segunda-feira, 3 de março de 2025
"Empatia', moda dos tempos
Essa questão da “empatia” é uma história que as pessoas contam para se sentirem bem consigo próprias. Não muda rigorosamente nada na vida das pessoas pelas quais dizem sentir empatia. “Ah, condoo-me com o sofrimento do outro.” E então?! E depois disso? Caímos quase no cliché do “coitadinhos dos pretinhos…”. Isso serve exatamente para quê? Para anunciares que és uma pessoa muito empática? O que muda na realidade?
Bruno Vieira Amaral, escritor português
Bruno Vieira Amaral, escritor português
Tempos de Trumpulência
Hora de lembrar José Ingenieros, em seu monumental O Homem Medíocre.
A vulgaridade, ele nos ensina, só floresce quando as sociedades se desequilibram em prejuízo do idealismo. “É a renúncia do pudor do ignóbil… os homens vulgares ousam denominar ideias a seus apetites, como se a urgência de satisfações imediatas pudesse ser confundida com a ânsia de perfeições infinitas”.
Fixemos, agora, nossa visão sobre o arrogante governante, de topete alourado, que comanda a Nação da maior democracia ocidental. O que se distingue em suas feições, acentuadamente caracterizadas para parecer um feroz leão do planeta Terra, urrando para assustar aliados, impor medo aos adversários e apagar o simbolismo representado pela estátua da Liberdade, com seu facho iluminando o sonho de uma Pátria livre e democrática para milhões de imigrantes?
A vulgaridade, ele nos ensina, só floresce quando as sociedades se desequilibram em prejuízo do idealismo. “É a renúncia do pudor do ignóbil… os homens vulgares ousam denominar ideias a seus apetites, como se a urgência de satisfações imediatas pudesse ser confundida com a ânsia de perfeições infinitas”.
Fixemos, agora, nossa visão sobre o arrogante governante, de topete alourado, que comanda a Nação da maior democracia ocidental. O que se distingue em suas feições, acentuadamente caracterizadas para parecer um feroz leão do planeta Terra, urrando para assustar aliados, impor medo aos adversários e apagar o simbolismo representado pela estátua da Liberdade, com seu facho iluminando o sonho de uma Pátria livre e democrática para milhões de imigrantes?
Tempos de truculência! Tempos de Trumpulência!
Tempos de mercantilização de valores.
Cidadania?
– Você, imigrante, quer ganhar um título de cidadão americano? Pois se dirija ao nosso balcão de negócios e aproveite os descontos. Hoje, o título está custando 5 milhões de dólares. Se não possuir essa grana, providencie com urgência seu êxodo da terra americana, sob pena de ser deportado.
Em menos de dois meses, desde 20 de janeiro passado, quando Donald Trump tomou posse, a Pátria americana ganha novos contornos. Está deixando de ser o berço dos valores espirituais – o direito de ir e vir, o livre debate entre os contrários, a livre expressão – para se transformar num grande balcão de negócios.
Ingenieros volta a lembrar: “os países são expressões geográficas e os Estados são formas de equilíbrio político. Uma Pátria é muito mais que isso, e é outra coisa: sincronismo de espíritos e corações, têmpera uniforme para o esforço, e homogênea disposição para o sacrifício, simultaneamente na aspiração à grandeza e no desejo da glória. Quando falta esta comunhão de esperanças, não há, nem pode haver Pátria. É preciso que haja sonhos comuns, anelos coletivos de grandes coisas”.
E o que se vê na terra dos americanos? O refrão nos bonés vermelhos: fazer a América grande novamente. Como? Deportando milhões de imigrantes? Vendendo títulos de cidadania para imigrantes que tenham 5 milhões de dólares para comprá-los? Anexando o Canadá, cujo primeiro-ministro, Justin Trudeau, acaba de ganhar o título de governador do 51º Estado dos EUA? Querendo puxar a Groelândia para o balcão de negócios? Ora, nosso território não está à venda, replica o governo da Dinamarca.
