segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
Raposas, gatos e gatunos
Queria apenas mandar o filho para a escola. Acreditava que a educação era importante. Formadora de caráter. E, claro, incentivadora da ética do trabalho. Não teve dúvidas. Assim que pode, Gepeto colocou Pinóquio na escola. Sabia que o garoto, sendo diferente, enfrentaria dificuldades. Ser diferente é sempre difícil. Mas valia o sacrifício.
No caminho da escola, logo no primeiro dia, Pinóquio fez dois amigos. Ou pelo menos pensou que fez. Erro comum. Acontece com todos. Se bem que desconfiar que raposas e gatos não tem lá a melhor reputação quando se trata de amizade.
Além disso, os novos amigos faziam promessas atraentes. Logo de cara, diziam que gente inteligente não vai a escola. Aprendem na vida. E, melhor, divertindo-se. Não existiria razão mesmo para esforço desperdiçado com trabalho.
Recompensa e sucesso sem esforço. E com diversão. Tudo o que qualquer um desejaria. Bastava apenas seguir uma raposa e um gato em direção a uma vida onde tudo é fácil, divertido e, sobretudo, sem responsabilidade.
Este foi seu primeiro e maior erro. Acreditar em raposas e gatos nunca foi saudável, pelo menos para quem acredita. Pinóquio acabou escravizado. Privado de liberdade, direitos e cidadania. Destino comum para aqueles que decidem seguir lideranças duvidosas sem contestação.
Raposas, gatos e gatunos são e devem ser sempre passiveis de responsabilidade criminal. Mas no fundo, talvez não sejam eles os únicos culpados pelos grandes desastres da vida. Encontra-los é, por destino, desenho ou desejo, parte da vida. Mas segui-los é escolha. E, dependendo da qualidade da escolha, leva aos desastres.
Desastres não acontecem somente em razão das existências de uns poucos. Mais do que isso, desastres dependem da tolerância, omissão, ou desinteresse da maioria. Liderança sem controle ou responsabilização é a receita da tragédia. Inevitavelmente pavimenta o caminho do inferno.
Líderes refletem a qualidade dos liderados. Ninguém chega a posições de poder por acaso. Precisam de suporte dos liderados. E se liderados não exigem qualidade de seus líderes, sem qualidade ficam. É a natureza das coisas. Imutável, previsível e inevitável. Por isso cabe aos liderados, e não aos líderes, a imposição de limites e padrões de comportamento ao poder.
Raposas, gatos e gatunos sempre tratarão, ou tentarão tratar, seus liderados como idiotas. Mas a gente pelo menos não precisa parar de fornecer razoes para isso.
No caminho da escola, logo no primeiro dia, Pinóquio fez dois amigos. Ou pelo menos pensou que fez. Erro comum. Acontece com todos. Se bem que desconfiar que raposas e gatos não tem lá a melhor reputação quando se trata de amizade.
Além disso, os novos amigos faziam promessas atraentes. Logo de cara, diziam que gente inteligente não vai a escola. Aprendem na vida. E, melhor, divertindo-se. Não existiria razão mesmo para esforço desperdiçado com trabalho.
Recompensa e sucesso sem esforço. E com diversão. Tudo o que qualquer um desejaria. Bastava apenas seguir uma raposa e um gato em direção a uma vida onde tudo é fácil, divertido e, sobretudo, sem responsabilidade.
Raposas, gatos e gatunos são e devem ser sempre passiveis de responsabilidade criminal. Mas no fundo, talvez não sejam eles os únicos culpados pelos grandes desastres da vida. Encontra-los é, por destino, desenho ou desejo, parte da vida. Mas segui-los é escolha. E, dependendo da qualidade da escolha, leva aos desastres.
Desastres não acontecem somente em razão das existências de uns poucos. Mais do que isso, desastres dependem da tolerância, omissão, ou desinteresse da maioria. Liderança sem controle ou responsabilização é a receita da tragédia. Inevitavelmente pavimenta o caminho do inferno.
Líderes refletem a qualidade dos liderados. Ninguém chega a posições de poder por acaso. Precisam de suporte dos liderados. E se liderados não exigem qualidade de seus líderes, sem qualidade ficam. É a natureza das coisas. Imutável, previsível e inevitável. Por isso cabe aos liderados, e não aos líderes, a imposição de limites e padrões de comportamento ao poder.
Raposas, gatos e gatunos sempre tratarão, ou tentarão tratar, seus liderados como idiotas. Mas a gente pelo menos não precisa parar de fornecer razoes para isso.
Sintomas de psicose
O ex-presidente Lula vai acabando mal este 2017, o ano em que foi condenado a nove anos e meio de cadeia por corrupção e, com isso, sofreu o pior desastre de toda a sua carreira política. A imagem que deixa aos olhos de todos é a de um rosto irado, chamando o Brasil para a briga a cada vez que abre a boca, numa gritaria permanente contra as leis do país, insultos ao sistema de justiça que o deixou nu e ameaças de se vingar de todos os inimigos imaginários que cria, o tempo todo, para explicar a si mesmo por que despencou de tão alto para tão baixo. Nunca lhe passa ela cabeça que o seu principal inimigo foi ele mesmo, e que seu engano fatal foi deixar-se cegar pela soberba – tomou, sozinho, todas as decisões políticas que arrasaram a sua vida e decidiu, também sozinho, que era um ser divino incapaz de errar.
Lula chegou, agora, a essa caricatura que todo mundo está podendo ver: uma espécie de Mussolini meia-boca, que deixaram solto depois que caiu do governo, tentando chamar de volta as multidões para transformá-lo de novo num homem poderoso e dar-lhe a posição de condutor vitalício do povo brasileiro. Mas a sua demagogia está aguada, muito distante da flama manejada com tanta destreza pelo modelo original. É um Mussolini sem as promessas de um grande futuro e sem a massa lotando as praças. O que diz já foi dito, o que promete é incompreensível (se vai fazer, porque já não fez nos quase catorze anos em que mandou no país?), e a sua praça só tem as camisetas com o vermelho cansado do PT. Virou, pelo visto em suas últimas aparições, um beato que continua anunciando o fim do mundo, ficou repetitivo e está em mau estado de conservação.
Toda a aposta de Lula e seu partido, hoje, se resume numa coisa só: uma virada de mesa, feita pelos poderosos que tanto criticam e com os quais se entendem tão bem, que lhe forneça algum tipo de anistia e lhe permita esconder-se num “foro privilegiado” qualquer. A partir daí, é contar com os institutos de pesquisa e jogar na chance de que a ignorância, a inconsciência e a desinformação continuem influindo nas decisões da maioria do eleitorado. Aí vai valer tudo. As mentiras que Lula tem usado, e que já estão num nível próximo à alucinação, prometem deixar para trás, a cada dia que passar, qualquer volume já anotado na história política do Brasil. Talvez já nem possam mais ser descritas como mentiras. Lula, ultimamente, parece estar regredindo ao “padrão Dilma” de discurso público, no qual é inútil a tentativa de entender alguma coisa – o que se diz simplesmente não tem pé nem cabeça.
Lula passa de 2017 para 2018 como uma ruína. Ninguém entre os 100% de puxa-sacos que o cercam lhe diz isso, é claro. Ele próprio, por sua conta, obviamente nunca tentará se informar. Em situações assim, é comum os psiquiatras começarem a notar sintomas de psicose. Mas aí quem paga a conta, sempre, é a população em geral – que terá na costas, durante pelo menos mais um ano inteiro, um líder neurótico e seu partido fazendo tudo o que podem para prejudicar o país. É a única maneira que veem para sobreviver – e quem sabe, como diz o filósofo paulista Luís Felipe Pondé, criar um dia por aqui a sua “Ditadura dos Ofendidos”.
Lula chegou, agora, a essa caricatura que todo mundo está podendo ver: uma espécie de Mussolini meia-boca, que deixaram solto depois que caiu do governo, tentando chamar de volta as multidões para transformá-lo de novo num homem poderoso e dar-lhe a posição de condutor vitalício do povo brasileiro. Mas a sua demagogia está aguada, muito distante da flama manejada com tanta destreza pelo modelo original. É um Mussolini sem as promessas de um grande futuro e sem a massa lotando as praças. O que diz já foi dito, o que promete é incompreensível (se vai fazer, porque já não fez nos quase catorze anos em que mandou no país?), e a sua praça só tem as camisetas com o vermelho cansado do PT. Virou, pelo visto em suas últimas aparições, um beato que continua anunciando o fim do mundo, ficou repetitivo e está em mau estado de conservação.
Toda a aposta de Lula e seu partido, hoje, se resume numa coisa só: uma virada de mesa, feita pelos poderosos que tanto criticam e com os quais se entendem tão bem, que lhe forneça algum tipo de anistia e lhe permita esconder-se num “foro privilegiado” qualquer. A partir daí, é contar com os institutos de pesquisa e jogar na chance de que a ignorância, a inconsciência e a desinformação continuem influindo nas decisões da maioria do eleitorado. Aí vai valer tudo. As mentiras que Lula tem usado, e que já estão num nível próximo à alucinação, prometem deixar para trás, a cada dia que passar, qualquer volume já anotado na história política do Brasil. Talvez já nem possam mais ser descritas como mentiras. Lula, ultimamente, parece estar regredindo ao “padrão Dilma” de discurso público, no qual é inútil a tentativa de entender alguma coisa – o que se diz simplesmente não tem pé nem cabeça.
