quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

'Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?'

A convulsão política que o Brasil vive, com suas tramas, conjurações e acusações lançadas entre os diversos protagonistas, já aparece refletida em textos antigos.

O rei Salomão cunhou na Bíblia a sentença: “Não há nada novo sob o sol”. Isso já faz milhares de anos. Hoje, quando os acontecimentos do mundo e a crise no Brasil nos assombram e surpreendem como se fossem novos, todos nós precisaríamos, e ainda mais os políticos que nos governam, conhecer melhor alguns episódios da história e a literatura do passado, para entender melhor o que acontece ao nosso lado.

Na literatura de mais de 2.000 anos atrás já encontramos o pingue-pongue de mentiras e verdades cruzadas entre os protagonistas e as biografias contrapostas de santos e vilões.

Parecem significativas, por exemplo, as Catilinárias do senador, jurista, político, escritor e orador romano Marco Tulio Cícero e as parábolas evangélicas do sábio e inconformista pregador judeu Jesus de Nazaré.

Ambas as experiências político-religiosas de mais de vinte séculos atrás hoje adquirem força e atualidade.

Cícero foi uma peça chave contra Catilina, o senador populista, com vocação de ditador, ansioso por acumular todo o poder se valendo dos plebeus a quem tentava perdoar todas as dívidas. Desmascarou-o com a força das suas famosas Catilinárias, cujo eco permanece vivo na História de hoje.

Com sua oratória, o senador e escritor derrotou Catilina, que precisou ir embora de Roma, refugiando-se em Pistoia, e cujos sequazes acabaram vencidos e dispersados.

As primeiras palavras da mais famosa das Catilinárias, “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”, foi uma pergunta gritada no plenário do Senado Romano contra seu adversário.

Incriminou-o assim:

“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós a tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia desenfreada? (….) Nem os temores do povo, nem a confluência dos homens honestos, neste local protegido do Senado, nem a expressão do voto destas pessoas, nada consegue te perturbar? Não percebes que teus planos foram descobertos? Não vês que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem? Quem, entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas?

O tempora, o mores! [Oh, tempos, oh, costumes!]”.

Existe hoje uma autoridade como a de Cícero para falar com convicção e eficácia aos responsáveis pelo Congresso e do Governo nacional, e para lhes perguntar, como fez há 2.000 anos o senador a Catilina: “Até quando pretendem abusar da nossa paciência?”?

A sociedade precisa vigiar e atuar para que a verdade venha à tona

Cem anos depois das Catilinárias de Cícero, outro personagem que também deixou sua marca na História, o profeta judeu Jesus de Nazaré, também provocou os fariseus, considerados os políticos puros, zelosos da lei, que usavam o poder contra seus adversários enquanto levavam uma vida dupla. Jesus, que os qualificou de “hipócritas”, os recriminou por colocarem sobre as costas das pessoas “pesos que elas não conseguem carregar”.

Gritava-lhes seus anátemas, desconcertando-os com suas enigmáticas parábolas. Uma delas atravessou os séculos como uma provocação aos que pretendem usar suas biografias de homens probos contra os considerados pecadores, admoestando aos primeiros a atirarem a primeira pedra contra quem pretende julgar os outros.

A mais clássica dessas parábolas é a do fariseu e do publicano [coletor de tributos]. O evangelista Lucas (18: 9-14) a transmitiu com a seguinte introdução: “Aos que se consideravam justos e menosprezavam os outros, Jesus lhes disse esta parábola”.

Em síntese: dois homens entram em um templo para orar. Um era um fariseu, pessoa pura, e o outro um publicano, considerado por isso mesmo ladrão e pecador.

O fariseu, arrogante, em pé, para ser mais bem visto, agradecia publicamente a Deus porque, dizia, “não sou como os outros, ladrão, injusto, adúltero, nem como esse publicano”.

O coletor de impostos, meio escondido ao final do templo, com os olhos baixos, rezava dizendo: “Deus, compadecei-vos deste pecador”.

Jesus, o provocador, contou: “O publicano saiu do templo perdoado, e o fariseu, julgado”. Como assim? Jesus explicou que quem se gaba de ser justo acabará derrotado, e quem confessa ser pecador sairá vitorioso. Outra forma de traduzir isso seria dizer que quem é incapaz de reconhecer seus erros acaba derrotado, pois são mais perdoados aqueles que se mostram capazes de admitir que erraram.

Os sábios, antigos e modernos, nos ensinam que as coisas, na política e na vida, nem sempre são tão evidentes como acreditamos ou como tentam nos impor. A realidade é sempre mais complexa do que parece.

Para entendê-la, sem nos deixarmos levar por miragens, é necessário, também hoje, saber decifrar em cada fato e em cada confissão dos políticos o que suas palavras escondem de verdade ou de mentira.

Lembram-se das máscaras gregas?

A sociedade precisa vigiar e atuar para que a verdade venha à tona, para arrancar as máscaras de quem pretende, como diz o ditado, “nos dar gato por lebre”.

Alea jacta est

Em 49 A.C., após um longo tempo de indecisão, Júlio Cesar atravessou o Rubicão entrando na cidade de Roma depois de pronunciar sua célebre frase “a sorte está lançada”. O vice-presidente Michel Temer não é um Júlio Cesar, está longe disto. Mas, com sua carta à presidente Dilma Rousseff, tomou um caminho sem volta. Atravessou seu rubicão.

A conferir quantas legiões Temer possui, mas, sem dúvida, sua mudança de lado -- mesmo camuflada como um desabafo -- é nitroglicerina pura.

Concretamente, pode fazer a balança pender desfavoravelmente para a presidente, como ocorreu na definição da chapa da oposição para comissão que analisará o mérito do impeachment.


A esta altura, impossível prever como será o desfecho da crise política, se ela se prolongará, ou não, mesmo depois do pronunciamento do Congresso Nacional sobre o processo de afastamento da presidente.

E a guinada do vice, um político matreiro e de sangue-frio, não desarma os espíritos. Pode até ter efeito contrário. Ao perder um aliado tão importante, a tendência do governo será aprofundar do balcão de negócios como forma de assegurar os votos necessários para evitar o impedimento de Dilma.