Será que o desprezo e o deboche do senhor Donald sobre seus aliados europeus contribuirão para engrandecer a América? Será que escantear a Ucrânia nas negociações de paz com a Rússia, quando é a própria Ucrânia que luta contra o invasor, é um gesto de respeito à soberania das Nações? As leis de outros países podem ser jogadas no lixo pelo impetuoso governante norte-americano? Traduzindo: empresas americanas, que operam no Brasil, não devem respeitar os ditames legais do país, com registro de seus negócios e de seus dirigentes?
“Fazer a América grande novamente” requer decisões como a de retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde, e também retirar o país do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas?
Como é possível que o empresário mais rico do mundo, o senhor Elon Musk, detenha poder para ordenar a milhões de americanos que respondam a seus emails, dando conta do que fazem, sob pena de irem para o olho da rua? O senhor Musk, com seu gesto de levantar o braço direito, com a palma da mão aberta, em clara alusão ao nazismo, se não é membro oficial do governo, pode dar ordens aos funcionários públicos? Pode participar de reuniões com os secretários do Governo Trump? É legal que um homem de negócios tenha acesso a dado sigilosos dos americanos? Todas essas perguntas remetem à outra indagação: será que o senhor Trump considera a Casa Branca e as instituições nacionais como extensão de seu resort Mar-a-Lago, em Palm Beach?
O fato é que o mundo vive um momento borrascoso. A comunidade mundial está assombrada com a avalanche de decretos assinados pelo senhor Donald Trump, que, tempos atrás, ficou famoso, com o programa de TV “The Apprentice” (O Aprendiz), do qual era apresentador.
Até quando o freio do bom senso fará o 45º e o 47º presidente dos Estados Unidos da América cair na realidade e deixar de rugir, como o rei dos animais, ameaçando o planeta? Seus eleitores continuarão a lhe dar apoio ou repetirão o dito que marcou sua imagem: “você está demitido”?
Tempos de mercantilização de valores.
Cidadania?
– Você, imigrante, quer ganhar um título de cidadão americano? Pois se dirija ao nosso balcão de negócios e aproveite os descontos. Hoje, o título está custando 5 milhões de dólares. Se não possuir essa grana, providencie com urgência seu êxodo da terra americana, sob pena de ser deportado.
Em menos de dois meses, desde 20 de janeiro passado, quando Donald Trump tomou posse, a Pátria americana ganha novos contornos. Está deixando de ser o berço dos valores espirituais – o direito de ir e vir, o livre debate entre os contrários, a livre expressão – para se transformar num grande balcão de negócios.
Ingenieros volta a lembrar: “os países são expressões geográficas e os Estados são formas de equilíbrio político. Uma Pátria é muito mais que isso, e é outra coisa: sincronismo de espíritos e corações, têmpera uniforme para o esforço, e homogênea disposição para o sacrifício, simultaneamente na aspiração à grandeza e no desejo da glória. Quando falta esta comunhão de esperanças, não há, nem pode haver Pátria. É preciso que haja sonhos comuns, anelos coletivos de grandes coisas”.
E o que se vê na terra dos americanos? O refrão nos bonés vermelhos: fazer a América grande novamente. Como? Deportando milhões de imigrantes? Vendendo títulos de cidadania para imigrantes que tenham 5 milhões de dólares para comprá-los? Anexando o Canadá, cujo primeiro-ministro, Justin Trudeau, acaba de ganhar o título de governador do 51º Estado dos EUA? Querendo puxar a Groelândia para o balcão de negócios? Ora, nosso território não está à venda, replica o governo da Dinamarca.
Será que o desprezo e o deboche do senhor Donald sobre seus aliados europeus contribuirão para engrandecer a América? Será que escantear a Ucrânia nas negociações de paz com a Rússia, quando é a própria Ucrânia que luta contra o invasor, é um gesto de respeito à soberania das Nações? As leis de outros países podem ser jogadas no lixo pelo impetuoso governante norte-americano? Traduzindo: empresas americanas, que operam no Brasil, não devem respeitar os ditames legais do país, com registro de seus negócios e de seus dirigentes?
“Fazer a América grande novamente” requer decisões como a de retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde, e também retirar o país do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas?
