Se você pensa que à brasileira só existem comidas — linguiça, churrasco, brigadeiro, filé à Oswaldo Aranha, peru —, a esta altura deve saber muito bem, sobretudo no clima de polarização rotineira, que existe mais ainda o privilégio à brasileira. Refiro-me à possibilidade de as leis serem apropriadas por determinados segmentos, estamentos, partidos, num sistema jurídico, e também por pessoas que se apropriam delas e as confundem com cargos especiais. O ideal democrático é que as leis sejam divorciadas de interesses pessoais ou particulares, sejam de indivíduos ou de instituições. No Brasil, porém, quem controla um determinado espaço no universo sociopolítico sabe imediatamente que também tem controle das regras que orientam e limitam o mesmo espaço. Mas — e esta é a banana do peru à brasileira — há também um axioma do princípio estrutural, permanente e perverso: o fato de a “autoridade” negar tudo para todos, menos para seus amigos. E me permita acrescentar esta frase — seguindo, aliás, Oliveira Vianna — que contém a evidência principal do privilégio no Brasil: aqui, a perspectiva personalista, familística, permite contrariar não só leis que controlam a corrupção, mas até mesmo as regras do bom senso. Por isso todas as leis contêm subleis ou leis adjacentes, adicionais, que podem ser manipuladas.
Quem tem o “poder” contraria até mesmo aquilo que não lhe traz vantagem alguma, como um certificado de vacina. Se existe uma peste, como no livro de Albert Camus, o presidente da nossa província, em vez de procurar uma vacina contra uma doença mortal, prefere se dar ao trabalho de falsificar e trocar favores, promessas e segredos com um pequeno grupo de pessoas. Com isso, ergue o edifício de contravenções e má-fé com aqueles que o ajudaram. É mais complicado e barroco do que ir a um posto de saúde e lá, em três minutos, vacinar-se e obter um trivial certificado.
É exatamente isso que está no noticiário jornalístico do nosso país, em virtude da personalidade do ex-presidente Bolsonaro, que, mais uma vez, demonstra preferir explodir, não seguir regra alguma, a obedecer ao sinal de não fumar num sanatório de doentes pulmonares graves. Do mesmo modo que, quem sabe, consultaria um médico e, em seguida, sabotaria o remédio e não seguiria a receita que lhe fosse recomendada.
É evidente que todos os brasileiros conhecem a relatividade das leis. Elas valem para o cidadão comum, que, curiosa e gloriosamente, elege ao patamar de comando de uma regra alguém que é o primeiro a não segui-la. Com isso, conseguimos fabricar uma antiaristocracia e, à brasileira, uma anti-República. O resultado histórico só pode ser a repetição dos mesmos erros.
Não é por acaso que não avançamos no sentido do bem comum, na direção do jogo político marcado por regras e ideais que todos aceitam, até mesmo o presidente e os juízes do Supremo. Se olharmos os sistemas de dominação históricos, veremos que as oligarquias e as tiranias eram governadas pelo poder pessoal dos oligarcas e dos tiranos.
Quando foram inventadas a aristocracia e o feudalismo, o governo dos nobres, relativizou-se a figura do monarca. Nas democracias, porém, o avanço foi ainda maior. Criou-se a partir da experiência americana um sistema triangular de poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário. Mais do que isso, uma consciência aguda e profunda de que os Três Poderes eram também governados por leis, que imitavam os velhos mandamentos escritos em pedras pela Divindade. A Constituição estaria acima de todos os Poderes e seria dirigida com pleno consentimento da nação. Neste regime democrático, jamais poderia existir a supremacia do filhotismo, do grupismo partidário, das ideologias utópicas e populistas e, sobretudo, o desejo de burlar a lei simplesmente pela vontade de burlá-la.
Para finalizar: o princípio fundamental da democracia é a constituição permanente de uma sociedade igualitária perante as leis, e não de uma sociedade que sucumbe à vontade fugidia e perversa daqueles que ocupam cargos fundamentais nos seus Poderes.
Diria que o experimento de teletrabalho acabou e a tecnologia ainda não é boa o suficiente para que as pessoas possam ficar totalmente remotas para sempre, principalmente em startups.
Acho que definitivamente um dos maiores erros na indústria de tecnologia em muito tempo foi que todo mundo (pensava que) poderia ficar totalmente remoto para sempre
Sam Altman. CEO da OpenAI e criador do ChatGPT
Uma das características mais cruéis de uma sociedade tão desigual como a brasileira é o menosprezo da elite —que usufrui de todos os direitos, além de muitos privilégios— em relação aos problemas cotidianos da massa de desvalidos que compõem o povo.
Não é de hoje que as classes C, D e E vêm se encalacrando para sobreviver. Diversas pesquisas apontam o endividamento crescente entre os mais pobres, que contraem dívidas até para comprar comida a crédito! Sem falar nos milhares que estão à margem, literalmente passando fome.
Com inflação e juros em alta, a "ralé" vive uma espécie de looping de carências que beira o ridículo de tão aviltante em comparação com a qualidade de vida dos mais ricos.
Hoje, em São Paulo, para comprar uma cesta básica são necessários R$ 794,68, segundo o Dieese. Isso é mais de 60% do valor do novo salário mínimo. Parece até piada, e de muito mau gosto, considerando que o mínimo deveria suprir todas as necessidades básicas de uma família. Mas é a realidade do pobre no Brasil, que inclui o drible das contas do mês. A saída óbvia é escolher o que deixar de pagar.
Na classe C, que representa o universo de brasileiros que recebem entre R$ 5,2 mil e R$ 13 mil mensais, 80% das pessoas estão endividadas! Não é preciso muito esforço para imaginar a situação das famílias das classes D e E, onde os rendimentos não ultrapassam os R$ 5,2 mil.
Também não é demais lembrar que a maioria desses cidadãos é negra, segundo pesquisa recente do Instituto Locomotiva. Por que será?
Nesse cenário bizarro, está cada vez mais difícil encontrar alguém que frequente o comércio e ainda não tenha sido abordado por um desamparado pedindo alguma coisa —não só na entrada, mas também no interior dos estabelecimentos.
Não sei o que é mais triste e constrangedor: a vulnerabilidade dos pedintes; a grosseria dos fiscais das lojas com quem está a esmolar; ou a indiferença dos que são incapazes de acolher um pedido genuíno.
Para o Brasil chegar afinal ao Primeiro Mundo só falta vulcão. Uns abalozinhos já têm havido por aí, e cada vez mais frequentes. Agora passa por Itu esse vendaval, com tantas vítimas e tantos prejuízos a lastimar. Alguns jornais não tiveram dúvida: ciclone. Ou tornado, quem sabe. Deve ser coisa do el niño, um fenômeno que vem pelo mar lá do Pacífico, bate nos Andes, provoca o degelo e
uma sequela de cataclismos que passam pelo Brasil.
Não sei o que é pior, se furacão ou vulcão. Pior mesmo, porque conheço, é tremor de terra. Estava em Lisboa com o Vinicius de Moraes quando aconteceu o terremoto de 1968. Palavra que achei que era contra mim pessoalmente. Veio até com dois tt. Assim: terremOtto. Quando estive no Japão com o Cláudio Mello e
Souza fomos perseguidos por um tufão. Mas japonês dá jeito em tudo. O voo atrasou e voltamos a Tóquio numa boa.
Shelley que me desculpe, mas vento me dá nos nervos. Desarruma a gente por dentro. Mas, em matéria de vento, poeta tem imunidades. Manuel Bandeira associou à canção do vento a canção da sua vida. O vento varria as luzes, as músicas, os aromas. E a sua vida ficava cada vez mais cheia de aromas, de estrelas, de cânticos. O contrário do ventinho ladrão. Sabe como é que se chama vento? Com três assobios. Ou soprando num búzio. Também funciona se você invocar são Lourenço, que é o dono do vento.
Fúria dos elementos, símbolo da instabilidade, o vento é ao mesmo tempo sopro de vida. Uma aragem acompanha sempre os anjos. E foi o vento que fez descer sobre os apóstolos as línguas de fogo do Espírito Santo. Destruidor e salvador, com o vento renasce a vida, diz a “Ode to the West Wind”, de Shelley. No inverno só um poeta romântico entrevê o início da primavera. Divindade para os
gregos, o vento inquieta porque sacode a apatia e a estagnação.
Com esse poder de levar embora, suponhamos que uma lufada varresse o Brasil, como na canção do Manuel Bandeira. Que é que esse vento benfazejo devia levar embora? Todo mundo sabe o mundo de males que nos oprime nesta hora. Deviam ser varridos para sempre. Se vento leva e traz, se vento é mudança, não custa
acreditar que, passada a tempestade, vem a bonança. E com ela, o
sopro renovador — garante o poeta. A casa destelhada, a destruição já começou. Vem aí a reconstrução. Otto Lara Resende (1991)
Já pensou acordar sem o Google? Sem YouTube e Facebook? Instagram? Amazon? Twitter e etc?
Desgraceira, né?
Pois então, a gente sabe disso e eles, as big tecks donas desses títulos, também sabem. Porque sabem, fazem o que querem, impondo o jeito de funcionar que querem, pagando os direitos a quem querem, cobrando como querem.
Vida mansa, né?
Tão atrevidos que, despudoradamente, semana passada, ousaram enfrentar nossos Legislativo e Judiciário, expondo seus pretendidos desmandos.
Pensa que fazem isso usando só suas dezenas de ótimos lobistas? Ou seu exercito de mal intencionados bovinos fakenewseiros? Nani, nani.