Lula passa de 2017 para 2018 como uma ruína. Ninguém entre os 100% de puxa-sacos que o cercam lhe diz isso, é claro. Ele próprio, por sua conta, obviamente nunca tentará se informar. Em situações assim, é comum os psiquiatras começarem a notar sintomas de psicose. Mas aí quem paga a conta, sempre, é a população em geral – que terá na costas, durante pelo menos mais um ano inteiro, um líder neurótico e seu partido fazendo tudo o que podem para prejudicar o país. É a única maneira que veem para sobreviver – e quem sabe, como diz o filósofo paulista Luís Felipe Pondé, criar um dia por aqui a sua “Ditadura dos Ofendidos”.
Quem são os 41 milhões de pobres do país mais rico do mundo
A despeito da criação de milhões de postos de trabalho nos Estados Unidos, muitos cidadãos do país ainda vivem na pobreza.
Por quase seis anos, a economia norte-americana tem gerado uma quantidade grande de empregos - são quase 2 milhões por ano.
A recuperação econômica não só restabeleceu o número total de postos de trabalho perdidos durante a recessão causada pela crise financeira internacional de 2007, como também criou empregos suficientes para dar conta do crescimento populacional.
A taxa de desemprego nos EUA é de apenas 4,1%, a menor desde 2000. Mas várias famílias não viram seus recursos aumentarem.
Em 2016, quase 41 milhões de pessoas, ou 13% da população, viviam na pobreza - em comparação com os 15% verificados no auge da recessão, em 2010.
Nos Estados Unidos, a renda média de uma família de quatro pessoas é de US$ 91 mil (R$ 299,5 mil) por ano.
De acordo com a medição oficial dos EUA, baseada em renda e necessidades nutricionais, uma casa com quatro pessoas é considerada em estado de pobreza quando a renda familiar é inferior a US$ 24,3 mil (cerca de R$ 80 mil) por ano.
Pode parecer muito se comparado com países classificados como de baixa renda pelo Banco Mundial - com PIB per capita entre US$ 1 mil (R$ 3,2 mil) e US$ 4 mil (R$ 13 mil). No Brasil, por exemplo, medição de 2015 do banco estimou que 4,9% da população brasileira estava abaixo da linha de pobreza por viver com até US$ 1,90 por dia.
Mas o custo de vida mais alto nos Estados Unidos e o crescente abismo entre os pobres e a classe média podem resultar em dificuldades para famílias americanas de baixa renda.
Entre os que vivem na pobreza, dados de 2016 mostram que há cerca de 13,3 milhões de crianças - 18% têm menos de 18 anos.
À medida que a população envelheceu, o número de pessoas pobres com mais de 65 anos aumentou para 4,6 milhões - 9% do total.
Mas é o grupo de pessoas com idade para trabalhar (de 18 a 64 anos) que apresenta os dados mais dramáticos: quase 23 milhões deles, ou 12% do total, vivem na pobreza.
O Projeto Hamilton, do Instituto Brookings, tem analisado essa questão.
No grupo de pessoas com idade para trabalhar:
- 4 a cada 10 estavam empregados
- 1 a cada 10 tinha trabalho em período integral, durante o ano todo, mas não ganhava o suficiente
- 1 a cada 4 estava empregado, mas não tinha contrato para o ano inteiro
- 1 a cada 25 estava à procura de trabalho
- Dos que não tinham trabalho em período integral, 1 em 3 estava nessa circunstância involuntariamente.
O fato de quatro entre 10 adultos pobres estarem empregados revela que apenas suprir a lacuna de postos de trabalho - retornando às taxas pré-recessão - não significa que todos estejam vivendo bem e prosperando.
Também não quer dizer que todos estejam encontrando emprego. Cerca de metade dos adultos pobres em idade para trabalhar não está inserida no mercado de trabalho.
Dos postos criados, muitos são no setor de hotelaria, administração, saúde e tecnologia da informação, embora algumas áreas muito afetadas pela recessão - como construção civil e manufatura - ainda não tenham se recuperado completamente da crise.
Por quase seis anos, a economia norte-americana tem gerado uma quantidade grande de empregos - são quase 2 milhões por ano.
A recuperação econômica não só restabeleceu o número total de postos de trabalho perdidos durante a recessão causada pela crise financeira internacional de 2007, como também criou empregos suficientes para dar conta do crescimento populacional.
A taxa de desemprego nos EUA é de apenas 4,1%, a menor desde 2000. Mas várias famílias não viram seus recursos aumentarem.
Em 2016, quase 41 milhões de pessoas, ou 13% da população, viviam na pobreza - em comparação com os 15% verificados no auge da recessão, em 2010.
Nos Estados Unidos, a renda média de uma família de quatro pessoas é de US$ 91 mil (R$ 299,5 mil) por ano.
De acordo com a medição oficial dos EUA, baseada em renda e necessidades nutricionais, uma casa com quatro pessoas é considerada em estado de pobreza quando a renda familiar é inferior a US$ 24,3 mil (cerca de R$ 80 mil) por ano.
Pode parecer muito se comparado com países classificados como de baixa renda pelo Banco Mundial - com PIB per capita entre US$ 1 mil (R$ 3,2 mil) e US$ 4 mil (R$ 13 mil). No Brasil, por exemplo, medição de 2015 do banco estimou que 4,9% da população brasileira estava abaixo da linha de pobreza por viver com até US$ 1,90 por dia.
Mas o custo de vida mais alto nos Estados Unidos e o crescente abismo entre os pobres e a classe média podem resultar em dificuldades para famílias americanas de baixa renda.
Entre os que vivem na pobreza, dados de 2016 mostram que há cerca de 13,3 milhões de crianças - 18% têm menos de 18 anos.
À medida que a população envelheceu, o número de pessoas pobres com mais de 65 anos aumentou para 4,6 milhões - 9% do total.
Mas é o grupo de pessoas com idade para trabalhar (de 18 a 64 anos) que apresenta os dados mais dramáticos: quase 23 milhões deles, ou 12% do total, vivem na pobreza.
O Projeto Hamilton, do Instituto Brookings, tem analisado essa questão.
No grupo de pessoas com idade para trabalhar:
- 4 a cada 10 estavam empregados
- 1 a cada 10 tinha trabalho em período integral, durante o ano todo, mas não ganhava o suficiente
- 1 a cada 4 estava empregado, mas não tinha contrato para o ano inteiro
- 1 a cada 25 estava à procura de trabalho
- Dos que não tinham trabalho em período integral, 1 em 3 estava nessa circunstância involuntariamente.
Também não quer dizer que todos estejam encontrando emprego. Cerca de metade dos adultos pobres em idade para trabalhar não está inserida no mercado de trabalho.
Dos postos criados, muitos são no setor de hotelaria, administração, saúde e tecnologia da informação, embora algumas áreas muito afetadas pela recessão - como construção civil e manufatura - ainda não tenham se recuperado completamente da crise.
As duas faces da miséria
Do ponto de vista democrático, o recente ciclo das esquerdas latino-americanas no poder, entre elas o petismo, não foi particularmente entusiasmante. Em seu conjunto, em grau maior ou menor, não souberam dirigir-se a toda a sociedade, ao optarem por uma ideia substantiva de democracia, hostil à dimensão que reputam “meramente” formal, fazendo-a acompanhar por estratégias discursivas fortemente divisivas, próprias de percursos já cumpridos, sem êxito, no passado.
O caso extremo, que, no entanto, chegou a ter pretensões de se tornar a matriz de transformações revolucionárias em boa parte do Continente, terá sido o bolivarianismo venezuelano, desde o começo tingido por um autoritarismo de feição militar que, recorrendo a instrumentos plebiscitários e arregimentando uma parte da população – por certo aquela socialmente mais destituída –, foi capaz, como ainda hoje é, de obter sucessivas vitórias eleitorais, por bem ou por mal.
Nenhuma dúvida, especialmente durante os sucessivos mandatos de Hugo Chávez, de que, manipulações à parte, o regime contou com adesão majoritária. Um dos requisitos da democracia, assim, parecia plenamente preenchido, a saber, o respeito à vontade majoritária na constituição dos governos. Menos ou nada respeitados, ao contrário, ficavam outros requisitos igualmente essenciais, como o respeito aos direitos da minoria, que do ponto de vista formal deve ter a possibilidade de se tornar governo em eleições disputadas em razoáveis condições paritárias.
O mau padrão bolivariano, crescentemente cultivado a partir da primeira vitória de Chávez, ainda no final do século passado, deitou raízes e se espalhou, conquistando adeptos até mesmo entre intelectuais. Chávez, naturalmente, surgia como a encarnação – sem restos – de todo o povo. Um redivivo pai fundador, capaz de recolocar o Estado sobre novas bases e de encaminhar transformações supostamente socialistas à altura do século 21. Em certo momento, a busca da “felicidade social” chegou a se institucionalizar na forma de um ministério. Por óbvio, quem se opusesse – ou se opõe – aos desígnios oficiais só podia ser visto como um sabotador ou um agente do imperialismo. Um “esquálido”, na novilíngua chavista.
