domingo, 13 de novembro de 2016

O cinismo da democracia

Se era complicado entender as vitórias de Mauricio Macri na Argentina, de João Doria em São Paulo, de Alexandre Kalil em Belo Horizonte, o sucesso de Donald Trump nos Estados Unidos explicou tudo ao mundo inteiro.

Exaustão da política, dos modos, dos gestos, das palavras, dos discursos impolutos e ocos. Da oratória que multiplica as dúvidas, do jargão ególatra, ainda da indisfarçada sede de poder sem qualquer plano de governo. Não sabem nada de consertar os estragos, de conter a besta burocrática, os gastos vergonhosos.

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Culpam os outros, escracham os adversários. Aqueles que bajulavam como cabos eleitorais, levando ao fundo do poço o respeito e a decência.

Trump e sua tosca dialética deixam claro que boa parte do “mundo que pensa” cansou, desesperou e se dispõe a qualquer solução para se livrar do velho. A rejeição à velha política vale mais que qualquer razão.

Há milhares de anos surgiu o Homo sapiens, de Cro-Magnon, versão mais avançada que o Neandertal, depois extinto. Aqui, na política nacional e mundial, neste momento, temos por que crer numa mutação?

Embora seja cedo para dizer que os primeiros modelos da nova espécie sejam capazes de resolver, fica evidente que a espécie anterior, degenerada no petrolão, não atende mais. Acabou.

Desponta uma sede de realismo, pragmatismo. Revela-se no deboche dos “caras” da velha política e no sarcasmo que, quando benzido de verdade, “viraliza” nas redes.

Eduardo Cunha abriu a picada de Curitiba para o Congresso chegar até lá. Os paradigmas se esfarelam. Transparência se insurge, e a acessibilidade coloca números e letras no lugar aonde nunca chegaram.

As construtoras que lideraram por 60 anos a ladroagem no país, e ergueram o maior caso de corrupção do planeta, delataram os intocáveis. Serão presos como Cunha.

Com a sujeira interrompendo os financiamentos e as propinas, o Congresso parece empenhado em manter seus valores e dar mais um golpe no povo. Colocar austeridade nas campanhas não interessa, precisam ser caras e ter dinheiro ao alcance de quem está no Congresso. É a melhor forma de garantir uma reeleição.

Já que não existe mais um milímetro quadrado para engrossar o nepotismo, as verbas indenizatórias, os salários de assessores, os aluguéis de carros, as contas de celulares, viagens, restaurantes, imóveis, supermercados, planos de saúde, precisam inventar agora ou dilatar os dutos existentes.

A Câmara gasta R$ 6 bilhões por ano (R$ 10 milhões por membro efetivo), e o Senado, R$ 4,4 bilhões. Mais de R$ 50 milhões por senador (!). Entretanto, isso não farta os congressistas insaciáveis. Perderam momentaneamente o butim das estatais, que precisa ser reposto?

Foi instalada na terça-feira na Câmara, a toque de caixa, para coincidir a votação exatamente com as distrações das festas natalinas, a comissão que trata da reforma política. Parte do PSDB e tem o apoio de todos.

Prevê a criação do “Fundo de Financiamento da Democracia” (FFD). Sigla que, traduzida em miúdos, tira 2% da arrecadação líquida do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e a transfere aos cofres dos partidos políticos.

A ideia de “Neandertal” leva R$ 3 bilhões a cada ano para quem votará essa medida brilhante. Numa democracia, um Congresso decente levaria a referendo popular; aqui, não. Aqui somos mais espertos, legislando em causa própria e contra a economia popular.

Acrescentado com cinismo a palavra “democracia”, o Fundo Partidário será beneficiado com 414% de aumento, subindo de R$ 724 milhões para R$ 3 bilhões. Há dois anos era de R$ 180 milhões.

A verba alimenta farras despropositadas, num país que passa fome, além de inundar as campanhas eleitorais de quem votará a medida.

O autor do projeto é o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). A íntegra de sua proposta pode ser lida na internet. Pestana se preocupou em explicar à imprensa que as eleições municipais de 2012 (R$ 5,2 bilhões em gastos) e o pleito de 2014 (R$ 4,8 bilhões) requerem R$ 10 bilhões e ainda adicionou à cifra mais R$ 2 bilhões para “manter as portas dos partidos abertas” (atualmente R$ 724 milhões).

Quer dizer que os R$ 12 bilhões, tirados de quem trabalha, darão a cada quatro anos aos 594 congressistas (513 deputados e 81 senadores) mais um valor de R$ 20,2 milhões em média para cada!!!

Uma proposta dessa envergadura nenhum país mediamente civilizado aceitaria, e com ética abaixo do medíocre aceitaria, justamente com 12 milhões de desempregados, aos quais foram cortados os salários-desemprego.

Mostra-se ao mundo que os neurônios de nossos parlamentares são gastos num exercício de cinismo para asfixiar mais seu povo.

Deveriam os deputados que ganham R$ 470 mil por ano, em quatro anos R$ 1,88 milhão em salários, com verbas de gabinete mais R$ 3,2 milhões, em indenizações de despesas e viagens, R$ 2,8 milhões, agora com o “Fundo de Financiamento da Cleptocracia” irão mais R$ 20,2 milhões. Total de R$ 28 milhões por mandato.

Se alguém for a Brasília para um ato como o da Bastilha, em 14 de julho de 1789, me avise.

