segunda-feira, 6 de junho de 2016

Deriva

Convém começar sempre pedindo desculpas. Seja lá qual a razão da insatisfação, certamente não pretendia ofender pessoa alguma. O diabo é que, neste ambiente tão polarizado, é inevitável não incomodar. Independentemente do assunto. E da opinião.

Nestes dias estranhos, mesmo que inconcluso, já encontra oposição. Não há interesse em ideias, opiniões, e conceitos. Tudo o que importa é a posição de quem fala. E a posição de quem fala, aparentemente, determina o lado.

Difícil mesmo é tentar não ter lado. Sobre qualquer assunto, alias. Todo começo de conversa, post na mídia social ou interação humana tem sido por definição, contaminada pela necessidade de escolher um lado. E ficar nele mesmo que o assunto mude. Evoluir a opinião, jamais. Mudar de opinião, então, virou coisa de traidor.

Não se trocam mais ideia. Somente (ainda metaforicamente) chumbo. Insanidade que se materializa diariamente em quantidades infinitas de debates entre surdos. Discussões estéreas sem qualquer proposito e cujo produto é o nada. Nada é mesmo tudo o que este tipo de situação pode gerar.


E la nave va. Em nosso caso, sempre a deriva. Ou, pior. Seus passageiros tenham a menor preocupação com o destino da embarcação. Alheios ao obvio, permitem que a embarcação corra o risco do naufrágio sem prestar atenção ao fato de que não existem botes salva-vidas. Para ninguém.

Tornamo-nos uma nação de pessoas viciadas no calor do. Falamos do passado coma paixão dos fiéis. Discutimos acaloradamente teses jurídicas, chicanas, artifícios e alegorias legais. Distribuímos culpa como ninguém. Ajuda quando dá para culpar os estrangeiros.

A gente só falha quando tem que tratar do futuro. Plantar para colher. Sacrificar hoje para viver melhor amanha. Nisso, não parece haver interesse. Faz tempo. E muito. Talvez seja hora de olhar para frente. E buscar soluções.

Estamos sempre à espera de algo. Nem se sabe mais do que. A gente fala de tudo. De todos. De qualquer coisa. Menos de como vamos fazer para sair deste buraco em que nos metemos. Em cujo fundo continuamos a escavar. Entusiasmadamente, ao que parece.

O maior de todos os assaltos: o assalto à inteligência

É um dos confrontos mais decisivos da história do Brasil. E terrivelmente desigual. De um lado, atuam grupos sociais espontaneamente organizados, dependentes apenas do idealismo e do civismo de seus membros. Mobilizam-se contra o uso político, ideológico e partidário do sistema de ensino. De seu sucesso depende a possibilidade de que o Brasil, num horizonte de médio prazo, possa contar com a ação livre, criativa e produtiva de sua juventude para embarcar num padrão de desenvolvimento compatível com os países que já colhem os resultados de sua opção pela Educação.

No outro lado desse confronto estão os que, ao longo de sete décadas, numa continuada ação de pirataria intelectual, se foram apropriando dos instrumentos essenciais do ensino em nosso país. Nada concederam ao acaso. Escalaram a nave educacional pela popa e pela proa, ocuparam o convés, assumiram o leme, ergueram-se pelo cordame e hastearam uma bandeira vermelha no topo do mastro maior, para que todos saibam a que e a quem serve o imenso e malbaratado investimento nacional em Educação. É uma estrutura tão danosa quanto poderosa. Ela se vale do uso abusivo da sala de aula por professores que aparentemente aprenderam com os índios jivaros a técnica de encolher cabeças; da militância dos sindicatos profissionais dos docentes; da apropriação política do Ministério da Educação, de suas verbas e programas; do controle dos conteúdos dos livros didáticos; das provas e concursos públicos, do ENEM, e por aí vai. O que acontece no setor “cultural” é um nadinha, merreca, comparado com o que acontece no “educacional”.


Mas não só isso. Se você pensa que os controladores dessa agenda nos últimos 13 anos só roubaram o nosso dinheiro, o patrimônio público, a credibilidade do país, saiba que o magno malefício da corrupção é pequeno se comparado com o assalto ao sistema de ensino, que já abocanhou as potencialidades e o futuro de mais de uma geração de brasileiros, formatados para serem massa de manobra do movimento revolucionário em curso. De milhões de brasileiros, tomaram o intelecto e a honestidade! Como calcular o valor desse dano? Mentiram-lhes tanto que já não se importam com a diferença entre verdade e mentira. Trata-se de uma atividade que se conta em décadas e que, na prática, viabilizou a chegada ao poder, em 2003, do grupo que governou o Brasil nos últimos 13 anos. A tragédia social, política e econômica que se produziu no país compõe o inevitável refrão do fracasso que se sucede a cada cantoria de quem governa sob tais ideias e sob lideranças assim em qualquer parte do planeta. Nunca fizeram algo melhor do que isso.