O cabo de guerra no Congresso, com Eduardo Cunha jogando farofa no ventilador e o Planalto utilizando-se de todos os métodos para manter Dilma no poder, cria a real possibilidade da chamada judicialização da crise, com o STF sendo provocado a se pronunciar a cada instante. Anuncia-se, assim, uma agonia sem fim.

O lulopetismo tende ainda a assumir uma postura jihadista nas ruas, inclusive na hipótese de um governo Michel Temer. O brado de “impeachment é golpe” é apenas o prenúncio da agudização da linha “classe versus classe” que o PT adora assumir em praça pública, embora por baixo dos panos radicalize em acordos espúrios.

Seja como for, a carta do vice expõe as vísceras de um modelo que produziu excrecências, como o casamento de girafa com hipopótamo.Em termos de ideário, nada aproxima PT e PMDB. Mas falaram mais alto o projeto de poder pelo poder do Partido dos Trabalhadores e o velho patrimonialismo de seus aliados.

Expõe também as limitações do principal cardeal peemedebista. Quem esperava uma peça de um estadista, algo para entrar para a história, como, por exemplo, a carta de Vargas, ou o discurso Mário Covas, de 12 de dezembro de 1968, no Congresso Nacional, contra a cassação de Márcio Moreira Alves, amargou o gosto da decepção.
A carta-desabafo resvala pelos caminhos da política menor. Mais grave: não transmite aos brasileiros a segurança de que Michel Temer está preparado para presidir o Brasil, em uma quadra tão delicada da nossa história.

A vice-presidência é uma instituição a ser preservada. Não pode ser parte do conflito, até para ser a solução largamente consensual e constitucional na hipótese extrema de impedimento da primeira mandatária. Se há algum padrão no qual devemos nos referenciar, ele atende pelo nome de Itamar Franco.

Nosso problema não é atravessar o Rubicão. É atravessar, urgentemente, o enorme buraco no qual o Brasil foi jogado, por culpa dos governos lulopetistas. Os interesses gerais do país não podem estar submetidos à luta política imediata.

O desemprego, a inflação, a recessão, não serão enfrentados enquanto a crise política não for equacionada. Postergar sua solução é uma irresponsabilidade, um atentado contra o povo. Como poderá a nação ficar parada, em compasso de espera, se o Congresso entrar em recesso e não apreciar o pedido de impeachment? Tamanha insanidade é inadmissível.

Alea jacta est.

Que cada um e todos assumam suas responsabilidades. Perante os brasileiros e a história.

Hubert Alquéres 

A América sem medo


Agora foi a Venezuela, há 15 dias, a Argentina e há meses, a Guatemala. Definitivamente, algo está se movimentando na América Latina. Do mesmo modo que um fantasma percorria a Europa na época de Marx, agora o espírito de uma possível recomposição moral cruza da Terra do Fogo até os Andes. Depois de o presidente da Guatemala renunciar em meio a um escândalo de corrupção e Dilma Rousseff ter de enfrentar um processo de impeachment, agora é a vez da Venezuela, onde a tragédia é superior à comédia encarnada por Nicolás Maduro, que diz que dá na mesma ganhar ou perder as eleições, quando sabe que já as perdeu. Uma eleição fracassa quando não se é capaz sequer de imaginar que se pode perder. Ainda assim, garante que vai continuar, uma afirmação que também é uma demonstração de que algo pode mudar.

Desde Montesquieu, a divisão de poderes e a articulação de leis para consagrar o equilíbrio em prol da sociedade são valores aceitos universalmente. O problema é a maioria das leis do continente americano serem de inspiração saxônica, mas cumprimento latino. Ou, dito de outro modo, a lei, em uma região onde as instituições sempre fracassam diante da vontade de quem manda, não é uma prescrição, mas uma aspiração. Então, por que neste momento a corrupção se transformou na cólera do continente? Porque com o empoderamento do cidadão, as leis e o mundo plano da Internet já não há quem detenha a avalanche do insustentável.

Naturalmente, como em todo grande reajuste, haverá muitos erros, mas espero que não seja outra oportunidade perdida para a América de língua espanhola. No caso argentino, por exemplo, é fundamental concentrar-se na luta política que se avizinha, crua e com todas as características dessa parte da América. Mauricio Macri será um presidente que governará entre um Senado e um Congresso hostis e, além disso, enfrentará o chamado fator K, que consistem em dar um papel –coincidindo com a revolução dos meios de comunicação– às novas gerações.

A experiência e a lembrança mais imediata fazem com que os argentinos tenham os mais funestos prognósticos sobre o modo como Macri poderá acabar. Mas também é verdade que, na vida e na política, não se engana quem elimina a palavra impossível de seu vocabulário, ou seja, vivemos uma revolução tão profunda que tudo é possível. Nesse sentido, desconheço se o presidente eleito representa a reestruturação moral, mas sim o encontro com algo que já é impossível ocultar: o fato de que a democracia tem estética e sentido, embora este último estivesse desaparecendo na América que fala espanhol. E não porque a parte que fala inglês seja mais forte, mas porque ali a maioria das instituições ainda é mais importante que a vontade do poderoso mais recente.

No entanto, essa nova luta que se apresenta –por mais voltas ideológicas que lhe deem– deixa evidentes duas realidades. A primeira é que a América em particular, e o planeta em geral, estão em perigo em razão das brechas sociais pendentes. A segunda é que agora o mundo no qual vivemos é plano e não faz distinções nem tem nuances. Assim, com essa reconversão que não é ideológica, acredito que, independentemente de que processem ou não Rousseff, que Macri triunfe ou não, e desde que não seja muito sanguinária a saída dos chavistas, um novo tempo de esperança está se instalando na América Latina.

Mas é preciso ter consciência de que a primeira necessidade da região é o equilíbrio social e a segunda, acabar com a corrupção como sistema de vida. No entanto, a América Latina ainda possui algo que a torna diferente porque são tantos os pesadelos que viveu em tão pouco tempo que, ao contrário do que se passa na Europa ou nos Estados Unidos, é uma região que não tem medo e começa a encontrar certa esperança perdida.

Antonio Navalón

Petrovale

A piora do momento econômico do Brasil é uma triste mas constatável realidade que aflige não apenas ao mercado, porém aos investidores, e causa temor nos minoritários, na perspectiva do efeito manada, de uma brusca saída de posições, vez que com 45 mil pontos, a credibilidade da bolsa é nenhuma e o órgão fiscalizador dificilmente conseguirá a ressuscitação das condições de governança corporativa, transparência e lisura dos negócios.