Como é possível que o empresário mais rico do mundo, o senhor Elon Musk, detenha poder para ordenar a milhões de americanos que respondam a seus emails, dando conta do que fazem, sob pena de irem para o olho da rua? O senhor Musk, com seu gesto de levantar o braço direito, com a palma da mão aberta, em clara alusão ao nazismo, se não é membro oficial do governo, pode dar ordens aos funcionários públicos? Pode participar de reuniões com os secretários do Governo Trump? É legal que um homem de negócios tenha acesso a dado sigilosos dos americanos? Todas essas perguntas remetem à outra indagação: será que o senhor Trump considera a Casa Branca e as instituições nacionais como extensão de seu resort Mar-a-Lago, em Palm Beach?
O fato é que o mundo vive um momento borrascoso. A comunidade mundial está assombrada com a avalanche de decretos assinados pelo senhor Donald Trump, que, tempos atrás, ficou famoso, com o programa de TV “The Apprentice” (O Aprendiz), do qual era apresentador.
Até quando o freio do bom senso fará o 45º e o 47º presidente dos Estados Unidos da América cair na realidade e deixar de rugir, como o rei dos animais, ameaçando o planeta? Seus eleitores continuarão a lhe dar apoio ou repetirão o dito que marcou sua imagem: “você está demitido”?
O crime na legalidade
No que se tornou uma das passagens mais importantes de "O Poderoso Chefão", a família Corleone decide que um de seus garotos precisa levar uma vida correta, longe do crime, formar-se em direito e se tornar um advogado para, se for o caso, defendê-los na Justiça. É o que os americanos chamam de "go legit", entrar na linha, legitimar-se. Os criminosos descobriam que, quanto mais se infiltrassem formalmente na sociedade, menos precisariam de usar a metralhadora. Enxergaram longe.
Não sei o grau de enraizamento do crime organizado na sociedade dos EUA, mas, no Brasil, as facções criminosas já lucram mais com certas atividades comerciais —compulsórias para os usuários— do que com o tráfico. Entre essas atividades, contam-se o comércio paralelo de gás, energia elétrica, transportes, combustíveis, lubrificantes, cigarros e bebidas, extração e produção de ouro, construção de imóveis em terrenos ocupados, golpes pelo celular e, num resquício das velhas práticas, roubo de cargas e furto de celulares. Atrevem-se até a operar atividades legais, como postos de gasolina e usinas de etanol.
Essas informações estão num relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo ele, o crime já é também o principal empregador da região amazônica —controla o território, a população e uma das principais atividades da região, a pesca. Uma rápida espiada num mapa prmite constatar o quanto do Brasil está em suas mãos. E a defesa legal desse complexo não se limita aos vendedores de sentenças nos tribunais. Estende-se a vereadores e deputados.
Todos os governos brasileiros —repito, todos—, da redemocratização para cá (foi quando o crime começou a se organizar) são culpados por isto. Ocupados com suas políticas de desenvolvimento, nacional ou próprio, fizeram vista grossa a um processo que crescia bem sob seus narizes.
É besteira continuar trocando tiros nos morros. O criminoso pode estar no escritório vizinho ao nosso.
Não sei o grau de enraizamento do crime organizado na sociedade dos EUA, mas, no Brasil, as facções criminosas já lucram mais com certas atividades comerciais —compulsórias para os usuários— do que com o tráfico. Entre essas atividades, contam-se o comércio paralelo de gás, energia elétrica, transportes, combustíveis, lubrificantes, cigarros e bebidas, extração e produção de ouro, construção de imóveis em terrenos ocupados, golpes pelo celular e, num resquício das velhas práticas, roubo de cargas e furto de celulares. Atrevem-se até a operar atividades legais, como postos de gasolina e usinas de etanol.
Essas informações estão num relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo ele, o crime já é também o principal empregador da região amazônica —controla o território, a população e uma das principais atividades da região, a pesca. Uma rápida espiada num mapa prmite constatar o quanto do Brasil está em suas mãos. E a defesa legal desse complexo não se limita aos vendedores de sentenças nos tribunais. Estende-se a vereadores e deputados.
Todos os governos brasileiros —repito, todos—, da redemocratização para cá (foi quando o crime começou a se organizar) são culpados por isto. Ocupados com suas políticas de desenvolvimento, nacional ou próprio, fizeram vista grossa a um processo que crescia bem sob seus narizes.
É besteira continuar trocando tiros nos morros. O criminoso pode estar no escritório vizinho ao nosso.
