terça-feira, 23 de outubro de 2018

O direito ao dissenso

 Assim como a alternância de poder, o direito ao dissenso é um dos pilares da democracia. Devido a isso, os ex-presidentes Collor de Mello e Dilma Rousseff foram afastados do poder — um renunciou antes de ser julgado, outra teve o impeachment aprovado pelo Congresso. E é graças ao direito ao dissenso que o deputado Jair Bolsonaro, a seis dias da eleição, é o franco favorito no segundo turno da disputa pela Presidência da República. Sua eleição, porém, caso ocorra, não será um cheque em branco. Nem o seria se houvesse vencido logo no primeiro turno.


Num ambiente empesteado pelas fake news e pelo ódio ideológico, o discurso de Jair Bolsonaro (via celular) aos manifestantes que o apoiavam na Avenida Paulista, no centro de São Paulo, e em outras cidades do país, corroborou as preocupações quanto à possível vocação autoritária de seu governo e os riscos que isso poderia oferecer à democracia no Brasil. Embora conhecida, a retórica radical do candidato vinha sendo suavizada, mas no domingo recrudesceu.

Bolsonaro adotou um tom ameaçador, num discurso duro, com o objetivo de agradar aos manifestantes, que não condiz com as responsabilidades de um candidato a presidente da República de um país democrático. Ameaçou os seus adversários com a prisão e o exílio, uma atribuição que lhe foge completamente, um dia depois de virem a público declarações infelizes de seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), dizendo que é possível fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) com a mobilização apenas de um cabo e um soldado.

Por muito pouco, o capitão reformado não exumou o velho bordão do regime militar após o Ato Institucional nº 5: “Brasil, ame ou deixe-o!”. Disse: “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”. Há duas interpretações para essa frase. A primeira: os adversários que respondem a processos ou cumprem pena na Lava Jato, como ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como qualquer cidadão brasileiro, têm direito ao devido processo legal, mesmo com os direitos políticos cassados. A segunda é mais preocupante: a esquerda brasileira é tratada como inimiga do Estado, o que representa uma ameaça às liberdades democráticas.

Bolsonaro é uma alternativa de poder. Como tal, gera expectativas de toda ordem. Por isso mesmo, tem responsabilidades que ultrapassam a de um candidato preocupado em agradar exclusivamente aos seus partidários ideológicos. Tanto isso é verdade que não venceu as eleições no primeiro turno, depende do apoio de uma parcela da sociedade que não o tinha como preferência e optou por outros candidatos. A deriva desse eleitorado para sua candidatura não é uma lei irrevogável de gravidade; se algo pode mudar os rumos da campanha é o medo de que seu governo leve de roldão o Estado de direito democrático.

Outra preocupação tem a ver com o equilíbrio entre os poderes. Engana-se quem pensa que um presidente da República pode tudo. Nosso presidencialismo é muito contingenciado pelo equilíbrio entre os poderes. Ainda que o novo Congresso venha a ter forte representação do PSL, a maior bancada eleita é dos “vermelhos”, cuja legitimidade está fora de discussão. O Congresso sempre será mais representativo do que qualquer presidente da República, pois foi eleito pelo conjunto da sociedade. Finalmente, há que se considerar o poder instalado, o Judiciário, que tem um papel moderador, segundo a Constituição. Pois é o Judiciário que está sendo afrontado e intimidado nesta reta final da eleição, ainda que para isso tenha contribuído bastante as chicanas que o PT vem promovendo, sistematicamente, desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado e preso. O Supremo Tribunal Federal (STF), tem razão o deputado Eduardo Bolsonaro, tem só uma caneta. Mas representa a espada da Justiça.

Retórica de guerra

A declaração do deputado Eduardo Bolsonaro sobre fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) é absurda e irresponsável, e se torna muito mais grave por se tratar do deputado federal mais votado da história do país, com 1.814.443 votos, e filho do provável eleito à Presidência da República, Jair Bolsonaro.

Estamos vivendo “tempos sombrios”, como adverte o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello. Tempos de retórica política leviana e agressiva. Tudo isso constrói um ambiente perigoso, que deve ser rechaçado por todos.


O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, disse em nota que “atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia”. É justamente esse o conceito que deve prevalecer, independentemente de quem faça o ataque, e da maneira que for. Mas essa agressividade antidemocrática na retórica da nossa política não começou agora.