O que mais bem expressa esse confronto entre o Brasil que está concebido pelo sistema de ensino que temos e aquele pelo qual todo brasileiro anseia, é a atividade do movimento Escola Sem Partido. Há muitos anos, sob a liderança de Miguel Nagib, esse grupo vem denunciando a pirataria apátrida das bandeiras vermelhas, símbolos de uma revolução que nenhuma pessoa sensata poderia desejar. E se é algo que nenhum pai ou mãe há de querer para seus filhos, cabe, então, a pergunta: como conseguem, os piratas da Educação, mobilizar pessoas para algo que, em todas as suas experiências, só gerou miséria e opressão? Resposta simples: acabando com a sensatez. E é impossível acabar com a sensatez sem controlar os meios de ensino.

A UNE, União Nacional de Estudantes, há mais de meio século é comandada por jovens comunistas, estudantes profissionais, a serviço de uma agenda apátrida, de pirataria política, que nada tem a ver com o bem do Brasil. Em nome de qual interesse público a rapaziada da UNE recebe milhões de reais por ano do nosso dinheiro para queimarem em festas, bebidas e viagens e, claro, atenderem com docilidade aos estalos de dedo dos que lhes suprimiram mente e caráter?

Percival Puggina

Metralhadora ponto 100

Numa das conversas gravadas com Sérgio Machado, Sarney disse que a delação da Odebrecht seria uma verdadeira metralhadora ponto 100. Parece que o tema já foi negociado na semana passada. Daqui a pouco, ouviremos o tiroteio, junto com explosões menores, como as delações de Léo Pinheiro, da OAS, e do próprio filho de Sérgio Machado, que era operador financeiro em Londres.
Se as rajadas atingirem todos os grandes partidos, como se anuncia, ficaremos com a paisagem depois da batalha, mortos caídos na estrada e feridos se arrastando na poeira. Talvez seja por isso que alguns jornalistas estrangeiros nos perguntam: o sistema político brasileiro vai implodir? É uma pergunta difícil. O sistema político brasileiro precisa implodir. Mas ao mesmo tempo não pode implodir: estamos numa profunda crise econômica, e ele é essencial para a travessia.

Depois de tantas jabuticabas, teremos de experimentar mais uma: recolocar o gigante de pé com o esforço dos mortos e feridos. Desde a saída de Dilma, o problema é nítido: precisamos saber de tudo o que aconteceu e, prioritariamente, reconstruir os caminhos da economia. Como dizia Samuel Beckett: não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber, desde que suportemos as dores.

O governo Temer sabia de muita coisa quando Dilma partiu. Poderia ter evitado as primeiras crises. No entanto, não conseguiu. Dois ministros caíram em 20 dias. Para descrever o futuro imediato, Sarney usou a imagem de uma metralhadora. Como arma, a delação premiada, nem sempre é tiro e queda. Há uma espécie de delay entre um e outra.

O segredo do processo de reconstrução econômica é não só utilizar, no que for possível, os feridos de guerra, mas selecionar entre os mortos aqueles que, pela sua utilidade, merecem uma curta sobrevida. Reconheço que essas projeções são sinistras. A hipótese de recomeçar do zero é inviável em plena crise econômica. A volta do PT não resolve a equação. Se a metralhadora tiver alguma pontaria, as rajadas mais potentes vão varrer o partido que mais profundamente se ligou à Odebrecht.
Mesmo sem ilusões, uma renovação virá apenas em 2018. Até lá, há uma formidável tarefa a ser executada. Oficialmente, estamos com 11,2 milhões de desempregados. Essa urgência na economia acaba impondo um atraso na política. Não dá para parar e resolver a crise política de forma satisfatória. A emergência é o dado mais claro da conjuntura. Um grupo razoável de políticos brasileiros tem experiência e capacidade para dar os passos que se exigem de profissionais do ramo.

O governo tem demitido os ministros que o comprometem abertamente. Mas não soube nem pode se antecipar a alguns passos da Operação Lava-Jato. Isso significa que o governo viverá aos sobressaltos, o que dificulta sua tarefa econômica. Além disso, há uma forte oposição que não só quer a volta do PT, mas afirma que mais consumo é a saída para o buraco em que Dilma nos meteu. Em outras palavras, o caminho da reconstrução econômica é difícil porque os atores caem como fruta madura do pé. E precisam impor medidas de austeridade diante de uma oposição que, com uma perspectiva eleitoral, propõe o contrário. Deixei de repetir que essa é a situação mais complicada que vi. Não adianta se deter nessa constatação. Não importa o tamanho da crise, a tarefa é sempre esta: o que fazer para sair dela? As gravações de Sérgio Machado revelam o fracasso do PMDB em deter a Lava-Jato. As gravações envolvendo Lula mostram também como o PT tentou, mas não conseguiu neutralizá-la.

