segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O fascismo fake

Roger Waters foi vaiado em São Paulo ao acusar Bolsonaro de fascismo. Houve aplausos também. No show seguinte, o cantor inglês substituiu a referência ao candidato no telão por uma tarja com as palavras “ponto de vista político censurado”.

Roger Waters é fake news.

Ninguém censurou a pantomima do ex-líder do Pink Floyd. É típico do totalitário em pele progressista o horror ao contraditório. Ele sonha com uma plateia dócil e disposta a tietar incondicionalmente a sua demagogia barata. Waters quer boiar sozinho nas águas da propaganda populista e sonha calar quem ousa apontar o seu ridículo.

Nem dá para afirmar que as vaias em São Paulo sejam necessariamente de simpatizantes de Bolsonaro. Muitas vezes um hipócrita é vaiado apenas e tão-somente por sua hipocrisia. Uma parcela das vaias certamente poderia ser traduzida por algo como: “Companheiro, cadê sua indignação contra a ditadura sanguinária da Venezuela?”

Podem esperar sentados. O autoritarismo, a violência e a desumanidade de Nicolás Maduro não sensibilizam Roger Waters. Pelo singelo motivo de que isso estraga sua lenda de combatente contra a direita perversa. Onde o inimigo perfeito não existir, ele inventa. Mas a boçalidade de Maduro tem adereços “de esquerda”, então está liberada.

Pode descer a lenha, companheiro chavista, que Pink, o pacifista, libera.

O astro justiceiro também foi uma gracinha com a delinquência de Dilma Rousseff, emergindo contra o impeachment para colar seu selo fascista Tabajara no mordomo. O povo roubado e aviltado pela falsa propaganda progressista do PT nunca preocupou o Roger. Importante é a solidariedade aos sócios de picaretagem politicamente correta.

Você já entendeu: a estrela pop do clássico “The Wall” é Haddad, a candidatura que fará bem à Humanidade por ter sido ungida dentro da cadeia, onde a bondade, o humanismo e a ética ficam muito bem guardados por carcereiros vigilantes, grades intransponíveis e muros altos. Bota “Wall” nisso, parceiro.

O PT como salvação democrática é a invenção da década. Jornalistas que vivem como eternas viúvas da ditadura militar, cuidando com esmero do seu figurino de resistência contra a opressão do século passado, aproveitaram a onda do fascismo Tabajara para ressalvar corajosamente: o PT sempre respeitou a democracia!

É verdade. A não ser quando o partido estava usando o Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público para blindar o maior assalto da história – que só não saiu impune porque a Lava Jato explodiu parte dessa aparelhagem.

A reverência do PT à democracia também tirou uma folguinha quando os companheiros usaram dinheiro do povo para financiar ditaduras amigas. Ou quando tentaram obstruir a Justiça de dentro do Palácio do Planalto para que seus marqueteiros presos não entregassem a presidenta mulher. Ou quando planejaram a fuga de criminoso condenado, ou quando transformaram a maior empresa nacional em anexo do partido, ou quando tentaram controlar a imprensa fingindo proteger os direitos humanos, ou quando incentivaram a violência do MST contra pessoas e instituições, ou quando mataram Celso Daniel.

Fora isso e mais uma ou outra centena de afrontas ao estado de direito, o PT sempre foi democrático. Se você quiser saber exatamente quando, onde e como, pergunte aos jornalistas e intelectuais que estão te dizendo isso cheios de charme progressista.

O transformismo ideológico no segundo turno não comporta nem mais uma dessas máscaras para eleitor envergonhado – tipo Marina, Ciro Gomes e outras fantasias providenciais. Vai ter que cravar PT mesmo, e aí a única saída possível é a clássica: mentir.

O governo do PT já sabemos a beleza ética e administrativa que é. O governo Bolsonaro é uma incógnita. Acha uma escolha miserável? Anula. Declara que não é sócio do emburrecimento do país que impôs a polarização sonhada pelo PT e lava as mãos. Mas não finja que Adolf Hitler ressuscitou no Brasil e está te obrigando a sancionar a gangue do Lula. Nesse caso, a maior fake news de todas será você.