A Argentina dos Kirchners e, em tom mais brando, o Brasil de Lula reiteraram o novo padrão retórico. Por certo, sociedades mais complexas do que a venezuelana requerem objetivamente um discurso público menos marcado pelo maniqueísmo. Apesar disso, o recurso lulista da primeira hora consistiu em brandir a “herança maldita” dos anos FHC, bordão repetido infinitas vezes desde sempre, a ponto de borrar o aspecto formalmente exemplar da transição de um governo para outro, em 2003. Opor-se a Lula era pertencer, automaticamente, à “direita neoliberal”, um espantalho conveniente sob cuja sombra se iria gradualmente congelar a imaginação política do País nos moldes estatistas que no passado presidiram, à direita e à esquerda, seus surtos de modernização.
A “linguagem do ódio” fez sua potente reaparição em nossa história política, minando a constituição possível de uma cultura cívica minimamente compartilhada. Não se chegou, como na Venezuela, ao cinismo de promulgar pretensa legislação constitucional contra o ódio, depois de semeá-lo abundantemente; mas, tal como lá, atribuiu-se aos adversários o espírito da “casa grande”, em pânico diante dos avanços – mais proclamados do que reais – da “senzala”. E esse constitui agora o legado pior do petismo, sua peculiar herança maldita, a qual, recortando de alto a baixo nossa sociedade, acabou por gerar seu oposto simétrico na figura – agora, sim – de uma direita primitiva, cuja expressão política mais evidente simula portar um fuzil em suas intervenções públicas – num país devastado pela insegurança e pelas mortes violentas.
Na verdade, assim foi que “nos atualizamos”, paradoxalmente, em relação a algumas das correntes mais perversas que se agitam mundo afora. A começar por Trump, algo mudou na extrema direita contemporânea, dando-lhe não só confiança agressiva, como também capacidade de explorar medos, frustrações e ressentimentos. Nem mesmo nos Estados Unidos, uma democracia liberal plurissecular, passou inobservada a mudança genética da velha direita republicana, a ponto de fazer um político solidamente conservador como o senador John McCain protestar contra a retórica de “solo e sangue” que se afirma contra as marcas de origem de seu país. Ou o contestadíssimo Georg W. Bush lamentar a degeneração do nacionalismo em nativismo vulgar. Para não falar dos ventos xenófobos que varrem a velha Europa, em que no tronco enfermo do antissemitismo agora se enxerta a doença islamofóbica.
Entre nós, ainda não é possível avaliar o impacto eleitoral desta “atualização”, com sua explosiva mistura de trevoso conservadorismo comportamental e liberalismo econômico radical, se é que se levará a cabo esta outra mudança genética na extrema direita nativa, originariamente portadora de sua própria versão de capitalismo autoritário e nacionalista. Da mesma forma, observando o polo simétrico, não sabemos até onde a sociedade resistirá à reproposição do populismo radicalizado “de esquerda”, com o qual voltou a girar pelo País o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para impor como fato consumado uma candidatura presidencial às voltas com conhecidos e crescentes problemas judiciais.
A política democrática requer que tais ideias extremas sejam paulatinamente postas nas margens da arena pública. No rigor do termo, são excêntricas e constituem tentativas desastradas ou de retorno a um passado mítico de lei e ordem, ou de fuga para um futuro com mais igualdade (admitamos para fins de argumentação), mas, certamente, menos liberdade. Derrotá-las é o desafio que a vasta e variada área dos democratas deve continuamente se impor.
Luiz Sérgio Henriques
O caso extremo, que, no entanto, chegou a ter pretensões de se tornar a matriz de transformações revolucionárias em boa parte do Continente, terá sido o bolivarianismo venezuelano, desde o começo tingido por um autoritarismo de feição militar que, recorrendo a instrumentos plebiscitários e arregimentando uma parte da população – por certo aquela socialmente mais destituída –, foi capaz, como ainda hoje é, de obter sucessivas vitórias eleitorais, por bem ou por mal.
Nenhuma dúvida, especialmente durante os sucessivos mandatos de Hugo Chávez, de que, manipulações à parte, o regime contou com adesão majoritária. Um dos requisitos da democracia, assim, parecia plenamente preenchido, a saber, o respeito à vontade majoritária na constituição dos governos. Menos ou nada respeitados, ao contrário, ficavam outros requisitos igualmente essenciais, como o respeito aos direitos da minoria, que do ponto de vista formal deve ter a possibilidade de se tornar governo em eleições disputadas em razoáveis condições paritárias.
O mau padrão bolivariano, crescentemente cultivado a partir da primeira vitória de Chávez, ainda no final do século passado, deitou raízes e se espalhou, conquistando adeptos até mesmo entre intelectuais. Chávez, naturalmente, surgia como a encarnação – sem restos – de todo o povo. Um redivivo pai fundador, capaz de recolocar o Estado sobre novas bases e de encaminhar transformações supostamente socialistas à altura do século 21. Em certo momento, a busca da “felicidade social” chegou a se institucionalizar na forma de um ministério. Por óbvio, quem se opusesse – ou se opõe – aos desígnios oficiais só podia ser visto como um sabotador ou um agente do imperialismo. Um “esquálido”, na novilíngua chavista.
A Argentina dos Kirchners e, em tom mais brando, o Brasil de Lula reiteraram o novo padrão retórico. Por certo, sociedades mais complexas do que a venezuelana requerem objetivamente um discurso público menos marcado pelo maniqueísmo. Apesar disso, o recurso lulista da primeira hora consistiu em brandir a “herança maldita” dos anos FHC, bordão repetido infinitas vezes desde sempre, a ponto de borrar o aspecto formalmente exemplar da transição de um governo para outro, em 2003. Opor-se a Lula era pertencer, automaticamente, à “direita neoliberal”, um espantalho conveniente sob cuja sombra se iria gradualmente congelar a imaginação política do País nos moldes estatistas que no passado presidiram, à direita e à esquerda, seus surtos de modernização.
A “linguagem do ódio” fez sua potente reaparição em nossa história política, minando a constituição possível de uma cultura cívica minimamente compartilhada. Não se chegou, como na Venezuela, ao cinismo de promulgar pretensa legislação constitucional contra o ódio, depois de semeá-lo abundantemente; mas, tal como lá, atribuiu-se aos adversários o espírito da “casa grande”, em pânico diante dos avanços – mais proclamados do que reais – da “senzala”. E esse constitui agora o legado pior do petismo, sua peculiar herança maldita, a qual, recortando de alto a baixo nossa sociedade, acabou por gerar seu oposto simétrico na figura – agora, sim – de uma direita primitiva, cuja expressão política mais evidente simula portar um fuzil em suas intervenções públicas – num país devastado pela insegurança e pelas mortes violentas.
Na verdade, assim foi que “nos atualizamos”, paradoxalmente, em relação a algumas das correntes mais perversas que se agitam mundo afora. A começar por Trump, algo mudou na extrema direita contemporânea, dando-lhe não só confiança agressiva, como também capacidade de explorar medos, frustrações e ressentimentos. Nem mesmo nos Estados Unidos, uma democracia liberal plurissecular, passou inobservada a mudança genética da velha direita republicana, a ponto de fazer um político solidamente conservador como o senador John McCain protestar contra a retórica de “solo e sangue” que se afirma contra as marcas de origem de seu país. Ou o contestadíssimo Georg W. Bush lamentar a degeneração do nacionalismo em nativismo vulgar. Para não falar dos ventos xenófobos que varrem a velha Europa, em que no tronco enfermo do antissemitismo agora se enxerta a doença islamofóbica.
Entre nós, ainda não é possível avaliar o impacto eleitoral desta “atualização”, com sua explosiva mistura de trevoso conservadorismo comportamental e liberalismo econômico radical, se é que se levará a cabo esta outra mudança genética na extrema direita nativa, originariamente portadora de sua própria versão de capitalismo autoritário e nacionalista. Da mesma forma, observando o polo simétrico, não sabemos até onde a sociedade resistirá à reproposição do populismo radicalizado “de esquerda”, com o qual voltou a girar pelo País o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para impor como fato consumado uma candidatura presidencial às voltas com conhecidos e crescentes problemas judiciais.
A política democrática requer que tais ideias extremas sejam paulatinamente postas nas margens da arena pública. No rigor do termo, são excêntricas e constituem tentativas desastradas ou de retorno a um passado mítico de lei e ordem, ou de fuga para um futuro com mais igualdade (admitamos para fins de argumentação), mas, certamente, menos liberdade. Derrotá-las é o desafio que a vasta e variada área dos democratas deve continuamente se impor.
Luiz Sérgio Henriques
Estranha lentidão do STF
Mais um ano chega ao fim e o Supremo Tribunal Federal (STF) não concluiu nenhum processo relativo à Operação Lava Jato. Surpreendentemente, a Suprema Corte ainda não proferiu nenhuma sentença em processo penal da Lava Jato a respeito de réu com foro privilegiado. Entra ano, sai ano e fica mais forte a impressão de que o STF é sepulcro dessas ações penais.