Bem assim, a Petrovale pode ser identificado como o maior prejuízo, de bilhões, que contaminou toda a regra sistêmica as operações, duas blue chip que foram se pulverizando ao longo dos últimos anos. Hoje o papel da petro vale menos do que dois dólares e aquele da vale menos do que três dólares.

Ninguém, em sã consciência, sequer o melhor economista ou pessimista, como Nouriel Roubini, acertaria uma previsão dessa latitude e magnitude. Enquanto todas as bolsas sociais foram criadas, repaginadas e incentivas, em detrimento do dinheiro e gasto públicos, aquela de valores que lida com as condições da economia e mantém acesas as esperanças de grandes e médias empresas. Foi literalmente destruída, e serão essenciais, no mínimo, cinco ou mais anos para que a confiança e credibilidade retorne a pleno fôlego.

Privatizar a petro seria o ideal mas há cinco anos atrás, não hoje, pois está literalmente sem liquidez e condições de explorar o próprio pré sal. Estatizar a vale não vale a pena, pois que o Estado mostrou as garras e sua enorme incompetência a qual atinge, em cascata, as empresas privadas de grande porte.

A derrocada de fortes empresas estatais cria um circulo vicioso pois que contagia as expectativas dos lucros de empresas que com ela negociam ou tem a previsão de alguma rentabilidade. Inacreditável, inimaginável, e incogitável que os dois maiores papéis em 2007 que eram negociados entre 45 a 50 reais hoje fossem ser reduzidos a pó, e num mar de lagrimas e vale de trevas, já que os riscos da indenização da Samarco poderão atingir bilhões de dólares, se as ações coletivas vingarem.

Eis o retrato dramático de uma situação que se desenha no governo atual e que as autoridades não revelam a mínima preocupação.Tudo está normal, a democracia funciona, os empregos igualmente, e o rentismo deve ser asfixiado e morto custe o que custar. Dentro dessa onda vertiginosa de desvalorização dos papéis fundos estrangeiros fazem suas compras na bacia das almas e o capitalismo nacional, a cada dia, dá espaço para o internacional, são bilhões de fundos da Ásia e do Oriente que avançam fronteiras comprando posições e milhões de participações nas empresas brasileiras e direta ou indiretamente assumindo o próprio controle da organização societária.

De um lado um marasmo total no ano de 2015. Somente se falou e sempre se orientou pelo impedimento Presidencial, e o crescimento com o desenvolvimento ambos foram colocados de lado como se a nossa economia não sentisse os respingos do modelo atual e da banalização de perdas bilionárias experimentadas por corporações.

A preço de banana se negociam hoje os papéis das duas maiores empresas brasileiras, uma estatal que teve seu monopólio quebrado e a outra que além das consequências da baixa dos preços das commodities transita no inferno boreal dos valores das indenizações decorrentes da catástrofe indizível deixando desvios e sulcos profundos na economia local e de outras regiões.

Ambos os fatores se explicam e se incorporam. De um lado a desabrida corrupção que matou a galinha dos ovos de ouro a Petrobras, transformada em maquina dos partidos e com o escopo de um projeto secular de poder, doutro a empresa privatizada há muitos anos atrás que teve um ritmo alucinante, mas entrou num engasgo total e hoje fica numa anestesia sem grandes saltos de produção ou qualidade,apesar do espaço que ocupa no cenário internacional.

Perdem o mercado local, os investidores, acionistas minoritários que daqui para frente não receberão juros sobre capital ou os prometidos dividendos, aqueles obstinados em guardar poupanças ao longo de uma vida acreditando que as empresas participariam rentabilidade na aposentadoria cometeram um erro não estratégico, impensável e de pouca probabilidade naqueles tempos.

Com a mudança de mentalidade e a utilização da empresa para fins discutíveis ou duvidosas, deixou-se de lado a função social e se oPTou pela consequente necessidade de substituição da meritocracia pela disputa de cargos, propinas e um rombo de bilhões que manterá a estatal no balão de oxigênio, senão na UTI pelo menos nos próximos cinco anos, e com a consequente imprevidência de diretores e administradores, caudatários da política do controlador de esmagar o minoritário e tudo resolver pelo caminho da arbitragem, como se fosse possível o ato ilícito ser alvo dessa discussão extrajudicial.

Machuca e muito autoestima do País, da sociedade, do mercado, dos investidores e dos acionistas se depararem com um mórbido quadro de morte súbita gerada e não criada de modo natural, mas pelo artificialismo de gorduras e sobrepreços, ou pela leniência e grave omissão em relação ao meio ambiente, corolário lógico da exploração da atividade mineradora de forma predatória.

Contaminam-se rios, lagos, até mares, matam-se toneladas de peixe, e tudo isso provocado pela falta de fiscalização, atenção do poder público e das autoridades, sob a ótica da licença, da própria autorização e dos prazos de validade. Convivemos com esse ambiente poluído e decepcionante do mercado de capitais, sem volta, mas que deixará profundas consequencias, dentre as quais a inibição da abertura de capital e o maior número de empresas abertas fechando.

Somos um mercado pequeno, no qual temos 12 papeis de ponta, contra uma economia americana de mil papéis, ou européia de igual monta, o desastre que incendeia o mercado de capitais poderá ser o rastro de pólvora a implodir, de uma vez por todas, a debilitada economia do Brasil, se medidas urgentes e inadiáveis não forem implementas ainda no final de 2015.

Melhor se os dois renunciassem

Pequenos detalhes costumam encobrir grandes entreveros. Quem divulgou os termos da carta de Michel a Dilma? A própria, num repente de indignação? Ou o vice, demonstrando mágoa e ressentimento? O lobisomem não foi, ou seja, um dos dois traiu os mais elementares postulados de educação cívica. Tanto faz se as cartas pessoais pertencem a quem enviou ou a quem recebe. Só falta mesmo culparem a imprensa pela divulgação.

Temer puxa tapete de dilma carta vice decorativo

Até agora Madame não respondeu aos lamentos de seu substituto, certamente para não vestir a carapuça expressa na evidência de que realmente, nos últimos cinco anos, tratou o vice como peça decorativa. Não é a primeira vez que um presidente despreza seu vice. Getúlio mal cumprimentava Café Filho. Jânio Quadros devolveu a única carta que João Goulart mandou. Mesmo entre os generais-presidentes, Castello Branco não permitiu que José Maria Alckmin dispusesse de um carro oficial. Ernesto Geisel jamais consultou Adalberto Pereira dos Santos e João Figueiredo deu as costas a Aureliano Chaves. Mesmo Fernando Collor ignorou Itamar Franco.