O apocalipse das novas delações premiadas talvez seja o último capítulo da novela. Quem sabe sua proximidade não abre no front da reconstrução uma espécie de protocolo para as novas quedas? É preciso avançar por causa e apesar da Operação Lava-Jato. A reconstrução econômica é um ato de solidariedade com milhões de pessoas que sofrem. O que sobrou dos políticos, com a ajuda da sociedade, compõe a força que pode conduzir a transição. A crise é muito profunda, os agentes são muito frágeis, mas — o que fazer? — é a realidade que temos. O barulho dos tiros, o fragor das quedas, tudo isso pode nos distrair. No entanto, o foco é a reconstrução. A Lava-Jato deveria ter mais celeridade no caso dos parlamentares envolvidos. Todo esse barulho e o Eduardo Cunha solto, comandando um grupo de investigados na Câmara. É um drama muito grande para se perder em enredos secundários.

Imagino que, no exterior, observadores distantes achem cômico esse cai cai pós-impeachment. Mas, agora que se conhece o rombo na economia e a degradação de nosso sistema político, por mais grotesco e absurdo que pareça o quadro, não há outro caminho exceto enfrentá-lo. Que os outros achem graça. Os que vivem aqui têm de procurar e achar a saída. 
Fernando Gabeira

Moro proferiu 105 condenações. STF, nenhuma

O cronista Nelson Rodrigues costumava dizer que o mais exasperado problema do ser humano é o medo do rapa. “Cada um de nós vive esperando que o rapa o lace, o recolha, na primeira esquina”, ele escreveu. No Brasil de hoje, Sérgio Moro virou uma espécie de rapa da oligarquia política e empresarial. Nesse meio, o juiz da Lava Jato instila pânico.

Graças à morofobia, personagens como Eduardo Cunha e Lula revelam-se capazes de tudo para que seus processos permaneçam no STF, o foro dos suspeitos privilegiados. Receiam ser presos. No intervalo de dois anos, dois meses e 19 dias, tempo de duração da Lava Jato, Sérgio Moro já proferiu 105 condenações. Juntas, somam 1.140 anos, 9 meses e 11 dias de prisão. No STF, não há vestígio de condenação. (veja no quadro abaixo os feitos que a força-tarefa da Lava Jato obteve em Curitiba)
Entre agosto e setembro de 2014, os delatores Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff jogaram no ventilador os nomes de 28 congressistas —sete senadores e 11 deputados federais. Esse pedaço da investigação subiu para o Supremo. Desde então, avolumaram-se as delações e os suspeitos com direito a foro privilegiado.

Hoje, correm no STF 70 processos relacionados à Lava Jato. Desse total, 59 estão na fase de inquérito. Neles, são investigados 134 acusados. Outros 11 processos foram convertidos pelo procurador-geral Rodrigo Janot em denúncias formais, envolvendo 38 políticos. Por ora, o único denunciado que o Supremo converteu em réu foi Eduardo Cunha. E não há prazo para o julgamento da ação penal protagonizada pelo deputado. (veja abaixo os dados sobre o pedaço da Lava Jato que corre em Brasília)

A pedido da Procuradoria, o STF afastou Cunha do exercício do mandato e da poltrona de presidente da Câmara. Mas ele mantém as prerrogativas de deputado, que impedem Moro de alcançá-lo. Conserva também o acesso às mordomias propiciadas pela presidência da Câmara e o controle sobre sua milícia parlamentar, que lança mão de manobras para retardar o julgamento do pedido de cassação do seu mandato, na pauta do Conselho de Ética da Câmara há sete meses.

O que há de mais alvissareiro na Lava Jato é a percepção de que o banquete da corrupção desandou. Os órgãos repressores do Estado investigam, prendem e condenam pessoas que estavam acostumados a viver num país em que, acima de um certo nível de renda e poder, ninguém era importunado.

Deve-se sobretudo à aplicação de Sérgio Moro, dos agentes federais, procuradores e técnicos que integram a força-tarefa de Curitiba a derrubada do escudo invisível que protegia os maus costumes. Montou-se uma espécie de usina trituradora de delinquentes. Foram em cana brasileiros que se julgavam invulneráveis. Em troca de favores judiciais, muitos tornaram-se delatores.

Dar dinheiro a troca de nada: ideia inevitável?

