domingo, 13 de agosto de 2017

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O interminável mar de lama

“Quantas toneladas/ exportamos de ferro? Quantas lágrimas/ disfarçamos sem berro?” Estes versos de Drummond contam uma longa história da mineração em Minas. Uma história que se confirmou pela anulação do processo de Mariana sobre o mar de lama que provocou 19 mortos, dezenas de lares perdidos e um rio envenenado.

O processo foi anulado porque a polícia teria lido e-mails da empresa, sem autorização. Ela só poderia ler e-mails de um período determinado. O argumento da anulação: violência contra a privacidade da Samarco.

Tenho dificuldades em entender por que a quebra da privacidade de uma empresa é superior à morte de 19 pessoas, destruição de comunidades e envenenamento do mais importante rio do litoral brasileiro.

Foi o maior desastre ambiental do Brasil. Precisa ser julgado. Se a polícia leu e-mails demais, basta neutralizar as informações não permitidas. O essencial está lá: a lama, as mortes. O desastre não é um segredinho da Samarco. É uma realidade que todos que viram sentiram e choraram.

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No fim da semana, ao chegar em casa, soube que houve um saque a um caminhão de carne tombado. Para mim isso não é novidade. Vejo e filmo, constantemente, saques a caminhões nas estradas brasileiras. No entanto, este tinha um componente especial: ninguém se importou em socorrer o motorista. O saque se prolongou por quase uma hora, antes que chegassem os bombeiros e retirassem o pobre homem dos escombros.

Se junto esses fatos é para enfatizar como é grave um momento em que a vida humana perde seu valor. Um vereador do Rio chegou ao extremo de cobrar propina para liberar corpos do IML. A própria morte passa ser um objeto de negociação.

No seu livro sobre o homo sapiens, Yuval Noah Harari reflete sobre a linguagem humana. Ela não nasceu apenas da relação com as coisas, da necessidade de alertar sobre o perigo, ou mesmo do interesse das pessoas pela vida das outras, da fofoca. Uma singularidade da linguagem humana é sua capacidade de falar de coisas que não existem materialmente, de um espírito protetor, de um sentimento nacional. Esses mitos que nos mantêm unidos ampliam nossa capacidade produtiva e nossas conquistas comuns.

O que está acontecendo no Brasil é o esgarçamento dessa ideia de pertencer ao mesmo país, de partilhar uma história e um futuro.

O mito da nacionalidade é bombardeado intensamente em Brasília por um sistema político decadente. Eles voltam as costas para o povo e decidem, basicamente, aquilo que é de seu interesse pessoal.

Os laços comuns se dissolvem. Não há mais sentimento de comunidade, e daí para adiante é fácil dissolver os laços entre os próprios seres humanos.

No sentido de partilharmos aspirações comuns, já não somos mais um país. E caminhamos para uma regressão maior desprezando as possibilidades abertas pela linguagem, pelos ancestrais que a usavam para grandes conquistas coletivas.

Somos dominados por um sistema político cínico, que se alimenta, na verdade, da repulsa que nos provoca. Mais repulsa, mais indiferença, isto é, menos possibilidade de mudanças reais.

Quando visitei Israel, um motorista de ônibus, ao ver um incêndio, parou, desceu e foi apagá-lo. Muitas vezes na Europa vi gente reclamando quando se joga lixo na rua. E os próprios suíços chamando a polícia quando há barulho depois das dez da noite.

Isso não é aplicável à nossa cultura de uma forma mecânica. Eu mesmo devo fazer barulho depois das dez. Mas o que está por baixo dessas reações é a sensação de pertencer a um todo maior, de ter responsabilidades com ele.

A degradação política conseguiu enfraquecer esse sentimento no Brasil. Eles fingem encarnar um país e quem os leva a sério acaba virando as costas também para esse país repulsivo.

O resultado desse processo destruidor está aí. Reconheço que mecanismos de desumanização estão em curso em todo o mundo e que fazem parte de um processo mais amplo. Mas é uma ilusão pensar que nossas vidas são apenas um reflexo de uma época que tritura valores. Existem razões específicas, made in Brazil, que nos fazem recuar em termos civilizatórios.

A expressão “elite moralmente repugnante” foi durante muitos anos aplicada aos setores dominantes do Haiti. Ela pode ser transferida para Brasília.

A coexistência silenciosa e indiferente diante dessa realidade vai minar os próprios fundamentos da vida comum.

Os versos de Drummond não se limitam a descrever a tragédia mineral: quantas toneladas de ferro, quantas lágrimas disfarçadas?

O Brasil vai recuperar a força de sua humanidade quando se rebelar. Enquanto aceitar silencioso as afrontas que vêm de cima, a tendência é abrir mão de suas conquistas de homem sapiens e mergulhar numa noite de Neandertal.

O sinais estão aí. Adoraria estar enganado.

Fernando Gabeira

Reforma política tocada por partidos em ruínas

No momento, uma das grandes dúvidas nacionais é se isso que os parlamentares chamam de reforma política é ou não é mais uma grande empulhação. Tudo leva a crer que é. As orelhas grandes, o focinho pronunciado e os dentes pontiagudos são de Lobo. Ainda assim, muita gente tem a esperança de que seja uma vovozinha disfarçada. Não se engane. Quem acreditar piamente agora não terá como piar depois.