Na primeira instância, as investigações e os processos avançam. Exemplo disso é um dos processos contra Eduardo Cunha. Em março de 2017, o juiz Sérgio Moro condenou o ex-deputado a 15 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Em outubro, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região julgou os recursos relativos a esse processo, alterando a pena do réu para 14 anos e 6 meses de prisão. Ou seja, já houve sentença e decisão de segunda instância. Se o caso estivesse no STF, como estaria?
Essa estranha lentidão no STF não é de agora. Quando o ministro Edson Fachin assumiu, em fevereiro deste ano, a relatoria dos casos da Lava Jato no STF, após o acidente de avião que matou o ministro Teori Zavascki, já se dizia que a principal tarefa do novo relator era dar celeridade às investigações e aos processos. Naquela altura, era notável a discrepância de velocidade entre os casos julgados por magistrados da primeira instância e os que estavam na Suprema Corte.
A depender do número de sentenças, a situação de atraso do STF apenas se agravou. Os meses passaram-se e ainda a população está à espera de conhecer a primeira sentença do Supremo num caso da Lava Jato. Já se sabe como o juiz Sérgio Moro aplica a lei, já se sabe como o TRF da 4.ª Região revisa os casos de Curitiba – em geral, os desembargadores aumentam a pena –, mas ainda nada se sabe como os ministros do STF punem as autoridades envolvidas nos escândalos de corrupção da Lava Jato.
Não é raro ouvir críticas ao foro privilegiado, ao qual se atribui a impunidade. A rigor, o fato de um réu ser julgado por um tribunal superior não deveria trazer-lhe nenhum benefício pessoal, pois a Justiça deve funcionar em todas as instâncias. O problema é que as instâncias superiores, especialmente o STF, têm sido lentas na condução das investigações e processos penais, e a imagem que se consolida é a de que o foro privilegiado é uma enorme benesse para os que estão no poder, justamente o contrário do que deveria ocorrer. Um cargo público só deve aumentar, e não minorar, a responsabilidade de quem o ocupa.
A causa para essa correlação entre foro privilegiado e impunidade não é, portanto, o sistema de competências definido pela Constituição Federal. O primeiro motivo para que os eventuais crimes cometidos por autoridades não sejam punidos é a demora do STF em conduzir as causas penais.
Além de representar impunidade para quem atuou fora da lei, essa vagarosidade do STF gera um grave efeito colateral. A Lava Jato na primeira instância avança, mas isso não significa que ela não cometa falhas. Como toda atividade humana, ela está sujeita a erros. E os eventuais equívocos devem ser corrigidos pelas instâncias superiores. Mas se o STF não trabalha diligentemente nos casos de sua competência, qual será sua autoridade perante a opinião pública para corrigir as eventuais falhas das instâncias inferiores?
A perda de autoridade do STF pela falta de diligência não é uma questão teórica. Nesses anos de Lava Jato, não foram poucos os casos em que a população deu amplo apoio a decisões de primeira instância juridicamente frágeis, mas que, de alguma forma, ofereciam uma resposta tempestiva aos escândalos de corrupção. Como é apropriado para um Estado Democrático de Direito, tais decisões deveriam ter sido prontamente reconduzidas ao bom caminho. Isso, no entanto, não ocorreu. Sem fazer adequadamente o próprio trabalho, o STF ficou longe de ter condições para orientar a atividade das outras instâncias.
Tornou-se comum a acusação de que “os políticos”, assim generalizados, são os grandes inimigos da Lava Jato. Talvez, considerando-se o muito que o Supremo pode e o pouco que ele realiza, se deva reconsiderar o papel dessa Corte em relação à famosa operação.
Na primeira instância, as investigações e os processos avançam. Exemplo disso é um dos processos contra Eduardo Cunha. Em março de 2017, o juiz Sérgio Moro condenou o ex-deputado a 15 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Em outubro, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região julgou os recursos relativos a esse processo, alterando a pena do réu para 14 anos e 6 meses de prisão. Ou seja, já houve sentença e decisão de segunda instância. Se o caso estivesse no STF, como estaria?
A depender do número de sentenças, a situação de atraso do STF apenas se agravou. Os meses passaram-se e ainda a população está à espera de conhecer a primeira sentença do Supremo num caso da Lava Jato. Já se sabe como o juiz Sérgio Moro aplica a lei, já se sabe como o TRF da 4.ª Região revisa os casos de Curitiba – em geral, os desembargadores aumentam a pena –, mas ainda nada se sabe como os ministros do STF punem as autoridades envolvidas nos escândalos de corrupção da Lava Jato.
Não é raro ouvir críticas ao foro privilegiado, ao qual se atribui a impunidade. A rigor, o fato de um réu ser julgado por um tribunal superior não deveria trazer-lhe nenhum benefício pessoal, pois a Justiça deve funcionar em todas as instâncias. O problema é que as instâncias superiores, especialmente o STF, têm sido lentas na condução das investigações e processos penais, e a imagem que se consolida é a de que o foro privilegiado é uma enorme benesse para os que estão no poder, justamente o contrário do que deveria ocorrer. Um cargo público só deve aumentar, e não minorar, a responsabilidade de quem o ocupa.
A causa para essa correlação entre foro privilegiado e impunidade não é, portanto, o sistema de competências definido pela Constituição Federal. O primeiro motivo para que os eventuais crimes cometidos por autoridades não sejam punidos é a demora do STF em conduzir as causas penais.
Além de representar impunidade para quem atuou fora da lei, essa vagarosidade do STF gera um grave efeito colateral. A Lava Jato na primeira instância avança, mas isso não significa que ela não cometa falhas. Como toda atividade humana, ela está sujeita a erros. E os eventuais equívocos devem ser corrigidos pelas instâncias superiores. Mas se o STF não trabalha diligentemente nos casos de sua competência, qual será sua autoridade perante a opinião pública para corrigir as eventuais falhas das instâncias inferiores?
A perda de autoridade do STF pela falta de diligência não é uma questão teórica. Nesses anos de Lava Jato, não foram poucos os casos em que a população deu amplo apoio a decisões de primeira instância juridicamente frágeis, mas que, de alguma forma, ofereciam uma resposta tempestiva aos escândalos de corrupção. Como é apropriado para um Estado Democrático de Direito, tais decisões deveriam ter sido prontamente reconduzidas ao bom caminho. Isso, no entanto, não ocorreu. Sem fazer adequadamente o próprio trabalho, o STF ficou longe de ter condições para orientar a atividade das outras instâncias.
Tornou-se comum a acusação de que “os políticos”, assim generalizados, são os grandes inimigos da Lava Jato. Talvez, considerando-se o muito que o Supremo pode e o pouco que ele realiza, se deva reconsiderar o papel dessa Corte em relação à famosa operação.
O que é o ódio? Por acaso tem cura?
A situação política que vivemos há anos está deixando muitas sequelas de ódio. Nas redes sociais esse ódio se manifesta com virulência e até com nome e sobrenome. E eu me preocupo mais com essas sequelas do que com a própria evolução da situação política, ainda que ambas estejam relacionadas. O que é ódio? Por acaso tem cura?
As pessoas retratam o ódio apelando para emoções negativas e intensas, como o desprezo, a raiva ou o nojo, causados pela crença ou o julgamento de que o outro, o odiado, é um ser malvado e detestável. É como um estado de excitação, de fixação no odiado, e de desejos de vingança. Pode se dirigir contra indivíduos, como Donald Trump, contra o líder da oposição, contra um colega de trabalho ou contra o vizinho da frente; também contra negros ou judeus; contra o machismo, contra a homossexualidade ou o travestismo; contra perversões mentais, como o abuso de crianças; contra ideologias e religiões, como o comunismo ou o cristianismo; e até contra objetos inocentes, como o velho computador que trava toda hora ou a descarga do banheiro que vaza água.
Muitos ódios são individuais, como o ódio ao ex-cônjuge, mas outros são compartilhados por muita gente. O ódio aos judeus foi e é compartilhado na história por nazistas e palestinos. Abusadores de crianças são odiados por todos. A hostilidade em relação a um grupo diferente aumenta a solidariedade e a coesão do próprio grupo. Muitos ódios são mútuos. Judeus e palestinos, sérvios e croatas, hutus e tutsis se odeiam mutuamente. O ódio mútuo também se manifesta com frequência entre grupos e líderes políticos, colegas de trabalho ou vizinhos de andar. Odeia-se muitas vezes a quem se considera fora da justiça e moralmente excluído, negando-lhes direitos sociais e bom tratamento. Assim ocorreu historicamente com os escravos negros aqui no Brasil, e com os mouros ou com os ciganos na Europa. Os responsáveis desvalorizam as vítimas cada vez mais e no fim deixam de tratá-las como pessoas. Ainda mais grave é que, uma vez criada a desvalorização, ela pode ser transmitida pela cultura de pais para filhos, de educadores para educados e de geração em geração. E não é menos verdade que a desumanização muitas vezes foi precedida pela injustiça, como quando se proibiu a educação dos negros, que depois foram desvalorizados por sua ignorância. O neologismo “aporofobia” foi criado pela filósofa Adela Cortina para se referir à tendência que temos de desvalorizar principalmente os pobres, desumanizando-os.