O ex-presidente Lula, atualmente preso em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro, há muitos anos investe na retórica do “nós contra eles”, e estimula uma luta política que não respeita os adversários nem as instituições do país. Encontrou agora pela frente um populista de direita sem papas na língua, como ele, e o ambiente político do país ficou perigoso.

O deputado petista Wadih Damous, muito ligado a Lula, já disse explicitamente, há quatro meses, num vídeo postado em sua página no Facebook: “Tem de fechar o Supremo Tribunal Federal”. O deputado reclamava do ministro do STF Roberto Barroso, que, em julgamentos recentes, fora contra as posições da defesa de Lula.

Também o ex-ministro José Dirceu, outro condenado em liberdade condicional, falou recentemente em entrevista ao portal de notícias do Piauí 180 graus que “é preciso tirar todos os poderes do Supremo”. O ex-ministro também disse que é preciso mudar o nome da Corte. “Não sei por que chamam Supremo. Deveria ser só Corte Constitucional”, declarou.

Dirceu defendeu ainda que “Judiciário não é poder da República, é um órgão, mas se transformou em um quarto poder. Se o Judiciário assume poderes do Executivo e do Legislativo, caminhamos para o autoritarismo”.

A oito dias do julgamento do ex-presidente Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), quando foi confirmada sua condenação e, consequentemente, decretada sua prisão, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, disse ao site Poder 360 que, para Lula ser preso, “vai ter que prender muita gente, mais do que isso, vai ter que matar gente”.

Essa retórica de guerra havia sido inaugurada pelo próprio ex-presidente Lula. Alguns exemplos: no dia 20 de outubro de 2014, durante um ato de apoio à reeleição da presidente Dilma Rousseff em São Paulo, o ex-presidente voltou a um de seus passatempos prediletos, criticar a imprensa. Dessa vez, citou os nomes de Míriam Leitão, jornalista do GLOBO e da GloboNews, e William Bonner, editor-chefe e apresentador do “Jornal Nacional”, na Rede Globo.

Em outro ato, dessa vez no Teatro Oi Casagrande, no Rio, Lula voltou a ameaçar a mídia com o controle social, censura que o PT tentou diversas vezes nos governos Lula e continua sendo um ponto de seu programa hoje. Disse que a mídia teria que “trabalhar” para que ele não voltasse ao Poder, porque, quando voltasse, teríamos que nos preparar para a regulação.

Citou-me pessoalmente, dizendo que eu pedia sua prisão todos os dias, mas que teria que me preparar. Já em discurso no auditório da ABI, em fevereiro de 2015, em ato ironicamente chamado de apoio à Petrobras, Lula foi além do que já dissera, e afirmou: “Quero paz e democracia, mas também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas.”

Em agosto do mesmo ano, no salão nobre do Palácio do Planalto, na presença de cerca de mil integrantes de movimentos sociais ligados ao governo, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, radicalizou ao discursar em apoio à presidente Dilma Rousseff, alertando estar preparado para barrar qualquer tentativa de tirá-la do poder. “E isso implica, neste momento, ir para as ruas entrincheirados, com armas nas mãos, se tentarem derrubar a presidenta.”

Gente fora do mapa


Vencer e convencer

Mais difícil, mais humano e mais belo que vencer, é convencer.

Vencer está ao alcance dos animais, convencer, não...

O cupim consegue vencer a viga poderosa que sustenta o telhado. Parece incrível como bichinho tão pequeno consegue devorar por dentro madeira tão grossa. Numa briga de galos, o vitorioso deixa o colega e irmão galo vencido, de crista rasgada, de pescoço ensaguentado, não raro estrebuchando pelo chão e morrendo... Gato vence rato. As piranhas sangram e matam mesmo animais grandes como o boi e são capazes de liquidar tranquilamente uma criatura humana...



Claro que o homem também sabe vencer. Vence-se uma partida de damas ou de xadrez. Vence-se um jogo de futebol. Quem é mais forte, derruba e vence um adversário - pode até matá-lo e esfolá-lo...

Quando se diz que um Povo perdeu a guerra e outro venceu, isto quier dizer que quem venceu tinha razão e venceu porque teve a ajuda de Deus para vencer? De modo algum.