No berço da intolerância

O que é a intolerância, o radicalismo? É antes de tudo a indisposição ao diálogo para ouvir, aceitar e saber sobre o pensamento distinto do outro. Esse clima pegou o Brasil de jeito. Colocou a Nação em módulo indolente e refém, sem direito ao contraditório, ao questionamento das opções. Tomou conta com tal virulência que difícil hoje é aplacar os ânimos. Resgatar a convergência. Pacificar o debate. Ninguém se arrisca a contrapor interlocutores, temendo ser tachado de corrompido visceral, racista incorrigível, homofóbico enrustido ou coisa pior. De onde vem tamanha resistência ao divergente? Existe forma e raiz para tal resposta.
O “nós contra eles”, que soube se impregnar no preconceito rançoso do confronto – pregado às últimas consequências pelo Lulopetismo -, impôs um modelo tão falacioso como oportunista. Quem não se lembra das ruas tomadas por black blocs a depredar patrimônio e a incitar a baderna para fazer valer a tese de que o PT era injustiçado e precisava se manter no poder? Quem apagou da memória declarações insolentes, como as dos senadores Gleisi Hoffmann e Lindberg Farias, ameaçando incendiar o País se o demiurgo líder Lula fosse preso? Quem não levou a sério quando o próprio criminoso, mentor e articulador da pilhagem bilionária aos cofres públicos, arvorou-se o papel de Deus, comparável a Jesus Cristo, e se disse transmutado em “uma ideia” a ser disseminada por milhões de lulinhas País afora, estimulando a insubordinação à Lei? Há algo mais fascista e totalitário que isso? Inexistem nesse ambiente as condições mínimas para aproximar os dois polos gestados na rixa. O tribalismo político está em voga. Hoje a maioria dos brasileiros, mesmo a contragosto, virou Lula ou anti-Lula. Não tem opção. Ou se alinha com ele ou contra ele. Não interessa se do outro lado do ringue está um radical, um mero pau-mandado ou um pacífico coroinha de paróquia. A polarização pressupõe apenas o antagonismo extremo, as faces de uma mesma e venenosa moeda com o espectro inquisidor do capo petista. Seu oponente, no caso o capitão reformado de epítetos tão repulsivos quanto, terá a projeção, intenção e estatura necessárias para se contrapor à ameaça corrosiva do Lulopetismo? A dúvida é simples assim. Vista por esse prisma a eleição deu verniz institucional a uma guerra. Não ideológica apenas. De princípios, de modelos para o futuro, de ação e reação. A hostilidade é o amálgama que sedimenta as candidaturas de Bolsonaro e Haddad neste segundo turno. É inútil e improdutivo se colocar em cima do muro, pois um dos dois sairá presidente. Alguém escolherá pelos indecisos e, em boa medida, tal escolha pode e deve aborrecê-los. Os brasileiros são o esteio da democracia nativa. Enalteceram e reiteraram apoio majoritário a ela até em pesquisa recente. Muitos ainda, é verdade, incorrem no erro de se deixar levar pelo teatro dos disfarces que cada candidato costuma usar nessas horas para angariar votos desgarrados. O Partido dos Trabalhadores é mestre na arte da encenação. Recorreu à tática ainda na primeira vitória com o mantra do “Lulinha paz e Amor”. Repetiu a prática com a Dilma toda pura distribuindo promessas de luz e combustível baratos e agora dobra a aposta tirando, como que por encanto, a bandeira vermelha da campanha de Haddad, que passa a adotar o verde e amarelo e a evitar visitas ao presidiário Lula na cadeia, para descolar em parte a imagem um do outro. Até onde esse marketing do engodo é capaz de engabelar novos seguidores só as urnas dirão. Decerto, a farsa não deveria servir de instrumento na tentativa de convencimento. Em nenhuma hipótese. Mas o hábito tomou especialmente o Partido de Lula. Lá, por exemplo, o falso conflito de classes que rachou o País ganhou musculatura e fez escola. A modelagem de defesa petista das classes menos favorecidas representou na prática a submissão dos necessitados, sem resgate efetivo de sua condição, levando-os a vivenciar a seguir a falta de perspectiva, o desemprego em larga escala e, em muitos casos, a fome. O embuste acabou por gerar revolta. Enquanto a agremiação aparelhava o Estado e saqueava seus cofres resolveu colocar a culpa na oposição para evitar o rebosteio de um projeto de poder. Muitos dos lesados foram agora à forra e o conflito acabou armado. Cabe as agremiações não se comportarem mais como forças messiânicas, tal qual seitas, que saem atrás de missionários alienados para espalhar a mensagem do caos se o inimigo levar a contenda. Seria desejável que em suas cartilhas a lição da harmonia, e não a da divisão sectária, estivesse presente como princípio basilar a reger seus seguidores. Só assim haverá o retorno da paz política.