Os suíços votaram neste domingo em um referendo se o Estado deveria dar aos cidadãos cerca de 2.500 euros (10.000 reais) por mês. A troco de quê? De nada. Essa consulta é muito importante. Não porque a proposta vai ganhar [a votação já acabou e a iniciativa foi rejeitada], mas porque pode ser a precursora de uma tendência mundial. Na verdade, em vários países já está sendo testada a ideia de garantir uma renda mínima e sem pré-condições aos cidadãos. Na Finlândia, o Governo selecionou aleatoriamente 10.000 adultos a quem vai pagar 550 euros (2.200 reais) por mês durante dois anos. O objetivo é medir o impacto que essa renda terá na propensão para o trabalho e em outras decisões de vida tomadas pelos beneficiários. Se esse teste for bem-sucedido, a intenção do Governo finlandês (que é de direita!) é estender o programa a nível nacional. Experiências similares estão sendo realizadas no Canadá, na Holanda, no Quênia e em outros países.

Os defeitos e problemas dessa ideia são óbvios. Ter um rendimento garantido pode desestimular o trabalho. Dar uma compensação material para uma pessoa sem que, em troca, tenha produzido algo de valor é uma proposta questionável tanto do ponto de vista econômico quanto do social e ético. Os riscos de corrupção e clientelismo político que iniciativas desse tipo têm são elevados. Finalmente, essa não é uma ideia barata. Tais subsídios podem se tornar um fardo pesado para o Estado e criar enormes e crônicos déficits no orçamento público.

E no entanto... Pode ser uma ideia inevitável.


Não há dúvida de que a globalização e as novas tecnologias criaram imensas oportunidades para a humanidade. Da redução da pobreza em todo o mundo aos avanços da medicina e o empoderamento de grupos sociais historicamente marginalizados, o progresso é evidente. Mas é igualmente óbvio que a globalização e as tecnologias que substituem os trabalhadores por máquinas também têm efeitos nocivos. A destruição de empregos, a redução de salários e, em alguns países, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, o aumento da desigualdade, têm causas diferentes. Mas sabemos que tanto a globalização como a automação ajudam a criar condições que nutrem muito o populismo e o extremismo político tóxico que estamos vendo em muitos países.

Para muitos, a resposta é que, enquanto as novas tecnologias destroem indústrias, também criam outras que produzem tantos ou mais empregos do que os que desaparecem. E isso tem acontecido. No entanto, à medida que se acelera a mudança tecnológica e se tornam populares robôs que, a baixo custo, podem fazer muitas das tarefas que hoje desempenha um trabalhador, cresce a preocupação de que novas indústrias e novos postos de trabalho não aparecerão nem na quantidade nem no ritmo necessários para compensar as perdas de empregos e os cortes salariais. Nessa situação, são três as respostas que o mundo apresenta.

1. Mais educação e capacitação para os desempregados. Isso é uma prioridade. Mas a realidade é que, embora existam sucessos ocasionais nesse campo, o resultado de esforços de formação tem sido decepcionante. Na maioria dos países, mesmo nos mais avançados, os recursos dedicados a ajudar os trabalhadores desempregados têm sido pouco generosos, as técnicas de ensino utilizadas são pouco eficazes e as burocracias responsáveis por esses programas costumam ser ineficientes. Mudar isso é urgente.

2. Mais protecionismo. Donald Trump, por exemplo, é apenas um dos políticos que atualmente proliferam no mundo e prometem proteger os empregos reduzindo tanto o número de imigrantes competindo com os trabalhadores locais como o volume de produtos importados, que, sendo mais baratos, substituem a produção nacional. Não é difícil imaginar um desses demagogos prometendo que, se ganhar a eleição, proibirá o uso de robôs e outras tecnologias "mata-empregos". O fato de essas propostas não serem uma solução e, em muitos casos, não poderem nem mesmo ser aplicadas não parece ser obstáculo para que milhões de pessoas se entusiasmem com as promessas dos populistas. Receio que alguns países acabarão adotando essas ideias ruins.

3. Maior renda mínima garantida. É isso. Dar dinheiro em troca de nada. Pode ser uma ideia absurda. Mas um mundo onde nove robôs de baixo custo podem fazer o trabalho de 140 trabalhadores (na China!) é um mundo onde é preciso estar aberto a examinar todas as opções. Mesmo aquelas que podem parecer, ou ser, loucura. Níveis elevados e permanentes de desemprego são inaceitáveis e insustentáveis. Por isso é preciso tentar de tudo, entendendo sempre que governar raramente envolve a escolha entre uma política maravilhosa e outra terrível. O mais comum é que os que governam sejam forçados a escolher entre o ruim e o terrível.