Teria Dilma Rousseff a obrigação de dividir seu governo em condomínio com Michel Temer? No reverso da medalha, o vice teria muitos motivos para agastar-se diante da autoria de conceitos e opiniões que jamais exarou.

Em suma, uma briga de comadres. Importa menos saber se foi dona Mariquinhas ou dona Maricota quem começou com a disputa. Ambas dão vexame na calçada do subúrbio onde farpas correm de um lado para outro. Merecem-se, as duas. Enquanto isso, o país segue em frangalhos, vivendo um de seus piores momentos. Para o cidadão que paga impostos, melhor se Dilma e Temer renunciassem.

Dessa luta plena de golpes dados abaixo da linha da cintura, a pergunta que fica refere-se ao dia seguinte. Escapando do impeachment, Dilma precisará encontrar-se muitas vezes com Temer. Solenidades existem onde a presença dos dois é imprescindível. Cumprimentos, sorrisos, beijinhos? Mas se a presidente vier a ser afastada, deverão despedir-se? Naquele monte de decisões a tomar, pelo jeito sem ter tido informações dos temas de governo, ousará o sucessor informar-se com a antecessora?

O Brasil oferece ao mundo um espetáculo digno das maiores reprimendas. Qualquer que seja o desenlace fornecido pelo Congresso, sua consequência colocará frente a frente PMDB e PT. Lutarão com paus e pedras, conforme antiga previsão de Albert Einstein a respeito de como seria a Quarta guerra mundial, depois de terminada a Terceira...

Tem lastro, sim


O acolhimento tem sim lastro jurídico
Michel Temer, vice-presidente , presidente do PMDB e jurista especialista em Direito Constitucional

Os 30 do PT não passarão à História como os heróicos 300 de Esparta. Continuarão no anonimato ou no máximo como os 30 fanfarrões

Manifesto dos juristas aliados ao Planalto é uma decepção

Deu para estranhar o fato de os jornais divulgarem discretamente que a presidente Dilma conseguira reunir cerca de 30 juristas para se manifestarem contra o impeachment, que na ocasião até subscreveram um Manifesto à Nação. Fiquei interessado em saber quais eram os signatários e também em ler o texto na íntegra, porque nas entrevistas publicadas não havia maiores informações. Depois de decepcionante tentativa de pesquisa nos sites de busca Google e Yahoo, não consegui a lista dos presentes à manifestação no Planalto, mas pelas reportagens e fotos deu para perceber que a maioria deles trabalha para o governo, o que demonstra um grau de comprometimento que prejudica a seriedade desse tipo de iniciativa, pois desperta a sensação de que talvez esteja apenas defendendo os próprios empregos, é um direito deles, não há dúvida.

Talvez a discrição dos jornais tenha sido por isso. Mas continuei insistindo na pesquisa, para conhecer a opinião dos juristas. Esperava encontrar conceitos que demolissem as argumentações da Assessoria Jurídica da Câmara Federal, formada por advogados de alto nível, todos concursados e com salários por volta de R$ 30 mil. Mas não encontrei nada. A maioria limitava-se a esculhambar Eduardo Cunha.

“O que nós estamos a observar: um presidente da Câmara dos Deputados, que não tem credibilidade, que não tem idoneidade para apresentar-se como protagonista de um processo de impeachment” — disse Luiz Moreira Júnior, que é conselheiro nacional do Ministério Público, e devia se considerar suspeito.

Outro jurista, Heleno Torres, ponderou que só o Congresso pode julgar as contas públicas e que o mesmo se omitiu nos últimos 25 anos de fazê-lo, votando apenas duas nesse período. Portanto, pondera, “Dilma ainda não teve suas contas julgadas e por isso não pode sofrer impeachment tendo isso como objeto”. Fui conferir de quem se trata. Através do Estadão, descobri que é um tributarista ligado ao ministro Lewandowski e ao prefeito petista Luiz Marinho, cujo nome havia sido cogitado para o Supremo.

Por incrível que pareça, nenhum jornal se interessou em publicar a íntegra do Manifesto dos Juristas. No Google e no Yahoo, só encontrei num site, chamado Vermelho, que é editado pelo PCdoB. Para minha surpresa, o texto tem menos de dez linhas, sob o título “Manifesto dos Juristas contra o impeachment ou cassação de Dilma”. E o interessante é que eles consideram juristas até os estudantes de Direito. Confirma:

“Pela construção de um Estado Democrático de Direito cada vez mais efetivo, sem rupturas autoritárias, independentemente de posições ideológicas, preferências partidárias, apoio ou não às políticas do governo federal, nós, juristas, advogados, professores universitários, bacharéis e estudantes de Direito, abaixo-assinados, declaramos apoio à continuidade do governo da presidenta Dilma Rousseff, até o final de seu mandato em 2018, por não haver qualquer fundamento jurídico para um Impeachment ou Cassação, e conclamamos todos os defensores e defensoras da República e da Democracia a fazerem o mesmo.
Brasil, dezembro de 2015″

De minha parte, continuo esperando que os defensores da presidente Dilma Rousseff, sejam juristas ou não, apresentem argumentos sólidos que possam demolir as justificativas de Helio Bicodo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal (fiquem até com vergonha de chamá-los de juristas), que foi considerados procedentes pela Assessoria Jurídica da Câmara dos Deputados.

Com o passar dos anos, tornei-me um homem paciente, posso esperar.

Pernas curtas

É a tal história: não se pode enganar a todos o tempo todo. Foi isso o exposto na carta do vice-presidente, Michel Temer, endereçada à presidente Dilma Rousseff, onde listou uma a uma todas as razões pelas quais é falsa a afirmação dela de que não desconfia “nem por um milímetro” do vice e do PMDB.

Se o Palácio do Planalto queria constranger Temer ao divulgar a carta, acabou exibindo a dubiedade do jogo do governo, trincando de vez o resto de confiabilidade do País na palavra da presidente. O PMDB pode não ser confiável, verdade, mas ela tampouco é digna de credibilidade. Situação mortal para um governante.