Trump e a cuva do rio

O mundo não acabou, apenas ficou mais louco. Esta frase, de um dirigente alemão, é precisamente o que penso depois da vitória de Donald Trump. Mas, às vezes, sou tentado a revê-la quando olho o Rio de Janeiro, lugar onde moro, ameaçado pelo caos e pela anarquia. Todos se lembram do Brexit, o rompimento da Inglaterra com a comunidade europeia. Também ali, imprensa e pesquisa foram traídos pelas circunstâncias. Esperavam um resultado que não veio.

O que há de comum nas supresas de Trump e do Brexit é a confiança na racionalidade inevitável da globalização. O filósofo John Gray escreveu muitas vezes sobre o tema. Para ele, o comunismo internacional e a expansão planetária do livre comércio são duas utopias nascidas do Iluminismo. Discordo apenas num detalhe: o livre comércio não se impõe à força, ninguém é obrigado a tomar Coca-Cola ou comprar tênis Nike.

Mas a verdade é que a globalização produziu perdedores nos países mais ricos e contribuiu para que alguns estados mais frágeis se dissolvessem em guerras fratricidas. As ondas de imigração levaram medo e inquietude. Na Inglaterra, temia-se pelo emprego e também pelos leitos de hospital e assistência médica.

Nos Estados Unidos, Trump denunciou acordos importantes como o Nafta e prometeu construir um muro na fronteira com o México. No seu discurso, um outro fator também aparece: o medo da desordem, da presença de criminosos que possam perturbar a paz americana, igualando o país a outros lugares caóticos do mundo.

Walt Whitman, num poema de 1855, dizia que os Estados Unidos é um país que não se representa por deputados, senadores, escritores ou mesmo inventores, e sim pelo homem comum. Durante quase toda a campanha, observando as entrevistas dos eleitores de Trump, não havia neles apenas o medo dos efeitos da globalização, mas também uma repulsa pelos políticos tradicionais. Alguns, mesmo discordando das bobagens que ele dizia, afirmavam: pelo menos é sincero, ao contrário dos profissionais. Outros mais exaltados gritavam abertamente para as câmeras: foda-se o politicamente correto.

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A suposição de que o progresso triunfa sempre é um contrabando religioso na teoria política. A história não é linear. E talvez os formadores de opinião e pesquisadores tenham perdido o pé por acharem, equivocadamente, que o triunfo sempre estará ao lado do que consideramos certo. É preciso mais humildade, mais presença na vida das pessoas para compreender que a globalização produz ressentimentos e que muitos anseiam pelos “velhos e bons tempos” de sua experiência nacional.

O caso do Rio deveria ser tratado à parte. Mas é um estado falido, algo que também não é estranho à história mundial. O Haiti é aqui, já dizia, profeticamente, a canção de Caetano e Gil. Falavam da Bahia, mas o verso inicial é válido para todos: pensem no Haiti.

Uma grande contradição na falência do Rio é o fato de que os mesmos políticos que arrasaram o estado são os responsáveis para liderar sua reconstrução. A falta de legitimidade torna a tarefa quase impossível. Depois de tanta incompetência e corrupção, grande parte das pessoas gostariam de vê-los na cadeia, e não no comando do estado.

Eles não vão renunciar. Será preciso que a sociedade se movimente, sem quebradeiras, sem gritos, para que as coisas voltem à normalidade. Ela também se deixou levar pela febre do petróleo. Em 2010, quando disputei com Cabral, já era evidente o colapso do sistema de saúde, a corrupção assustadora. Naquele momento, percebi que muitos intelectuais, alguns amigos queridos, continuavam seduzidos por um governo que mascarava a incompetência e corrupção com os abundantes recursos do petróleo. A sedução não envolveu apenas intelectuais críticos, mas todo o establishment. Hoje, os manifestantes gritam Bolsonaro, quando invadem a Assembleia. Como são policiais, e a família Bolsonaro sempre apoiou a corporação, não significa ainda um sentimento mais amplo na sociedade carioca, embora Bolsonaro, pai e filho, já sejam campeões de voto.

Será preciso humildade para compreender o que se passa, independentemente de nossas projeções teóricas sobre futuros luminosos. A cidade maravilhosa, cosmopolita etc. já está nas mãos de um grupo cristão que tende, ao contrário do Velho Testamento, a defender não uma ética particular, mas um caminho que deva ser universalmente aceito.

A gravidade da crise no Rio, caso sobreviva à quadrilha que o governou, e caso a sociedade não se esforce para buscar soluções, pode nos levar a um tipo de dissolução que encha as ruas de fantasmas perambulando com suas cestas de pequeno comércio, gangues dominando amplos setores da cidade e, sobretudo, saída em massa para o interior, para outros estados, para fora do país.

Pensem no Haiti, diz a canção. Precisamos mais do que isso: pensar no Haiti e fazer algo para evitar o mesmo destino.

Fernando Gabeira

O tempo histórico

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É hora da boa ortodoxia e do mau conservadorismo, mas isso não será para sempre. O PT, no Brasil, e a esquerda, no mundo, terão tempo para lamber as feridas, admitir que dinheiro não nasce em árvore, o populismo é danoso para o povo e o poder é para servir, não para se servir. O desgaste natural de quem quer que esteja no poder fará o resto
Eliane Catanhêde

Viagem nas bolhas de realidade

Recentemente, a tortura de negros foi assunto na minha sala de estar. O visitante era um funcionário público, um brasileiro abastado que vive em uma mansão nas montanhas do Rio de Janeiro. Eu não sei exatamente de onde vem seu dinheiro, mas imagino que parte seja herança, parte ele ganhe com seu impecável serviço ao cidadão. Ladrão deve ser tratado como ladrão, argumenta o meu visitante. Os bandidos da favela não entendem outra língua além da violência.