Jogando mal e perigosamente

Destituída Dilma Rousseff da Presidência da República, não mais se avistaram os protestos que pediam o fim das pedaladas fiscais, da corrupção, do empreguismo, do desgoverno, da descaracterização do Legislativo como poder representante da sociedade na geração do acervo legal que demonstra direitos e deveres dos cidadãos e estabelece obrigações do Estado; não se realçou mais a tão denunciada ineficiência do Poder Judiciário, frequentemente repreendido pela sua ausência ou demora no oferecimento das decisões que lhe são reclamadas, porque a justiça tardia é uma das formas mais graves de injustiça.

A Fiesp, a Fiemg, a CNI e demais entidades do gênero parecem estar acomodadas diante da apedrejada carga tributária e do poder fiscalizador do Estado, que não facilita a atividade industrial, nem o mercado interno. Nessa mesma inércia, aliás, estão igualmente penalizados todos os setores da indústria, do comércio e dos serviços. Os bancos, com o histórico de vantagens e benesses que administram, como um setor que nunca perde, também não reclamam. Esses nem poderiam.


Dilma foi tirada da Presidência depois de um longo período de desajustes, que transitavam do seu desacerto político à ampla e inequívoca incompetência para exercer-se como governante; ninguém mais duvida de que a responsabilidade de presidir os destinos de uma Nação, complexa como a brasileira, é uma tarefa muito maior do que sua capacidade. Faltaram-lhe grandeza e um entendimento mais articulado dos problemas brasileiros; faltou-lhe também maturidade política para se relacionar com um Congresso movido por motivos na sua grande maioria os mais escusos, os menos republicanos e, quase sempre, na contramão do genuíno interesse público.

Desses equívocos, muito ou quase tudo já se sabe; O Brasil está mergulhado num fosso profundo, de onde não se espera que saiamos tão cedo. Errou-se, erraram, erramos todos, e muito. A questão é: o que estão fazendo os que assumiram o poder?


Propôs-se a ampliação da meta fiscal para R$ 170,5 bilhões; em contrapartida, a redução do contingenciamento de despesas públicas de R$ 44,5 bilhões para R$ 21,5 bilhões. Deseja-se, e é justo, que o Estado possa voltar a oferecer serviços públicos de onde estava ausente. Quais são tais serviços, além dos que as camadas menos favorecidas gritam à exaustão nas portas dos postos de saúde, das escolas, dos órgãos de segurança que pouca ou nenhuma segurança geram?

União, Estados e municípios à míngua, literalmente quebrados: era o momento de se dar o aumento que foi oferecido horizontalmente ao funcionalismo federal? Que medidas o atual governo tomou para reduzir os cargos de confiança ocupados pelos deputados, senadores e partidos da sua base de apoio na Câmara e no Senado? Vai-se combater a corrupção com os serviços de um ministério cravejado de nomes que ainda respondem a suspeições porque o Judiciário e a polícia não tiveram a eficiência de seus serviços para alcançá-los? Que jogo, nós brasileiros, estamos jogando?

Como diria Mussum, fala Serys!

O pontapé inicial foi dado por uma senadora de nome impronunciável: Serys Slhessarenko. Envolvida com a máfia dos sanguessugas, esquema de fraudes em licitações na área da Saúde, Serys participou também da fundação do PT no Mato Grosso. Arrisco dizer que sem essas qualificações a semente que ela plantou jamais teria dado os frutos que o Moro colheu.

Seja como for, no ano de 2006, uma nuvem negra pairava sobre Brasília. O escândalo dos sanguessugas virou CPI, e a CPI recomendou a cassação de 72 parlamentares, dentre os quais a própria senadora. Um recorde que resiste até hoje.

Graças a Deus a ética dos nossos parlamentares nos salvou. Sem isso, o Brasil ainda seria o país da impunidade. Mas a nossa sorte estava mudando. Serys e todos os demais acusados foram absolvidos. Serys, inclusive, foi citada em matéria desabonadora da revista “Veja”, o que engrandeceu ainda mais a sua biografia petista.

Era maio de 2006, e nossa heroína ia de vento em popa. Com a fama que havia adquirido, como é que algum corrupto poderia imaginar que ela iria fazer o que fez?

Serys escolheu o dia 23 de maio, data em que Fidel se tornou o primeiro estrangeiro condecorado na União Soviética e que Simon Bolívar foi proclamado o Libertador da Venezuela, para agir. Na calada da noite, apresentou ao Senado o fatídico projeto de lei 150/06.

Seu objetivo? Dar efetividade jurídica ao uso da delação premiada na investigação dos crimes de corrupção no Brasil. Seus motivos? Fazer justiça? Fazer demagogia?