O uso da mentira não consta da Constituição como razão para a interrupção de um mandato presidencial. Na teoria, não é crime de responsabilidade. Na prática, denota a completa irresponsabilidade do Poder que dela faz uso permanente.

A carapuça se encaixa perfeitamente às cabeças do PT, do ex-presidente Luiz Inácio da Silva e da presidente Dilma que, depois de alguma hesitação, incorporou o hábito em sua plenitude, embora não com a competência dos companheiros hábeis no manejo das palavras, atributo com o qual Dilma não foi agraciada.

Mentir, aqui no nosso Brasil de todas as manhas, não leva presidentes à deposição – nos Estados Unidos por pouco não levou Bill Clinton ao impeachment –, mas, a depender da intensidade da mentira, o governante não escapa da perda da reputação. Dilma bate no peito a celebrar sua presumida honestidade.

Porque não rouba (não obstante deixe roubar) nem tenha contas no exterior (apesar de admitir durante a campanha que guardava dinheiro “no colchão”) ou não – ao que se saiba – se dê à prática de ocultar patrimônio, a presidente julga-se dona de reputação ilibada e, por isso, merecedora de toda confiança.

Mostra-se desonesta, porém, quando mente e deixa que seus auxiliares mintam. Para ganhar a eleição de 2010, embarcou na falácia de Lula sobre a excelência de sua capacidade administrativa. Para se reeleger, em 2014, criou uma fábula segundo a qual a oposição, se vencedora, jogaria o Brasil na recessão e no retrocesso. Foi desmentida pelos fatos.

Da mesma forma como a realidade desmentiu Lula na ideia de demonstrar a “farsa do mensalão” ou como a Operação Lava Jato mostrou o quanto falsa era a versão da presidente Dilma de que tudo ia “bem na Petrobrás”.

Embora não tenha tido a intenção de divulgar, mas de fazer da carta à presidente uma pauta para conversa futura entre os dois, Michel Temer, por via torta, acabou prestando um serviço ao País ao demonstrar que mentira tem limite e preço.

Ainda que não tenha sido essa a intenção, o vice-presidente teve um ato de coragem.

Antes cedo. Há uma razão para o senador José Serra discordar da ideia de postergar ao máximo o andamento do processo de impeachment, defendida pela oposição em geral, PSDB em particular.

Serra acha que quanto mais rápido isso de resolver, mais chance o governo de transição – no caso de ser aprovado o impeachment – teria para mostrar resultados ao País em termos de recuperação da economia e, em decorrência, os condutores conseguirem obter benefícios eleitorais em 2018.

Não é segredo para ninguém que, configurada a substituição de Dilma por Michel Temer, o senador tucano seria o homem-chave nesse setor. Estaria, assim, aberta a ele a possibilidade de repetir Fernando Henrique Cardoso quando assumiu o ministério da Fazenda no governo tampão de Itamar Franco.

STF detém o avanço do processo de impeachment

Arte: Antônio Lucena
O dia 8 de dezembro de 2015, uma terça-feira, certamente marcará o início da conversão dos que defendem o impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas não acreditam que ele seja possível.

Na mais recente pesquisa do Datafolha, dos últimos dias 25 e 26, 65% dos entrevistados foram favoráveis ao impeachment, mas 56% não viam chances de isso ocorrer. Nesse caso, 62% queriam que Dilma renunciasse ao cargo.

O número de céticos deverá ser reduzido em breve depois da acachapante derrota colhida pelo governo na composição da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que começará a apreciar o impeachment.

No âmbito do próprio governo, aumentou o percentual daqueles que já não descartam a possibilidade de Dilma renunciar para não ser derrubada. “A presidente sofreu um duro abalo com a derrota”, admite um ministro que prefere não se identificar.

É bem verdade que o placar final, por mais doloroso que tenha sido para Dilma, não chegou a ser desesperador. O governo foi goleado por 272 votos contra apenas 199. Mas ele precisa de apenas 172 votos para sepultar o impeachment na Câmara.

Em tese, portanto, tem esses votos. Como a votação para a composição da Comissão foi secreta, o governo imagina que com o voto aberto no plenário terá muito mais do que os 199.

Poderá ser justamente o contrário. O voto aberto favorece a traição. Mas se o governo chegar ao final do processo do impeachment ainda mais debilitado do que está, quem terá coragem de pôr a cara à mostra votando a seu favor?

Político morre, mas não se suicida. Ainda mais em ano eleitoral como o de 2016. A expectativa do brasileiro para os próximos meses só faz piorar. E a economia não dá nenhum sinal de melhora. Pelo contrário.

A pesquisa Datafolha conferiu que o pessimismo cresce. Por exemplo: 77% dos entrevistados esperam o aumento da inflação, 76% do desemprego, e 67% acreditam na queda do poder de compra do salário.

É por isso que o governo quer a suspensão do recesso de fim do ano do Congresso para que o processo do impeachment chegue ao fim mais rapidamente. E a oposição não quer.

A esperança de Dilma em ganhar um novo fôlego está na decisão tomada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele paralisou o processo de impeachment para que o tribunal julgue ações impetrados por partidos do governo.

Na próxima semana, a pretexto de julgá-las, o STF poderá legislar sobre o rito do processo. Como Lula e Dilma indicaram a maioria dos ministros do tribunal, é possível que o governo ganhe alguma coisa no tapetão. 

O dilmês em seu apogeu

Getúlio Vargas começava seus discursos com um longo, lento e sofrido "Trabalhadooooores do Brasil..." -ele pronunciava zil, não zíu- e não precisava dizer mais nada. Jânio Quadros falava português do século 17 com sotaque de "PRK-30" -renunciou à presidência da República e se explicou: "Fi-lo porque qui-lo". E Lula habituou-se a mentir, desmentir-se, dizer e desdizer-se com tal ênfase que ainda o levam a sério. Mas, à sua maneira, todos davam o recado. Já Dilma Rousseff, diante do menor improviso, acerta caneladas em palavras, períodos e significados.

No fim de semana, Dilma declarou que esperava "integral confiança" de seu vice Michel Temer. O que significava? Que Temer tinha "integral confiança" nela. Na verdade, Dilma, com seu estilo patafísico de falar e governar, queria dizer que ela, sim, é que tinha "integral confiança" nele. Michel Temer entendeu e, para não perder tempo, respondeu que, ao contrário, Dilma "nunca confiou" nele. Pronto, deu-se a crise.