O que são alguns casos de tortura e execução pela polícia, sobre os quais a Anistia Internacional e a mídia vivem falando? Não são os policiais da cidade, continuou ele, as verdadeiras vítimas? Quem se incomoda com o número crescente de policiais assassinados? Por que tantas lágrimas de crocodilo na mídia sobre o parente de uma minoria de pele escura – todos traficantes! – levar uma bala?

Look through the glass and you will see a world of possibilities.:
A pele do meu visitante era tão branca quanto a temporada contínua de verão permite. Eu teria muito a contrariar em sua explosão, mas preferi ouvir em silêncio. O assunto sobre o qual eu queria falar com ele era completamente diferente, e não conseguiria mudar sua opinião. Além do mais, ouvir em silêncio é característica profissional de um jornalista. Quando se faz jornalismo da forma correta, é possível se tornar um viajante através das bolhas de percepção das outras pessoas. Pede-se informações que as pessoas têm e as deixa explicarem sua opinião. Quando não se concorda com elas, é importante pelo menos entendê-las. De outra forma, em algum momento se deixa de fazer jornalismo para apenas emitir opiniões sobre tudo.

Naturalmente voltei a pensar nas bolhas de percepção na noite desta quarta-feira, quando Donald Trump foi eleito nos Estados Unidos. Antes de vir para o Brasil eu fui correspondente por alguns anos nos EUA, e já naquela época eu notei como as pessoas viviam em realidades isoladas umas das outras. A minha própria bolha eram os escritores, artistas, músicos e frequentadores de cafés do meu bairro em Nova York. Eles cultivavam visões muito progressistas sobre o desenvolvimento da sociedade e muito desprezo pela província americana.

Para lá eu também viajei, para o interior dos EUA. Eu vi como o mundo parecia diferente para as pessoas de lá. Experimentei o temor a Deus, teorias da conspiração, percepções absolutamente desconectadas dos fatos em relação a questões de política e ciência. Muitos medos infundados de imigrantes, minorias, transformações tecnológicas. A visão cosmopolita dos meus hipsters nova-iorquinos eram incompreensível para essas pessoas, que consideravam a percepção da realidade deles estúpida ou mesmo maliciosamente distorcida.

Muitas dessas pessoas com certeza votaram em Trump. Para os observadores da eleição nos Estados Unidos, o fato de grandes grupos da população viverem em diferentes versões da realidade, com sua própria mídia, comunidades do Facebook e círculos sociais é a explicação mais importante para a ascenção de um Donald Trump.

É curioso experimentar essas bolhas como correspondente de um jornal, sem se envolver. No Brasil, país onde trabalho atualmente, não é diferente dos Estados Unidos. Sim, queridos brasileiros: ao viajar por seu vasto país sou apresentado a noções surpreendentemente diferentes de verdadeiro e falso, bem e mal. Mas para mim são realidades de pessoas estranhas em um país estranho, elas não me afetam verdadeiramente. Em casa, na Alemanha, eu me irrito com muitos assuntos, por exemplo o debate sobre os refugiados. Aqui no Brasil o vai e vem da discussão sobre "quem é mais corrupto, o PT ou o PMDB?" geralmente não me afeta. No Brasil eu converso sem problemas primeiro com um pastor evangélico, depois com um militante do MST. Eu já estive com o movimento "Vem pra rua" e com a presidente Dilma. Entrevistei fazendeiros que mantêm escravos na zona rural e depois ouvi debates de estudantes de sociologia sobre as vítimas. E registro essa incrível variedade de universos com interesse.

O torturador em espírito que outro dia esteve na minha sala me causou desagrado. Mas, acima de tudo, eu tinha interesse em descobrir de onde vêm as opiniões dele. É preciso entender os preconceiros dentro de suas próprias bolhas. E como muitos cariocas da classe média, meu visitante teve experiências ruins nos selvagens anos 90. Eu já tinha ouvido que naquela época o Rio era muito mais perigoso do que hoje: tiroteios, assaltos, arrombamentos, uma classe média armada e entrincheirada. Por causa disso, o homem nunca tinha colocado os pés numa favela. Também nunca esteve em um quilombo ou em um subúrbio do nordeste. De alguma forma, ficou impregnado na história, no status social, no comportamento brasileiro e no medo desse homem que ele só conheça pessoas de pele escura como empregados domésticos e nada mais. Quando conta bravatas sobre como se deve dar tiros nos "bandidos das favelas", ele não tem a menor ideia do que está falando.

Então não seria ruim se no Brasil (e na Alemanha também) mais pessoas se tornassem viajantes nas diferentes bolhas de realidade, assim como nós, correspondentes estrangeiros. Eu tenho certeza absoluta: se algum dia o Brasil vier a eleger um Donald Trump como chefe de governo, o meu visitante e entusiasta da tortura, que sabe tão pouco sobre as outras pessoas, seguramente terá votado nele.

Thomas Fischermann

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Shang-Li, Sichuan, China:
Sichuan, China

Problemas internos são muito piores que Trump

A primeira disputa entre o governo brasileiro e a administração do recém-eleito Donald Trump já está armada. Brasília começou na semana passada uma ação contra a nova barreira erguida nos Estados Unidos contra o aço fabricado no Brasil. A iniciativa foi do presidente Barack Obama, em mais uma tentativa de socorrer a enfraquecida siderurgia americana. O assunto ficará para o republicano, um autoproclamado protecionista. Se ele for fiel às promessas de campanha, poderá ir muito além de seu antecessor na criação de entraves ao comércio. Como candidato, anunciou até a disposição de rever acordos e de confrontar o sistema internacional de regras comerciais. Todos têm motivos para preocupação, mas no caso brasileiro é necessária uma ressalva. Barreiras no exterior são sempre ruins, ninguém pode negar, mas os principais obstáculos ao sucesso comercial das empresas brasileiras estão mesmo dentro do País.

