Não quero chegar daqui a um tempo e falar para a minha filha que não fiz tudo o que podia para não chegar a uma ditadura. Acredito que estamos em uma ditadura, mas a tendência dela é piorarEduardo Bolsonaro, em ato de desagravo a Roberto Jefferson, preso por ordem do STF
sexta-feira, 20 de agosto de 2021
Ditadura admitida
A crueldade do ministro da Educação com as crianças com deficiência nas escolas
Que a educação pública no Brasil, assim como a saúde, esteja ameaçada pelo Governo de extrema direita de Jair Bolsonaro não é segredo. Seu olhar está voltado à preferência pelo privado, o que significa a exclusão dos mais pobres, bem como daqueles que sofrem de alguma deficiência física.
Dias atrás, em entrevista à TV Brasil, o ministro da Educação, o pastor evangélico e teólogo Milton Ribeiro, da Igreja Presbiteriana, afirmou que a inclusão de alunos com deficiência em escolas públicas “atrapalham” o aprendizado das “crianças normais”. É uma crueldade e ainda mais na boca de um pastor evangélico que deveria defender minorias. É uma traição, dele que é teólogo, do espírito cristão, que põe em primeiro lugar todos aqueles que sofrem abandono por causa de suas deficiências.
A escola pública brasileira está na vanguarda na questão da inclusão com a PNFF (Política Nacional de Educação Especial). O ministro criticou a norma progressista e defendeu a criação de escolas especiais para alunos com deficiência, o que nos traz tristes ecos do nazismo —quando, como os judeus, deficientes eram sacrificados e condenados ao extermínio por serem considerados inúteis para a raça ariana pura. Hoje, o ministro evangélico brasileiro quer trancar crianças com deficiência em guetos, uma política que já foi rejeitada pelo STF.
Além de cruel, a proposta vai contra a política de inserção da pessoas com deficiência na sociedade, sem que sejam consideradas um estorvo para os demais. Afirmar que tais alunos atrapalham os outros em sala de aula vai contra todos os ensinamentos da psicologia moderna. Não é apenas que esses alunos devam ser colocados em guetos, mas que a pedagogia contemporânea, respaldada pela psicologia, tem mostrado que eles se desenvolvem e aprendem melhor ao lado dos chamados “normais” porque não se sentem excluídos.
Sem dúvida, é difícil para muitos professores lidar com os alunos que têm algum tipo de deficiência, mas para isso havia sido estabelecido que as escolas deveriam ter professores especializados em lidar com esses alunos e inseri-los o máximo possível na convivência com os demais.
A realidade é que essas crianças se desenvolvem melhor e ficam menos infelizes no contato amigável e humano com os outros estudantes. O oposto é condená-las a sofrer duplamente por sua deficiência.
As palavras do ministro pastor, de que esses alunos atrapalham os “normais”, me fizeram lembrar de uma situação pessoal em uma escola pública onde fui convidado a apresentar meu livro de literatura infantil Una carta para Dios de un niño curioso. Enquanto eu estava à mesa falando para cerca de duzentos alunos, de repente um deles, com deficiência, veio até a mesa e com a maior naturalidade se postou ao meu lado e começou a acariciar minhas mãos e me oferecer demonstrações de afeto. Uma professora preocupada veio imediatamente retirar o aluno. Pedi que ela o deixasse ali, pois não me incomodava. O menino passou toda a conversa ao meu lado feliz e sorrindo e aplaudindo quando os outros o faziam enquanto continuava beijando minhas mãos. A professora, preocupada e ao mesmo tempo compreensiva, deixou-o ao meu lado. O aluno até quis participar do debate fazendo uma pergunta, sempre sorridente e feliz. E o restante dos alunos viu a cena com naturalidade, sem nenhum gesto de desagrado.
O ministro evangélico da Educação não só defende a criação de escolas gueto, mas na mesma entrevista argumentou que as universidades deveriam ser “só para poucos”, com a desculpa de que hoje é melhor que os alunos façam cursos técnicos. Se é verdade que hoje o mundo digital vai precisar de mais especialistas técnicos do que filósofos ou advogados, o que aparece na nova política universitária bolsonarista é que as universidades devem ser para as elites e, portanto, particulares. Para os pobres, que são maioria no país, basta um curso técnico, deixando as chamadas profissões nobres e intelectuais para as minorias privilegiadas de famílias capazes de custear uma universidade de elite.
E se parece uma crueldade criar escolas guetos para as crianças com deficiências, separadas das demais, não é menos sugerir que os mais pobres se contentem com cursos técnicos, deixando as profissões chamadas “nobres” para os filhos das famílias mais abastadas.