E hoje, não raro, é possível vencer uma guerra, e rrasados podem sair não só quem foi vencido, mas o próprio vencedor da guerra.

Quando os Pais, em casa, sem ouvir possíveis razões dos filhos, cortam qualquer discussão, e resolvem e decidem, por vezes esmagando a meninada, vencer, venceram mas não convenceram.

Em uma discussão, quando há quem tenha vozeirão mais forte, quiem sabe, maior poder dialético, não raro amigos que aplaudem, pode haver vencedores, sem que os vencidos saiam convictos...

Não se contentem em vencer. Tenham como desafio permanente convencer e não apenas vencer.

É evidente que em lugar de convencer posso ser convencido. E naão é vergonha nenhuma mudar de ideia, de posição, de ponto de vista, de conduta, se me convencerem de que estou enganado e que havia caminho melhor a seguir...

Para vencer numa discussão, vale o grito, vale até a ameaça... Para convencer, o ideal é que mão se trate de sofisma, o ideal é que ninguém queira me convencer, enganando-me,enrolando-me.

Para convencer, o ideal é que a pessoa esteja convicta, tenha calma, saiba apresentar os argumentos, saiba ouvir, reconheça toda a parte da razão que haja no adversário...

Lembram-se de terem vencido? E lembram-se de terem convencido?

Quem convence nem deve cantar vitória. A rigor, quem vence é a Verdade, é a Justiça. Quando muito, devo alegrar-me de ter ajudado meu Irmão a ver mais claro, a ver que eu estava vendo e ele não.

Experimentem a alegria de trocar sempre mais o vencer pelo convencer.

Estejamos todos, sempre mais, a serviço da verdade, da justiça e do amor. Aceitemos ser convencidos. E quando nos convencerem fiquemos humildes, não apenas por fora... A humildade que só existe por fora, é farisaica e triste. Quando nos couber convencer, tenhamos humildade por fora e por dentro... E alegremo-nos de ter servido à verdade, o que o mesmo que servir a Deus.

Dom Hélder Câmara

No tempo da mentira universal

O tempo das verdades plurais acabou. Agora vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias
José Saramago

Tempo de 'lacrar' a era da irresponsabilidade

Nesta eleição, contra quase tudo e quase todos, o povo brasileiro, promoveu uma grande faxina eleitoral. Se lamentamos a preservação de certos mandatos, simbolizados pelos de Renan Calheiros, Jader Barbalho e Ciro Nogueira, é forçoso reconhecer que sempre haverá eleitores com tais imagens e semelhanças. Por outro lado, três em cada quatro colegas da trinca sinistra foram devolvidos à planície. E muitos à justiça dos homens.

Diversos indicativos deste pleito sugerem haver chegado ao fim a era da irresponsabilidade. Até o indulgente e leniente STF será atingido com mudanças no seu perfil. Nos próximos quatro anos, duas ou três substituições por aposentadoria o conduzirão a alterações significativas. Isso poderá levar, entre outras consequências, à maior valorização da colegialidade e à coibição do uso abusivo de prerrogativas individuais por seus membros.

A era da irresponsabilidade quebrou o país. Impulsionado pela influência positiva de um ciclo de crescimento da economia mundial, o petismo fez explodir a despesa pública. Já no fim do ciclo, para preservar a bolha da aparente prosperidade geral, o próprio gasto das famílias passou a ser estimulado. Consequências: recessão, êxodo de investimentos, 14 milhões de desempregados, dívida da União próxima do PIB anual e, em julho deste ano, 63,4 milhões de brasileiros com contas atrasadas! São produtos da falta de juízo que casou o keynesianismo de alguns economistas de esquerda com o insaciável populismo eleitoreiro do petismo.

Simultaneamente, o aparelho estatal brasileiro, que já era tamanho XL, passou para a categoria XXL. Povoadas por companheiros, criaram-se 41 novas estatais. Na década petista anterior a 2015, o funcionalismo federal cresceu 28%. Contrataram-se centenas de obras que permanecem paralisadas. A irresponsável Copa de 2014, de tão má memória, desencadeou uma gastança altamente comissionada por todo o país (entre elas as famosas “obras da Copa”). A insanidade atingiu seu ápice com a simultânea realização dos Jogos Olímpicos que deixam reminiscências na crise do Rio de Janeiro e nas já ruinosas instalações esportivas.