Embora inquietante, o populismo protecionista do presidente eleito dos Estados Unidos é menos perigoso que as causas internas da baixa competitividade brasileira. Enfrentá-las deve ser prioridade do atual governo, com apenas mais dois anos de mandato, e de seu sucessor. Mesmo os setores e empresas mais competitivos do Brasil são prejudicados por um número enorme de problemas sistêmicos. A lista é fácil. Inclui pelo menos a infraestrutura deficiente, a tributação irracional, a burocracia excessiva, a insegurança jurídica, o peso de governo caro e improdutivo e, é claro, um dos piores sistemas educacionais do mundo emergente.

Não adianta confrontar as taxas nacionais de alfabetização de hoje com as de dez ou vinte anos atrás. As taxas podem ter melhorado, mas o analfabetismo funcional continua muito elevado. Pelos dados oficiais, deve estar pouco abaixo de 20% da população com idade a partir de 15 anos, mas os fatos observados no dia a dia parecem mostrar um quadro bem pior.


A formação oferecida até o curso médio é desastrosa, como comprovam, em primeiro lugar, as provas de redação zeradas no Enem. A mera perspectiva de provas com nota zero na redação é assustadora, mas esse é um dado rotineiro.

A catástrofe da educação fundamental é confirmada periodicamente nos testes internacionais. No mais famoso, o Pisa, mantido pela OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, os estudantes brasileiros têm ficado regularmente entre os dez últimos, num conjunto de 65. Quem ainda tiver dúvidas sobre o assunto poderá eliminálas consultando as associações industriais, como a CNI e a Fiesp, acerca da qualidade média da mão de obra encontrada no mercado.

No item educação primária, o Brasil ficou em 120.º lugar, pela qualidade, numa lista de 138 países, no último relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial, publicado em setembro. No quesito formação superior, o País ficou na 84.ª posição, no mesmo conjunto. Sempre no terço inferior, portanto, embora ainda seja uma das dez maiores economias, pelo tamanho do produto interno bruto (PIB).

Na classificação geral, o País caiu seis posições em um ano, passando ao 81.º lugar. A melhor colocação foi alcançada em 2012, quando o Brasil ocu- pou o 48.º posto. O recuo ocorreu muito rapidamente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e ainda se acelerou na fase de recessão. As condições conjunturais pesaram na avaliação, mas os quesitos de longo prazo continuaram muito ruins. A educação é um exemplo importante, quando se trata de medir as desvantagens competitivas.

Mas a qualidade da administração, a inflação, o desarranjo fiscal, a segurança pública deficiente e as dificuldades para fazer negócios têm permanecido, ano após ano, como fatores de grande relevância. A lista de entraves aos negócios inclui tanto fatores institucionais, como a complicada regulação tributária, quanto – digamos – in- formais, como a corrupção. O combate à corrupção é elogiado, mas o problema permaneceu com destaque na lista dos entraves mencionados nas entrevistas da pesquisa.

A administração pública deficiente e o estado precário das finanças oficiais aparecem de forma recorrente nas pesquisas de competitividade, assim como os impostos pesados e de baixa qualidade e a complicada regulamentação tributária. O ajuste contábil das contas públicas é, portanto, apenas uma das tarefas necessárias, na área fiscal, para tornar a economia brasileira um pouco mais eficiente.

É preciso levar em conta, nesse tópico, uma agenda muito mais ambiciosa e politicamente complicada. Uma reforma tributária razoável deverá envolver o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, cobrado pelos governos estaduais. Não bastará eliminar a guerra fiscal entre Estados. Será preciso, também, livrar totalmente as exportações e os investimentos produtivos do peso dos tributos. Será preciso negociar o assunto com 27 governadores.

No dia a dia, fala-se muito do câmbio quando se trata de competitividade, mas pouco se discutem os fatores estruturais, como sistema tributário, educação, pesquisa e tecnologia, eficiência do governo, inflação controlada e estabilidade fiscal. São fatores como esses as principais vantagens das economias mais competitivas e com maior potencial de geração de empregos.

Políticas industriais voluntaristas, baseadas no protecionismo e na distribuição de benefícios a grupos e setores, tendem a fracassar e – pior – produzir desastres. A Organização Mundial do Comércio (OMC) acaba de condenar políticas desse tipo, exploradas amplamente pelo governo anterior. A condenação nem é o pior detalhe dessa história. Pior foi o fracasso, acompanhado de custos fiscais e financeiros enormes e de uma recessão com 12 milhões de desempregados. Trump pode ser um perigo, mas nem de longe comparável com os problemas made in Brazil.

Mesmo sem barreiras no exterior o Brasil já tem um poder de competição muito baixo

Cerco de políticos à Lava Jato é suprapartidário

Acompanhar a atividade política no Brasil tornou-se um desafio. Sabe-se que há políticos piores e melhores. Entretanto, é mais difícil discernir uns dos outros. Os gatunos ficaram ainda mais pardos depois que a política virou apenas mais um departamento da Construtora Odebrecht —o ‘Departamento de Negócios Estruturados’, enfemismo para setor de propinas. A conspiração legislativa contra a Lava Jato, que era envergonhada, desinibiu-se. Cresce na proporção direta do avanço dos depoimentos resultantes do acordo de delação premiada dos executivos da maior construtora do país.