Seja como for, o projeto de Serys tramitou no Senado por três anos sem que nenhum dos corruptos lá presentes desconfiasse do poder destrutivo da matéria em questão, até ser enviado para a Câmara dos Deputados em 9 de dezembro de 2009, Dia Internacional da Luta contra a Corrupção.

O destino deu a dica, mas os corruptos comeram mosca. O 150/06 foi então renomeado PL 6.578/2009 e encaminhado para avaliação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.

A comissão se debruçou sobre o tema por três anos, sem perceber o mal que a espreitava, talvez por acreditar no DNA de sua autora. Foi assim que no dia 5 de dezembro de 2012, seis anos depois de sua criação, o projeto de Serys finalmente chegou ao plenário.

Ninguém sabe se foi suicídio ou burrice coletiva, mas o quorum e a maioria necessários para a sua aprovação foram garantidos pelo PT e pelo PMDB, a base parlamentar do governo de Dilma e de Temer.

Uma vez aprovado, o projeto retornou ao Senado, de onde foi remetido para sanção presidencial. Doze anos depois de ter nascido, no dia 1º de agosto de 2013, o projeto de Serys finalmente chegou às mãos da pessoa que Deus (ou será que foi Lula?) havia escolhido para recebê-lo: Dilma Rousseff. Não se sabe se Dilma leu ou não leu a papelada. Se leu, não entendeu, posto que sapecou-lhe o jamegão, sancionando assim a lei ordinária 12.850/2013.

Será que Serys, os senadores que aprovaram o PL 150/06, os deputados que votaram o PL 6.578/2009, e a presidenta que sancionou a lei 12.850/2013 sabiam o que estavam fazendo?

As evidências sugerem o contrário, tendo Dilma, inclusive, comparado os delatores da Lava-Jato a Joaquim Silvério dos Reis, o homem que traiu Tiradentes. Tenho certeza de que todos os corruptos da política brasileira se sentem traídos como ela, mas isso não justifica tamanha injustiça.

Não, a verdadeira traidora da classe política brasileira é a ex-senadora Serys Slhessarenko. Foi ela quem criou a lei da delação premiada, foi o pontapé dela que acertou o forevis da Dilma. A Cesar o que é de Cesar e a Serys o que é de Serys.

Que lhe sejam outorgadas as ordens do Barão do Rio Branco e do Cruzeiro do Sul. Foi ela quem nos libertou da classe política escrota que sempre nos fez de otários.

José Padilha

Diálogo sobre o monólogo

A necessidade de atormentar os outros é uma das necessidades morais da política. Tem seus códigos. Está baseada na ideia de que devemos cobrar de adversários o que não pode ser oferecido.

As imagens do político, segurando cartazes ofensivos nas costas de alguém que diz algo diferente do que ele, não reflete o desejo de mudar realidades sociais. Tenta dar valor documental à forma como enfrenta sua dificuldade de expressão; são imagens planejadas para serem vistas como limites de uma situação confusa. A correspondência com a verdade é desnecessária. Os meios de comunicação, enfeitiçados pelo acontecimento, consagram a mistura do fato com a versão.

O cartaz, uma propaganda manipuladora, é um cala a boca. Estereotipo da luta política em sua equação simplificadora: quem fala não presta, quem segura o cartaz presta. Estilisticamente, a revolta parlamentar brasileira está um horror de mau gosto. E quando a proposição simbólica dos movimentos políticos não se preocupa com a sua iconografia estamos distantes de causa que produza entusiasmo. O mero esforço físico de levantar o cartaz, para azucrinar a criatura que recebe, de um outro, atenção maior, não deveria exaurir o esforço intelectual de ter que explicar o segredo daquela grosseria. Ainda é impossível mapear a natureza desse fenômeno de insubmissão ao bom gosto. A “política cartaz” delimita território, escreve faixa, camisa, picha muro, um fato que tomou conta da expressão limitada do agente público.


A maior parte das ideias políticas em circulação segue pontos de vista corporativos, elitistas, anti-intelectuais. A ascensão das fraternidades, causas, frentes ou simples máfias, com o desaparecimento veloz do fundamento doutrinário, é mais capaz de arregimentar exércitos, do que programas, projetos e debates de caráter geral.

Como em um concurso de bandas o personagem está sempre no palco, um espetáculo que tem até propaganda no fundo e dominou as instituições da república. Como se a autoridade fosse um atleta, obrigado a dar entrevista na frente de um painel que informa que ele está devolvendo o cachê aos patrocinadores. Esse narcisismo incontrolável das instituições obriga o contribuinte a pagar para a autoridade fazer propaganda do seu dever.