Semana passada, fazendo o país de República das Bananas, usaram seus poderosos espaços parapropaganda – isso mesmo! – contra o PL 2630/20, também chamado de PL das Fake News, que iria a plenário, na Câmara, terça-feira, 2 de maio. (Em tempo, PL significa Projeto de Lei. Coisa do Legislativo, um dos 3 poderes da República brasileira).
Por dias, abusadas, as tais big tecks redirecionavam buscas de usuários para material de seu interesse. O seja, contra novas regulamentações das redes sociais.
É mole?
A putaria só arrefeceu quando o ministro Alexandre de Moraes, do STF/TSE – sempre ele! – impôs multa milionária pela ousadia.
O que pretende o PL 2630/20? Basicamente, propõe regulamentação mais adequada para as redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensagens que alcancem 1% da população. Assim, tenta conseguir também responsabilizar eimpedir – ou tornar muito mais difícil e mais caro – a disseminação das malditas fake news, particularmente as que usam contas robô (os boots). Essas tais fazem mais estragos, mas também rendem mais para o vendedor do serviço.
Fake News, como todo mundo sabe, mata, rouba e esfola. Quem pode ser a favor delas?
Com que propósito alguém tenta confundir a regularização do funcionamento das redes com censura? Quem, de boa fé, pode acreditar que as big tecks, estão defendendo a liberdade de expressão?
Defendem, claro, a libertinagem de expressão, a inconsequência e os ganhos máximos. Defendem o vale tudo onde os donos das redes não respondam a ninguém e, pela relevância e tamanho de poder, sigam funcionando acima das leis dos países onde operam.
O PL 2630/20 propõe também reconhecer e melhor remunerar direitos autorais nas veiculações, pelas redes, de textos, imagens e músicas. O que alcança jornalistas, artistas, criadores de conteúdo e influenciadores digitais.
Nada diferente do que a União Europeia aprovou no ano passado e que deve entrar em vigor em 25agosto deste 2023, depois de anos de intensosdebates e muita malvadeza. Como aqui, a má intenção repetia a proposital deformação de confundir regularização com censura.
Bem feito, lobby faz pau virar pedra, né não?
Enfim vencidas, nos 27 países da União Europeia as plataformas digitais estarão submetidos ao regime especial da Lei de Serviços Digitais (DSA) e ao Novo Regulamento sobre Mercados Digitais (DMA), aprovadas em julho de 2022.
A DSA enfrenta os conteúdos on-line ilegais e danosos. O DMA diz aos ‘gatekeepers’ o que eles podem ou não fazer para manter seus mercados abertos.
(Gatekeepers são empresas que, em virtude de sua posição dominante no mundo on-line, são difíceis de serem evitados pelos consumidores).
Por lá, os gatekeepers não poderão, por exemplo, classificar os próprios produtos ou serviços de maneira preferencial sobre outros. (O que se esbaldaram de fazer aqui na semana passada). Também não poderão usar dados pessoais dos usuários para fins de publicidade direcionada sem o explícito consentimento da pessoa. As “big techs” que violarem as regras de concorrência estão sujeitas a multas de 10% do seu faturamento global ou até 20% em caso de reincidência
A nova legislação da União Europeia atribui maiores responsabilidades às plataformas digitais e mais segurança para cidadãos, com menor exposição aos conteúdos ilegais, melhor proteção aos direitos fundamentais, maior possibilidade de escolha e preços mais baixos.
Segundo estudiosos do tema, as nova regulações comerciais trazem mais segurança jurídica para prestadores de serviços, regras mais claras para garantir a livre democracia, melhor supervisão de plataformas, além de reduzir o impacto de desinformação e manipulação de informações. Ferramentas de denúncia de conteúdo, por exemplo, deverão estar visíveis e acessíveis nas plataformas digitais.
Usuários menores de idade terão atenção e tratamento especial. Anúncios não poderão ser direcionados para crianças com base nos seus perfis. Ou seja, os algoritmos serão vigiados e contidos.
Em abril, a União Europeia publicou lista das plataformas digitais com mais de 45 milhões de usuários, que lá estarão sujeitas às novas Leis de Serviços Digitais. São eles: AliExpress; Amazon;App Store da Apple; Bing; Booking.com;Facebook; Instagram; Google; Google Play Store;Google Maps; Google Shopping; LinkedIn;Pinterest; Snapchat; TikTok; Twitter; Wikipédia;YouTube e uma tal de Zalando.
A partir de 25 de agosto, com a primavera chegando, na União Europeia, as big tecks que descumprirem os termos da DAS terão multas de até 6% do seu faturamento global, além de sofrer proibição temporária do funcionamento no espaço europeu de aplicativos.
Com tudo definido em leis, aprovadas por maioria, pode acreditar, por lá, ninguém vai acordar sem Google, YouTube, Facebook, Instagram, Amazon, Twitter e etc. Eles se adaptam.