quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Construtora Brasil


Decepção: o Supremo e sua pauta-bomba

Como outras no Congresso Nacional, uma pauta-bomba surgiu no Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 8 de agosto, ele aprovou reajuste de 16,38% dos salários de seus ministros. A proposta passará para o Congresso, onde a tradição é aprovar coisas do tipo, e desse tipo em particular, pois também serviria de pretexto para ampliar ganhos de deputados e senadores.

Se ali aprovada, é caso para veto presidencial. Seja pelo presidente de saída, para melhorar sua má imagem pública, ou pelo(a) novo(a) presidente, que, se aceitasse o reajuste, já estaria no caminho de um mau governo, pois agravaria ainda mais seu principal problema: a enorme crise fiscal que cairá em seu colo na posse.

Tenho insistido em apontar essa crise como um seriíssimo problema sem solução, e em pregar que esta seja tomada com urgência. Às vezes dá vontade de jogar a toalha, como ao ver o STF, que deveria primar pela sabedoria e pelos bons modos, optar por mais um petardo dirigido às contas públicas.


Contudo, animaram-me a ir em frente os paupérrimos argumentos brandidos por ministros do STF em defesa de sua lamentável decisão. E também o placar da decisão, 7 votos a 4, longe de um humilhante 10 a 1 ou 11 a zero.

Aliás, comparado ao de um jogo de futebol, esse placar se distingue porque os gols da vitória foram contra. Contra quem? Os quase 210 milhões de brasileiros, dos quais apenas alguns milhares foram favorecidos. A favor dessas centenas de milhões vieram os gols dos derrotados, infelizmente insuficientes para a vitória, mas com responsabilidade e espírito público.

Marcaram contra os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Surpreendi-me só com o gol do último, pois esperava um a favor, como os de Cármen Lúcia, Celso de Mello, Rosa Weber e Edson Fachin. As únicas mulheres do STF brilharam mais uma vez.

Passando aos paupérrimos argumentos dos vencedores, o ministro Toffoli alegou que o reajuste não provocará aumento de despesas. Textualmente: “Não se está encaminhando para o Congresso um acréscimo no orçamento do Supremo, não se está tirando dinheiro da saúde, educação, se está tirando das nossas despesas correntes, dos nossos custeios” (Estadão, 9/8). Ora, se é possível tirar dinheiro dessas despesas, é porque são irrelevantes e já deveriam ter sido cortadas, com repasse do montante ao Executivo, carente crônico de recursos para despesas com educação e saúde, entre outras sob aperto pela crise fiscal em andamento. Ademais, o ministro ignorou os efeitos em cascata dos reajustes nos seus impactos sobre outros orçamentos públicos, como nos Estados. Conforme cálculo das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, em face desses efeitos o custo do reajuste anual total foi estimado em R$ 4 bilhões (!), cerca de cinco vezes (!) os R$ 717,2 milhões (!) previstos para o Poder Judiciário federal.

O ministro Lewandowski argumentou que o reajuste recuperaria parcialmente perdas de salário real em razão da inflação e, com base no segundo número citado, provocaria impacto inferior ao valor de R$ 1 bilhão que recentemente a Operação Lava Jato devolveu aos cofres da Petrobrás. Ora, o que uma coisa tem que ver com a outra? É um raciocínio estrambótico. Louve-se a Operação Lava Jato, mas não tem sentido tratar esse dinheiro como justificativa de reajustes salariais no setor público. É o caso de perguntar ao ministro: dentro de seu estranho raciocínio, como custear o reajuste nos anos seguintes se a Lava Jato não transferisse mais dinheiro para a Petrobrás? E como esta passaria dinheiro para o governo?

A Constituição exige que os ministros do STF tenham reputação ilibada e notável saber jurídico, e este deveria incluir uma boa noção de como funcionam as contas públicas. Alguns também não parecem preocupados com sua reputação.

A discussão do assunto deve focar em quatro pontos: 1) a magnitude do reajuste e sua abrangência; 2) a justiça dele em si mesmo, relativamente aos beneficiados e aos excluídos de algo semelhante; 3) quem vai pagar a conta; e 4) o estado das contas públicas em sua capacidade de suportá-lo, que não vejo.

São elementos para avaliar a ética da decisão, que tem como parâmetro sua relação com o bem comum à sociedade, se alcançado ou não. Não me meto a avaliar a decisão em sua moral, pois cada um tem a sua, algo pessoal e normativo. Em particular, entre juristas, como são todos os ministros do STF, costuma-se tomar a legalidade como sinônimo de moralidade.

A magnitude do reajuste é alta e alcança salários que estão entre os maiores do poder público federal e do País como um todo. Há categorias de servidores com salários muito menores e sem reajustes de mesma magnitude. E há os efeitos em cascata, como nos Estados, que prejudicarão não só servidores sem reajuste há muito tempo, mas também poderão agravar atrasos de pagamentos, que ocorrem nos Estados de Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Quem vai pagar a conta é o povão, via impostos ou mais dívida pública. E decisões como esta agravam ainda mais a desconfiança dos agentes econômicos quanto ao futuro das contas públicas. Entre esses agentes se destacam empresários e consumidores, que assim restringem suas decisões de investir e consumir, prejudicando o crescimento econômico e a arrecadação de impostos.

Trata-se, portanto, de decisão aética, pois compromete o bem comum. Quanto a isso, digno de registro foi o desabafo da ex-presidente do STF ministra Cármen Lúcia, após a decisão: “Fui contra devido ao momento do Brasil. Grave do ponto de vista econômico e fiscal, com uma sociedade que está penando muito pelas condições que estamos vivendo, com mais de 13 milhões de desempregados. Então eu acho que, se o sacrifício é de todo mundo, tem de ser nosso também”.

O dizer do 'Boca do Inferno'

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo em mar de enganos
Ser louco cos demais, que ser sisudo.

Gregório de Matos

Nosso sistema político-partidário se exauriu e leva os que dele viviam

Dia dos Pais, neste último domingo, leitor, serviu como excelente teste. Além da alegria de conviver com filhos e netos, o encontro ensejou, como sempre acontece, muita conversa sobre política. Serviu, igualmente, para confirmar que todos têm hoje consciência de que nosso sistema político-partidário se exauriu e levou de roldão os que dele sempre viveram. E mais: que o tempo corre contra a democracia.

Não sei se todos os presentes à bonita festa aceitaram de bom grado a afirmação de que nosso país já foi melhor, “muito melhor”, como fiz questão de frisar. Houve época em que, disse-lhes, mesmo que não praticássemos a melhor política, o país dispunha de melhores políticos. Seus eleitores faziam questão de chamá-los (a muitos deles, certamente) de “homens públicos”.

Eram cidadãos probos, que observavam um mínimo de decência pessoal, profissional e pública. A política ainda não se transformara em meio de enriquecimento ilícito. Meio que se alastrou de modo impressionante de alguns anos para cá. Meio, aliás, que envolveu não só políticos, mas também empresários.


Durante a conversa, quando dizia algo intrigante, observava o olhar atento e aflito de três netos, recém-bacharelados em direito. Mas o olhar de descrença, em relação a nossos políticos, não era só dos três, mas de outros netos, de seus pais e de todos os presentes. Sobre o debate dos candidatos a presidente, a opinião foi uma só: como acreditar em políticos que já estão por aí há mais de 30 ou 40 anos e, até agora, não ofereceram ao país sequer um programa de governo que atenda as necessidades básicas do povo brasileiro? À exceção dos chavões de sempre, usados em cada eleição, será que algum deles soube, um dia, o que quer e precisa o povo brasileiro?

Pelo que tenho ouvido ou lido, a sensação que se tem é a de que o ambiente de pessimismo do último domingo é o mesmo que tomou conta da sociedade brasileira. Por isso, ela está prestes a explodir, soterrando outra vez o regime democrático. Dá medo só de pensar que o Brasil possa assistir, no segundo turno, a uma disputa polarizada entre um candidato apoiado por um político condenado judicialmente e um político raivoso, que se diz ex-militar, mas tem mandato há 30 anos.

E pior: quase ninguém está preocupado com o futuro do Brasil. Como se não estivéssemos em situação de penúria, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, alheio ao que isso possa trazer às contas públicas, decidiu agora, exatamente agora, às vésperas de uma eleição perigosa, conceder aumento a seus ilustres ministros.

O aumento não poderia ser adiado para outra ocasião, quando outros problemas maiores já tivessem sido resolvidos? Claro que sim! Apenas quatro dos 11 ministros do STF, à frente Cármen Lúcia, tiveram o bom senso de não aderir à esdrúxula proposta e votaram contra.

Se eu soubesse em quem votarão as mulheres (são 77 milhões de votos!), até onde vai o ex-presidente Lula em seu desvario e, enfim, aonde chegará essa estúpida polarização político-ideológica, talvez aventurasse um palpite, naquele almoço, para o segundo turno.

O ex-presidente Lula, autor e vítima da lei que assinou, está sentenciado e preso. Em vez de se defender com dignidade e, mesmo da cadeia, tentar unir o país, prefere jogar lenha na fogueira de sua vaidade, além de estimular, entre os brasileiros, mais ódio e menos esperança. E sem qualquer preocupação com nosso futuro.


O que nos resta, se possível, é não deixar de votar.

Ksenia Parkhatskaya

Lula ignora direito do eleitor a uma eleição limpa

O PT protocolou no TSE o pedido de registro da candidatura de Lula. O candidato-fantasma apresentou-se à Justiça Eleitoral como um político ficha limpa. Pense só nisso. Esqueça o resto. Condenado a 12 anos e um mês de cana, encarcerado desde 7 de abril, Lula pede ao Brasil que se finja de bobo e acredite que sua biografia continua imaculada.

A pseudo-candidatura de Lula já era inacreditável. Tornou-se inaceitável. A insistência do presidiário em prolongar uma postulação fictícia parecia uma imprudência. Virou um escárnio. Num Brasil imerso em indignação, em que 60% do eleitorado oscila entre a raiva e o desalento, o excesso de desfaçatez transforma Lula numa caricatura de si mesmo.

Todos sabem onde Lula quer chegar com sua chapa três-em-um. Quando for barrado pela Justiça Eleitoral, o presidiário promoverá Haddad de vice para poste, içará Manuela D’Ávila à condição de número dois da chapa e intensificará o processo de transfusão de votos.

Noutros tempos, isso seria chamado de astúcia política. Hoje, é apenas mais um cambalacho.

Lula vive uma experiência paradoxal: considera-se um político acima de qualquer suspeita. No Judiciário, contudo, o que Lula chama de reputação é apenas a soma das ilegalidades que lhe atribuem sem que ele consiga rebater.

Ao esticar a pantomima de sua candidatura ilegal, Lula ignora o direito do eleitor brasileiro a uma eleição eticamente sustentável. Cabe à Justiça Eleitoral limpar o processo. Quando mais rápida for a higienização, menor a desmoralização.

As eleições do desencanto e do medo

As eleições brasileiras deste 2018, que despontavam como as de uma redenção da velha política para dar lugar a um novo ciclo de maior democracia e participação popular, aparecem, a menos de dois meses de ir às urnas, como as do desencanto e até do medo. E da maior incerteza desde os tempos da ditadura.

O desencanto dos brasileiros tem números: quase 60% dos cidadãos com direito a voto ainda não sabem se irão às urnas ou anularão. Até os candidatos que aparecem com maior consenso nas pesquisas apresentam, a começar por Lula, uma rejeição de 60%. É a primeira vez que, sem ele, que certamente não poderá disputar as eleições por estar condenado em segunda instância, quem lidera a corrida é um extremista de ultradireita, ex-capitão do Exército que escolheu como vice um general da reserva defensor da ditadura militar e da tortura. E pela primeira vez disputarão as eleições mais de cem militares.

A esquerda, que tinha esperanças de recuperar o poder, depois do inferno do impeachment de Dilma e do desastre do Governo Temer, encontra-se incapaz de se unir, paralisada pela incógnita de Lula ao não desistir da candidatura, o que impediu seu partido, o PT, de apostar num candidato progressista de outra agremiação, apoiado desta vez pelos seguidores de Lula. A ordem é ou ele ou ninguém.

O centro e a centro-direita se apresentam contaminados pela rejeição da sociedade, por se tratarem dos partidos mais sacudidos pela corrupção e alvo das condenações da Lava Jato, que de esperança de limpeza política se tornou uma incógnita e até fator de desestabilização da política.

Se as eleições de 2018 se apresentavam como esperança de início de um novo ciclo político que restabelecesse a economia e abrisse novos espaços para as reformas que nenhum Governo no passado teve a coragem de enfrentar, por serem impopulares, os brasileiros já olham para 2022, ao darem por perdido este pleito.

Mais ainda, sobre estas eleições se abatem já as nuvens negras de um novo impeachment caso Lula seja impedido de participar, já que foi cunhado o slogan “eleição sem Lula é fraude”, porque impediria 30% da população, a parcela que declara voto nele, de escolher o seu candidato. Na outra margem, ecoa também slogan inverso: “Eleição com Lula é fraude”, já que a lei da Ficha Limpa o impede de concorrer.

O máximo que os analistas políticos se atrevem a profetizar é que nunca, nos últimos 20 anos, uma eleição foi, semanas antes de ser disputada, tão incerta e com tanto desencanto e até medo, dois componentes dos quais o Brasil não necessita neste momento, com mais de 14 milhões de desempregados, uma economia fragilizada e o recrudescimento da violência com um triste balanço de 63.000 homicídios anuais, a maioria de jovens negros e pobres.

Tudo perdido? Não. A sociedade brasileira, apesar da crise política que a sacode, é viva e conta com uma democracia ameaçada, mas consolidada, e não perdeu a esperança de dar vida a uma substituição que, se não parecer possível desta vez, continua em germinação, porque junto com o desencanto pelos políticos não morreu a vontade por uma renovação que acabe com a velha república dos privilégios e das castas, para dar à luz uma nova primavera de democracia e bem-estar.

Arrumei um emprego

— Rapaz, acho que arrumei um emprego.

— Que boa notícia, é pra fazer o quê?

— Vou ser ministro.

— Opa, cuidado. Ministro do Temer é fria.

— Não, que Temer, que nada. Ministro do Supremo Tribunal Federal.

— Sério, mas aquilo não é um abacaxi? Ouvi dizer que os caras que trabalham lá têm reclamado do salário.

— Achei a proposta boa. O pacote de salário e benefícios é bastante atraente.


— Mesmo? Quanto é o salário, se você não se incomoda de eu perguntar?

— Não, todo mundo sabe. Ministro do Supremo ganha R$ 33 mil por mês. Mas pode aumentar agora pra R$ 39 mil.

— Trinta e três mil não é ruim, mas também não é essa coisa toda.

— Sim, mas o salário é praticamente uma poupança. No pacote entram passagens aéreas, casa e carro com motorista. Some aí mais uns R$ 15 mil mensais que pagaria com aluguel de apartamento, salário do motorista, gasolina, passagens. E tem o abono de permanência, mais R$ 3,5 mil por mês.

— Ah, entendi. É muito mais, então.

— Claro. Outra coisa boa são as folgas e as férias. No total, ministro do Supremo trabalha oito ou nove meses por ano. Tem dois meses de férias e uma porção de recessos e feriados emendados.

— Maravilha. Meu sonho é tirar dois meses de férias. Sortudo.

— Tem mais. Se quiser, ministro do Supremo pode trabalhar até os 75 anos de idade recebendo todas as regalias da função. Não se espante, é verdade. Mas pode também se aposentar antes. E aposentadoria lá é com salário integral. Rerere.

— Você já somou isso? Você tem 45 anos, se viver até os 90, quanto vai dar?

— Somei, dá uns R$ 650 mil por ano. Até os 90, vou ganhar perto de R$ 30 milhões. Por baixo, considerando que eu gosto de viajar, comer e beber bem, posso economizar uns R$ 220 mil por ano. Ou R$ 10 milhões até os 90 anos. Isso se o dinheiro ficar parado na conta. O que você acha? Dá pra encarar?

— Nada mal, amigo. Quero um emprego desses para mim. Agora, tem uma coisa, o assédio deve ser muito chato. Não?

— Sim, mas os caras têm manhas. Outro dia, o Supremo inaugurou no aeroporto de Brasília um sala VIP só para os ministros. Pra não terem chateação na hora do embarque e do desembarque. Sabe como é.

— Que beleza. Mas, em compensação, ministro do STF deve trabalhar muito.

— Sem dúvida, mas o grupo técnico que dá suporte aos gabinetes dos ministros redige todos os votos. E tem gente lá, juízes e analistas judiciários, que ganha quase como ministro. Mas claro, a responsabilidade é muito grande.

— Imagino. Tem que ficar sempre atento às leis, não pode fazer nada que seja contrário ao estabelecido pela lei e pela Constituição.

— Mais ou menos. Não é tão rigoroso assim. Teve ministro que desrespeitou a Constituição mantendo os direitos políticos de pessoa que teve seu mandato cassado. Eles chamam isso de interpretação da Constituição. Uma aberração, mas assim ele decidiu e assim ficou.

— Caramba! Mas ministro não pode tudo. Ajudar amigos, por exemplo, nem pensar.

— Que isso? Já houve caso de ministro que mandou soltar amigo preso. Teve um que mandou soltar afilhado de casamento. Ministro do Supremo pode tudo.

— Rapaz!

— E se for bem discreto, dá pra pegar carona em jatinhos particulares e ir para festinhas de arromba em ilhas privadas.

— Não? Sério? Você jura?

— Juro. E tem mais uma coisa, muito aqui entre nós. Já teve ministro no passado que manteve seu escritório de advocacia em nome de um filho, de um amigo. E, claro, com um sócio oculto desses, todo mundo corre para lá.

— Cara, melhor que isso, só senador.

— É, mas aí não vale, Senado é o paraíso.