Turismo, para que te quero?
O turismo é a indústria mais depredadora e com maior impacto de sempre. Com esta afirmação não quero pôr em causa a mais importante e significativa atividade económica, social e cultural do nosso tempo.
É nesta altura do ano que a Europa (agências de viagens, operadores e turistas) corre às principais feiras onde o turismo para 2025 se vende e compra. A regra é só uma: o máximo (do que quer que seja) pelo mínimo (custo). Ninguém acredita que a atual bolha vai crescer infinitamente, como se nada fosse, sem rebentar como todas as outras; apesar disto, por cá, mantemo-nos eufóricos com os sucessivos recordes de número de turistas, dormidas, receitas, etc., como se não houvesse amanhã e este fosse igual.
A alma de Veneza perdeu-se, a cidade converteu-se num parque temático tipo Disneylândia onde chineses vendem a outros chineses, por um euro, máscaras venezianas fabricadas na China. Um exército de dezenas de milhões de turistas por ano torna a cidade dos sonhos românticos um inferno e os poucos venezianos que restam estão saturados e desiludidos. Os voos baratos e os cruzeiros levaram à extinção da cidade e as autoridades italianas não sabem o que fazer.
Por cá ainda estamos longe deste desolador cenário, mas vamos no “bom” caminho, Lisboa que o diga, onde todos os dias se ouve o grito: “Olhe, desculpe eu vivia aqui.” Na verdade, já se torna complicado passear nos caminhos da encantada Sintra. E o que nos fica? Muito pouco.
Por muito que custe admiti-lo, o turista vive apenas o imediato: o objetivo é viajar cada vez para mais longe em menos tempo com a intensidade máxima, cumprindo o “quanto mais, melhor”. Acresce ainda que, depois da viagem em low cost, o turista no destino exige e consome sem limites – “faz e leva o que quiseres desde que pagues”, o quanto basta para o nosso contentamento. Acresce ainda que turismo, além de persistir na sazonalidade, é profundamente assimétrico; enquanto os clássicos destinos estão saturados, o Portugal vazio permanece vazio à espera de alguns turistas. Esta é a perfeita indústria insustentável.
Enquanto nada se passa, a expectativa é a de continuar a crescer no mesmo contexto (como se nada se alterasse…) e bater os números do último ano. Ora, como em tantas outras matérias, enquanto é tempo, o País deve refletir estrategicamente sobre o turismo que quer; para todos os efeitos, qualquer coisa melhor do que o presente.
Apesar de alguma degradação ecológica, sempre negada pelo Ministério do Ambiente, e exagerada por ecologistas, Portugal goza de um conjunto de patrimónios únicos e de grande valor, positivamente distintivos quando comparados com a concorrência. Entre eles, destaca-se o património natural, que nos dá uma enorme riqueza, não quantificada e ignorada. Aqui, sim, está o nosso valor distintivo, pois temos uma geobiodiversidade única e há muito perdida na Europa.
Podemos e devemos estruturar produtos turísticos que abranjam franjas do mercado de alto valor e baixa pegada ecológica, exatamente o contrário do que hoje temos. Todos os nossos vizinhos, concorrentes, e também origem de grande parte dos nossos turistas, têm mais grandiosos castelos e palácios, igrejas e monumentos romanos, árabes ou gregos. Mas Natureza temos nós melhor.
No que respeita aos principais desafios, já os sabemos e lemos muitas vezes: combate à sazonalidade, valorização do património e da cultura, desconcentração da procura, qualificação e valorização dos recursos humanos, estímulo à inovação e ao empreendedorismo, e envolvimento da população e dos atores locais. Como não?
É nesta altura do ano que a Europa (agências de viagens, operadores e turistas) corre às principais feiras onde o turismo para 2025 se vende e compra. A regra é só uma: o máximo (do que quer que seja) pelo mínimo (custo). Ninguém acredita que a atual bolha vai crescer infinitamente, como se nada fosse, sem rebentar como todas as outras; apesar disto, por cá, mantemo-nos eufóricos com os sucessivos recordes de número de turistas, dormidas, receitas, etc., como se não houvesse amanhã e este fosse igual.