Imagem do Dia

Escócia

Só exite um tipo feliz no Brasil das eleições: o que gosta de brigar

A esta altura, em todo o Brasil, só deve ter uma pessoa feliz, mas feliz mesmo – a pessoa que gosta de brigar. De discutir e debater também, mas principalmente de brigar. O que não lhe falta é oportunidade de exercer seu esporte preferido: a famosa treta.

Há um terreno fértil, onde tudo o que se planta dá, à espera da semente da discórdia. Na rua, em casa, nos restaurantes e nos salões de beleza; nos elevadores, nos pátios de shopping, nos pontos de ônibus e nas esquinas de avenidas congestionadas; nos corredores dos hospitais e até na tela do celular, que fez com que o amante de brigas pudesse provocá-las de qualquer lugar, com qualquer pessoa. Uma das delícias da tecnologia.



Tem gente que gosta de brigar, mas se cansa rápido e mais rápido ainda se arrepende. Outros preferem incitar a confusão e se retirar; apenas assistem aos incautos debatendo e se batendo. Alguns, ainda, não medem esforços para defender seu ponto de vista. Mas essa pessoa de que falamos, a que realmente ama brigar, é diferente. Ela pode aguentar horas brigando se precisar. Ela não se retira da discussão que provocou porque: onde estaria a graça nisso? E, o mais importante, ela não se deixa prender pela lógica ou pela coerência – se for o caso, ela pode mudar de posição, adequando-se ao interlocutor da vez, assumindo a postura que ele mais odeia e com a qual ele menos consegue debater. Essa pessoa briga por esporte e joga no time que for.

O primeiro alvo dessa pessoa seria o cidadão que se crê equidistante das dicotomias, equilibrado e ponderado. O espírito luminoso que se fez corpo e nos concedeu a Graça de dividir a nossa breve passagem – nós, pobres mortais, contaminados por ideologias, renitentes no pecado da parcialidade, condenados a ter um viés – com ele, uma alma isenta e pura. A pessoa que ama brigar chegaria a ele e lhe daria uma invertida: num cabo de guerra, quem fica no meio é a corda. O cidadão equilibrado se desequilibraria, inflamado, tentando provar que não, não acabaria na mão do grupo mais forte.

O segundo alvo poderia ser o cidadão discreto, o camaleão político: quem adquire as cores do seu entorno para passar despercebido. Se está em meio a social-democratas, o camaleão político fica quieto no seu canto e no máximo solta um elogiozinho à União Europeia, inespecífico. Cercado de socialistas, o camaleão político diz que o trabalhador tudo produz, a ele tudo pertence. Em meio a liberais, defende o mercado; em meio a conservadores, fala de ordem – mas, no geral, quer ficar no seu canto. A pessoa que ama brigar não encontrará um alvo melhor que o camaleão político.

Cada posição que ele diz ter é subvertida por ela, e, na tentativa de conciliar o contraditório, o camaleão político se perde, perde a razão e, provavelmente, perde a paciência também: “Mas o que você quer de mim afinal?” A pessoa que ama brigar é o antípoda do camaleão político; não lhe custa muito despi-lo da camuflagem.

Entre os eleitores de Haddad, a pessoa que ama brigar não usaria a tática do inimigo, falando em Venezuela, em Lula e em corrupção. A pessoa que ama brigar não é um troll ou um robô, com ideias prontas e discurso automático; ela é uma atleta do contraditório, acha que conflitos produzem faíscas e, com isso, luz e calor. Ela talvez falasse dos limites do projeto do PT em relação à própria esquerda. Diria que frequentemente o discurso do partido lembrava uma chantagem, assombrando a todos com o pior de tal modo que, quando o pior chegou, a ameaça estava gasta, desbotada. A pessoa que ama brigar perguntaria: e isso, mais as alianças com o atraso, não é fazer o jogo da direita?