A era da irresponsabilidade é um mostruário de lições penosas que – espera-se – tenham cumprido função pedagógica. O Estado brasileiro assumiu um peso insustentável. Também para ele falta dinheiro porque todo item de despesa criado pelo poder público adquire uma espécie de dimensão imanente da eternidade. Subsistirá até a ressurreição dos mortos. Daí a contenção de gastos. Daí, também, os crescentes bolsões de miséria salarial e material em serviços voltados ao atendimento da população nas áreas de segurança, saúde e educação. Simultaneamente, bem à moda da casa, preservam-se no aparelho de Estado núcleos de opulência que, por pura “coincidência”, correspondem aos centros de poder e decisão. Claro.

A mesma sociedade que, nos limites do possível, promoveu sua lava jato eleitoral precisa, agora, cobrar dos futuros detentores de poder todas as providências necessárias para “lacrar” em definitivo a era da irresponsabilidade.
Percival Puggina

Deixem o povo votar em paz!

Há três anos, o Partido dos Trabalhadores (PT) recorria à votação popular que escolhera Dilma Rousseff e Michel Temer para evitar a punição da primeira e a ascensão do segundo por descumprimento da lei, exigindo provas cabais dos crimes, desqualificando delações premiadas e fazendo pouco do Judiciário. Agora, seu candidato, o ventríloquo Lula encarnado no boneco Fernando Haddad, quer anular mais de 49 milhões de votos do adversário, Jair Bolsonaro, do PSL, com base numa notícia de jornal, sem nenhuma comprovação factual, de prováveis riscos que correriam as instituições após sua eventual posse. Seria um golpe se não fosse só mero delírio, talvez tremens: coisa de bêbado que conversa com poste, conforme a piada do capitão reformado e deputado de direita.

Vamos aos fatos. Em 2014, Dilma Rousseff e Michel Temer foram eleitos sob o peso do maior “disparo” de futricas (termo do português vulgar para definir a expressão, definida por Donald Trump e adotada pela esquerda colonizada como bandeira, fake news). Antônio Palocci, coordenador da campanha da primeira eleição do poste Dilma em 2010, contou em delação premiada que esta, por ele coordenada, custou R$ 600 milhões e a segunda, de 2014, R$ 800 milhões. Total: R$ 1 bilhão 400 milhões em propinas. Neste dinheirão não estão computados os milhões em dinheiro vivo empregados para corromper o candidato e chefe da entãosoi-disant oposição, Aécio Neves (PSDB-MG), segundo foi delatado por executivos de duas grandes empresas beneficiadas pelo populismo petista: a empreiteira Odebrecht e o grupo que se tornou o maior produtor e vendedor de proteína animal do mundo sob os auspícios do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o J&F. E parte não desprezível do montante denunciado financiou a sórdida campanha feita contra Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, acusada de cúmplice de banqueiros em assaltos à mesa do trabalhador brasileiro.

O PSDB, então já sócio da continuação do governo petista sob o vice do PMDB guindado ao poder pelo impeachment, Michel Temer, acusou os adversários de fraude. Na metade do mandato da chapa vencedora, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob Gilmar Mendes, absolveu-a. Conforme o atento relator do processo, ministro Herman Benjamin, não por falta, mas, na certa, “por excesso de provas”. Para alívio dos tucanos, que compartilharam do governo Temer, mas depois tentaram livrar-se do peso de sua impopularidade, o vice que virou chefe ainda tem mais dois meses e meio de mandato a cumprir até entregar o bastão na corrida de obstáculos ao vencedor do segundo turno da eleição, em 1.º de janeiro de 2019.

Durante todo este processo eleitoral a Nação convive com a ameaça do PT de que “eleição sem Lula é fraude”. Mas como o ex-aliado Cid Gomes, senador eleito pelo PDT no Ceará, avisou aos berros aos militantes aliados: “Lula está preso, babaca!”. Ainda assim, o TSE foi conivente com a divulgação de várias rodadas de pesquisa eleitoral que colocavam o preso condenado por furto e lavagem de dinheiro na liderança da preferência popular. Pregou no deserto quem, como o autor destas linhas, avisava que as pesquisas falseavam a verdade, porque o desapreço, para usar um termo módico, da população pelo taumaturgo de Caetés já superava, e muito, a devoção dos asseclas tornados devotos em capelinhas erigidas no mundo para culto dos grupos remanescentes do que restou da esquerda mundial.