A alma de Veneza perdeu-se, a cidade converteu-se num parque temático tipo Disneylândia onde chineses vendem a outros chineses, por um euro, máscaras venezianas fabricadas na China. Um exército de dezenas de milhões de turistas por ano torna a cidade dos sonhos românticos um inferno e os poucos venezianos que restam estão saturados e desiludidos. Os voos baratos e os cruzeiros levaram à extinção da cidade e as autoridades italianas não sabem o que fazer.
Por cá ainda estamos longe deste desolador cenário, mas vamos no “bom” caminho, Lisboa que o diga, onde todos os dias se ouve o grito: “Olhe, desculpe eu vivia aqui.” Na verdade, já se torna complicado passear nos caminhos da encantada Sintra. E o que nos fica? Muito pouco.
Por muito que custe admiti-lo, o turista vive apenas o imediato: o objetivo é viajar cada vez para mais longe em menos tempo com a intensidade máxima, cumprindo o “quanto mais, melhor”. Acresce ainda que, depois da viagem em low cost, o turista no destino exige e consome sem limites – “faz e leva o que quiseres desde que pagues”, o quanto basta para o nosso contentamento. Acresce ainda que turismo, além de persistir na sazonalidade, é profundamente assimétrico; enquanto os clássicos destinos estão saturados, o Portugal vazio permanece vazio à espera de alguns turistas. Esta é a perfeita indústria insustentável.
Enquanto nada se passa, a expectativa é a de continuar a crescer no mesmo contexto (como se nada se alterasse…) e bater os números do último ano. Ora, como em tantas outras matérias, enquanto é tempo, o País deve refletir estrategicamente sobre o turismo que quer; para todos os efeitos, qualquer coisa melhor do que o presente.
Apesar de alguma degradação ecológica, sempre negada pelo Ministério do Ambiente, e exagerada por ecologistas, Portugal goza de um conjunto de patrimónios únicos e de grande valor, positivamente distintivos quando comparados com a concorrência. Entre eles, destaca-se o património natural, que nos dá uma enorme riqueza, não quantificada e ignorada. Aqui, sim, está o nosso valor distintivo, pois temos uma geobiodiversidade única e há muito perdida na Europa.
Podemos e devemos estruturar produtos turísticos que abranjam franjas do mercado de alto valor e baixa pegada ecológica, exatamente o contrário do que hoje temos. Todos os nossos vizinhos, concorrentes, e também origem de grande parte dos nossos turistas, têm mais grandiosos castelos e palácios, igrejas e monumentos romanos, árabes ou gregos. Mas Natureza temos nós melhor.
No que respeita aos principais desafios, já os sabemos e lemos muitas vezes: combate à sazonalidade, valorização do património e da cultura, desconcentração da procura, qualificação e valorização dos recursos humanos, estímulo à inovação e ao empreendedorismo, e envolvimento da população e dos atores locais. Como não?
A cultura na era Trump
Em seu primeiro mandato, nas noites de gala do Kennedy Center, Trump sempre deixara vazio o camarote reservado ao chefe da nação. Talvez por receio de ser vaiado, de não saber quando e se aplaudir ou por falta de apetite mesmo
Uma imagem gerada por inteligência artificial mostra Donald Trump em roupa de maestro e expressão enlevada, regendo uma orquestra de magnitude sinfônica. Foi postada recentemente por ele mesmo em sua plataforma Truth Social. Continha um anúncio: “Por unanimidade, o presidente Donald J. Trump foi eleito presidente do Conselho do prestigioso John F. Kennedy Center for the Performing Arts em Washington, D.C. Faremos [da instituição] um lugar muito especial e animado!”.
Achou desnecessário mencionar que, para isso, rompeu uma tradição de 53 anos ao defenestrar os 18 democratas do corpo gestor de 36 integrantes. Desde sua fundação em 1971, este oásis cultural era uma das poucas instituições federais equanimemente dividida entre republicanos e democratas, com mandatos de 6 anos.
O choque no mundo das artes foi brutal — para estes tempos de carnaval no Brasil, algo como Jair Bolsonaro comunicar aos cariocas que se tornara, numa virada de mesa, presidente da Portela ou da Mangueira. Em seu primeiro mandato, nas noites de gala da casa, Trump sempre deixara vazio o camarote reservado ao chefe da nação. Talvez por receio de ser vaiado, de não saber quando e se aplaudir ou por falta de apetite mesmo. No palco ou na plateia, a turma não era a dele. Vale lembrar que o Kennedy Center foi inaugurado com nada menos que uma missa composta especialmente por Leonard Bernstein, com canto, dramaturgia, e balé de Alvin Ailey.
Deborah Rutter, a presidente do Conselho agora defenestrada, lançou um alerta na despedida. “Artistas mostram a gama de emoções da vida — as maiores alturas da alegria e as profundezas do desespero. Eles seguram um espelho para o mundo, refletindo quem somos e ecoando nossas histórias. O trabalho deles nem sempre nos faz sentir confortáveis, mas lança luz sobre a verdade”, escreveu. “Assim como nossa própria democracia, a expressão artística deve ser nutrida, fomentada, priorizada e protegida. Não é uma empreitada passiva.”
Não mencionou o presidente, claro, nem precisava. O próprio Trump já havia oficializado o motivo para ocupar nominalmente o cargo (indicando um preposto para realizar o trabalho). Esbanjando maúsculas, garantiu a seus 91,2 milhões de seguidores na plataforma X ter “uma visão de ERA DE OURO para a Cultura e as Artes americanas. CHEGA DE SHOW DE DRAGS, OUQUALQUER OUTRA PROPAGANDA ANTI-AMERICANA – APENAS O MELHOR. BENVINDO AO SHOW BUSINESS”. (O uso indiscriminado de maiúsculas continua sendo sua grande marca literária.)
Poderia, igualmente, ter escrito a frase: “Doravante travaremos uma Implacável Guerra de purificação contra os últimos elementos de nossa decadência Cultural!” . Só que essa última, lembrou o escritor americano Ed Simon na Hyperallergic, não seria original. Já foi pronunciada na abertura, em Munique, da Grande Exposição de Arte Alemã em 18 de julho de 1937 — por Adolf Hitler.
À primeira vista, a vontade de Trump de ocupar um assento no Kennedy Center pode parecer mero narcisismo e impulso vingativo. “Mas o fascismo”, escreve Simon, “por sua própria natureza, tem obsessão por controle cultural”.
Medíocre aquarelista de paisagens rejeitado pela Academia de Belas Artes de Viena, Hitler foi incapaz de representar a figura humana. Contudo, ou por isso mesmo, conhecia a força de uma representação estética totalizante. Junto a Albert Speer, seu arquiteto de todas as horas, soube impor o ideal ariano a uma Alemanha em busca do orgulho perdido. Em ensaio de 1975 citado por Simon, a escritora Susan Sontag explica como o fascismo não é apenas “uma ideologia, mas uma forma estética de fazer política, contrastando o limpo e o impuro, o incorruptível e o infectado, o físico e o mental”. Simultaneamente à exposição citada, que continha obras encomendadas de cenas militares e muito kitsch neoclássico, o próprio partido nazista achou educativo organizar também uma mostra da “Arte Degenerada” a ser exorcizada. Nesse balaio entrou, como se sabe, toda uma geração de mestres do surrealismo, do expressionismo e do cubismo europeus.
Trump ainda é amador nessa área. Mas promete uma Kulturkampf à altura de seu alcance.
Para não concluir esta coluna em desalento, fica o convite para quem quer começar bem o domingo antes de cair na batucada. O link (https://www.youtube.com/watch?v=8cF0tf35Mbo) mostra a apresentação da diva Aretha Franklin homenageando Carole King em noite de gala no Kennedy Center, nos últimos dias do governo Barack Obama. São quatro minutinhos apenas. À época, a cultura estava no poder.
Dorrit Harazim
Uma imagem gerada por inteligência artificial mostra Donald Trump em roupa de maestro e expressão enlevada, regendo uma orquestra de magnitude sinfônica. Foi postada recentemente por ele mesmo em sua plataforma Truth Social. Continha um anúncio: “Por unanimidade, o presidente Donald J. Trump foi eleito presidente do Conselho do prestigioso John F. Kennedy Center for the Performing Arts em Washington, D.C. Faremos [da instituição] um lugar muito especial e animado!”.