Essa tática – revelar que, falando dos outros, falamos muito mais de nós – é muito querida da pessoa que ama brigar. Com certeza ela a usaria nos eleitores de Bolsonaro, provavelmente o alvo mais fácil de provocar, em especial os mais aguerridos, os súditos do “mito”. A pessoa que ama brigar diria que eles são os maiores campeões do “mimimi”, pois nem em vantagem conseguem deixar de lado as lamúrias, a birra infantil de que teria havido fraude nas urnas. Diria que, para quem denuncia uma suposta lavagem cerebral feita pela esquerda, é muito estranho todos terem praticamente o mesmo discurso, com as mesmas palavras e com a mesma paranoia. Talvez a pessoa que ama brigar não dissesse nada – só mostrasse fatos. Tem gente que está em pé de guerra com a realidade, brigar com eles não tem graça.

Mas talvez eu tenha me enganado: será que a pessoa que ama brigar estaria mesmo feliz nessa situação? Ela se dispõe ao enfrentamento, mas não quer aniquilar ninguém, porque isso estragaria o esporte. Gosta de adversários, mas não cultiva inimigos. Faz isso por prazer e pela adrenalina, não liga para convencer o outro e muito menos para ganhar. Numa situação ideal, a pessoa que ama brigar encontraria alguém parecido, e ambas debateriam e discutiriam muito - a uma determinada altura, trocariam de posição, só para a briga continuar, agora com um novo desafio: defender o ponto de vista do outro. A pessoa que ama brigar só quer brigar em paz.

Não, ela não estaria feliz. O terreno está fértil, mas o clima está longe de ser propício – o ódio envenena a semente da discórdia.
Henrique Balbi

Dando uma de bonzinho

Eu não chorei. Quem perdeu não fui eu, foi o Brasil. Eu era um bom parlamentar
Darcísio Perondi (MDB-RS), não reeleito

Novos tempos, nova tática

Manifestações dos leitores são um estímulo para avançar um pouco nesse oceano de emoções eleitorais. Alguns acham que trato de temas etéreos, que não interessam agora.

Outros, que sou condescendente com Bolsonaro.

Talvez as pessoas estranhem que me dedique a um cenário pós-eleitoral, pois acho que o resultado do segundo turno é relativamente previsível. Os que me acusam de condescendente não percebem que estou tentando transferir uma experiência de relação com Bolsonaro para oferecer, se não uma tática, elementos de uma tática para o futuro próximo.

Minha experiência é de quem defendeu no Parlamento bandeiras que Bolsonaro ataca. As frases preconceituosas que ele eventualmente dizia são as mesmas que ouvimos nas ruas de todo o Brasil.

Minha relação com ele era de alguém que representava minorias, que até hoje apoio, com alguém que, no meu entender, estava mais perto do espírito majoritário das ruas.


Um ponto de convergência foi a luta contra a corrupção. Aliás, foi essa luta, no meu tempo de político, que me permitiu disputar com alguma chance eleições majoritárias.

Minha atitude não foi a de rotular de fascista, misógino, racista ou homofóbico, mas compreender que, por baixo dessas reações populares, existe uma insegurança sobre as mudanças culturais, e é preciso buscar avanços que não provoquem um retrocesso maior.

Discussões em baixo nível no Congresso contribuem para abrir a Caixa de Pandora na sociedade. Hoje, infelizmente, está aberta.

O primeiro ponto de contato para enfrentar a maioria, portanto, é afirmar que movimentos minoritários e culturais não precisam ser coniventes com a corrupção dos partidos de esquerda, ter vínculos com o poder, nem depender financeiramente dele. Delicado também será enfrentar a política ambiental de Bolsonaro, que pretende fundir os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.

Compreendo que existam interfaces entre agricultura e meio ambiente. Mas os problemas ambientais são muito mais amplos: poluição urbana, destinação do lixo, redução das emissões, e há ainda o mar com seus corais, esperando uma ampla política de proteção.