A verdadeira política humanista é aquela em que o Estado oferece a possibilidade de que sejam os estudantes, por vontade própria, pobres ou ricos, que escolhem uma profissão técnica ou universitária, como já se faz nos países mais civilizados. Todo o resto é puro racismo e política elitista que voltará a deixar as classes mais necessitadas à margem do poder. Seria a perpetuação da escravidão e a cruel separação entre privilegiados e excluídos. Seria continuar mantendo as castas de intelectuais e de técnicos, o que implica a sutil política de manter viva a elite que sempre ocupou o poder nos moldes do mais cruel capitalismo.
Dias atrás, em entrevista à TV Brasil, o ministro da Educação, o pastor evangélico e teólogo Milton Ribeiro, da Igreja Presbiteriana, afirmou que a inclusão de alunos com deficiência em escolas públicas “atrapalham” o aprendizado das “crianças normais”. É uma crueldade e ainda mais na boca de um pastor evangélico que deveria defender minorias. É uma traição, dele que é teólogo, do espírito cristão, que põe em primeiro lugar todos aqueles que sofrem abandono por causa de suas deficiências.
A escola pública brasileira está na vanguarda na questão da inclusão com a PNFF (Política Nacional de Educação Especial). O ministro criticou a norma progressista e defendeu a criação de escolas especiais para alunos com deficiência, o que nos traz tristes ecos do nazismo —quando, como os judeus, deficientes eram sacrificados e condenados ao extermínio por serem considerados inúteis para a raça ariana pura. Hoje, o ministro evangélico brasileiro quer trancar crianças com deficiência em guetos, uma política que já foi rejeitada pelo STF.
Além de cruel, a proposta vai contra a política de inserção da pessoas com deficiência na sociedade, sem que sejam consideradas um estorvo para os demais. Afirmar que tais alunos atrapalham os outros em sala de aula vai contra todos os ensinamentos da psicologia moderna. Não é apenas que esses alunos devam ser colocados em guetos, mas que a pedagogia contemporânea, respaldada pela psicologia, tem mostrado que eles se desenvolvem e aprendem melhor ao lado dos chamados “normais” porque não se sentem excluídos.
Sem dúvida, é difícil para muitos professores lidar com os alunos que têm algum tipo de deficiência, mas para isso havia sido estabelecido que as escolas deveriam ter professores especializados em lidar com esses alunos e inseri-los o máximo possível na convivência com os demais.
A realidade é que essas crianças se desenvolvem melhor e ficam menos infelizes no contato amigável e humano com os outros estudantes. O oposto é condená-las a sofrer duplamente por sua deficiência.
As palavras do ministro pastor, de que esses alunos atrapalham os “normais”, me fizeram lembrar de uma situação pessoal em uma escola pública onde fui convidado a apresentar meu livro de literatura infantil Una carta para Dios de un niño curioso. Enquanto eu estava à mesa falando para cerca de duzentos alunos, de repente um deles, com deficiência, veio até a mesa e com a maior naturalidade se postou ao meu lado e começou a acariciar minhas mãos e me oferecer demonstrações de afeto. Uma professora preocupada veio imediatamente retirar o aluno. Pedi que ela o deixasse ali, pois não me incomodava. O menino passou toda a conversa ao meu lado feliz e sorrindo e aplaudindo quando os outros o faziam enquanto continuava beijando minhas mãos. A professora, preocupada e ao mesmo tempo compreensiva, deixou-o ao meu lado. O aluno até quis participar do debate fazendo uma pergunta, sempre sorridente e feliz. E o restante dos alunos viu a cena com naturalidade, sem nenhum gesto de desagrado.
O ministro evangélico da Educação não só defende a criação de escolas gueto, mas na mesma entrevista argumentou que as universidades deveriam ser “só para poucos”, com a desculpa de que hoje é melhor que os alunos façam cursos técnicos. Se é verdade que hoje o mundo digital vai precisar de mais especialistas técnicos do que filósofos ou advogados, o que aparece na nova política universitária bolsonarista é que as universidades devem ser para as elites e, portanto, particulares. Para os pobres, que são maioria no país, basta um curso técnico, deixando as chamadas profissões nobres e intelectuais para as minorias privilegiadas de famílias capazes de custear uma universidade de elite.
E se parece uma crueldade criar escolas guetos para as crianças com deficiências, separadas das demais, não é menos sugerir que os mais pobres se contentem com cursos técnicos, deixando as profissões chamadas “nobres” para os filhos das famílias mais abastadas.
A verdadeira política humanista é aquela em que o Estado oferece a possibilidade de que sejam os estudantes, por vontade própria, pobres ou ricos, que escolhem uma profissão técnica ou universitária, como já se faz nos países mais civilizados. Todo o resto é puro racismo e política elitista que voltará a deixar as classes mais necessitadas à margem do poder. Seria a perpetuação da escravidão e a cruel separação entre privilegiados e excluídos. Seria continuar mantendo as castas de intelectuais e de técnicos, o que implica a sutil política de manter viva a elite que sempre ocupou o poder nos moldes do mais cruel capitalismo.
Catástrofes ambientais são o perigo que o país ignora
Na semana passada, o relatório do Grupo 1 do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) reafirmou a responsabilidade humana pelo aquecimento do planeta e o consequente aumento da frequência e intensidade de eventos naturais extremos. Como era de prever, o assunto foi ignorado no Planalto, onde o presidente se entretia disparando ameaças a ministros do STF e açulando suas milícias nas redes sociais.
Embora os 103 cientistas que subscreveram o estudo tenham advertido que nenhum país escapará à catástrofe já em curso se a temperatura do globo subir 1,5º C a 2º C, o site do Ministério do Meio Ambiente ignorou o alerta, e seu titular perdeu a oportunidade de sair do anonimato com uma declaração à altura da importância do problema —para o país, quanto mais não seja.
Os riscos aqui são muitos: desertificação de porções do Nordeste ocupadas pela agricultura familiar; degradação do bioma do sul da floresta amazônica; estiagens fortes e repetidas no Centro-Oeste ocupado pelo agronegócio; tempestades mais comuns no Sul e Sudeste, ampliando o perigo de enchentes e deslizamento de encostas; cidades litorâneas ameaçadas pela elevação do nível do mar.
Não menos eloquente é o silêncio das lideranças políticas da oposição, ocupadas, de um lado, com a contenção do autoritarismo bolsonarista e, de outro, com a articulação de apoios e a mobilização de bases que lhes proporcionem uma boa posição de largada na disputa eleitoral de 2022.
O governo exercido pelos piores e as oposições políticas empenhadas em impedir o pior terminam por afundar a vida pública num dia a dia tão crispado quanto medíocre; incapaz de pensar nosso futuro num mundo que está discutindo novas formas de se relacionar com a natureza, de produzir e organizar a vida em sociedade.
Por isso, é mais do que bem-vindo o recém-lançado relatório da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). "Construir um novo futuro - uma recuperação transformadora com igualdade e sustentabilidade" é um texto programático que situa a redução das desigualdades e a sustentabilidade ambiental no centro das estratégias de modernização e retomada do crescimento econômico pós-pandemia na região.
Mais preocupado com o que fazer do que como fazer, oferece sugestões valiosas de setores prioritários —energias renováveis, mobilidade e adaptação urbanas, inclusão digital, indústria da saúde, bioeconomia, ecoturismo—, instrumentos tributários e fiscais, concepção ambiciosa de proteção social, um papel regulador e indutor para o Estado. Ideias inspiradoras para pensar o país sem Bolsonaro.
Embora os 103 cientistas que subscreveram o estudo tenham advertido que nenhum país escapará à catástrofe já em curso se a temperatura do globo subir 1,5º C a 2º C, o site do Ministério do Meio Ambiente ignorou o alerta, e seu titular perdeu a oportunidade de sair do anonimato com uma declaração à altura da importância do problema —para o país, quanto mais não seja.
Os riscos aqui são muitos: desertificação de porções do Nordeste ocupadas pela agricultura familiar; degradação do bioma do sul da floresta amazônica; estiagens fortes e repetidas no Centro-Oeste ocupado pelo agronegócio; tempestades mais comuns no Sul e Sudeste, ampliando o perigo de enchentes e deslizamento de encostas; cidades litorâneas ameaçadas pela elevação do nível do mar.
Não menos eloquente é o silêncio das lideranças políticas da oposição, ocupadas, de um lado, com a contenção do autoritarismo bolsonarista e, de outro, com a articulação de apoios e a mobilização de bases que lhes proporcionem uma boa posição de largada na disputa eleitoral de 2022.
O governo exercido pelos piores e as oposições políticas empenhadas em impedir o pior terminam por afundar a vida pública num dia a dia tão crispado quanto medíocre; incapaz de pensar nosso futuro num mundo que está discutindo novas formas de se relacionar com a natureza, de produzir e organizar a vida em sociedade.
Por isso, é mais do que bem-vindo o recém-lançado relatório da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). "Construir um novo futuro - uma recuperação transformadora com igualdade e sustentabilidade" é um texto programático que situa a redução das desigualdades e a sustentabilidade ambiental no centro das estratégias de modernização e retomada do crescimento econômico pós-pandemia na região.
Mais preocupado com o que fazer do que como fazer, oferece sugestões valiosas de setores prioritários —energias renováveis, mobilidade e adaptação urbanas, inclusão digital, indústria da saúde, bioeconomia, ecoturismo—, instrumentos tributários e fiscais, concepção ambiciosa de proteção social, um papel regulador e indutor para o Estado. Ideias inspiradoras para pensar o país sem Bolsonaro.
Foram necessários 31 meses de má gestão e uma escalada de ataques à democracia inédita no pós-ditadura civil-militar — que não só existiu, como durou, ao contrário do que disse o general-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, em audiência na Câmara dos Deputados — para que porção relevante da sociedade brasileira se desse conta do que muita gente já sabia, antes mesmo do resultado das urnas eletrônicas naquele 2018. Sob todos os aspectos, o governo Jair Bolsonaro é um fracasso. Pelo histórico modesto, para não dizer inexistente, de serviços prestados pelo atual presidente nas três décadas como parlamentar, já se poderia antever a tragédia. O enfrentamento sofrível à mais grave crise sanitária em um século tornou tudo pior. Neste agosto, parecem ter chegado ao fim a tolerância da Corte Suprema e o entusiasmo do mercado financeiro. Não era sem tempo.
Contra os efeitos dramáticos da política arrasa-Amazônia, também se pronunciaram parlamentares europeus, investidores estrangeiros, grandes bancos, empresariado responsável. Agências da ONU se manifestaram; entidades de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa elencaram violações. Comunidades indígenas e organizações quilombolas recorreram a entidades multilaterais para denunciar o que chamaram, sem rodeio, de genocídio dos povos tradicionais. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil protocolou ação contra o presidente da República no Tribunal Penal Internacional, provável destino também do relatório final da CPI da Covid, pronto no mês que vem. Parlamentares da oposição, personalidades da cultura, do movimento social organizado apresentaram uma centena de pedidos de impeachment à presidência da Câmara, tanto no mandato de Rodrigo Maia quanto no de Arthur Lira.
Somente agora, quando o presidente chegou ao cúmulo de ameaçar o sistema eleitoral e entregar pessoalmente ao Senado ações de impedimento a dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, as altas Cortes reagiram com abertura de investigações e chamando à responsabilidade o procurador-geral da República, Augusto Aras. De outro lado, o mercado financeiro, devoto de primeira hora da cartilha de Paulo Guedes, parece ter perdido a fé. A prova está na acelerada deterioração dos indicadores financeiros deste e do próximo ano.
As projeções para o IPCA, índice oficial de inflação, romperam a barreira dos 7%, maior resultado desde 2015. Por causa disso, a taxa básica de juros deve entrar em 2022 a 7,5% ao ano, patamar de 2017. O dólar voltou ao nível de R$ 5,40. A gasolina já passa de R$ 6 por litro em oito capitais, incluindo Rio de Janeiro, Porto Alegre e Maceió, segundo pesquisa semanal da Agência Nacional do Petróleo. Em São Paulo, informou o Dieese, o preço da cesta básica (R$ 640,51) em julho equivalia a quase dois terços do salário mínimo (R$ 1.100). Há 14,8 milhões de desempregados, mais de 30 milhões de trabalhadores na informalidade, 19 milhões de brasileiros em situação de fome. E um governo que apresenta em medida provisória uma política social que tem nome, Auxílio Brasil, mas não tem foco nem orçamento. A reforma do Imposto de Renda, incompreensível pela quantidade de alterações, foi abortada três vezes na Câmara — periga ser arquivada.
Os agentes econômicos descobriram agora o que a população já sabia. Divulgada no início da semana, a pesquisa XP/Ipespe mostrou que a rejeição ao governo Bolsonaro aumenta sem parar: saiu de 31% em outubro do ano passado para 54% neste mês, um recorde. Mais da metade dos consultados (52%) acha que o restante do mandato será igualmente ruim ou péssimo. Dois em três entrevistados (63%) sabem que a economia está no caminho errado.
Igualmente demolidor é o paper de Rodrigo Orair, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou o enfrentamento à pandemia à luz da política fiscal. Atestou o que a sociedade intuía e a CPI vem comprovando: o governo gastou muito, e mal. Numa comparação com 30 países que representam 70% da população e 80% do PIB global, o Brasil foi décimo em gastos, sétimo em incidência de mortes por Covid-19 e 17º em perda de atividade. “O país se mostrou ineficaz no controle da disseminação da doença causada pela Covid-19, situando-se entre os poucos com mais de mil mortes por milhão de habitantes, e, de maneira associada, verificou uma forte crise econômica e um pacote fiscal relativamente elevado”, escreveu o economista. Torrou dinheiro público (17,5% do PIB), sabotou medidas sanitárias, retardou a compra de vacinas, não conteve a crise social, permitiu a morte de mais de 570 mil brasileiros. Fracasso.
Para onde quer que se olhe no Brasil, há destruição, ineficiência, retrocesso. O país não melhorou com Bolsonaro no Palácio do Planalto, Paulo Guedes no Ministério da Economia, tampouco com a sucessão de nomes nas pastas da Saúde (quatro), da Educação (três), da Cidadania (três). Quem vive e observa o país da planície, faz tempo, alerta sobre os riscos às políticas públicas, aos recursos naturais e às instituições democráticas. Já são dois anos e meio de avisos em forma de cartas abertas de ex-ministros de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Educação, Saúde, Cultura, Relações Exteriores, Justiça, Fazenda, ex-presidentes do Banco Central, ex-procuradores da República.
Contra os efeitos dramáticos da política arrasa-Amazônia, também se pronunciaram parlamentares europeus, investidores estrangeiros, grandes bancos, empresariado responsável. Agências da ONU se manifestaram; entidades de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa elencaram violações. Comunidades indígenas e organizações quilombolas recorreram a entidades multilaterais para denunciar o que chamaram, sem rodeio, de genocídio dos povos tradicionais. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil protocolou ação contra o presidente da República no Tribunal Penal Internacional, provável destino também do relatório final da CPI da Covid, pronto no mês que vem. Parlamentares da oposição, personalidades da cultura, do movimento social organizado apresentaram uma centena de pedidos de impeachment à presidência da Câmara, tanto no mandato de Rodrigo Maia quanto no de Arthur Lira.
Somente agora, quando o presidente chegou ao cúmulo de ameaçar o sistema eleitoral e entregar pessoalmente ao Senado ações de impedimento a dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, as altas Cortes reagiram com abertura de investigações e chamando à responsabilidade o procurador-geral da República, Augusto Aras. De outro lado, o mercado financeiro, devoto de primeira hora da cartilha de Paulo Guedes, parece ter perdido a fé. A prova está na acelerada deterioração dos indicadores financeiros deste e do próximo ano.
As projeções para o IPCA, índice oficial de inflação, romperam a barreira dos 7%, maior resultado desde 2015. Por causa disso, a taxa básica de juros deve entrar em 2022 a 7,5% ao ano, patamar de 2017. O dólar voltou ao nível de R$ 5,40. A gasolina já passa de R$ 6 por litro em oito capitais, incluindo Rio de Janeiro, Porto Alegre e Maceió, segundo pesquisa semanal da Agência Nacional do Petróleo. Em São Paulo, informou o Dieese, o preço da cesta básica (R$ 640,51) em julho equivalia a quase dois terços do salário mínimo (R$ 1.100). Há 14,8 milhões de desempregados, mais de 30 milhões de trabalhadores na informalidade, 19 milhões de brasileiros em situação de fome. E um governo que apresenta em medida provisória uma política social que tem nome, Auxílio Brasil, mas não tem foco nem orçamento. A reforma do Imposto de Renda, incompreensível pela quantidade de alterações, foi abortada três vezes na Câmara — periga ser arquivada.
Os agentes econômicos descobriram agora o que a população já sabia. Divulgada no início da semana, a pesquisa XP/Ipespe mostrou que a rejeição ao governo Bolsonaro aumenta sem parar: saiu de 31% em outubro do ano passado para 54% neste mês, um recorde. Mais da metade dos consultados (52%) acha que o restante do mandato será igualmente ruim ou péssimo. Dois em três entrevistados (63%) sabem que a economia está no caminho errado.
Igualmente demolidor é o paper de Rodrigo Orair, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou o enfrentamento à pandemia à luz da política fiscal. Atestou o que a sociedade intuía e a CPI vem comprovando: o governo gastou muito, e mal. Numa comparação com 30 países que representam 70% da população e 80% do PIB global, o Brasil foi décimo em gastos, sétimo em incidência de mortes por Covid-19 e 17º em perda de atividade. “O país se mostrou ineficaz no controle da disseminação da doença causada pela Covid-19, situando-se entre os poucos com mais de mil mortes por milhão de habitantes, e, de maneira associada, verificou uma forte crise econômica e um pacote fiscal relativamente elevado”, escreveu o economista. Torrou dinheiro público (17,5% do PIB), sabotou medidas sanitárias, retardou a compra de vacinas, não conteve a crise social, permitiu a morte de mais de 570 mil brasileiros. Fracasso.
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