Atualmente um político antiburguês de esquerda anda muito parecido com um antiburguês de direita. Mas usar retórica antipolítica para polarizar os baixos instintos que inundam a sociedade de massas é chover no molhado. Aumentou a incidência da cultura de bar, que sugere resolver todas as questões na briga ou no grito. Outra marca da vida atual é viver em gueto e só falar para quem já está convencido – uma sintonia fácil com a economia moral da multidão de minorias.

Sei que é um aparente contrassenso, mas o bom governante não deveria ter o mesmo ponto de vista do governado.

São muitas as expressões-código da luta política - e o cartaz que diz que o PT é o pior partido brasileiro é uma delas. Óh!, sabem que não é. Mas um período de silêncio de seus líderes ajudaria o momento. Como confundiu o Brasil na simpatia seria bom torcer pelos outros, ou sentir um pouco de remorso.

Ugland House e os barnabés

Você, que paga seus impostos em dia, já ouviu falar da Ugland House? Trata-se de um edifício de cinco andares situado na cidade de George Town, nas Ilhas Cayman - e que é sede, acredite, de 18.857 empresas.

Sobre este inacreditável prédio assim manifestou-se o presidente norte-americano Barack Obama: “trata-se do maior prédio do mundo ou do maior esquema de evasão de tributos do mundo”.

Fiquemos com a segunda opção, a da evasão de tributos. Será quando tomaremos contato com uma zona cinzenta da economia mundial que bate na casa dos US$ 21 trilhões.

As práticas utilizadas dentro deste mundo virtual são inúmeras - mas citemos uma delas, bem simples, apenas à guisa de exemplo: imagine-se proprietário de uma indústria que fabrica máscaras de palhaço, fazendo uso de uma dada patente também de sua propriedade.

Para fugir dos impostos, você simplesmente monta uma outra empresa em algum paraíso fiscal - pode ser lá no edifício Ugland House - e “vende” para ela a patente através da qual sua indústria fabrica máscaras de palhaço.

A partir deste momento, sua fábrica de máscaras de palhaço terá que remunerar esta outra empresa que você constituiu pelo uso da patente. E assim você pagará a si próprio pelo uso do que é seu, reduzindo seus impostos no mundo real e ganhando dinheiro praticamente livre de impostos - ou mesmo livre deles - lá no paraíso fiscal.

Esta é apenas uma das modalidades empregadas neste inacreditável mundo cinzento dos paraísos fiscais. Milhares de outras existem, no mais das vezes bem mais complexas e difíceis de detectar.

O curioso é que, quando tratamos deste tema, imediatamente pensamos em alguma ilhota lá do Caribe. Nada mais falso! Os maiores paraísos fiscais do planeta estão em endereços elegantes, frequentados por gente da mais fina cepa.

Só para começarmos a conversa, o maior paraíso fiscal do mundo está lá nos Estados Unidos da América. Trata-se do pequeno estado de Delaware, habitado por apenas 917.092 pessoas, mas que é sede de nada menos que 945.000 empresas. É como se cada habitante daquele estado tivesse uma empresa - e ainda sobrariam algumas para os que vierem a nascer...

Surpreso? Então citemos alguns outros participantes deste sinistro esquema: Luxemburgo, Suíça, Reino Unido, Irlanda, Cingapura e até a Bélgica! Como diz o povo mais humilde, “só gente fina”!

Diante deste verdadeiro “mundo paralelo”, alguns incautos se atrevem a “abrir o bico”. Um deles, por exemplo, acusou um conceituado banco europeu de colaborar com esquemas de evasão de impostos - acabou preso por policiais mascarados e amargou nada menos que seis meses em confinamento solitário, sem poder sequer receber visitas de sua família. Após este período foi solto, sem que tenha sido acusado de nada. Isto aconteceu lá na civilizada Europa.

Para encurtar a conversa, este sinistro “mundo cinzento” abriga dois milhões de empresas e responde por nada menos que 30% dos investimentos internacionais. Três quartos das 500 maiores empresas norte-americanas estão nele. Só as elites dos países em desenvolvimento - o nosso incluído - levaram para lá nada menos que US$ 9,3 trilhões. O interessante é que nossas leis quase nunca tratam os elegantes senhores que engendram tantos esquemas cavernosos como criminosos - afinal, parodiando Bernard Shaw, os pecados do ladrão são as virtudes dessa gente.

Mas mudemos de assunto: você já apresentou sua declaração de imposto de renda? Não vá esquecer!

Pedro Valls Feu Rosa

Pesquisadoras estão derrubando clichês sobre a política no Brasil


O brasileiro é racista e privilegia candidatos brancos ao votar. Políticos corruptos se mantêm no poder porque o eleitor é ignorante. Quem recebe Bolsa Família é conivente com o governo. ONGs são um ralo de dinheiro público no Brasil. Será?