Um ministro da Agricultura dificilmente seria capaz de cuidar de todos esses temas.

Bolsonaro afirma que uma de suas missões é acabar com a indústria de multas do Ibama.

É um erro acenar com isso, embora possam existir multas excessivas ou mal aplicadas. O ideal seria uma política de preparação dos próprios agricultores para que pudessem produzir nas condições mais amigáveis ao meio ambiente.

Isso não é um argumento apenas ecológico, no sentido de preservar a produção a longo prazo. As regras internacionais são cada vez mais exigentes: é também uma questão econômica.

Não pensem que não tenho consciência do enorme trabalho que teremos. Desde o princípio, afirmei que a tática da esquerda estava errada. Além de não reconhecer seus erros, atrelou o destino ao de um homem na cadeia, supondo que estava repetindo a história de Mandela.

Ao atrelar o destino a Lula, o PT escolheu o caminho mais difícil. E a esquerda saiu dividida. Ciro talvez fosse um pouco mais competitivo. Ainda assim, a onda era muito forte.

Isso tudo é passado. Estamos quase no meio do segundo turno. As grandes escolhas foram feitas. Não criei essa situação. Forças poderosas estiveram em choque. É razoável que, prevendo o desfecho da batalha, comece a olhar para a frente, tentando desvendar, a partir da experiência, uma fórmula de lidar com o poder emergente.

Claro que, nos embates que nos esperam, outras posições vão surgir. Creio ter aprendido alguma coisa com a eleição de Donald Trump. Ali ficou claro que era preciso rever a tática, pois as críticas acusatórias só o faziam crescer.

Muita gente se disse surpreendida com o que aconteceu nas eleições. Algumas surpresas sempre acontecem. Mas quantos não quiseram ver, por achar que as coisas estavam se desenrolando de uma forma que não lhes agradava.

Bolsonaro era recebido por pequenas multidões nos aeroportos. Falava de luta contra a corrupção e, embora alguns concordem, foi ele que percorreu o Brasil defendendo-a.

Bolsonaro falava de segurança pública, e não houve um programa de segurança alternativa contra o seu. Vi seu crescimento e notei como os ataques o fortaleciam.

Só me resta agora segurar a onda do jeito que aprendi. Não significa que esteja certo.

Apenas uma voz.

Brasil do racha


A onda de renovação

A onda da renovação atingiu profundamente a vida política brasileira. Os sismógrafos, a saber, os institutos de pesquisa, não conseguiram captar a intensidade das mudanças em curso, seja por instrumentos inadequados ou por viés ideológico. É como se houvesse uma torcida a orientar as análises e enquetes, cegando ou obscurecendo a irrupção que estava por vir. Quando não é a verdade o objetivo, a tendência consiste em ficar na superfície das coisas, numa espécie de acomodação ao politicamente correto, à esquerda tida por “boa” opção. Se assim foi até agora, por que não continuar?

Para tais posições, seria quase impensável sair da alternativa esquerda/centro-esquerda, PT e PSDB, como se esta falsa polarização fosse de natureza a satisfazer o pensamento (ou sua ausência), num jogral que terminou por produzir fastio à sociedade. Pela primeira vez desde o referendo sobre o Estatuto do Desarmamento - et pour cause -, os cidadãos foram chamados a outra opção, a de uma escolha que pudesse abandonar a falsa polarização existente, em proveito de outra posição, a de uma alternativa clara de direita.



A sociedade brasileira decidiu dizer não. Não a ser governada por PT, Lula e assemelhados. O antipetismo é uma resposta aos desmandos do partido. Não a ser governada da prisão, num modelo oriundo do PCC. Não à corrupção. Não a uma classe política que buscou seus próprios privilégios em lugar de trabalhar para o bem comum. Não à criminalidade e à insegurança que tomaram conta das cidades e do campo. Não aos tucanos que se resignaram ao muro e a um “diálogo” com os petistas, cessando de ser uma alternativa eleitoral.