Basta olhar para os partidos políticos para não acreditar na reforma política. A suposta reconstrução é comandada por legendas que estão em ruínas. As principais agremiações são presididas por encrencados na Lava Jato: Romero Jucá no PMDB, Gleisi Hoffmann no PT, Aécio ‘Licenciado’ Neves no PSDB e Ciro Nogueira no PP. O ex-presidiário e mensaleiro Valdemar Costa Neto dá as cartas no PR. O ex-detento Roberto Jefferson manda no PTB.

Os congressistas estão tão ocupados em moralizar a política que não lhes sobra tempo para cobrar honestidade dos seus partidos. O maior interesse de todos é extrair dos cofres públicos a verba para financiar suas campanhas. Seria ótimo se fosse decente. Mas quem examina bem os métodos não confunde um certo modelo com um modelo certo. Sobretudo quando repara que os reformadores querem invadir o bolso do contribuinte tomando um dado dinheiro —R$ 3,6 bilhões— por dinheiro dado.

O debate virou virou uma sopa sem legumes. À medida que o processo de votação avança, as explicações precisam necessariamente tornar-se mais aguadas, para que os resultados sejam efetivos. Falta à receita do sopão meio quilo de ideias sobre o barateamento das campanhas. Sobram evasivas sobre o modo como tudo se ajeita para que a caciquia dos partidos possa aplicar suas respectivas cotas do Bolsa Eleição como bem entender.

Todos conhecem os males da política brasileira. Os políticos já fizeram um diagnóstico acurado sobre o que o paciente precisa. Entretanto, quando têm a oportunidade de curá-lo, receitam uma dose reforçada de purgante. Ninguém ignora, por exemplo, que é fundamental reduzir o número de partidos. Hoje, há mais de três dezenas. Meia dúzia já seria demais. A solução seria condicionar o acesso dos partidos à verba do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda na TV à capacidade de obter votos.

A discussão sobre a chamada cláusula de barreira é velha como a primeira missa. Há 11 anos, o Supremo Tribunal Federal derrubou uma boa regra aprovada pelo Congresso. Previa que só teriam direito a dinheiro e tempo de TV os partidos que obtivessem pelo menos 5% dos votos nas eleições para deputado federal em pelo menos nove Estados.

Mais recentemente, o Senado aprovou uma emenda constitucional que abrandou a exigência: 2% dos votos nacionais na eleição para deputado. E a repetição desse percentual em pelo menos 14 Estados. Agora, trama-se na Câmara um novo abrandamento. A exigência cairá para 1,5% dos votos nacionais, com pelo menos 1% em nove Estados. Se passar, estima-se que a quantidade de partidos cairá para algo como duas dezenas. É muito, é demais, é uma exorbitância. Alega-se que uma regra mais draconiana não seria aprovada. E tome purgante!

O pior de tudo é que o maior problema não está propriamente no Congresso, mas nas pessoas que escolheram os congressistas. Examinando-se o comportamento dos parlamentares, que supostamente representam o melhor da população brasileira, uma conclusão se impõe: o maior déficit dos parlamentares localiza-se entre as orelhas dos eleitores que os enviaram para Brasília. Por sorte, esse é um problema simples de corrigir: 2018 vem aí. Contra político ruim, o melhor purgante é a urna.

Gente fora do mapa

Quando a mente se foi, mas o coração permanece.  Morando em Las Vegas, NV, temos um monte de moradores de rua por toda a cidade.  Eu me sinto tão triste e quebrado Hearted que a cidade ou município não pode fazer mais também ajudá-los.

Brasil, o país do futuro ... do subjuntivo

O Brasil tem grandes extensões de terras férteis e um clima muito favorável para a agricultura. Suas reservas de minérios de valor estratégico são das maiores do planeta, e as fontes renováveis de energia colocam o país em posição de vantagem, em relação a países de escala comparável.

Em 2016, o PIB foi estimado pelo IBGE em cerca de R$ 6,266 trilhões (US$ 1,8 trilhões), o que situava a economia brasileira entre as oito maiores do mundo.

No entanto, em seu relatório sobre o desenvolvimento humano publicado em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) colocou o Brasil na 75ª posição, numa lista de 188 países classificados em função do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nessa lista, o Brasil fica em posição inferior à de países como o Sri Lanka, Cuba, Costa Rica e Malásia.

Na classificação pelo IDH, atribui-se importância secundária ao PIB (indicador puramente quantitativo) e avalia-se o bem-estar e o desenvolvimento das populações em função do acesso à educação, assistência médica, alimentação, saneamento, habitação, enfim, a tudo que se reflita na qualidade de vida dos indivíduos e da coletividade. Um país realmente rico não é apenas aquele que gera um grande PIB, mas aquele que investe racionalmente no campo social e distribui equilibradamente entre a população a riqueza criada.

Apesar da extraordinária riqueza natural, a qualidade de vida da maioria da população brasileira é degradante.