O cerco à investigação é suprapartidário. Envolve também o governo. Michel Temer faz juras de amor à força-tarefa de Curitiba. Mas o Planalto comporta-se como uma espécie de São Jorge que sai para salvar a donzela e acaba casando com o dragão. O esforço para “estancar a sangria” faz lembrar a sucessão de investidas de políticos italianos contra a Operação Mãos Limpas, que foi deflagrada em 1992 e desnudou as relações orgânicas e promíscuas do sistema político da Itália com empresas e o crime organizado.


No Congresso brasileiro, trama-se aprovar uma anistia para todos os políticos que receberam dinheiro ilegalmente via caixa dois. Participam da articulação os principais partidos. Entre eles, por exemplo, PMDB, PT, PSDB, DEM, PP e PR. A ideia é enganchar a emenda da anistia na proposta de criminalização do caixa dois que integra o pacote de medidas anticorrupção embrulhado pelos procuradores da Lava Jato. Alega-se que o uso de caixa clandestino é disseminado na política. Sustenta-se, de resto, que não se pode criminalizar a todos indistintamente.

Num célebre discurso feito em 3 de março de 1992 no Parlamento italiano, o ex-primeiro-ministro da Itália Bettino Craxi, um dos principais investigados da Operação Mãos Limpas, disse o seguinte: “…Infelizmente, é usualmente difícil identificar, prevenir e remover áreas de infecção na vida dos partidos… Mais: abaixo da cobertura do financiamento irregular dos partidos, casos de corrupção e extorsão floresceram e tornaram-se interligados.”

Abusando do cinismo, Bettino Craxi prosseguiu: “O que é necessário dizer e que, de todo modo, todo mundo sabe, é que a maior parte do financiamento da política é irregular ou ilegal. Os partidos e aqueles que dependem da máquina partidária ]…] têm recorrido a recursos adicionais irregulares. Se a maior parte disso deve ser considerada pura e simplesmente criminosa, então a maior parte do sistema político é um sistema criminoso. Eu não acredito que exista alguém nessa Casa e que seja responsável por uma grande organização que possa ficar em pé e negar o que eu digo. Cedo ou tarde os fatos farão dele um mentiroso.”

Em março de 1993, por iniciativa do governo do então primeiro-ministro Giuliano Amato, foi ao Parlamento da Itália uma proposta de descriminalização das doações ilegais de dinheiro para os partidos políticos. A desfaçatez provocou uma reação liderada por estudantes. Orgazinizaram-se passeatas. Escolas paralisaram suas atividades. E a proposta não passou. A anistia tramada no Brasil para as doações subterrâneas não é senão uma provocação às ruas, que reaprenderam a roncar na jornada de junho de 2013.

Líder do governo Temer na Câmara, o deputado André Moura (PSC-SE) empinou na semana passada proposta de modificação das regras dos acordos de leniência, como são chamadas as delações de empresas. A proposta alivia a punição de empresas, livra seus executivos de condenações penais e retira da mesa de negociações o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União. Um acinte.

Acompanhado do ex-deputado Sandro Mabel, hoje assessor do Planalto, André Moura exibiu o texto ao ministro Torquato Jardim (Transparência), que levou o pé atrás. Havia na Câmara um pedido para que a encrenca tramitasse em regime de urgência. Súbito, esse requerimento foi retirado de pauta pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). E Moura tentou sair de fininho, negando ser o autor do projeto. O fantasma continua, porém, pairando sobre o plenário da Câmara.

Simultaneamente, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, voltou a retirar da gaveta o projeto que altera a Lei de Abuso de Autoridade. Relator da proposta, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), novo líder de Temer no Senado, bateu em retirada. Mas Renan prometeu indicar um novo relator até quarta-feira. A banda muda do Senado adere silenciosamente à iniciativa.

O juiz Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato enxergaram na iniciativa de Renan uma tentativa de intimidação. Multiinvestigado, Renan não se deu por achado. Disse que convidará Moro e o procurador Deltan Dellagnol, coordenador da Lava Jato, para debater o projeto no Senado.

Na Itália, os botes tramados contra os investigadores foram ainda menos sutis. Em julho de 1994, por exemplo, projeto de iniciativa do governo do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi sugeria simplesmente que fosse abolida a possibilidade de prisão antes do julgamento para determinados crimes. Entre eles os crimes de corrupção ativa e passiva. O time de procuradores da Mãos Limpas ameaçou com a renúncia coletiva. As ruas reagiram. Houve mobilizações populares defronte dos tribunais. E a proposta foi rejeitada.

Onze anos antes de autorizar a deflagração da Lava Jato, hoje a maior operação de combate à corrupção da história brasileira, o juiz Sergio Moro escreveu, em 2004, um artigo sobre a Operação Mãos Limpas. Foi desse artigo, disponível aqui, que o repórter retirou as informações reproduzidas acima sobre a operação italiana. No seu texto, Moro soou premonitório. Foi como se adivinhasse o que estava por vir.

“É ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações. Um Judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, é condição necessária para suportar ações judiciais da espécie. Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial.”

A Mãos Limpas fisgou 6.069 pessoas. Entre elas 872 empresários, 1.978 agentes públicos e 438 parlamentares. Expediram-se 2.993 mandados de prisão. ''As investigações judiciais dos crimes contra a administração pública espalharam-se como fogo selvagem, desnudando inclusive a compra e venda de votos e as relações orgânicas entre certos políticos e o crime organizado'', escreveu Moro no artigo de 2004. Ao final, algo como 40% dos investigados não foram punidos. Leis foram alteradas. E os crimes prescreveram.