A julgar pelos estudos de duas jovens pesquisadoras brasileiras em ciência política, não.

Natália Bueno e Nara Pavão, ambas de 32 anos, se destacam no meio acadêmico no exterior com pesquisas robustas que desmistificam chavões da política brasileira que alimentam debates em redes sociais e discussões de botequim.

Natural de Belo Horizonte (MG), Natália faz doutorado em Yale (EUA), uma das principais universidades do mundo. Em pouco mais de oito anos de carreira, acumula 13 distinções acadêmicas, entre prêmios e bolsas.

A pernambucana Nara é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Vanderbilt (EUA). Soma um doutorado (Notre Dame, EUA), dois mestrados em ciência política (Notre Dame e USP), 16 distinções.

Em comum, além da amizade e da paixão pela ciência política, está o interesse das duas em passar a limpo "verdades absolutas" sobre corrupção, comportamento do eleitor e políticas públicas no Brasil.
Eleitor é racista?

O Brasil é um país de desigualdades raciais - no mercado de trabalho, no acesso à educação e à saúde. Atraída pelo tema desde a graduação, Natália Bueno verificou se isso ocorre também na representação política.

O primeiro passo foi confirmar o que o senso comum já sugeria: há, proporcionalmente, mais brancos eleitos do que na população, e os negros são subrepresentados. Por exemplo, embora 45% da população brasileira (segundo o IBGE) se declare branca, na Câmara dos Deputados esse índice é de 80%.

E como a diferença foi mínima na comparação entre população e o grupo dos candidatos que não se elegeram, a conclusão mais rasteira seria: o brasileiro é racista e privilegia brancos ao votar.

Para tentar verificar essa questão de forma científica, Natália montou um megaexperimento em parceria com Thad Dunning, da Universidade da Califórnia (Berkeley). Selecionou oito atores (quatro brancos e quatro negros), que gravaram um trecho semelhante ao horário eleitoral. Expôs 1.200 pessoas a essas mensagens, que só variavam no quesito raça.

Resultado: candidatos brancos não tiveram melhor avaliação nem respondentes privilegiaram concorrentes da própria raça nas escolhas.

Mas se a discrepância entre população e eleitos é real, onde está a resposta? No dinheiro, concluiu Natália - ela descobriu que candidatos brancos são mais ricos e recebem fatia maior da verba pública distribuída por partidos e também das doações privadas.

A diferença média de patrimônio entre políticos brancos (em nível federal, estadual e local) e não brancos foi de R$ 690 mil. E em outra prova do poder do bolso nas urnas, vencedores registraram R$ 650 mil a mais em patrimônio pessoal do que os perdedores.

Políticos brancos também receberam, em média, R$ 369 mil a mais em contribuições de campanha do que não brancos. A análise incluiu dados das eleições de 2008, 2010 e 2014.

"Se a discriminação tem um papel (na desigualdade racial na representação política), ela passa principalmente pelas inequidades de renda e riqueza entre brancos e negros que afetam a habilidade dos candidatos negros de financiar suas campanhas", diz.
Corruptos estão no poder por que o eleitor é ignorante?

A corrupção é um tema central no debate político atual no Brasil. E se tantos brasileiros percebem a corrupção como problema (98% da população pensa assim, segundo pesquisa de 2014), porque tantos políticos corruptos continuam no poder?

A partir de dados de diferentes pesquisas de opinião - entre elas, dois levantamentos nacionais, com 2 mil e 1,5 mil entrevistados -, a recifense Nara Pavão foi buscar respostas para além do que a ciência política já discutiu sobre o tema.

Muitos estudos já mostraram que a falta de informação política é comum entre a população, e que o eleitor costuma fazer uma troca: ignora a corrupção quando, por exemplo, a economia vai bem.

"Mas para mim a questão não é apenas se o eleitor possui ou não informação sobre políticos corruptos, mas, sim, o que ele vai decidir fazer com essa informação e como essa informação vai afetar a decisão do voto", afirma a cientista política.

A pesquisa de Nara identificou um fator chave a perpetuar corruptos no poder: o chamado cinismo político - quando a corrupção é recorrente, ela passa ser vista pelo eleitor como um fator constante, e se torna inútil como critério de diferenciação entre candidatos.

Consequência: o principal fator que torna os eleitores brasileiros tolerantes à corrupção é a crença de que a corrupção é generalizada.

"Se você acha que todos os políticos são incapazes de lidar com a corrupção, a corrupção se torna um elemento vazio para você na escolha do voto", afirma Nara, para quem o Brasil está preso numa espécie de armadilha da corrupção: quão maior é a percepção do problema, menos as eleições servem para resolvê-lo.