Aposto que, nos anos 60, quando deveria estar lendo "A Moreninha", "A Mão e a Luva" ou "O Guarani", clássicos românticos da literatura e então modelos de como falar e escrever, a menina Dilma estava mergulhada nos manuais de Althusser, Plekhanov e Lukàcs, ásperos vade-mécuns do marxismo, traduzidos do espanhol. Isso pode ter forjado o seu jeitão de caminhar, abrindo caminho com os ombros, e principalmente sua crespidão mental.

Muita gente pensa bem, mas se exprime mal. Dilma congrega o pior dos dois mundos. O histórico disso está no recente "Dilmês - O Idioma da Mulher Sapiens", de Celso Arnaldo Araujo, um apanhado crítico e altamente documentado das batatadas de Dilma, de seus tempos de superministra de Lula até agora.

Hoje, este é um livro sério e preocupante. No futuro, será um clássico do humor brasileiro.

Ação do PCdoB no STF pode até anular impeachment

Paralelo ao processo de impeachment já instaurado na Câmara dos Deputados contra a presidente Dilma, também tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), da iniciativa do PCdoB e que tem por finalidade obter da Corte a declaração de que determinados artigos da Lei nº 1079/50 (Lei do Impeachment) não foram acolhidos (recepcionados) pela Constituição de 1988. E pede, ainda, o PCdoB que o STF dê interpretação, conforme a Constituição, de outros artigos da mesma lei e dos regimentos internos das duas casas do Congresso e indicados na petição inicial da referida ADPF, peça longa, com 74 páginas e subscrita por dois advogados, um do Rio de Janeiro e outro do Distrito Federal.

A questão levada ao STF é puramente processual. Em nenhuma passagem faz alusão ao mérito do impeachment. Mas por ter sido entregue ao STF no dia 3 de dezembro último, um dia após Eduardo Cunha ter recebido a denúncia encabeçada por Hélio Bicudo, isso mostra que a pretensão é interferir no curso do processo contra Dilma na Câmara e no Senado. É uma dedução que também se chega pela constatação de outro fato: a petição do impeachment de Collor, assinada em 1º de Setembro de 1992 por Barbosa Lima Sobrinho e Marcelo Lavenère Machado, contou com a adesão expressa e subscrita de mais de 900 instituições e agremiações da sociedade civil, inclusive do PCdoB, partido que em 1992 considerou a Lei do Impeachment em harmonia com a Constituição de 1988 e que hoje não a considera mais!

Ou seja, para o PCdoB, a depender da ocasião, a Lei 1079/50 está ou não de acordo com a Constituição Federal de 1988!…

São muitos os artigos da Lei nº 1079/50 que o PCdoB pede agora (2015) ao STF que os declare não recepcionados, isto é, em confronto com a Constituição de 1988 e outros mais que, mesmo sem a marca da inconstitucionalidade, a eles o PCdoB pede que o STF dê interpretação conforme a Constituição. “Uma filtragem constitucional da Lei 1079/50”, é o que, literalmente, pede o partido à Suprema Corte. E por serem muitos os artigos e alongadas as fundamentações, não comporta aqui abordá-los.

Apenas uma passagem da peça: “Causa perplexidade que a CF e a Lei 1079/50 disponham diferentemente sobre o momento em que, instaurado o processo, o Presidente da República é suspenso de suas funções; de acordo com a lei, a suspensão decorre da decisão da Câmara (artigo 23, § 5º); segundo a CF, da decisão do Senado (artigo 86, § 1º, II)”.

O PCdoB também lançou longa fundamentação para pedir que o presidente da República, no processo de impeachment, tivesse o direito de se defender previamente, antes que o presidente da Câmara decidisse pelo recebimento ou não da denúncia e que esse direito não foi observado. E por aí vão e se alongam as teses, fundamentações, jurisprudências e doutrinas que o PCdoB apresenta na petição da ação que deu entrada no STF com base na Lei nº 9882/99 que disciplina a ação de ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Relator desta ação do PCdoB é o ministro Edson Fachin que, por ora, sem examinar e decidir sobre a liminar que pede a imediata suspensão do processo de impeachment até o julgamento final da ADPF, decidiu antes mandar ouvir, em 5 dias, a presidente Dilma, o Procurador-Geral da República, a Câmara, o Senado e o Advogado-Geral da União. A decisão do relator está de acordo com o artigo 5º, § 2º, da Lei nº 9882/99. Decisão prudente, precavida e dentro da lei. Fachin poderia até mesmo conceder (ou negar), de plano, a liminar com base no § 1º deste artigo 5º que diz: “Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar ad referendum do Tribunal Pleno”.

Mas Fachin decidiu ouvir primeiro os órgãos e autoridades envolvidas, no prazo legal de 5 dias, para decidir depois. Decorridos os 5 dias (prazo comum para todos), com ou sem a manifestação das partes chamadas, Fachin terá que examinar o pedido de liminar. Se conceder, o processo de impeachment paralisa e fica à espera do julgamento final da ação do PCdoB pelo STF. Caso contrário, não. O processo de impeachment prossegue na Câmara e depois no Senado, conforme prevê a Lei nº 1079/50. Da decisão monocrática (pessoal, individual) de Fachin, deferindo ou não a liminar, cabe recurso para o pleno do STF. Como se vê, por ora, todo o processo de impeachment está nas mãos do ministro Edson Fachin.

Seja como for, com ou sem liminar, o relator, ao final da instrução probatória, sempre demorada e arrastada, lançará seu relatório e colocará a causa para ser apreciada e decidida pelo plenário do STF. A decisão sobre a arguição de descumprimento de preceito fundamental somente será tomada se presentes na sessão 2/3 dos Ministros. E qualquer que seja o resultado, o STF poderá emprestar efeito e eficácia à decisão plenária a partir do seu trânsito em julgado. É o chamado efeito “ex nunc” (para frente). Poderá, todavia, emprestar o chamado efeito “ex tunc” (para trás), como pede o PCdoB na ação, ou a partir de outro momento que venha ser fixado pela Corte.