As pessoas que odeiam não gostam de odiar sozinhas, porque isso as faz se sentir inseguras. Quem odeia se sente conduzido a levar os outros a odiar como eles, pois a validação de seu ódio pelos outros reforça sua autoestima ao mesmo tempo em que os impede de raciocinar sobre suas próprias inseguranças. Os grupos de ódio formam identidades coletivas com suas manifestações e palavras de ordem, e por meio de símbolos, rituais e mitos que quanto mais degradam os odiados mais engrandecem seus acólitos e membros selvagens. O ódio é especialmente grave quando, além de mudar pensamentos e emoções, proclama e prega a condenação moral e a desumanização dos odiados.
As raízes biológicas do ódio são frágeis, pois, apesar de nos predispor a odiar, para que cheguemos a isso também é preciso ocorrer outro tipo de circunstâncias sociais e culturais. O ódio pode surgir das crenças e preconceitos que temos, de conflitos entre grupos e dos problemas econômicos, ou das turbulências e promessas políticas que frustram as pessoas. Apegado ao preconceito, o ódio muitas vezes encontra suas raízes na história, por exemplo, nos tumultos tribais na África entre hutus e tutsis, ou nos conflitos que mantiveram os Bálcãs secularmente em convulsão e contribuíram poderosamente para a cruenta e recente guerra entre suas diferentes populações. A ideologia, especialmente quando se torna fanatismo, é outra poderosa fonte de ódio. A doutrinação ideológica costuma reagir a ódios ancestrais que interessa perpetuar, e a ambições de poder.
É muito grave e prejudicial quando acontece no próprio governo de um país e se manifesta especialmente na educação dos mais jovens. Costuma ser embasado por mentiras ou meias-verdades sobre a história do país e sobre as responsabilidades e causas e causadores dos males presentes que afetam a parte ou o conjunto de sua população. O grupo que sustenta uma ideologia se considera moral e até intelectualmente superior aos demais. Essa superioridade gera ódio e o ódio abriga sempre o conspícuo ou explícito desejo de um mundo sem o odiado. O pior de certas ideologias é que também contribuem para o ódio ao legitimá-lo.
Os líderes, com suas palavras e ações, instigam com frequência o ódio e a exclusão social dos odiados, muitas vezes apontando para eles explicitamente e considerando-os intrusos em seu país ou em seu grupo particular ou sociedade. Seus seguidores se identificam com eles e com a ideologia que propagam. Seu principal recurso é a demonização do adversário, identificada no sentido de que a censura e até a violência contra ele poderiam ser justificadas, e isso reduz a inibição de quem odeia para agir de outras formas. O que acontece é que uma vez que se desenvolve o ódio, os líderes que o promoveram já não conseguem controlá-lo. Isso escapa de suas mãos ao ganhar autonomia nas mentes das pessoas nas quais foi inoculado e já não pode ser mudado com facilidade.
Os líderes, assim, acabam se tornando escravos de sua própria situação, pois sua audiência dificilmente que se corrijam, se por alguma razão considerarem isso necessário. Nunca poderão contradizer a causa inoculada sem se transformar em traidores da pátria, ou seja, nos traidores mais odiados. Os meios de comunicação também podem ser especialmente usados para difundir informações e ideias extremas em anúncios, notícias ou debates que incitam o ódio e legitimam a violência contra os odiados. As rádios e televisões do ódio foram um fato que contribuiu para os enfrentamentos bélicos e assassinatos em países como Ruanda, Angola e Iugoslávia.
A fonte mais moderna de ódio são as redes sociais da Internet. Sem dúvida, nem tudo é ódio nelas, mas o grau de anonimato e o senso de impunidade que essas redes podem proporcionar faz com que muita gente perca a inibição para a desqualificação, o insulto e a ameaça. E assim acontece, infelizmente, em muitas ocasiões em que os conteúdos das mensagens incitam ao ódio a pessoas concretas ou ao confrontar posições ideológicas ou militâncias radicais em terrenos como a política ou o esporte, especialmente o futebol. Outro modo de instigar ódio consiste em fazer com que as pessoas se sintam ameaçadas ou vítimas de outras pessoas, ou seja, vítimas de supostos ou reais abusadores a quem acabam odiando. A humilhação em particular pode iniciar um ciclo de ódio e violência intensos. Os eventos humilhantes produzem sempre muito mais ódio do que os não humilhantes. Demoramos muito pouco a odiar e maldizer quem nos humilha em público, por exemplo, destacando nossos defeitos e erros ou desqualificando-nos.
As pessoas retratam o ódio apelando para emoções negativas e intensas, como o desprezo, a raiva ou o nojo, causados pela crença ou o julgamento de que o outro, o odiado, é um ser malvado e detestável. É como um estado de excitação, de fixação no odiado, e de desejos de vingança. Pode se dirigir contra indivíduos, como Donald Trump, contra o líder da oposição, contra um colega de trabalho ou contra o vizinho da frente; também contra negros ou judeus; contra o machismo, contra a homossexualidade ou o travestismo; contra perversões mentais, como o abuso de crianças; contra ideologias e religiões, como o comunismo ou o cristianismo; e até contra objetos inocentes, como o velho computador que trava toda hora ou a descarga do banheiro que vaza água.
Muitos ódios são individuais, como o ódio ao ex-cônjuge, mas outros são compartilhados por muita gente. O ódio aos judeus foi e é compartilhado na história por nazistas e palestinos. Abusadores de crianças são odiados por todos. A hostilidade em relação a um grupo diferente aumenta a solidariedade e a coesão do próprio grupo. Muitos ódios são mútuos. Judeus e palestinos, sérvios e croatas, hutus e tutsis se odeiam mutuamente. O ódio mútuo também se manifesta com frequência entre grupos e líderes políticos, colegas de trabalho ou vizinhos de andar. Odeia-se muitas vezes a quem se considera fora da justiça e moralmente excluído, negando-lhes direitos sociais e bom tratamento. Assim ocorreu historicamente com os escravos negros aqui no Brasil, e com os mouros ou com os ciganos na Europa. Os responsáveis desvalorizam as vítimas cada vez mais e no fim deixam de tratá-las como pessoas. Ainda mais grave é que, uma vez criada a desvalorização, ela pode ser transmitida pela cultura de pais para filhos, de educadores para educados e de geração em geração. E não é menos verdade que a desumanização muitas vezes foi precedida pela injustiça, como quando se proibiu a educação dos negros, que depois foram desvalorizados por sua ignorância. O neologismo “aporofobia” foi criado pela filósofa Adela Cortina para se referir à tendência que temos de desvalorizar principalmente os pobres, desumanizando-os.
As pessoas que odeiam não gostam de odiar sozinhas, porque isso as faz se sentir inseguras. Quem odeia se sente conduzido a levar os outros a odiar como eles, pois a validação de seu ódio pelos outros reforça sua autoestima ao mesmo tempo em que os impede de raciocinar sobre suas próprias inseguranças. Os grupos de ódio formam identidades coletivas com suas manifestações e palavras de ordem, e por meio de símbolos, rituais e mitos que quanto mais degradam os odiados mais engrandecem seus acólitos e membros selvagens. O ódio é especialmente grave quando, além de mudar pensamentos e emoções, proclama e prega a condenação moral e a desumanização dos odiados.
As raízes biológicas do ódio são frágeis, pois, apesar de nos predispor a odiar, para que cheguemos a isso também é preciso ocorrer outro tipo de circunstâncias sociais e culturais. O ódio pode surgir das crenças e preconceitos que temos, de conflitos entre grupos e dos problemas econômicos, ou das turbulências e promessas políticas que frustram as pessoas. Apegado ao preconceito, o ódio muitas vezes encontra suas raízes na história, por exemplo, nos tumultos tribais na África entre hutus e tutsis, ou nos conflitos que mantiveram os Bálcãs secularmente em convulsão e contribuíram poderosamente para a cruenta e recente guerra entre suas diferentes populações. A ideologia, especialmente quando se torna fanatismo, é outra poderosa fonte de ódio. A doutrinação ideológica costuma reagir a ódios ancestrais que interessa perpetuar, e a ambições de poder.
É muito grave e prejudicial quando acontece no próprio governo de um país e se manifesta especialmente na educação dos mais jovens. Costuma ser embasado por mentiras ou meias-verdades sobre a história do país e sobre as responsabilidades e causas e causadores dos males presentes que afetam a parte ou o conjunto de sua população. O grupo que sustenta uma ideologia se considera moral e até intelectualmente superior aos demais. Essa superioridade gera ódio e o ódio abriga sempre o conspícuo ou explícito desejo de um mundo sem o odiado. O pior de certas ideologias é que também contribuem para o ódio ao legitimá-lo.
Os líderes, com suas palavras e ações, instigam com frequência o ódio e a exclusão social dos odiados, muitas vezes apontando para eles explicitamente e considerando-os intrusos em seu país ou em seu grupo particular ou sociedade. Seus seguidores se identificam com eles e com a ideologia que propagam. Seu principal recurso é a demonização do adversário, identificada no sentido de que a censura e até a violência contra ele poderiam ser justificadas, e isso reduz a inibição de quem odeia para agir de outras formas. O que acontece é que uma vez que se desenvolve o ódio, os líderes que o promoveram já não conseguem controlá-lo. Isso escapa de suas mãos ao ganhar autonomia nas mentes das pessoas nas quais foi inoculado e já não pode ser mudado com facilidade.