O voto pró-Bolsonaro encontra forte enraizamento na sociedade brasileira. Ele encarnou o não em suas distintas significações, vindo a representar um forte anseio social pela mudança. A esta altura, querer desconstruir a sua imagem é um empreendimento hercúleo, pois significaria poder oferecer uma alternativa palatável ao “não”, algo que os petistas não podem apresentar, precisamente por serem o símbolo daquilo que não é querido nem almejado pelos cidadãos.

A narrativa petista no primeiro turno, totalmente orientada por Lula na condição de presidiário, consistiu num discurso voltado para o gueto. Visou aos seus, como se estivesse a congregar tropas, embora pudesse apresentar-se enquanto opção coletiva. É dificilmente concebível - salvo na anomia brasileira e petista em particular - que um candidato a presidente da República vá todas as semanas ao cárcere buscar orientação, como se fosse um menor de idade que não sabe caminhar sozinho. Imaginem na Presidência!

Pior, trata-se de uma pessoa condenada por corrupção e lavagem de dinheiro, tendo já passado por todas as instâncias do Judiciário brasileiro, exercendo, até abusivamente, seu direito de defesa com recursos semelhantes, recorrentes e sistemáticos, procurando ditar os rumos do País. Impensável, fossem a democracia e as instituições republicanas respeitadas.

Ora, são essas mesmas pessoas, totalmente desorientadas pelos resultados das urnas, que procuram agora posar como “democratas”, numa suposta frente contra o “fascismo”. Não faltam colaboradores de plantão no campo dos tucanos, presos a um ideal há muito ultrapassado de aliança com seus “irmãos” social-democratas. O tempo passou. O sonho do passado esfacelou-se no pesadelo do exercício de poder de um partido que erigiu a corrupção, a apropriação das empresas públicas e a destruição da economia e dos benefícios sociais em projeto de governo. É essa a aliança “social-democrata” perseguida?
Credenciais democráticas o PT não tem. Lula considerava - e o PT continua a considerar - a Venezuela “socialista” uma democracia. O ex-presidente rasgava-se em elogios ao já ditador Chávez. Agora sustentam Maduro, com seus assassinatos sistemáticos, a asfixia das oposições e destruição das instituições.
Era o modelo que tencionavam instalar no Brasil. Já antes sustentaram a ditadura dos irmãos Castro, financiada com polpudos créditos do nosso BNDES. A ditadura de Ortega na Nicarágua é outra excrescência dos petistas, que apostam nesse tipo de “democracia”.

Se houve uma invenção histórica realizada pelo “socialismo do século 21” foi a de substituir a tomada violenta do poder, no modelo leninista ou castrista, pela apropriação perversa dos mecanismos democráticos. Ou seja, o processo eleitoral é utilizado para subverter a própria democracia. Foi a estratégia de Chávez na Venezuela, recorrendo a eleições e referendos para sufocar a própria democracia, destruindo suas instituições - a exemplo da eliminação da independência do Poder Judiciário e da asfixia completa do Legislativo, culminando com sua substituição por uma Assembleia Constituinte fajuta.

Na verdade, apropriaram-se do apelo da democracia na opinião pública para amordaçá-la. Dizem, então, respeitar a democracia com o intuito de aniquilá-la. O programa petista de governo, esse que está sendo oferecido aos cidadãos, abunda em expressões do tipo “conselhos populares”, novas instâncias “democráticas”, “movimentos sociais”, “democracia participativa” e “Assembleia Constituinte”, entre outras. São nada mais que palavras para enganar incautos, tendo como meta sufocar a democracia representativa, considerada “liberal”, “burguesa” na acepção marxista.

O recente palavreado social-democrata nada mais é que um engodo. Se fosse verdade, teriam adotado essa orientação em seus longos 13 anos de governo. Em vez de recorrerem aos pais da social-democracia, como o teórico Eduard Bernstein no início do século 20 e o ex-primeiro-ministro alemão Willy Brandt no pós-Guerra, retomaram a “luta de classes” em sua forma canhestra do “nós contra eles”.

Faça a sua escolha. Vote no Brasil ou compre sua passagem para a Venezuela (tendo Cuba como opção). Com direito só de ida!

Ventos e pessoas

Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento
Erico Verissimo

Com quantos ministros fora da lei se constrói um STF?

O Febejapá — Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País — é nossa dieta cotidiana de nonsense jurídico, nossa rotina de caradurismo togado. Era Stanislaw Ponte Preta quem deveria contá-lo, mas ele não pagou para ver nem viveu para crer. É festival dedicado à magistocracia, à gran famiglia judicial brasileira, estrato social que não se contenta com pouco: não quer escorregar do 0,1% mais alto da pirâmide social brasileira, nem que para isso precise furar o teto constitucional, dobrar a lei e acumular auxílios-dignidade livres de imposto.

A gran famiglia administra o Judiciário mais caro das democracias do mundo pelos meios da baixa política. Resiste à transparência e reprime os que tentam arejar a mentalidade magistocrática. Para compensar, entrega ao país o encarceramento em massa e alimenta o crime organizado, entre outros penduricalhos. Mas fale baixo, porque a magistocracia tem sensibilidade de seda, a sensibilidade dos “cocorocas”. Daqui a pouco vai alegar desacato a sua “honra institucional”, essa ideia pré-liberal que cunhou enquanto se apreciava no espelho. Se um dia levarmos a sério o combate à corrupção individual, e sobretudo a institucional, sugeriria começar por aí.


O relato do Febejapá começa tarde e tem um longo passado pela frente. Por isso, distribuiremos diplomas retroativos. Esse passivo será amortizado em parcelas. Na semana passada, fomos levados a perguntar: a quantos juízes fora da lei resiste o estado de direito? Quem souber que nos conte. Talvez já tenhamos cruzado essa linha vermelha. O juiz Sergio Moro, ciente de que o “quando” decidir é tão crucial quanto “o que”, tirou às vésperas da eleição o sigilo de delação que já não tinha valor jurídico. Ainda que autoridades do STF já o tenham alertado que isso é malcriação, ele insiste. Bem-comportado que é, deverá pedir “respeitosas escusas” de novo. A ala curitibana do Febejapá tem estilo.

Há outra pergunta mais urgente: com quantos ministros fora da lei se constrói um STF? A democracia brasileira nunca precisou tanto de um STF forte e respeitável.

Nos 30 anos da Constituição, nunca houve composição que combinasse tão bem o senso de autoimportância individual e a vocação para o suicídio.

Da presidência da Corte saiu Cármen Lúcia, “a pacificadora”, e tomou posse Dias Toffoli, “o negociador”. A primeira ressignificou o verbo “pacificar”; o segundo começou com arte e deixou seu vice, Luiz Fux, suspender liminar de Lewandowski que permitia a um jornal entrevistar um preso. Faltou nos contar por que o vice o substituiu.

Não tendo conquistado corações e mentes como juiz, Toffoli resolveu se lançar como historiador. Escolheu lugar solene para anunciar sua tese: o Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, sob o olhar de Dom Pedro II. Afirmou que em 1964 não houve nem golpe nem revolução, mas um “movimento”. Chama golpe de movimento assim como quem chama mandioca de aipim. O ministro tem razão: foi um movimento de tanques nas ruas, de choques nos porões, de “suicídios” em delegacias. Foi também um movimento, veja só, de aposentadoria compulsória de ministros do STF e suspensão do habeas corpus. Eram tempos em que um general não habitava gabinete do STF a convite de seu presidente.

De Toffoli nunca se esperou coragem moral. Sua trajetória não carrega vestígios de excelência técnica ou contribuições jurídicas ao bem comum. E isso não se deve ao fato de ter sido reprovado em dois concursos da magistratura ou à carência de títulos acadêmicos, critério bacharelesco pelo qual julgaram sua competência. Foi o único dessa geração que chegou ao tribunal sem outras credenciais que não a amizade do presidente, pelos serviços prestados ao partido. Sua reputação foi construída interna corporis, por assim dizer, não na comunidade jurídica. Mas isso importa menos.

Em vez de reinterpretar a história, ofício para o qual demonstrou não ter vocação nem método, pede-se a ele apenas que interprete a Constituição. E aí Toffoli não está sozinho: mais grave que o revisionismo histórico toffolino é o revisionismo constitucional do STF. Ao contrário de outros revisionismos, que questionam uma interpretação consolidada e propõem uma alternativa no lugar, o revisionismo constitucional do STF não põe nada no lugar. Ou pior: põe uma coisa num dia e depois muda de ideia, a depender da conjuntura.