No Brasil, nos casos que dependem do Supremo Tribunal Federal, não houve nenhuma condenação. Há na Suprema Corte 42 investigações relacionadas à Lava Jato. Incluem a impressionante soma de 110 investigados. Há na lista 29 deputados federais e 13 senadores. Nenhum foi condenado. A maioria não foi nem denunciada pela Procuradoria-Geral da República. A delação da Odebrecht engordará os escaninhos do Supremo. Os políticos estão cada vez mais distantes do ideal de representantes da sociedade. As pessoas já não enxergam coisas nossas na política. É tudo uma imensa Cosa Nostra.

Alegria da dança

Dança da garrafa, em cerimônia de casamento judaico, no filme
 "Um violinista no telhado", de Norman Jewison

O que fazer depois da vitória de Trump?

Enquanto milhares de norte-americanos lamentam e protestam contra o triunfo de Donald Trump, O cineasta Michael Moore recomenda uma série de ações diante da nova realidade do país. Em sua página no Facebook, o documentarista escreveu duas listas de coisas que os cidadãos podem fazer depois da eleição presidencial. A primeira, publicada na quarta-feira passada, registra mais de 196.000 compartilhamentos no Facebook em dois dias. A segunda soma mais de 6.000 em menos de 24 horas. “Parem de dizer que estão muito surpresos com o resultado”, escreve o diretor em uma das publicações. “O que estão querendo dizer na verdade é que viveram em uma bolha todo esse tempo.”


Moore, que realizou um documentário sobre Trump e seus simpatizantes, já havia predito que o candidato venceria a eleição presidencial em uma carta publicada em seu site oficial em julho deste ano. “Nunca em minha vida desejei tanto que alguém demonstrasse que estou enganado”, escreveu na publicação. Esse artigo também foi compartilhado por centenas de usuários nas redes sociais. Aqui apresentamos um resumo das 12 recomendações feitas pelo cineasta em suas duas listas.

1. Recuperem o Partido Democrata e devolvam-no ao povo. Seus membros atuais nos decepcionaram.

2. Não levem mais em conta a opinião dos analistas, comentaristas e pesquisadores que se negaram a ouvir e aceitar o que realmente estava acontecendo.

3. Peçam a renúncia de qualquer membro do Partido Democrata que não esteja pronto para brigar, agir e resistir como fizeram os republicanos durante as administrações de Obama.

4. Parem de dizer que estão surpresos com a vitória de Trump. Melhor sair de sua bolha para ver todos os norte-americanos na miséria que estão furiosos com um sistema que os ignorou por anos.

5. Digam esta frase a todos que encontrarem hoje: “Hillary Clinton ganhou por voto popular!” Trump ganhou por um sistema eleitoral arcaico do século XVIII. Até que não haja uma renovação continuaremos tendo esses resultados.

6. Criem um partido de oposição com membros jovens como os do Ocuppy Wall Street e Black Lives Matter (movimento de denúncia de assassinatos a afroamericanos por parte da polícia). Os racistas e misóginos não terão espaço nesta organização.

7. Preparem-se para destituir Trump. Assim como os republicanos prometeram tirar Hillary Clinton em seu primeiro dia como presidente, vocês devem se preparar para denunciar Trump quando violar a lei.

8. Levantem a voz para evitar que qualquer candidato de Donald Trump para o Supremo Tribunal chegue a essa posição se não atender nossos padrões.

9. Exijam que a Convenção Democrata se desculpe com Bernie Sanders por não lhe dar uma verdadeira oportunidade de concorrer como candidato à presidência.

10. Peçam uma investigação para encontrar as pessoas por trás do relatório do FBI sobre os e-mails de Clinton a 11 dias da eleição.

11. Comecem uma iniciativa de reforma do sistema eleitoral.

12. Convençam Obama a enviar os engenheiros da Marinha dos Estados Unidos a Flint (Michigan) para substituir seu sistema de abastecimento de água. Já se divulgou que a água está contaminada por químicos desde 2014.

Por um punhado de reais

O tempo passa e mostra que a “Lei de Gérson”, a compulsão por levar vantagem em tudo, é um dos vícios mais arraigados e nefastos da cultura política brasileira. É a raiz da derrocada de Lula. Se tivesse apenas comprado o triplex do Guarujá como qualquer mortal, pagando pela reforma, elevador e cozinha, não teria nenhum problema.

Com certeza, tinha rendimentos que davam de sobra. Mas não, por gostar de levar vantagem em tudo, preferia receber o triplex como um agrado dos seus amigos da Odebrecht, por ter sido tão amigo deles. Mas tão logo O GLOBO revelou o triplex, Lula consultou os advogados e resolveu “desistir” do apartamento. Mesmo depois das visitas de Marisa Letícia e Lulinha, que aprovaram as reformas e os equipamentos. E ainda escrachou o triplex como “muquifo”, e “minha casa minha vida”, como se vivesse em um palácio na fulgurante São Bernardo.


O mistério é: se não fosse para ele, para quem a Odebrecht teria feito tudo aquilo? Se, por sorte, Lula já tivesse fechado o negócio antes da revelação pública do triplex, o pior que poderia lhe acontecer seria, mesmo contrariado, ter que pagar pelas reformas, elevador e cozinha, para evitar problemas. E não teria problema algum.