No meio do processo, a indignação majoritária contra os 13 anos e meio de desgovernos de Lula e de seu poste sem luz Dilma descobriu a lanterna no fim do túnel no único candidato que atendia aos pré-requisitos básicos para a mudança: o capitão reformado e deputado federal Jair Bolsonaro. Afinal, só ele tinha chance de disputar o trono presidencial contra o PT, suas viúvas e seus aliados públicos ou secretos. Era também o único que não tinha motivos para se queixar de perseguição dos policiais retos, promotores probos e juízes honestos da primeira e da segunda instâncias responsáveis pela devassa e pelo julgamento do maior escândalo de corrupção da História: o mensalão, que continuaria como petrolão. E, last but not least (por último, mas não por menos, ou menas, como prefere fletir o padim Lula), o Quixote disponível para atacar o predomínio das bandeiras com as quais a esquerda conta agora para esconder o fiasco monumental da “luta de classes” de Marx e Engels, Lenin e Stalin: escola com partido, ideologia de gêneros e ecologia contra economia, entre outras.

Desde 2013, as manifestações espetaculares nas ruas, com a bandeira vermelha trocada pelo pavilhão verde-amarelo nos protestos contra “tudo o que está aí”, sinalizavam nessa direção, resultando no verão de 2018 com a moda do “não reeleja ninguém”. Mas os chefões partidários, ciosos da necessidade de garantir a própria impunidade com o foro de prerrogativa de função e outros privilégios, cercaram o forte da resistência com os escudos e armaduras de sempre: voto cativo da miríade da promiscuidade dos 35 partidos de aluguel autorizados pela tolerante “Justiça Eleitoral” (conforme ficou provado na Operação Lava Jato, quase todos), financiamento público bilionário de suas campanhas e o adiamento, se Deus permitir, para sempre da cláusula de barreiras para pôr fim à farra.

Com a aceitação pelo TSE da farsa do candidato oficial cobrindo a cara com a máscara do presidiário, então, o eleitorado em geral concluiu que a opção não seria entre pobres e ricos, direita e esquerda, democratas e nostálgicos da ditadura, mas, sim, entre o capitão e o ladrão. E ela passou a ser entendida e estendida a todos que não querem mais viver sob o jugo do PT, acostumados a FlaXFlu, rinhas de galo e queda de braço.

O PT e Lula foram escorraçados em vários Estados no segundo turno e só não o foram no primeiro da presidencial mercê de ajudas de Ciro Gomes, que queria ser terceira via e teve de se contentar com o terceiro lugar, e de Geraldo Alckmin, que quis encarnar a democracia, mas foi só um anestesista incapaz de ressuscitar a velha política, ao exumá-la. Os outros não tiveram sequer votos suficientes para povoar este parágrafo.

Outra evidência está aí à mão e me envergonho de ser o primeiro a chamar a atenção, de tão lógica que é. Convido os que tremiam de pavor quando viam Lula liderando as pesquisas enquanto o TSE não lhe dava o merecido pontapé no traseiro a me responderem a duas questões. Primeira: se o candidato real do PT disputaria na condição de favorito, por que Fernando Haddad aposentou a máscara de barba que adotou para conquistar os votos dos súditos dele? Segunda: será mera coincidência a rejeição ao candidato fake do PT ter ficado um ponto dentro do terreno da inviabilidade (51,4% na pesquisa CNT-MDA), à medida que cresce o conhecimento do eleitor de sua conexão com o que realmente disputa?

Diante do abismo, Haddad/Lula apelou para duas asas coladas no escolhido com cera, como Ícaro. A primeira é a sombra da ditadura. A eleição virou disputa entre a maioria de eleitores fascistas, neofascistas ou até nazistas contra democratas, representados por signatários de manifestos da “boa causa” e defensores de políticos e burocratas acusados de crime de colarinho-branco. O professor de Ciências Políticas da Universidade Federal de Pernambuco Jorge Zaverucha escreveu sensato artigo no Globo, no sábado, intituladoHisteria, reduzindo essa teoria a pó com dados da História, e não da ficção populista da tigrada. