segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Só exite um tipo feliz no Brasil das eleições: o que gosta de brigar

A esta altura, em todo o Brasil, só deve ter uma pessoa feliz, mas feliz mesmo – a pessoa que gosta de brigar. De discutir e debater também, mas principalmente de brigar. O que não lhe falta é oportunidade de exercer seu esporte preferido: a famosa treta.

Há um terreno fértil, onde tudo o que se planta dá, à espera da semente da discórdia. Na rua, em casa, nos restaurantes e nos salões de beleza; nos elevadores, nos pátios de shopping, nos pontos de ônibus e nas esquinas de avenidas congestionadas; nos corredores dos hospitais e até na tela do celular, que fez com que o amante de brigas pudesse provocá-las de qualquer lugar, com qualquer pessoa. Uma das delícias da tecnologia.



Tem gente que gosta de brigar, mas se cansa rápido e mais rápido ainda se arrepende. Outros preferem incitar a confusão e se retirar; apenas assistem aos incautos debatendo e se batendo. Alguns, ainda, não medem esforços para defender seu ponto de vista. Mas essa pessoa de que falamos, a que realmente ama brigar, é diferente. Ela pode aguentar horas brigando se precisar. Ela não se retira da discussão que provocou porque: onde estaria a graça nisso? E, o mais importante, ela não se deixa prender pela lógica ou pela coerência – se for o caso, ela pode mudar de posição, adequando-se ao interlocutor da vez, assumindo a postura que ele mais odeia e com a qual ele menos consegue debater. Essa pessoa briga por esporte e joga no time que for.

O primeiro alvo dessa pessoa seria o cidadão que se crê equidistante das dicotomias, equilibrado e ponderado. O espírito luminoso que se fez corpo e nos concedeu a Graça de dividir a nossa breve passagem – nós, pobres mortais, contaminados por ideologias, renitentes no pecado da parcialidade, condenados a ter um viés – com ele, uma alma isenta e pura. A pessoa que ama brigar chegaria a ele e lhe daria uma invertida: num cabo de guerra, quem fica no meio é a corda. O cidadão equilibrado se desequilibraria, inflamado, tentando provar que não, não acabaria na mão do grupo mais forte.

O segundo alvo poderia ser o cidadão discreto, o camaleão político: quem adquire as cores do seu entorno para passar despercebido. Se está em meio a social-democratas, o camaleão político fica quieto no seu canto e no máximo solta um elogiozinho à União Europeia, inespecífico. Cercado de socialistas, o camaleão político diz que o trabalhador tudo produz, a ele tudo pertence. Em meio a liberais, defende o mercado; em meio a conservadores, fala de ordem – mas, no geral, quer ficar no seu canto. A pessoa que ama brigar não encontrará um alvo melhor que o camaleão político.

Cada posição que ele diz ter é subvertida por ela, e, na tentativa de conciliar o contraditório, o camaleão político se perde, perde a razão e, provavelmente, perde a paciência também: “Mas o que você quer de mim afinal?” A pessoa que ama brigar é o antípoda do camaleão político; não lhe custa muito despi-lo da camuflagem.

Entre os eleitores de Haddad, a pessoa que ama brigar não usaria a tática do inimigo, falando em Venezuela, em Lula e em corrupção. A pessoa que ama brigar não é um troll ou um robô, com ideias prontas e discurso automático; ela é uma atleta do contraditório, acha que conflitos produzem faíscas e, com isso, luz e calor. Ela talvez falasse dos limites do projeto do PT em relação à própria esquerda. Diria que frequentemente o discurso do partido lembrava uma chantagem, assombrando a todos com o pior de tal modo que, quando o pior chegou, a ameaça estava gasta, desbotada. A pessoa que ama brigar perguntaria: e isso, mais as alianças com o atraso, não é fazer o jogo da direita?

Essa tática – revelar que, falando dos outros, falamos muito mais de nós – é muito querida da pessoa que ama brigar. Com certeza ela a usaria nos eleitores de Bolsonaro, provavelmente o alvo mais fácil de provocar, em especial os mais aguerridos, os súditos do “mito”. A pessoa que ama brigar diria que eles são os maiores campeões do “mimimi”, pois nem em vantagem conseguem deixar de lado as lamúrias, a birra infantil de que teria havido fraude nas urnas. Diria que, para quem denuncia uma suposta lavagem cerebral feita pela esquerda, é muito estranho todos terem praticamente o mesmo discurso, com as mesmas palavras e com a mesma paranoia. Talvez a pessoa que ama brigar não dissesse nada – só mostrasse fatos. Tem gente que está em pé de guerra com a realidade, brigar com eles não tem graça.

Mas talvez eu tenha me enganado: será que a pessoa que ama brigar estaria mesmo feliz nessa situação? Ela se dispõe ao enfrentamento, mas não quer aniquilar ninguém, porque isso estragaria o esporte. Gosta de adversários, mas não cultiva inimigos. Faz isso por prazer e pela adrenalina, não liga para convencer o outro e muito menos para ganhar. Numa situação ideal, a pessoa que ama brigar encontraria alguém parecido, e ambas debateriam e discutiriam muito - a uma determinada altura, trocariam de posição, só para a briga continuar, agora com um novo desafio: defender o ponto de vista do outro. A pessoa que ama brigar só quer brigar em paz.

Não, ela não estaria feliz. O terreno está fértil, mas o clima está longe de ser propício – o ódio envenena a semente da discórdia.
Henrique Balbi

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