Mas não, mesmo tendo ganho uma pequena fortuna, digamos, legitimamente, com suas palestras de R$ 300 mil, o cara não queria gastar R$ 1,2 milhão para pagar as obras feitas pela Odebrecht. Achou mais esperto desistir para não criar problemas, e aí que criou. Se não gostasse da vizinhança, se não tivesse privacidade na praia em frente, poderia vendê-lo algum tempo depois, valorizadíssimo como “o triplex do Lula”, e embolsaria uma boa grana para comprar uma bela casa em Maresias, que é mais privê. Zero problema.

Hoje, os Lula da Silva poderiam estar desfrutando seus fins de semana com todo o conforto e uma bela vista para o mar do Guarujá. Mas não, ele preferiu criar a fantasia do apartamento que era mas não era dele, e se enrolar em problemas judiciais que podem até levá-lo à cadeia. Por um punhado de reais. Esperteza, quando é muita, come o esperto. Não foi a ambição, mas o orgulho que ferrou Lula.

Nelson Motta

Paisagem brasileira

Praia do Leme (Rio), Breno Treidler (1888)

Cadê o futuro?

Nós somos o país do futuro! Eu era criança e ouvia isso. Lembro que na época o presente era complicado, e o passado havia sido difícil. No entanto, nada disso importava, afinal, habitávamos o país do futuro. O Brasil não tinha furacão, terremoto nem bomba nuclear. “Plantando-se, tudo dá”, ouvia-se à época.

Eu crescia esperando o gigante adormecido acordar. Saibam os que são jovens agora que é muito bom ser criança e adolescer, tendo fantasias, sonhando, crendo no futuro, acreditando que tudo será melhor, maior. Aliás, é muito bom olhar no horizonte e alguém colocar as mãos nos seus ombros e dizer: “meu jovem, um mundo maravilhoso te aguarda...”

Confesso que, na minha época, a TV Itacolomy, sempre na liderança, nem sonhava com a Rede Globo e funcionava das 18h às 22h. Então, jogar uma pelada no Colégio Arnaldo, ir à turma do Salivão na rua Carandaí esquina com a Piauí, escutar Beatles, falar de paz e amor, longe de ser ridículo, servia de pano de fundo para discutir a ditadura, a guerra do Vietnã, discutir se o mundo deveria se vergar ao capitalismo ou ao comunismo. Valia a pena. Só havia um mundo: o real. E o olho no olho.

crânio com óculos psicodélicos realmente fica muito bom o contraste entre cores:
Sinto falta de ter futuro. Para uma criança, um adolescente, um adulto jovem ou um idoso, o incerto, o insano e o trágico não deveriam ser o esperado. Sem esperança, o caminhar é silente, cabisbaixo, deprimente. Associar o que está por vir ao fim dos tempos é reconhecer a nossa incompetência em construir nosso passado e usufruir do nosso presente. Queria dizer aos filhos que “nós, pais…”.

Mas cadê nossos filhos, que não nos rodeiam? Nem nos ouvem, hipnotizados, sequestrados e adotados que foram pelos eletrônicos, habitando o ciberespaço, nas redes e nos games no quarto ao lado, tão perto, mas tão longe? Terão emprego ou continuarão parasitando os pagadores de carnês, maltratando os que habitam o mundo real do dia a dia, os chatos dos adultos mortificados pelas preocupações da sobrevivência imediata? Pois para os que habitam a tela, só existe o presente! Ele é virtual, obedece a ágeis e nervosos toques em telas e gira em incontáveis aplicativos e recursos. Os jovens estão em mil lugares, menos aqui mesmo. Não se interessam pelo futuro.

Os idosos já estão no futuro... Do pretérito, tentando resgatar lembranças de tempos em que ser feliz era uma coleção de pequenas coisas simples e mágicas. Aos adultos, a pressão de competir ou extinguir, a sucessão de más notícias, a constatação de que fomos enganados. Não éramos o país do futuro, mal éramos um país. Viramos um mundo global. Um mundo disforme, injusto, paridor de excrescências como um Trump aqui, um Putin ali, um Assad acolá. Pensando bem, se a eternidade compensar, o tempo é um mero detalhe.

Valemos mais do que as estrelas

Sebastiao Salgado                                                       …:
Sebastião Salgado
Qualquer indivíduo é mais importante que toda a Via Láctea
Nelson Rodrigues

R$ 600 milhões em diárias só em 2016

O governo já pagou R$ 598,6 milhões em diárias este ano. A bolada foi dividida por mais de 192 mil pessoas, a grande maioria de funcionários públicos, que, ao contrário dos mais de 12 milhões de desempregados, não sentem a crise econômica que assola a economia. Cerca de R$ 136 milhões (22% do total) não possui detalhamento do gasto. Tudo é mantido como sigiloso para garantir a “segurança da sociedade”. A informação é do colunista Cláudio Humberto, do Diário do Poder.

Resultado de imagem para tio patinhas e os irmaos metralhas
A Saúde, via Agência de Vigilância Sanitária, lidera a lista dos diaristas. Os 10 maiores gastões levaram, em média, R$ 118,5 mil só em 2016.

Bernardo Vertamatti, do Ministério de Ciência e Tecnologia, é campeão de diárias nos governos do PT. Recebeu R$ 975,6 mil de 2004 a 2015.

Em 2010, último ano de Lula na Presidência, o governo petista gastou mais de R$ 1,5 bilhão em diárias (valores atualizados pela inflação).