A origem desse paradoxo está na ignorância, na imprevidência e na insensatez com que os governantes — pensando só em seus interesses imediatos ou pessoais — tomam decisões erradas sobre assuntos básicos, sem considerar o interesse público nem analisar os possíveis impactos intersetoriais de suas decisões, no médio e no longo prazo.

Em outras palavras, o Brasil é governado de improviso e administrado por políticos ignaros e corruptos, incapazes de definir estratégias inteligentes, para atingir objetivos realistas, compatíveis com as potencialidades do país.

Não sejamos ingênuos a ponto de pensar que a corrupção brasileira só começou no governo do presidente Kubitschek, com a construção de Brasília. Na verdade, o mal é antigo. Mas a grande escalada veio com o presidente Sarney e sua famiglia, principalmente no assalto ao sistema elétrico.

Seguiu-se o sarcástico FHC, pessoalmente sério, mas que deixou passar o imperdoável erro estratégico de privatizar grandes hidrelétricas — e, pior, já amortizadas e na bacia das almas.

Porém, é inegável que foi nos governos Lula, Dilma e Temer que se instalou o primado dos ladrões, institucionalizou-se a corrupção e consolidou-se a cleptocracia, ou corrupção como forma de governo.

Por força da sede de dinheiro e da perversão das relações entre presidentes, ministros, parlamentares, diretores de estatais e empresários sem escrúpulos, empresas estratégicas, outrora riquíssimas, como a Petrobras e a Eletrobras, foram esburgadas pelos cleptocratas. Muitos ex-presidentes e ex-diretores dessas estatais enriqueceram em seus cargos e estão soltos por aí.

Ao lado desses, há aqueles que preferiram entrar na politiquinha com p minúsculo, à espreita de vantagens pessoais. Foi um pulha desses, hoje deputado pelo PT-SP, que teve a desfaçatez de apresentar, no mês passado, um projeto de lei (a “Emenda Lula”), que aumenta de 15 dias para oito meses o prazo em que os candidatos às eleições de 2018 não poderão ser presos.

Velhacos assim ignoram o que vem a ser o múnus público ou a missão de um governo digno desse nome. E nem querem saber que, por culpa deles, o Brasil vive uma tragédia social, com episódios de guerrilha urbana cada vez mais frequentes e violentos.

Os píncaros da indecência foram galgados pelo presidente Temer, com o seu curioso gestual e sua vocação de comprador de deputados.

Diz o velho refrão português que “o peixe começa a se putrefazer pela cabeça”. Pois é isto que está acontecendo com o Brasil: a “cabeça” do país está podre. São parlamentares venais, ministros achacadores, certos empresários sem escrúpulos e até presidentes a ameaçar de gangrena o país inteiro.

A sociedade tem que reagir, promovendo uma completa substituição dos quadros políticos, algo semelhante ao que aconteceu há poucos meses na França.

Enquanto a cabeça podre não for removida, o Brasil seguirá caminhando no futuro do subjuntivo: Quando os políticos forem honestos, o país poderá desenvolver-se e os brasileiros sairão da miséria...

Joaquim Francisco de Carvalho

A picareta política e o buraco das contas

É preciso olhar para o jogo feio dos políticos e para o desarranjo das instituições, a começar pela muito louvada Constituição cidadã, para entender o buraco das contas públicas nacionais. Esse buraco é cavado principalmente com a picareta política. Esqueçam, por enquanto, os inocentes manuais de finanças públicas e de macroeconomia. Revejam o noticiário da semana. Centrão cobra cargos e ameaça travar Previdência foi a manchete do Estadão na quinta-feira. 

Não se trata de apoiar ou deixar de apoiar por ideologia, fidelidade a um mandato ou opinião a respeito de um tema particular. Há quem negue a existência de um déficit previdenciário, assim como há, até nos Estados Unidos, quem negue a chegada à Lua e outras façanhas do programa espacial. Há quem critique a pauta de reformas como ameaça a direitos fundamentais. Mas para boa parte dos congressistas a votação de projetos polêmicos é principalmente uma ocasião de negócio com o detentor da caneta mágica dos favores. Isso, no entanto, é só um detalhe, especialmente desagradável, no quadro geral de um amplo desarranjo político. Esse desarranjo envolve tanto o Legislativo quanto o Judiciário e a Procuradoria-Geral da República, uma entidade com ares de quarto Poder, embora a palavra “Poder” só apareça, no texto constitucional, na denominação de três grandes órgãos do Estado.

Em democracias tradicionais, o equilíbrio das finanças públicas é considerado um assunto de todos os Poderes. A importância atribuída à gestão mais ou menos austera do orçamento público diferencia os principais partidos, mas nenhum renuncia à responsabilidade pelo estado das contas fiscais. O mais comum, no Brasil, é agir como se o Executivo fosse o único responsável pelo resultado contábil da execução orçamentária e, portanto, pela saúde financeira do Estado.

A independência dos Poderes é com frequência confundida com autonomia fiscal, embora o Tesouro seja único e a Receita Federal seja responsável pela maior parte da arrecadação. Há poucos dias, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram renunciar a um aumento salarial obviamente excessivo nas condições econômicas de hoje. Mas a decisão foi tomada por 8 votos a 3, sem unanimidade, portanto, a respeito do assunto.