Os líderes, assim, acabam se tornando escravos de sua própria situação, pois sua audiência dificilmente que se corrijam, se por alguma razão considerarem isso necessário. Nunca poderão contradizer a causa inoculada sem se transformar em traidores da pátria, ou seja, nos traidores mais odiados. Os meios de comunicação também podem ser especialmente usados para difundir informações e ideias extremas em anúncios, notícias ou debates que incitam o ódio e legitimam a violência contra os odiados. As rádios e televisões do ódio foram um fato que contribuiu para os enfrentamentos bélicos e assassinatos em países como Ruanda, Angola e Iugoslávia.
A fonte mais moderna de ódio são as redes sociais da Internet. Sem dúvida, nem tudo é ódio nelas, mas o grau de anonimato e o senso de impunidade que essas redes podem proporcionar faz com que muita gente perca a inibição para a desqualificação, o insulto e a ameaça. E assim acontece, infelizmente, em muitas ocasiões em que os conteúdos das mensagens incitam ao ódio a pessoas concretas ou ao confrontar posições ideológicas ou militâncias radicais em terrenos como a política ou o esporte, especialmente o futebol. Outro modo de instigar ódio consiste em fazer com que as pessoas se sintam ameaçadas ou vítimas de outras pessoas, ou seja, vítimas de supostos ou reais abusadores a quem acabam odiando. A humilhação em particular pode iniciar um ciclo de ódio e violência intensos. Os eventos humilhantes produzem sempre muito mais ódio do que os não humilhantes. Demoramos muito pouco a odiar e maldizer quem nos humilha em público, por exemplo, destacando nossos defeitos e erros ou desqualificando-nos.
Conversa de cego
Leniro foi meu aluno e é uma pessoa muito interessante.
Leniro Alves é cego. Sei que deveria chamá-lo de deficiente visual, que é a expressão politicamente correta. Mas nem ele mesmo faz questão desse tratamento que os bons modos recomendam dispensar aos portadores de um defeito... está bem, de uma deficiência física. Assim como um medicamento às vezes produz efeito paradoxal, contrário ao pretendido, o uso desses eufemismos pode disfarçar uma piedade preconceituosa. Quando Leniro por acaso ouve a observação "tão bonitinho e cego", ele não deixa passar: "Você quer dizer que, além de cego, eu tinha que ser feio, ter pé grande e morar longe?"
Ele me relata por e-mail uma série de casos e situações, a maioria fazendo parte do show "Ceguinho é a mãe", de seu colega de deficiência, o humorista mineiro Geraldo Magela, que criou um espetáculo, como ele mesmo diz, "diferente, irreverente e conscientizador, testado e aprovado pelo público brasileiro em várias oportunidades".
"Muitas pessoas acham que, por eu ser cego, todo mundo na minha casa tem que ser também: a mulher, os filhos, o cachorro, o papagaio". Às vezes ocorrem diálogos assim:
- Sua mulher é normal?
- Não, ela tem antena, rodinha e entrada para CD!
- Você é cego total?
- Não, só até as 18h, depois eu dirijo um táxi.
Nós outros, o colunista careca, os gordos, os baixinhos e os muito altos somos sempre pontos de referência. Eu, por exemplo, já cansei de ouvir em salas de espetáculo: "Ainda tem um lugar ali perto do careca". Que ainda é menos ridículo do que "o senhor calvo" ou "com pouco cabelo". Mas segundo o meu leitor cego, a pior referência é a do tipo: "Quero ficar ceguinho se estiver mentindo". Ele comenta: "Fica parecendo que todo cego é mentiroso".
Leniro acha que num certo sentido "ser cego é como ser brasileiro: viver aqui é uma fonte inesgotável para os bem-humorados e/ou humoristas exercerem seu talento". Segundo ele, "como os cegos são vistos em geral como cegos em todos os sentidos e não apenas no físico, isso lhes dá o ensejo de viver situações muito engraçadas".
O mais curioso, além do humor incomplacente e autogozador presente nessas histórias, é a revelação da atitude piegas dos que se aproximam dos deficientes com a melhor das intenções e a pior das práticas estigmatizantes. Sem querer, acabam fazendo a cara de como se estivessem dizendo: "Pobrezinho coitado" ou "coitado do ceguinho". Cheios de pena,às vezes mal disfarçam o sentimento de superioridade que os move involuntariamente.
Uma das maiores dificuldades dos cegos é atravessar uma rua, principalmente numa cidade como o Rio, onde os motoristas, se pudessem, retirariam das pistas tudo o que não se move sobre quatro rodas, ou então passariam por cima, como às vezes passam. Leniro, por intermédio de Geraldo, me orienta:
"A maneira mais correta de atravessar um cego na rua é você deixar que o cego segure o seu braço, pois assim ele sente todos os seus movimentos. Você pode correr, descer escada, subir escada, pular buraco que não tem problema. A maioria das pessoas pega o cego pelo braço, suspende e aperta, mas aperta com tanta força que dá a impressão de que o cego quer fugir. E o cego não quer fugir, ele só quer atravessar a rua".
O cotidiano de um cego é cheio de imprevistos. "Outro dia mesmo, eu estava com uma pressa danada e queria atravessar a rua, mas ninguém me dava o braço. Olhei para um lado, olhei para o outro e não vi ninguém, até porque sou cego. E decidi: ‘o primeiro que me roçar o braço, eu agarro e atravesso’. Dito e feito: o primeiro que me esbarrou o braço eu agarrei nele e nós atravessamos em meio às buzinas. Ao chegar ao outro lado, fui agradecer:
- Muito obrigado.
- Não, eu é que agradeço, eu sou cego.
- Uai, você também!
O que esses cegos nos ensinam, com esse comportamento irreverente e inesperado, politicamente incorreto na aparência, é que o preconceito e a discriminação não se corrigem só pelo uso bem-comportado da linguagem, por mais importante que ela seja como portadora de clichês e estereótipos.
Não adianta evitar palavras e expressões como "denegrir", "judiar", "cego de raiva", sem mudar a cabeça. Assim, como a retórica, o politicamente correto serve apenas para disfarçar o preconceito e tornar o nosso racismo mais cordial.
Zuenir Ventura
Leniro Alves é cego. Sei que deveria chamá-lo de deficiente visual, que é a expressão politicamente correta. Mas nem ele mesmo faz questão desse tratamento que os bons modos recomendam dispensar aos portadores de um defeito... está bem, de uma deficiência física. Assim como um medicamento às vezes produz efeito paradoxal, contrário ao pretendido, o uso desses eufemismos pode disfarçar uma piedade preconceituosa. Quando Leniro por acaso ouve a observação "tão bonitinho e cego", ele não deixa passar: "Você quer dizer que, além de cego, eu tinha que ser feio, ter pé grande e morar longe?"
Ele me relata por e-mail uma série de casos e situações, a maioria fazendo parte do show "Ceguinho é a mãe", de seu colega de deficiência, o humorista mineiro Geraldo Magela, que criou um espetáculo, como ele mesmo diz, "diferente, irreverente e conscientizador, testado e aprovado pelo público brasileiro em várias oportunidades".
Blind Singer (William Henry Johnson) |
- Sua mulher é normal?
- Não, ela tem antena, rodinha e entrada para CD!
- Você é cego total?
- Não, só até as 18h, depois eu dirijo um táxi.
Nós outros, o colunista careca, os gordos, os baixinhos e os muito altos somos sempre pontos de referência. Eu, por exemplo, já cansei de ouvir em salas de espetáculo: "Ainda tem um lugar ali perto do careca". Que ainda é menos ridículo do que "o senhor calvo" ou "com pouco cabelo". Mas segundo o meu leitor cego, a pior referência é a do tipo: "Quero ficar ceguinho se estiver mentindo". Ele comenta: "Fica parecendo que todo cego é mentiroso".
Leniro acha que num certo sentido "ser cego é como ser brasileiro: viver aqui é uma fonte inesgotável para os bem-humorados e/ou humoristas exercerem seu talento". Segundo ele, "como os cegos são vistos em geral como cegos em todos os sentidos e não apenas no físico, isso lhes dá o ensejo de viver situações muito engraçadas".
O mais curioso, além do humor incomplacente e autogozador presente nessas histórias, é a revelação da atitude piegas dos que se aproximam dos deficientes com a melhor das intenções e a pior das práticas estigmatizantes. Sem querer, acabam fazendo a cara de como se estivessem dizendo: "Pobrezinho coitado" ou "coitado do ceguinho". Cheios de pena,às vezes mal disfarçam o sentimento de superioridade que os move involuntariamente.
Uma das maiores dificuldades dos cegos é atravessar uma rua, principalmente numa cidade como o Rio, onde os motoristas, se pudessem, retirariam das pistas tudo o que não se move sobre quatro rodas, ou então passariam por cima, como às vezes passam. Leniro, por intermédio de Geraldo, me orienta:
"A maneira mais correta de atravessar um cego na rua é você deixar que o cego segure o seu braço, pois assim ele sente todos os seus movimentos. Você pode correr, descer escada, subir escada, pular buraco que não tem problema. A maioria das pessoas pega o cego pelo braço, suspende e aperta, mas aperta com tanta força que dá a impressão de que o cego quer fugir. E o cego não quer fugir, ele só quer atravessar a rua".
O cotidiano de um cego é cheio de imprevistos. "Outro dia mesmo, eu estava com uma pressa danada e queria atravessar a rua, mas ninguém me dava o braço. Olhei para um lado, olhei para o outro e não vi ninguém, até porque sou cego. E decidi: ‘o primeiro que me roçar o braço, eu agarro e atravesso’. Dito e feito: o primeiro que me esbarrou o braço eu agarrei nele e nós atravessamos em meio às buzinas. Ao chegar ao outro lado, fui agradecer:
- Muito obrigado.
- Não, eu é que agradeço, eu sou cego.
- Uai, você também!
O que esses cegos nos ensinam, com esse comportamento irreverente e inesperado, politicamente incorreto na aparência, é que o preconceito e a discriminação não se corrigem só pelo uso bem-comportado da linguagem, por mais importante que ela seja como portadora de clichês e estereótipos.
Não adianta evitar palavras e expressões como "denegrir", "judiar", "cego de raiva", sem mudar a cabeça. Assim, como a retórica, o politicamente correto serve apenas para disfarçar o preconceito e tornar o nosso racismo mais cordial.
Zuenir Ventura
Dilemas do jornalismo
As rápidas e crescentes mudanças no setor da comunicação põem os antigos modelos de negócios em xeque. A dificuldade de encontrar um caminho seguro para a monetização dos conteúdos multimídia e as novas rotinas criadas a partir das plataformas digitais produzem um complexo cenário de incertezas.
É preciso pensar, refletir profundamente sobre a mudança de paradigmas, uma vez que a criatividade e a capacidade de inovação – rápida e de baixo custo – serão fundamentais para a sobrevivência das organizações tradicionais e para o sucesso financeiro das nativas digitais.
Mas é preciso, previamente, fazer uma autocrítica corajosa a respeito do modo como vemos o mundo e da maneira como dialogamos com ele.
É preciso pensar, refletir profundamente sobre a mudança de paradigmas, uma vez que a criatividade e a capacidade de inovação – rápida e de baixo custo – serão fundamentais para a sobrevivência das organizações tradicionais e para o sucesso financeiro das nativas digitais.
Mas é preciso, previamente, fazer uma autocrítica corajosa a respeito do modo como vemos o mundo e da maneira como dialogamos com ele.
O consumo da informação mudou. Navega-se freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Fica-se refém da superficialidade. Perdem-se contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado. Será? Não creio, sinceramente. Penso que há uma crescente nostalgia de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma demanda reprimida de reportagem. É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e a magia do jornalismo de sempre.
O consumidor da informação não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre as interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos.
A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia.
Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante. O jornalismo precisa recuperar a vibração da vida, o cara a cara, o coração e a alma.
Mas vamos a um exemplo concreto de cobertura: Donald Trump.
Não tenho entusiasmo por Trump. Assusta-me a exacerbação patológica do seu ego. Suas bravatas não preocupam tanto. São marqueteiras e oportunistas. Chuvas de verão. A vida real e os formidáveis freios e contrapesos da democracia norte-americana impedem aventuras muito coloridas.
Meu comentário não está focado em Donald Trump, mas na qualidade da cobertura da imprensa. A vitória do republicano foi uma derrota da mídia. A imprensa, excessivamente engajada, não foi capaz de captar a América profunda. Não fez jornalismo. Fez campanha. Os jornais perderam conexão com a realidade. Não foram capazes de decifrar o que, de fato, estava acontecendo.
Um abismo separou a chamada elite intelectual, formadores de opinião e jornalistas, que são mais cosmopolitas e liberais e torciam pela vitória de Hillary, e o grosso da população que elegeu Trump. A revista americana Newsweek chegou a imprimir 125 mil exemplares com Hillary presidente na capa. Esqueceu-se o básico: ouvir as pessoas, sair às ruas, fazer jornalismo.
A cobertura sobre Donald Trump, um personagem complicado e polêmico, está mais para militância do que para jornalismo. Sobra opinião. Faltam análise, contexto, capacidade de esclarecer o leitor. Jerusalém é a bola da vez. A imprensa caiu matando. A sanidade mental do presidente está em pauta. Pois bem, amigo leitor, Trump só fez confirmar a política externa norte-americana a respeito de Jerusalém. Clinton, Obama e Bush defenderam o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Mas ninguém disse isso ao leitor.
Como bem lembrou o jornalista Helio Gurovitz, no reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, Donald Trump tomou o cuidado de não adotar a posição oficial do governo israelense. Num gesto destinado a atender a anseios de governantes do mundo árabe, para quem Jerusalém é questão sensível, as palavras escolhidas abrem margem para parte da cidade se tornar um dia capital de um eventual Estado palestino.
“Os limites específicos da soberania israelense em Jerusalém estão sujeitos ao status final das negociações entre as partes”, diz o comunicado da Casa Branca. “Os EUA não estão tomando posição a respeito de limites ou fronteiras.” Embora não haja referência à demanda palestina pela parte oriental, o texto aproxima a posição americana da adotada por países como Rússia ou República Checa, que reconhecem “Jerusalém Ocidental” como capital israelense e “Jerusalém Oriental” como capital palestina.
Esses são os fatos que ficamos devendo aos nossos leitores. Não podemos brigar com a realidade. Gostemos ou não dela. Precisamos recuperar a capacidade de informar sem contrabando opinativo, mas com rigor e objetividade.
A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo para valer, fiel à verdade dos fatos, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma digital.
Com quem nós queremos falar? Com o Brasil real? Com o País que tem valores e olha para a frente? Ou queremos falar com minorias ideológicas, à direita e à esquerda, articuladas e barulhentas? Façamos jornalismo. Nada mais.
O consumidor da informação não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre as interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos.
A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia.
Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante. O jornalismo precisa recuperar a vibração da vida, o cara a cara, o coração e a alma.
Mas vamos a um exemplo concreto de cobertura: Donald Trump.
Não tenho entusiasmo por Trump. Assusta-me a exacerbação patológica do seu ego. Suas bravatas não preocupam tanto. São marqueteiras e oportunistas. Chuvas de verão. A vida real e os formidáveis freios e contrapesos da democracia norte-americana impedem aventuras muito coloridas.
Meu comentário não está focado em Donald Trump, mas na qualidade da cobertura da imprensa. A vitória do republicano foi uma derrota da mídia. A imprensa, excessivamente engajada, não foi capaz de captar a América profunda. Não fez jornalismo. Fez campanha. Os jornais perderam conexão com a realidade. Não foram capazes de decifrar o que, de fato, estava acontecendo.
Um abismo separou a chamada elite intelectual, formadores de opinião e jornalistas, que são mais cosmopolitas e liberais e torciam pela vitória de Hillary, e o grosso da população que elegeu Trump. A revista americana Newsweek chegou a imprimir 125 mil exemplares com Hillary presidente na capa. Esqueceu-se o básico: ouvir as pessoas, sair às ruas, fazer jornalismo.
A cobertura sobre Donald Trump, um personagem complicado e polêmico, está mais para militância do que para jornalismo. Sobra opinião. Faltam análise, contexto, capacidade de esclarecer o leitor. Jerusalém é a bola da vez. A imprensa caiu matando. A sanidade mental do presidente está em pauta. Pois bem, amigo leitor, Trump só fez confirmar a política externa norte-americana a respeito de Jerusalém. Clinton, Obama e Bush defenderam o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Mas ninguém disse isso ao leitor.
Como bem lembrou o jornalista Helio Gurovitz, no reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, Donald Trump tomou o cuidado de não adotar a posição oficial do governo israelense. Num gesto destinado a atender a anseios de governantes do mundo árabe, para quem Jerusalém é questão sensível, as palavras escolhidas abrem margem para parte da cidade se tornar um dia capital de um eventual Estado palestino.
“Os limites específicos da soberania israelense em Jerusalém estão sujeitos ao status final das negociações entre as partes”, diz o comunicado da Casa Branca. “Os EUA não estão tomando posição a respeito de limites ou fronteiras.” Embora não haja referência à demanda palestina pela parte oriental, o texto aproxima a posição americana da adotada por países como Rússia ou República Checa, que reconhecem “Jerusalém Ocidental” como capital israelense e “Jerusalém Oriental” como capital palestina.
Esses são os fatos que ficamos devendo aos nossos leitores. Não podemos brigar com a realidade. Gostemos ou não dela. Precisamos recuperar a capacidade de informar sem contrabando opinativo, mas com rigor e objetividade.
A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo para valer, fiel à verdade dos fatos, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma digital.
Com quem nós queremos falar? Com o Brasil real? Com o País que tem valores e olha para a frente? Ou queremos falar com minorias ideológicas, à direita e à esquerda, articuladas e barulhentas? Façamos jornalismo. Nada mais.