Rio de Janeiro, da euforia à depressão

O jovem Edvaldo Bispo criava pintinhos em uma granja do interior da Bahia quando três anos atrás mudou-se, com 200 reais no bolso e a bênção do seu pastor, à Cidade Maravilhosa. José das Graças e Claudio Gomes concluíram uma barragem em Sapucaia, no interior do Rio, e em seguida foram chamados para trabalhar no novo porto da capital. Edvaldo Pereira, outro baiano, era carpinteiro em um município litorâneo que vive de plantações de cacau e veio para o Sudeste atraído pela altíssima demanda de força de trabalho. As mãos de todos eles erigiram as obras que tornaram o Rio a capital olímpica, mas hoje, com os trabalhos concluídos ou parados, aguardam em uma sala de cadeiras amarelas e uma tevê sem volume a homologação das suas demissões, ou a dos colegas que não estão mais aqui. É hora de voltar para casa.

O Rio já não é mais a cidade dos Jogos nem um produtivo Estado petroleiro. Acabou a festa, o preço do petróleo despencou, a crise nacional e as investigações anticorrupção paralisaram investimentos e, sem novas receitas, a euforia terminou. A taxa de desocupação, segundo a Pnad, passou de 3,5% em 2014 a 6,7% (frente ao 11,8% nacional), e parte deste aumento se deve à entrada de novas pessoas no mercado de trabalho à procura de um emprego.
paixao

O Rio também não é mais exemplo de sucesso, representado com aquele Cristo Redentor decolando como um foguete na capa da revista The Economist para ilustrar a bonança do Brasil em 2013. Pelo contrário. Hoje o próprio governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) diz que o Rio está "ficando ingovernável" e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, coloca o Estado como o exemplo do que não deve ser feito, e justifica assim, de passagem, um severo ajuste fiscal nacional para recuperar as finanças do país. “O que está acontecendo no Rio de Janeiro é didático. Mostra que alguém tem de pagar [a conta do descontrole de gastos e da previdência social]”, disse recentemente. A situação no Rio é tão crítica que o salário de outubro dos servidores vai ser parcelado em até sete vezes e ninguém garante que o décimo terceiro salário chegue às contas dos servidores no final do ano. Duvida-se até do pagamento da folha dos próximos meses.

O Governo do Rio, comandado pelo PMDB desde 2006, começou a agir e, além de se mobilizar em Brasília na procura de ajuda federal, elaborou um pacote de medidas de ajuste que por quatro dias seguidos tem levado os servidores públicos às ruas. Eles não são mais sinônimo de estabilidade, hoje há quem os veta na hora de alugar um apartamento. Serão eles, seguindo o plano anticrise, os primeiros a pagar a conta com um aumento do desconto de 11% para 14% para a contribuição previdenciária. Essa medida era ainda mais severa (com a criação de uma alíquota extraordinária de 16%), mas levou os servidores às ruas, à Justiça a paralisá-la e à própria Assembleia Legislativa a devolvê-la ao Governo “por comprometer demais a renda dos servidores”. O Governo pretendia arrecadar com ela boa parte do dinheiro que se busca com todo o pacote de ajustes (4,7 bilhões de 13,3). A Previdência pública no Estado, mesmo com os ajustes, só deixará de ser deficitária daqui a, no mínimo, 20 anos. Sem essa medida, dizem seus idealizadores, ficam comprometidas o resto de iniciativas.

O “pacote da maldade”, como foi batizado pelos manifestantes, contempla o corte de secretarias e de 30% dos salários do governador e seus secretários, mas também um aumento dos impostos para a energia, cerveja, cigarros, gasolina e telefone, a extinção de programas sociais, como os comedores populares ou o aluguel social, ou o aumento do preço do bilhete único. “As medidas são draconianas, mas necessárias. Mas o Estado precisa procurar receitas. A crise não é devido a um aumento do gasto, é devido a uma queda absurda das receitas de impostos, de royalties do petróleo e de transferências federais em um Estado com um planejamento falho, dependente do petróleo e com uma estrutura produtiva ainda oca”, lamenta o economista e professor da UFRJ, Mauro Osório.

Para Osório o Rio nunca viveu uma euforia real. “A partir de 2008, o Rio se aproxima à média nacional de crescimento, ganhou a Olimpíada, a indústria automobilística cresceu no Estado, beneficiou-se do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), teve investimentos federais e uma boa sintonia entre seus governantes, mas não houve um planejamento mais consolidado, e apostou-se principalmente na política de isenção fiscal para atrair investimentos”, explica. As isenções fiscais, cujos valores não são divulgados com total transparência, beneficiam de grandes empresas que instalaram-se no Estado graças a elas a joalherias.

O cenário que vem pela frente não é nada esperançoso. “É assustador”, opina Osorio. “Imagina que em janeiro o Estado não tem como pagar o décimo terceiro e a Justiça congela as contas do Estado até os salários dos servidores serem pagos. Não vai ter dinheiro para pagar a comida dos presos, nem para comprar remédio nos hospitais. É muito grave”.

Na sala onde os trabalhadores aguardam para formalizar suas demissões, Nilson Duarte, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sitraicp), o setor que mais empregos perdeu pela crise, recusa também qualquer otimismo. “As principais obras estão quase todas paradas, e obra de infraestrutura é fundamental para fazer girar a economia. No ano passado, 9.000 pessoas passaram por aqui para homologar suas demissões, esse ano já são 14.000. O sindicato tem 14 anos e nunca passamos por esta situação. Não temos perspectiva”, lamenta Duarte. “No Brasil, todo volta a funcionar depois do Carnaval, mas eu não sei se vai ser dessa vez.”