A demonstração de austeridade foi obviamente um esforço para evitar um desgaste de imagem. Como os salários de ministros do STF são o teto do funcionalismo, os procuradores da República tiveram de abandonar a proposta orçamentária com previsão de aumento de 16,38%. A Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público protestou, em nota, manifestando “profunda frustração” diante da decisão do STF. A avaliação da Suprema Corte, segundo o texto, “é equivocada e coloca sobre as costas das categorias o peso da crise instalada no País”.

A preocupação com o uso austero e eficiente do dinheiro público tem sido muito raramente demonstrada pelos chefes dos vários escalões do Judiciário, tanto na União quanto nos Estados. Isso é comprovado tanto pelas pretensões salariais quanto pelas mordomias, como o número de carros com placas especiais para uso oficial ou privado. Penduricalhos de remuneração, como auxílio-moradia, igualmente encarecem a função judicial e, em muitos casos, a legislativa. Detalhes patéticos, como o debate sobre o auxílio-paletó, têm aparecido na imprensa, mas a maior parte dos custos injustificáveis – como as enormes verbas de gabinete pagas aos parlamentares federais – tem sido raramente contestada.

A receita pública, em todos os níveis de governo, é uma grande pizza retalhada em primeiro lugar em benefício de quem deveria fiscalizar, racionar e racionalizar o uso do dinheiro pago pelo contribuinte. A proposta do indecente fundo de campanha, na paródia de reforma política encenada no Congresso, adicionará R$ 3,6 bilhões à conta da espoliação do Tesouro. Essa conta já inclui o fundo partidário, outra obscenidade. Partidos são legalmente definidos como entes privados. Não se justifica subvencioná-los, apenas por serem partidos, com dinheiro público.

Mas a racionalização da despesa é dificultada também pela rigidez orçamentária. Essa rigidez decorre, em primeiro lugar, de regras constitucionais. Os constituintes fixaram porcentuais de receita para aplicação compulsória em educação e saúde. A intenção pode ter sido boa, mas a vinculação de verbas é uma estupidez. Prioridades podem mudar. Também podem ser diferentes, ao mesmo tempo, em diferentes Estados e municípios. Além disso, verba garantida para despesa obrigatória facilita a negligência na elaboração de planos e programas, estimula o desperdício e abre espaço à bandalheira. Se o gasto é compulsório, será preciso completá-lo, a cada ano, mesmo sem objetivos bem definidos. Nesse caso, tanto faz destiná-lo à reforma desnecessária de uma escola quanto aplicá-lo num equipamento superfaturado ou usá-lo, numa hipótese melhor, para um bônus a professores (isso também já ocorreu).

Sem cuidar dessas questões, o ajuste das contas públicas será sempre insuficiente e frágil. O reparo fiscal deve incluir, necessariamente, a reestruturação do Orçamento, para torná-lo mais flexível e possibilitar a racionalização da despesa. Boa saúde e boa educação serão obtidas com planos e programas bem construídos e bem executados. Vinculações demagógicas e irrealistas poderão enganar ingênuos e desinformados e facilitarão malandragens.

Tem-se falado muito, e com bons fundamentos, sobre a reforma da Previdência como indispensável à arrumação das finanças públicas. Mas é preciso pensar também na reforma orçamentária e na montagem de uma administração pública mais ágil, mais profissional, menos sujeita a indicações político-partidárias e, portanto, mais eficiente. Seria muito mais fácil a solução se o desafio fosse técnico. Mas o problema é em primeiro lugar político e seu histórico é assustador.

Rolf Kuntz

O tamanho da insanidade

O Congresso brasileiro se prepara, mais uma vez, para dar um tapa na cara dos seus eleitores, aprovando gastos de R$ 3,6 bilhões para financiar as eleições de seus futuros membros.

Isso acontece no mesmo momento em que as universidades federais estão ameaçadas de fechar por falta de dinheiro para os gastos mais primários.

Nossos institutos de ciência e tecnologia estão parando suas pesquisas.

Se a proposta for aprovada no Congresso e o governo não vetar, o presidente Temer e o ministro Henrique Meireles passarão a ideia de que estão mentindo quando dizem que não há recursos para financiar nosso sistema universitário, que a previdência é deficitária, que é preciso demitir servidores.

Estão mentindo ou dirigem um governo insano.


Todos falam que, no lugar de novos impostos, o governo deveria reduzir gastos. No lugar disso, eles aumentam despesas para financiar campanhas eleitorais, tomando R$ 3,6 bilhões dos eleitores (R$ 60,00 por eleitor) que não foram consultados – inclusive daqueles 50 milhões que as pesquisas indicam que não vão votar ou votarão em branco.

Isto é uma insanidade coberta por uma mentira.

Isto poderia ser evitado cortando o custo da campanha.

Triste é que a comunidade acadêmica não parece mobilizada para impedir esta insanidade.

É hora de um movimento nacional contra parlamentares e contra o Presidente Temer, para que não cometam esta insanidade, fazendo campanha mais barata e financiada pelos simpatizantes dos partidos e dos candidatos, não por cidadãos que sofrem a degradação dos serviços públicos e que são obrigados a financiar políticos que recusam.