Conrado Hübner Mendes

O programa que evapora

O eleitor que no primeiro turno votou no demiurgo petista Lula da Silva, presidiário representado na eleição por um preposto, sufragou um programa de governo que já não existe mais. Agora, para o segundo turno, o PT está a reescrever freneticamente suas propostas, na tentativa de acomodá-las a uma clientela indisposta a apoiar a estatolatria e o pendor bolivariano do partido que estavam expressos na primeira versão do programa. Ou seja, o PT inovou ao antecipar o estelionato eleitoral, renegando muitas de suas promessas e ideias antes mesmo do desfecho da eleição.


É o estado da arte da empulhação petista, cuja reincidência reflete a personalidade gelatinosa de seu chefão Lula da Silva. Como esquecer que Lula, na condição de presidente, em 2007, abandonou sua feroz oposição à CPMF e passou a defender o famigerado imposto do cheque, dizendo que não via problema em “ser considerado uma metamorfose ambulante”? E como esquecer que a presidente Dilma Rousseff passou toda a campanha eleitoral de 2014 a negar a crise que já despontava no horizonte e a prometer mundos e fundos aos eleitores sabendo perfeitamente que a promessa era falsa, para em seguida, assim que sua reeleição foi confirmada, recorrer a um mambembe ajuste fiscal contra a catástrofe econômica que ela jurava não existir?

Portanto, de estelionato eleitoral o PT entende muito bem, razão pela qual não deveria espantar o contorcionismo retórico dos petistas para tentar ampliar sua votação no segundo turno. Após passar anos a acusar os não petistas de “golpistas” e “fascistas”, o partido agora pretende convencê-los a votar em Lula da Silva, que na cédula aparecerá com o nome de Fernando Haddad, só porque essa candidatura seria a garantia de continuidade da democracia, alegadamente ameaçada pelo candidato Jair Bolsonaro.

Para dar ares de credibilidade a essa “frente democrática” que pretende liderar, o PT aceitou apagar de seu programa a ideia de convocar uma Assembleia Constituinte - proposta que, vinda dos petistas, só poderia significar um passo para a instauração do modelo chavista de governo, em que “soberania popular” deve ser lida como “soberania do partido”.

Além disso, o metamórfico programa petista vai abandonar a defesa do regime dual para o Banco Central - controle da inflação e geração de empregos. Segundo apurou o Estado, auxiliares do preposto de Lula da Silva disseram que ele discorda dessa proposta e que é “conservador” em política macroeconômica, esquecendo inclusive a ideia de fortalecer o setor estatal para liderar a “reindustrialização” do País, prevista do programa original.

O processo de higienização da candidatura petista no segundo turno passa até mesmo pela tentativa de afastar Fernando Haddad do próprio Lula, fingindo que o candidato do partido é mesmo o ex-prefeito de São Paulo, e não, como todos sabem, o ex-presidente. “Lula me disse: manda o Haddad fazer campanha, não precisa mais vir aqui”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. O “aqui” da frase, todos sabem, é a cela de Lula em Curitiba, de onde partem e continuarão a partir todas as ordens da campanha. Assim, Haddad vai fingir que não é Lula e que o programa do PT não é do PT. Caberá aos eleitores decidir se acreditam na primeira ou na segunda versão dessa candidatura que já nasceu sob o signo do embuste.

Do outro lado da disputa, o eleitor não tem melhor sorte. A equipe do candidato Jair Bolsonaro recusa-se a se posicionar mais claramente a respeito dos temas mais importantes da economia. Ao contrário, faz questão de informar que não sabe ainda muito bem o que fazer caso Bolsonaro chegue lá. Segundo o coordenador da campanha, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), não há até o momento um projeto para a Previdência. “Por que no plano de governo do Jair não tem plano específico? Porque isso é uma armadilha que os marqueteiros impuseram aos políticos. Se o Jair for escolhido, nossas ações iniciam só em 2019”, disse o parlamentar.

Como se vê, o eleitor que votará no dia 28 terá como opções um plano de governo que não vale o papel em que está escrito e um plano de governo que não existe.