A decisão do STF é irrecorrível e nem permite Ação Rescisória. Como se vê, sob a visão estritamente formal, ritual, e nada mais que formal e ritual, o processo de impeachment da presidente Dilma está umbilicalmente atrelado ao STF, por força desta ação de ADPF que o PCdoB propôs. Ou tudo que Câmara e Senado decidirem será validado pelo STF, ou tudo, ou quase tudo, será anulado, desde quando o processo de impeachment iniciou ou a partir de determinada etapa do seu curso na Câmara e/ou no Senado. Tudo vai depender do conteúdo da decisão do STF e do estágio em que se encontrar o processo do impeachment. É um alerta inédito para todos e que até hoje não foi objeto de qualquer repercussão na mídia.
Jorge Béja

Foi ridículo, para dizer o mínimo

Mais uma vez, aconteceu como previsto. Meia dúzia de gatos pingados (vejam que imagens deprimentes), vestidos de vermelho, empunhando bandeiras vermelhas e balões vermelhos, comandados por potentes caminhões de som e berrando slogans e palavras de ordem desfilaram esta tarde pela principal avenida do Centro do Rio de janeiro, parando o trânsito (já difícil por conta do famigerado trenzinho – VLT – do prefeito) e atrapalhando a vida de centenas de milhares de pessoas.

CUT, MST et caterva, chamados carinhosamente pela imprensa tupiniquim de “movimentos sociais”, concentraram-se na Candelária, muito perto do local onde trabalho, desde o meio da manhã e ali ficaram, alternando discursos e palavras de ordem a favor de Dilma e contra Eduardo Cunha, durante toda a tarde, num claro sinal de que, definitivamente, trata-se de um bando de desocupados. A polícia, como sempre, esteve lá apenas para dar cobertura aos manifestantes e garantir que eles pudessem tumultuar o máximo possível a vida do cidadão trabalhador.

Abro um rápido parêntese: certa vez, um amigo perguntou por que as manifestações promovidas pelos ditos movimentos sociais de esquerda são sempre marcadas para os dias úteis, de preferência no horário do rush. Respondi que são três os motivos principais.

Primeiro: esses manifestantes são, em sua grande maioria, desocupados. Segundo: ao fechar ruas, atrapalhar o trânsito e a vida das pessoas, querem demonstrar que suas causas são maiores e mais importantes do que realmente são. Terceiro: manifestantes a soldo normalmente não aceitam “trabalhar” nos fins de semana.

Mas a manifestação de hoje, apesar dos transtornos, pelo menos serviu para demonstrar, de forma gritante e inapelável, a fraqueza da sua causa. Ninguém deu a menor bola para aqueles bobocas. O mesmo número de bobalhões que iniciou a pantomima também a finalizou. Se a passeata arrebanhou alguém pelo caminho, foi um número irrisório, imperceptível.

Melhor assim, pois quando compararmos esta com a grande manifestação cívica – verde e amarela – prevista para o próximo domingo em todo Brasil, a ser realizada por gente trabalhadora e ciente do direito de ir e vir dos demais, o resultado será desastroso para os vermelhos.

Cinco mudanças ambientais em curso no Brasil


Enquanto a discussão sobre os impactos da mudanças climática no mundo entram em sua segunda e última semana em Paris, a BBC Brasil conversou com especialistas para saber os potenciais impactos do aquecimento global e de mudanças ambientais no Brasil.

Apesar das incertezas na área e de as avaliações envolverem diferentes fatores, o grupo afirma que já é possível identificar "sérios problemas" em ao menos cinco áreas: agricultura, temperaturas, Amazônia, nível do mar, e nos setores hídrico e energético.

"São ao menos 5 milhões de pessoas morando próximo à costa e em periferias. Com o clima mais quente, haverá mais doenças, e as ondas de calor afetarão mais as áreas urbanas", diz o climatologista Carlos Nobre, também presidente da Capes (que coordena os programas de pós-graduação no país) e membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU).
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1) Crise hídrica e energética
A seca que tem afetado profundamente o abastecimento de água da cidade de São Paulo pode ser um prenúncio dos graves problemas a serem enfrentados no futuro pelo Brasil com o desequilíbrio do sistema de chuvas no país.

O país, que já sofre com problemas no setor, pode ficar ainda mais vulnerável, afirma Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da COPPE/UFRJ, chefe da seção de energia elétrica do relatório "Brasil 2040" (relatório sobre mudanças climáticas de autoria da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência) e membro do IPCC.

"O nosso estudo mostrou que, dada a grande dependência brasileira da eletricidade gerada por hidrelétricas e dados que os cenários climáticos futuros para o Brasil apontam uma tendência de maiores secas no Norte e no Nordeste do país e mais chuvas no Sul, estamos muito vulneráveis", avalia o especialista.

Ele ressalta a necessidade de mais fontes alternativas, como usinas térmicas (a gás, carvão ou bagaço de cana, algumas bastante poluentes), além da produção de energia solar e eólica.

Questionado sobre o tema, o Ministério de Minas e Energia (MME) disse à BBC Brasil que o governo vem investindo em fontes alternativas de energia e tem como meta reduzir para 66% a participação de hidrelétricas no sistema até 2030. Para o período 2015-2018, o governo diz já ter contratada a implantação de 557 usinas de diversas fontes, com capacidade instalada de 40 mil MW, dos quais 80% são energias renováveis.


2) Amazônia
"A floresta funciona como um banco de gás carbônico. É uma das formas com as quais ela ajuda a regular o clima", explica Paulo Brando, pesquisador do Instituto Ambiental da Amazônia (Ipam), entidade independente criada há 20 anos. Já há indícios da perda do estoque de gás carbônico (CO2) absorvido pela floresta devido às secas de 2005 e 2010.

"Só em 2010, com os impactos de menos chuvas na região, estima-se que 2 bilhões de toneladas tenham sido perdidos nesta ‘poupança’, que tem no total entre 100 e 120 bilhões de toneladas de CO2”, diz.

A quantia perdida equivale ao total de emissões de gás carbônico dos Estados Unidos em um ano, e já teria tido um impacto sobre o ciclo de carbono do planeta.

Segundo o especialista, a associação entre o desmatamento, as temperaturas mais altas e menos chuvas faz com que a floresta torne-se cada vez mais vulnerável, com maior mortalidade de árvores e risco de incêndios florestais, além do impacto sobre a regulação do clima e a estocagem de CO2.