Os professores, servidores e alunos das universidades precisam se mobilizar contra esta insanidade que vai retirar recursos de áreas prioritárias agravando ainda mais a tragédia fiscal pela qual passam nossas universidades.

Imagem do Dia

Delicados & Coloridos

Ao nosso reino, nada

Há 22 anos o Congresso alterou pela primeira vez as regras eleitorais no período pós-redemocratização e deu ao ato o nome de reforma política. Em 1995 ficou decidido que a partir das eleições de 2006 apenas os partidos que obtivessem mais de 5% dos votos nacionais poderiam exercer na plenitude suas funções legislativas. Aos demais seria vetada a participação em comissões, restringido o acesso ao dinheiro do fundo partidário e reservado um ínfimo espaço no horário de rádio e televisão.

A regra, no entanto, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pouco antes de entrar em vigor. Na época, eram 29 os partidos. Já haviam sido cinco, quando da reformulação ainda sob o regime autoritário em 1980. De lá para cá, cresceram na proporção do benefício: são 35 as legendas registradas na Justiça Eleitoral e mais 63 na lista de espera. Se aprovados esses pedidos, teríamos hoje 98 partidos no Brasil.


Agora voltamos duas décadas no tempo para discutir o mesmo ponto — entre outros anteriormente abandonados e hoje convocados para o papel de inocentes úteis — na reforma política de repente considerada urgente pelos congressistas. A ideia deles é liquidar o assunto em dez dias. A razão de tanta pressa não está no interesse de melhorar nada que possa fazer o cidadão recuperar a confiança no sistema representativo. A rigor, nada de útil nesse sentido foi aprovado desde a primeira mudança, a não ser a Lei da Ficha Limpa, arrancada a fórceps mediante proposta de iniciativa popular.

A motivação da urgência é a que já se sabe: aprovar até o início de outubro próximo a criação de uma rubrica no Orçamento da União para destinar 3,6 bilhões de reais às campanhas eleitorais de 2018 — destituídas das doações de empresas registradas nas contas prestadas à Justiça, a despeito de nada impedir que sigam sendo feitas contribuições ilegais. Serão em quantidade bem menor e cercadas de subterfúgios mais consistentes que o simples uso do registro no Tribunal Superior Eleitoral como lavanderia de dinheiro de caixa dois e/ou de propinas.

Trata-se de um assalto a poder das mãos armadas de acesso ao painel eletrônico de votações. À violação do princípio da contenção de gastos governamentais e ao crime contra a paciência do público pagante, soma-se o delito da chantagem: o governo quer aprovar as reformas da Previdência, trabalhista, tributária e, além disso, manter o presidente protegido de futuras denúncias? Pois que se empenhe em trabalhar pela aprovação e dê prioridade ao “exame” do chamado Fundo Especial de Financiamento da Democracia.

Obra-prima de cinismo, digna de prêmio ao(s) autor(es) de tal letreiro. Mas não é só: o preço pelo atentado à opinião do público inclui a manutenção do funcionamento do feirão de cargos, emendas e benesses que tais. Não sendo desse modo, necas daquelas reformas tão invocadas na sessão de salvação de Temer como pretexto para a recusa da denúncia.

É assim que suas excelências pretendem que caiamos no conto da reforma política: na base do venha a nós; ao reino da sociedade, absolutamente nada.

Cegueira dos tempos

 Tanto jornal, tanta rádio, tanta agência de informações, e nunca a humanidade viveu tão às cegas. Cada hora que passa é um enigma camuflado por mil explicações.
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A verdade, agora, é uma espécie de sombra da mentira. E como qualquer de nós procura quase sempre apenas o concreto, cada coisa que toca deixa-lhe nas mãos o simples negativo da sua realidade
Miguel Torga, "Diário" (1948)

Autocrítica, eu?

A culpa sempre é dos outros. Muitos criticam a esquerda por não fazer autocrítica. Mas alguma corrente ideológica ou partido já fez?

Numa jogada de marketing espetacular, o PSDB resolveu fazê-la por meio da propaganda a ser exibida em rádio e TV. “O PSDB acertou quando criou o Plano Real, mas agora errou”, é o slogan criado pelo marqueteiro Einhart Jacome.

Errou no quê? “Agora” quando? Tem a ver com Aécio, com a PM de Alckmin, com o superfaturamento de trens e metrô, do Rodoanel? Errou no mensalão mineiro, no uso de caixa 2?

FHC vai se desculpar por ter mantido o câmbio artificialmente congelado, que arruinou parte da indústria e gerou desemprego, até uma reeleição que não havia na Constituição e foi conquistada com compra de deputados? Vai falar da privatização duvidosa, às pressas?

O partido anuncia que se diferencia dos outros e faz autocrítica. A peça publicitária atinge em cheio seu alvo: a incapacidade histórica do PT de fazê-la. Mas é marketing. A autocrítica não faz parte da prática política.

Getulistas não fizeram autocrítica por instaurar uma ditadura populista e perseguir opositores com mão de ferro. Udenistas não fizeram autocrítica por desestabilizar várias vezes a normalidade democrática e mobilizar rebeliões. Carlos Lacerda fez autocrítica por apoiar militares a fim de implantar uma ditadura que, ironia, o cassou?

