimento social.

Nosso crescimento social dependerá muito do avanço nas duas direções: uma consciência maior do público que é informado e que, nessa medida, apoie uma comunicação que contribua para o avanço real do País e de todos o cidadãos.

Os 40 milhões de descontentes vão decidir a eleição

A informação mais importante reiterada pelas pesquisas sobre a eleição de outubro vem sendo subestimada pela imprensa e negligenciada pelos candidatos: cerca de 40% dos eleitores pretendem abster-se, anular o voto ou votar em branco.

Ou seja: quase 50 milhões de brasileiros não se sentem representados por nenhum dos participantes da corrida rumo ao Planalto. Essa imensidão de descontentes habita um país que a Lava Jato mudou para melhor.

Os candidatos seguem vivendo num Brasil que vai morrendo de velhice. Quem se mostrar, ao longo da campanha, mais afinado com o Brasil novo atrairá um contingente de insatisfeitos suficientemente numeroso para decidir a eleição.

Em dois meses, a prisão de Lula caiu na rotina

Ninguém notou, exceto os devotos. Mas fez aniversário de dois meses a estreia de um espetáculo novo na política brasileira: a prisão de Lula. No início, houve sacolejos e estardalhaço. Mas a cana do líder político mais popular desde Getúlio Vargas caiu na rotina. Nada mais saudável. Consolida-se no Brasil uma prática civilizatória. O Estado passou a investigar, punir e encarcerar personagens da oligarquia política que se comportavam como se estivessem acima da lei.

Imaginou-se que Lula não seria condenado. Sergio Moro condenou. Duvidava-se que o TRF-4 fosse confirmar a sentença. O tribunal elevou a pena. Apostava-se que o STJ ou o STF dariam um jeito de evitar o encerceramento. E nada. A Lava Jato saiu invicta. Sem nenhum tremor popular ou convulsão social, a lei vai sendo cumprida.

Lula se diz perseguido. O PT o chama de preso político. Mas também estão na cadeia estrelas do MDB, como Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima. Acaba de ser preso o tucano Eduardo Azeredo. Quem não foi passado na tranca aguarda na fila. Michel Temer é virado do avesso pela Polícia Federal. Aécio Neves é empurrado para fora das urnas por nove inquéritos criminais. Antes, os oligarcas perguntavam: “Onde é que isso vai parar?” Hoje, a plateia cobra: “Quando serão presos os outros?” O problema não foi resolvido. Longe disso. Mas ficou mais arriscado praticar corrupção no Brasil.