"Conforme você reduz o desmatamento, diminui-se a intensidade dessa combinação de fatores, e empurra-se esse processo para mais tarde. Mas já há indicações de que a floresta esteja mudando seu comportamento, tanto no ritmo de morte e crescimento da vegetação quanto na composição das espécies, além das funções básicas da floresta", avalia.


3) Agricultura
A agricultura brasileira, tida como um dos setores mais avançados na adaptação às mudanças climáticas, deve ser uma das mais afetadas por perdas futuras devido ao clima.

Segundo Renato de Aragão Rodrigues, biólogo com doutorado em geoquímica pela UFF que ajuda a coordenar o trabalho de 400 pesquisadores da Embrapa focados em mudanças climáticas, há um esforço para tentar diminuir os impactos.

"Já temos o café sombreado, pois com a elevação das temperaturas precisamos combinar o plantio com outra cultura, que faça sombra. Temos ações de melhoramento genético, que não significa necessariamente tornar o cultivo transgênico, e outras linhas de pesquisa", explica.

Em alguns Estados, como Mato Grosso, já se sente o impacto da mudança das chuvas.

"Produtores dizem que tradicionalmente em meados de setembro já começava a chover por lá. E neste ano atrasou muito. Nos últimos três anos eles só têm conseguido plantar no início de novembro. Isso atrasa todo o ciclo do cerrado brasileiro, intercalando soja, milho e a braquiária (capim) para os animais", explica.

"Não sabemos se (isso se deve) a uma variação normal ou às mudanças do clima, mas o fato é que já temos uma série de problemas hoje, que demandam adaptações", diz Rodrigues.


4) Nível do mar
Segundo os dados do IPCC, da ONU, o nível do mar já se elevou em 20 cm em média, em todo o planeta. Naturalmente, o dado é válido também para o Brasil.

Para a geóloga Célia Regina Souza, doutora em geologia sedimentar pela USP e pesquisadora do Instituto Geológico da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, entre os principais efeitos no Brasil estão a erosão de praias, ressacas cada vez mais frequentes e mais intensas, ondas mais altas e inundações costeiras.

"Além disso, em áreas como a Baixada Santista, no Estado de São Paulo, e a Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, o efeito é que a água dos rios tende a não conseguir escoar para o mar, e este represamento será cada vez mais frequente, elevando o número de inundações", explica.

Entre as áreas mais vulneráveis da costa brasileira estariam o Estado de Santa Catarina, a região de Santos e Guarujá, em São Paulo, o Estado do Rio de Janeiro e Recife.

Ela cita a necessidade de o governo estudar a implementação das medidas de adaptação, como a "engorda artificial" (expansão da faixa de areia) de praias, a realocação das populações em situação de risco e a fortificação (reforçando a costa estruturalmente).

5) Temperaturas
Carlos Nobre, membro do IPCC, diz que, segundo a ONU, a temperatura do planeta como um todo já se elevou em 0,8ºC por causa do aquecimento global - valor que pode ser ainda maior dependendo do local.

Ele cita temperaturas recordes no Brasil recentemente, como os 36,4ºC registrados em outubro em Brasília, a mais alta em 54 anos.

"Nas áreas urbanas, como São Paulo, podemos somar mais 2,5ºC a 3,5ºC por conta dos efeitos da urbanização. Na zona norte do Rio de Janeiro podemos falar em mais 2ºC a 2,5ºC, além dos 0,8ºC. Onde tínhamos Mata Atlântica, podemos somar mais 0,5ºC devido à mudança do perfil de vegetação", avalia.

Entre os principais impactos destas alterações, segundo Nobre, estão as ondas de calor, que devem se tornar mais frequentes e afetar sobretudo os mais idosos. Além disso, o clima mais quente deve favorecer a proliferação de vetores de doenças, como mosquitos.

"Outro impacto deve ser a intensificação dos efeitos das secas. Uma seca ocorre por falta de chuva, independentemente da temperatura. A questão é que, se você tem uma seca associada a altas temperaturas, seus impactos são intensificados", diz.

"Mesmo que consigamos não passar dos 2ºC no aumento da temperatura do planeta, como se pretende com as conferências da ONU, já teremos impactos muito graves sobre o clima. Estima-se que mesmo que todas as emissões fossem interrompidas hoje, em 100 anos chegaríamos a um aumento de 1,3ºC ou 1,4ºC na temperatura do planeta", diz.

Tal como Chernobyl

Uma delegação da ONU está no Brasil para investigar a responsabilidade dos governos e das mineradoras no desastre de Mariana. A visita oficial do grupo de direitos humanos estava agendada antes do acidente, mas agora seus integrantes vão se deter nele. Segundo eles, não houve um simples acidente, mas um crime.

Crimes ou, pelo menos, responsabilidades são também o objeto da investigação do Ministério Público Federal. Várias irregularidades estão sendo arroladas. O TEMPO publicou ontem que a barragem do Fundão, que se rompeu, era usada também por outra mineradora, que dessa forma se tornou também responsável. 

Lute domingo
Lute
Ambas as mineradoras assumiram o risco do rompimento da barragem ao não comunicarem às autoridades esse uso conjunto, depositando nela uma quantidade maior de rejeitos do que declararam. Cada vez fica mais evidente que ocorria uma superprodução de minério, sobrecarregando a capacidade da barragem.

Em meio a tudo isso, surge a informação de que a mineradora, a par de continuar com suas atividades, pretende transformar o povoado de Bento Rodrigues em bacia de rejeitos da mineração. Contra isso, se insurge o prefeito Duarte Júnior, de Mariana, para quem o espaço deveria ser transformado em lugar de oração.

Tem toda a razão o prefeito. Ele esteve na COP-21, em Paris, e visitou Nord-Pas de Calais, até 1990 a última mina de carvão da França. Com seus morros de rejeitos de carvão, a cidade hoje vive do turismo. Com suas ruínas, Bento Rodrigues seria transformada em memorial, tal como Chernobyl, na Ucrânia.

O que restou de Bento Rodrigues não deve ser demolido. Deve ser guardado como um monumento, como são outras cidades-fantasmas no mundo. Da desgraça emerge a primeira alternativa de diversidade econômica para Mariana – o turismo –, vez que ela se entregou, há alguns séculos, unicamente à mineração.

A perenidade do exemplo é o legado de Bento Rodrigues e seus antigos moradores.