Jânio Quadros nunca fez autocrítica por renunciar e mergulhar o País numa crise institucional. João Goulart fez por se aliar a forças radicais, num Brasil dividido, não ser duro com motins militares, o que deu no Golpe de 1964 (militar tolera quase tudo, quebra de hierarquia jamais)?

Os militares? Bem, caso à parte, esses não pedem perdão pelo estado de terror, tortura e desaparecimento, censura, holocausto indígena, ocupação desordenada da Amazônia, programa nuclear obsoleto, por birra contra a “intromissão” de Carter, dívida externa monstruosa, inflação galopante, excesso de estatização, que deu no fim do nosso parque ferroviário, e pela grande fraude, a de que o golpe, ou revolução, como preferiam, era para debelar um levante comunista iminente e acabar com a corrupção.

Continuam e continuarão a bater os coturnos na máxima “dever cumprido”.

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Collor nunca se desculpou por arruinar a economia e instaurar um plano econômico insano, bolado por uma equipe econômica inexperiente e incapaz, que retirou o dinheiro de circulação, levou milhares à falência e muitos ao suicídio.

Romeu Tuma nunca se desculpou por chefiar a censura federal e proibir a execução de músicas da Blitz, Leo Jaime, Lobão, Ultraje, Legião, Capital, Inocentes e tantas outras.

E Lula? Aguardamos o pedido de desculpas por manter na Petrobrás uma quadrilha a fim de financiar três partidos, PT, PMDB e PP, manter ligações espúrias com empreiteiros, fazer uma copa do mundo com estádios desnecessários, incentivar a política estúpida do BNDES de apostar nas “campeãs nacionais”, sob uma rede de corrupção jamais vista.

Sem contar que traiu a essência petista, ao se aliar ao que havia de mais estranho à esquerda, de Delfim Netto, que nunca se desculpou por assinar o AI-5, a Paulo Maluf, que insiste que não tem contas no exterior.

Dilma? É cedo, mas... Sua teimosia, falta de tato e visão, de que a marolinha de 2008 viraria um tsunami e despencaria o preço das commodities, arrasaria a economia brasileira e aumentaria o desemprego, não nos preveniram do desastre.

Não desconfiou, apesar de alertada, de que a política de combate à inflação congelando gasolina e eletricidade quebraria o sistema. Demorou para fechar a torneira do incentivo fiscal e se livrar daqueles diretores da sua Petrobrás, que raspavam os cofres até o tacho. E para que meter a mão nos extratos de bancos públicos para combater o déficit do tesouro?
A maneira como fazemos política merece autocrítica. A maneira como exploramos o Brasil, devastamos suas florestas, poluímos seus rios, produzimos riqueza não para o bem comum, mas pessoal físico e jurídico, administramos um Estado gigante, perdulário, ineficiente, não produzimos ciência relevante, tecnologia de ponta, merece autocrítica.

A maneira como lidamos com a Educação Fundamental e a Previdência, e alimentamos um déficit que quebra o País e não nos dá possibilidade de investimentos em infraestrutura, merece autocrítica.

Atravessamos décadas com uma bomba à frente, em vez de apagarmos o pavio, colocamos mais pólvora nele. Em oito anos de governo tucano, 14 anos petista, com maioria no Congresso e governabilidade estabelecida, não se tocou na maior injustiça social da nossa história: a rede de recolhimento sobre o salário, que resulta numa distribuição legal, injusta e imoral.

É a maior transferência de renda de que se tem notícia: trabalhadores, classe média, profissionais liberais e aposentados do serviço privado financiam aposentadorias muito superiores de promotores, juízes, militares e seus familiares, funcionários públicos, membros do Estado, que se julgam com mais direitos do que todo o resto da população, a que trabalha sem vínculo público.

O que a esquerda propõe? Sindicatos e centrais estão atreladas ao funcionalismo público. Negam a necessidade de uma reforma. Boicotam toda a iniciativa que pede mudanças.

Criamos um Estado para gerir os membros do Estado e dar a eles e familiares uma vida com mais conforto do que de todos os outros brasileiros, num descalabro constitucional. Assim, iremos gerir escombros.

Paisagem brasileira

olinda
Olinda (PE)

Distritão, um vendaval

Atrás do nome “distritão”, incompreensível para 99 em cada cem cidadãos, esconde-se uma fórmula eleitoral que, apesar de conter alguns defeitos em sua proposição original, poderá ajudar o país a se livrar de dezenas de partidos injustificáveis e criminosos. E, ainda, reduzir pela metade as atuais 28 siglas que poluem o Congresso Nacional.

Encolheria também, profundamente, o poder dos caciques e coronéis dos maiores partidos que agora, de última hora, desceram a campo para matar essa proposta que rebaixa o poder de abandalhar o país.

Os mesmos que mandam há séculos subjugando o país e marcando-o como o mais corrupto do planeta.

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Fosse o distritão apenas para se livrar deles, já que a Justiça demora, valeria e sobrariam vantagens.

Também os donos dos nanicos que chafurdam nos horários eleitorais teriam perdas significativas em sua capacidade destrutiva.

O sufrágio universal, enfim, se alinharia às hierarquias ditadas pela vontade popular.