Achou desnecessário mencionar que, para isso, rompeu uma tradição de 53 anos ao defenestrar os 18 democratas do corpo gestor de 36 integrantes. Desde sua fundação em 1971, este oásis cultural era uma das poucas instituições federais equanimemente dividida entre republicanos e democratas, com mandatos de 6 anos.
O choque no mundo das artes foi brutal — para estes tempos de carnaval no Brasil, algo como Jair Bolsonaro comunicar aos cariocas que se tornara, numa virada de mesa, presidente da Portela ou da Mangueira. Em seu primeiro mandato, nas noites de gala da casa, Trump sempre deixara vazio o camarote reservado ao chefe da nação. Talvez por receio de ser vaiado, de não saber quando e se aplaudir ou por falta de apetite mesmo. No palco ou na plateia, a turma não era a dele. Vale lembrar que o Kennedy Center foi inaugurado com nada menos que uma missa composta especialmente por Leonard Bernstein, com canto, dramaturgia, e balé de Alvin Ailey.
Deborah Rutter, a presidente do Conselho agora defenestrada, lançou um alerta na despedida. “Artistas mostram a gama de emoções da vida — as maiores alturas da alegria e as profundezas do desespero. Eles seguram um espelho para o mundo, refletindo quem somos e ecoando nossas histórias. O trabalho deles nem sempre nos faz sentir confortáveis, mas lança luz sobre a verdade”, escreveu. “Assim como nossa própria democracia, a expressão artística deve ser nutrida, fomentada, priorizada e protegida. Não é uma empreitada passiva.”
Não mencionou o presidente, claro, nem precisava. O próprio Trump já havia oficializado o motivo para ocupar nominalmente o cargo (indicando um preposto para realizar o trabalho). Esbanjando maúsculas, garantiu a seus 91,2 milhões de seguidores na plataforma X ter “uma visão de ERA DE OURO para a Cultura e as Artes americanas. CHEGA DE SHOW DE DRAGS, OUQUALQUER OUTRA PROPAGANDA ANTI-AMERICANA – APENAS O MELHOR. BENVINDO AO SHOW BUSINESS”. (O uso indiscriminado de maiúsculas continua sendo sua grande marca literária.)
Poderia, igualmente, ter escrito a frase: “Doravante travaremos uma Implacável Guerra de purificação contra os últimos elementos de nossa decadência Cultural!” . Só que essa última, lembrou o escritor americano Ed Simon na Hyperallergic, não seria original. Já foi pronunciada na abertura, em Munique, da Grande Exposição de Arte Alemã em 18 de julho de 1937 — por Adolf Hitler.
À primeira vista, a vontade de Trump de ocupar um assento no Kennedy Center pode parecer mero narcisismo e impulso vingativo. “Mas o fascismo”, escreve Simon, “por sua própria natureza, tem obsessão por controle cultural”.
Medíocre aquarelista de paisagens rejeitado pela Academia de Belas Artes de Viena, Hitler foi incapaz de representar a figura humana. Contudo, ou por isso mesmo, conhecia a força de uma representação estética totalizante. Junto a Albert Speer, seu arquiteto de todas as horas, soube impor o ideal ariano a uma Alemanha em busca do orgulho perdido. Em ensaio de 1975 citado por Simon, a escritora Susan Sontag explica como o fascismo não é apenas “uma ideologia, mas uma forma estética de fazer política, contrastando o limpo e o impuro, o incorruptível e o infectado, o físico e o mental”. Simultaneamente à exposição citada, que continha obras encomendadas de cenas militares e muito kitsch neoclássico, o próprio partido nazista achou educativo organizar também uma mostra da “Arte Degenerada” a ser exorcizada. Nesse balaio entrou, como se sabe, toda uma geração de mestres do surrealismo, do expressionismo e do cubismo europeus.
Trump ainda é amador nessa área. Mas promete uma Kulturkampf à altura de seu alcance.
Para não concluir esta coluna em desalento, fica o convite para quem quer começar bem o domingo antes de cair na batucada. O link (https://www.youtube.com/watch?v=8cF0tf35Mbo) mostra a apresentação da diva Aretha Franklin homenageando Carole King em noite de gala no Kennedy Center, nos últimos dias do governo Barack Obama. São quatro minutinhos apenas. À época, a cultura estava no poder.
Dorrit Harazim
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