A luta certa
Há cinquenta anos, mais precisamente no dia 13 de dezembro, realizava-se às margens da Represa Billings, em São Paulo, uma reunião política que selou o destino da oposição ao regime militar. Entre os participantes, ex-militares que haviam participado da Coluna Prestes, da Aliança Nacional Libertadora e da Intentona Comunista de 1935, se bateram contra o Estado Novo na clandestinidade, lutaram na Guerra Civil Espanhola e nos campos da Itália como voluntários da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Mesmo derrotados em 1964, disseram não à luta armada. Ao lado de sindicalistas, intelectuais, estudantes e ex-parlamentares, apostaram na organização e autonomia da sociedade civil e na articulação de uma ampla frente política com os liberais para restabelecer a democracia no Brasil.
O 6º Congresso do PCB se realizou em condições dramáticas. O serviço de inteligência da Marinha, o Cenimar, sabia da realização do congresso, porque havia infiltrado um agente entre os delegados de Pernambuco, que fora identificado e isolado ao chegar no Rio de Janeiro. Sua realização, porém, foi noticiada pelo Jornal do Brasil. Poucas pessoas conheciam o local do congresso, um acampamento no meio da mata, camuflado, para que não ser identificado por observação aérea. O ex-cabo Giocondo Dias, secretário de organização, e o ex-tenente-aviador Dinarco Reis, que havia lutado na Espanha e na Resistência Francesa, organizaram o congresso, cujo objetivo era rechaçar a aventura militarista defendida pelo líder comunista Carlos Marighela, que havia rompido com o PCB e comandava a guerrilha urbana no Brasil.
Um episódio dramático quase pôs tudo a perder. Salomão Malina, herói de Montese, na Itália, condecorado com a Cruz de Combate de 1a. Classe, que mais tarde seria secretário-geral do PCB, sofreu um grave acidente ao testar uma granada fabricada para a autodefesa do congresso, que lhe arrancou os dedos da mão direita e perfurou seu pulmão. Foi levado em coma para um hospital, clandestinamente, e operado na emergência; depois, removido entre a vida e a morte para não ser preso.
Mesmo assim, o congresso foi realizado. A existência do “aparelho” era desconhecida da vizinhança. Um rio represado abastecia os banheiros e, na cozinha, um forno foi construído para fazer o pão e evitar compras suspeitas nas cidades próximas. Para a eventualidade de “cair” o congresso, alguns dirigentes ficaram de fora, entre os quais Severino Teodoro Melo, outro veterano de 1935, que mais tarde viria a colaborar com os serviços de inteligência do Exército, supostamente após ser preso na década de 1970. O veterano secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, um mito da esquerda brasileira, porém, participou da reunião.
O PCB fez autocrítica do seu próprio golpismo e do voluntarismo com que atuou ao combater a “política de conciliação” do governo João Goulart, do qual fez parte. Também fez autocrítica do cupulismo nos sindicatos. Estabeleceu como objetivo a redemocratização do país e não a tomada do poder; a tática adotada foi unir as forças democráticas, em aliança com os liberais, em defesa da anistia e da convocação de uma Constituinte. Foi um caminho bem-sucedido, ao contrário da luta armada, mas gradativo, de acumulação de forças, que resultou nas vitórias eleitorais do MDB, partido de oposição, em 1974, 1978 e 1982, desaguando na campanha das Diretas Já e na eleição de Tancredo Neves, em 1985.
Nesse processo, houve grandes revezes, como a repressão que se abateu sobre o PCB em 1975, numa operação de “cerco e aniquilamento”, com a prisão de milhares de pessoas e o sequestro e o assassinato dos 12 dirigentes do Comitê Central, entre outros militantes assassinados, como Vladimir Herzog. Mesmo depois da anistia de 1979, a perseguição prosseguiu. Em dezembro de 1982, quando tentava realizar o 7º Congresso, no Centro de São Paulo, toda a cúpula do PCB chegou a ser detida. Mas a democratização e a legalidade do PCB já eram uma questão de tempo.
A política de frente democrática derrotou o regime, mas não foi o PCB que chegou ao poder com a democracia. O velho partido fundado em 1922 por Astrojildo Pereira e seus oito companheiros não sobreviveu ao fim da União Soviética, mudou de nome para PPS e abdicou do velho símbolo da foice e do martelo como gesto de ruptura com o passado e adesão incondicional à democracia. Foram os remanescentes da luta armada, como o ex-ministro José Dirceu e a ex-presidente Dilma Rousseff, que ajudaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a organizar o PT e a vencer as eleições de 2002 e 2006. O mesmo voluntarismo que dera errado na luta contra o regime militar fracassou novamente no governo de Dilma Rousseff, eleita em 2010. Reeleita em 2014, jogou o país na maior recessão da sua história com seu experimentalismo econômico e sua inaptidão para o diálogo político. Acabou afastada do cargo pelo Congresso, que aprovou seu impeachment.
Entretanto, esse voluntarismo não morreu. Processado pela Operação Lava-Jato, Lula lançou o país num novo ciclo de radicalização política, no qual liberais e social-democratas ainda não sabem bem o que fazer. Do outro lado, um saudosista do regime militar e dos tempos do “prendo e arrebento”, o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, cresce como alternativa ao suposto “comunismo” petista. Parece até um filme de época, em plena guerra fria. Entretanto, um pouco de História nos ajuda a compreender que existe outro caminho possível.
O 6º Congresso do PCB se realizou em condições dramáticas. O serviço de inteligência da Marinha, o Cenimar, sabia da realização do congresso, porque havia infiltrado um agente entre os delegados de Pernambuco, que fora identificado e isolado ao chegar no Rio de Janeiro. Sua realização, porém, foi noticiada pelo Jornal do Brasil. Poucas pessoas conheciam o local do congresso, um acampamento no meio da mata, camuflado, para que não ser identificado por observação aérea. O ex-cabo Giocondo Dias, secretário de organização, e o ex-tenente-aviador Dinarco Reis, que havia lutado na Espanha e na Resistência Francesa, organizaram o congresso, cujo objetivo era rechaçar a aventura militarista defendida pelo líder comunista Carlos Marighela, que havia rompido com o PCB e comandava a guerrilha urbana no Brasil.
Um episódio dramático quase pôs tudo a perder. Salomão Malina, herói de Montese, na Itália, condecorado com a Cruz de Combate de 1a. Classe, que mais tarde seria secretário-geral do PCB, sofreu um grave acidente ao testar uma granada fabricada para a autodefesa do congresso, que lhe arrancou os dedos da mão direita e perfurou seu pulmão. Foi levado em coma para um hospital, clandestinamente, e operado na emergência; depois, removido entre a vida e a morte para não ser preso.
Mesmo assim, o congresso foi realizado. A existência do “aparelho” era desconhecida da vizinhança. Um rio represado abastecia os banheiros e, na cozinha, um forno foi construído para fazer o pão e evitar compras suspeitas nas cidades próximas. Para a eventualidade de “cair” o congresso, alguns dirigentes ficaram de fora, entre os quais Severino Teodoro Melo, outro veterano de 1935, que mais tarde viria a colaborar com os serviços de inteligência do Exército, supostamente após ser preso na década de 1970. O veterano secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, um mito da esquerda brasileira, porém, participou da reunião.
Nesse processo, houve grandes revezes, como a repressão que se abateu sobre o PCB em 1975, numa operação de “cerco e aniquilamento”, com a prisão de milhares de pessoas e o sequestro e o assassinato dos 12 dirigentes do Comitê Central, entre outros militantes assassinados, como Vladimir Herzog. Mesmo depois da anistia de 1979, a perseguição prosseguiu. Em dezembro de 1982, quando tentava realizar o 7º Congresso, no Centro de São Paulo, toda a cúpula do PCB chegou a ser detida. Mas a democratização e a legalidade do PCB já eram uma questão de tempo.
A política de frente democrática derrotou o regime, mas não foi o PCB que chegou ao poder com a democracia. O velho partido fundado em 1922 por Astrojildo Pereira e seus oito companheiros não sobreviveu ao fim da União Soviética, mudou de nome para PPS e abdicou do velho símbolo da foice e do martelo como gesto de ruptura com o passado e adesão incondicional à democracia. Foram os remanescentes da luta armada, como o ex-ministro José Dirceu e a ex-presidente Dilma Rousseff, que ajudaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a organizar o PT e a vencer as eleições de 2002 e 2006. O mesmo voluntarismo que dera errado na luta contra o regime militar fracassou novamente no governo de Dilma Rousseff, eleita em 2010. Reeleita em 2014, jogou o país na maior recessão da sua história com seu experimentalismo econômico e sua inaptidão para o diálogo político. Acabou afastada do cargo pelo Congresso, que aprovou seu impeachment.
Entretanto, esse voluntarismo não morreu. Processado pela Operação Lava-Jato, Lula lançou o país num novo ciclo de radicalização política, no qual liberais e social-democratas ainda não sabem bem o que fazer. Do outro lado, um saudosista do regime militar e dos tempos do “prendo e arrebento”, o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, cresce como alternativa ao suposto “comunismo” petista. Parece até um filme de época, em plena guerra fria. Entretanto, um pouco de História nos ajuda a compreender que existe outro caminho possível.
Assinar:
Postagens (Atom)