Os eleitos teriam o peso e a legitimidade dos votos recolhidos e não seriam peças nas prateleiras de um dono “mensaleiro” de partido como Valdemar Costa Neto, o mais inflamado inimigo do distritão.

O distritão voltaria a embaralhar as cartas de um jogo perdido pelos eleitores. Cartas distribuídas por trapaças. Serraria ainda os saltos de pessoas pequenas que traficam na politicagem e que perderiam seu poder artificial.

Hoje, ao Legislativo nem sempre se chega pelos votos, mas pela esperteza e capacidade de aglutinar um conjunto de candidatos que, somados, permitem a eleição de apenas um. Esse é o atalho que condiciona as eleições das últimas duas décadas. Virou uma farsa que procura nas brechas da legislação um atalho.

O distritão com algumas alterações pode reacender o valor das ideologias no âmbito eleitoral. Poder-se-ia destinar os votos angariados pelo partido – no número do partido – para beneficiar os mais bem-posicionados depois dos mais votados.

As campanhas direcionadas ao voto para o partido seriam o apelo que amealharia muitos sufrágios.

Também eliminaria aqueles que, no vácuo de um Tiririca ou de um Enéas, levam meras nulidades ao mandato.

Não há de se pensar numa tragédia para os “ideologizados”, trata-se de uma oportunidade a ser trabalhada nessa fase de discussões. Acabariam assim as rifas eleitorais dos nanicos, que prosperam no vazio de propostas e na sombra de cálculos menores. Também o candidato avulso terá sua vez como nas melhores democracias, aquele sem vínculos com partidos.

Se o PT tem muitos votos como partido, poderá lançar dez, e não cem candidatos, concentrando seu potencial beneficiando-se do voto de legenda para puxar mais alguns. A regra estaria em escolher os melhores entre os muitos.

Ficariam sem sentido os milhares de candidatos folclóricos e berrantes que desfilam numa ópera bufa a cada eleição.

Exatamente nesse fundo conturbado os deputados encontram a concordância vergonhosa em atribuir-se R$ 3,6 bilhões, que representam uma cota individual de R$ 6,5 milhões. E, para ficar mais perverso o golpe, fecharam a data-limite de migração da cota em 10 de agosto passado. Uma forma de sequestrar a bolada e estatizar a propina das empreiteiras.

O distritão sofre de última hora o ataque do PSDB para reapresentar o sistema feudal do distrital misto, que dividirá em duas espécies os parlamentares, consagrará os caciques sem esforço e perda de tempo para se dedicar ao sistema cleptocrático sem suor e contato com o eleitor.

As leis no Brasil são quase sempre imorais e viciadas e atendem o maior ganho com o menor esforço.

Os partidos forjados como “organização criminosa” sofrerão graves perdas tratando com deputados “majoritários” mais credenciados.

Distritão tem seu lado excelente para tirar força de velhos caciques, e da malandragem, e oxigenaria o Brasil sem o risco de deixá-lo pior.

O preço e o valor da política

Desde Aristóteles, conhecemos o valor da política; o que nos é dado conhecer, de tempos a esta parte, é o preço da política.

À soma dos caixas 1 e 2, propinas, agrados, adjutórios e pixulecos, o brasileiro vê agora juntar-se o anunciado fundo de financiamento de campanhas para eleição de representantes inservíveis, senão corruptos.

Paga-se para entrar na panelinha de candidato, financia-se, em seguida, a sua cada vez mais cara campanha, e depois paga-se outra vez, mês a mês, para ver-se enganado durante todo o mandato. E esta é a única certeza que a política eleitoral tem trazido: nenhum eleitor será jamais decepcionado, pois sabe de antemão que o jogo se fará sempre contra os interesses do povo.

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Exagero: aí também temos agora surpresas. A capacidade do político brasileiro de se afastar da realidade está sempre a trazer novidades: todas as instituições sem dinheiro, todos os serviços precários, uma sensação de orfandade cívica.

Agora mesmo, o teatro do Congresso se reabre para o escárnio de sempre.

No palco, cai o pano do perdão das dívidas dos agricultores. Sobe o pano, e abre-se o embate sobre o Refis do Grande Perdão, agora ao custo de R$ 13 bilhões.

Nenhum aplauso, nem vaia. Para quem assiste a esse enredo, está claro que a democracia de balcão para a governabilidade à brasileira acaba cara demais. Nem há mais protesto: a apatia é filha da descrença, o desencanto cívico é o prenúncio agourento das rupturas.

Dirão que é este o preço da democracia: ética e política não conhecem progressos; são o que são. Se for medir pela qualidade das leis que entrega o parlamento, parece estar esse serviço caro demais e a culpada não é a democracia: é a representatividade política e o exercício dessa política em desfavor de favores e interesses.

Mas, paciência, não é a primeira vez que o caos é maior do que o Brasil.

Eleição 2018: mais perguntas que respostas

Com a sobrevida de Michel Temer, ficam mais fortes as especulações e mais intensa a ansiedade em torno da eleição de 2018. Mesmo para o mercado financeiro, que ainda guarda sob as dobras dos paletós alguma esperança de reformas estruturais mais profundas do que simbólicas, a eleição presidencial já é o principal assunto e o maior prêmio de risco nas rodas de apostas e aflições financeiras. À falta de bambus e flechas do Ministério Público, tudo o que se quer saber é se o próximo presidente da República estará (ou não) comprometido com reformas e ajustes fiscais. Mas, não se sabe sequer quem serão os candidatos.

A precariedade de analisar e prever 2018 é ainda muito grande; neste momento, as interrogações são mais fartas que as eventuais respostas. Há pouco mais de um ano do pleito, não se conhece o mais elementar do jogo, que são as regras eleitorais: com qual e com quanto dinheiro se farão as campanhas, como ficará o tempo de televisão; sequer se sabe se o sistema será proporcional ou se retirará dos bolsos de coletes a invenção do Distritão — cujo benchmark é o Afeganistão e o que deve determinar o perfil Congresso com quem o próximo presidente dividirá o poder.

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À parte disto, como estará a economia por ocasião da eleição: terá que tipo de influência? Michel Temer será que tipo de eleitor? Em meados de 2018, haverá sentimento de melhora — o desemprego caindo e a renda subindo — ou as condições de penúria de estados e municípios, afetando os serviços públicos, será determinante como expressão do caos do Estado e o mal-estar de cada indivíduo-cidadão? O inferno da vida urbano será amenizado pelo paraíso de algum aumento de renda?

Claro que isso tudo interferirá no grid de largada: será vantagem para todos os partidos lançarem candidatos ou as coligações serão alternativa mais razoável? Como ficarão postulantes como Marina Silva e Jair Bolsonaro, por exemplo, filiados a partidos minúsculos, provavelmente preteridos na divisão de recursos? Bolsonaro, como se sabe, é um dos bichos-papões das pesquisas e sondagens eleitorais, o capitão-deputado terá condições de competividade, as redes sociais de sua base social serão o suficiente para alavancá-lo?

E o que dizer do líder das pesquisas, Lula: poderá concorrer, estará em liberdade? Sendo impedido, qual será o clima da eleição e das ruas? E diante de uma eventual absolvição pela justiça, qual será a reação do eleitorado de classe média dos grandes centros urbanos, cada vez mais avessos ao ex-presidente e ao PT? Na ausência do ex-presidente, quem poderá ser o candidato do PT? Seu perfil e suas chances.

E mesmo aí não param as questões: no cenário de Lula candidato e eleito, o presidente de 2019 será o mesmo do passado, em 2003? A ilusão de muitos quer crer que sim, afinal, ''Lula é pragmático'', dizem. Mas, os tempos são outros: o Brasil é outro, uma parte da sociedade tende a ter menos tolerância agora do que teve com a ''novidade'' de 2003. O diálogo entre o ex-presidente e o país será diferente. Além do mais, faltará ao PT a qualidade dos quadros que um dia teve — Dirceu, Palocci, Gushiken, Márcio Thomaz Bastos, para ficar em nomes memoráveis.

E o PSDB, como resolverá sua equação interna, a começar pelo destino que possa dar a Aécio Neves? A imagem do partido, implacável com o que chama de lulopetismo, durante o e depois do impeachment, saiu arranhada nas gravações e nas malas que rondaram seu presidente e último candidato; o mea-culpa que a legenda promete fazer será o suficiente para retomar contato com sua base social e até com os principais quadros econômicos e intelectuais tucanos?

Isto, é claro, sem mencionar o enredo intrincado e confuso que vai se transformando a relação do PSDB com o prefeito da Capital paulista, João Doria, evidente postulante ao Planalto — em que pese a mesma pretensão de seu correligionário e padrinho, Geraldo Alckmin, governador de São Paulo e, hoje, preferido pelos principais caciques do partido. Doria e Alckmin, ao que tudo indica, já se enfrentam nos bastidos e os humores de seus entornos — inclusive aliados como o PMDB e o DEM — já são afetados pela apreensão da indefinição. Qualquer resultado aí tende a deixar marcas.

Por fim, e o mais perigoso, é que a maior parte das pessoas que já voltam suas atenções para o processo eleitoral pensa exclusivamente no ''melhor candidato'', mas desprezam o ''presidente'', no dia seguinte da eleição. No mercado financeiro, o foco é para quem teria a agenda mais adequada à sua pauta fiscal e reformista. Ok, a capacidade de competir eleitoralmente é, obviamente, fundamental numa eleição, assim como a agenda do candidato. Mas, não se pode retirar do foco uma questão que talvez preceda a todo o resto: quem, eleito, seria o melhor presidente, capaz, de fato, levar a termo tudo o que prometerá na campanha?

Qual indivíduo ou grupo estará mais apto a conduzir o processo político desta quadra histórica de crise profunda; quem conseguirá contornar as incertezas do sistema, remover o entulho fisiológico, fazer reforma e promover mudanças positivas? ''Quem tem perfil para isto'' é detalhe que se omite e pergunta que ninguém faz — o tradicional ''trocar os pés pelas mãos''. Mas, definidas as regras eleitorais, as indagações deveriam começar daí. Discutir candidatos sem definir o perfil necessário do futuro presidente é uma forma arriscada de pensar no futuro. E, também, pouco inteligente.

Carlos Melo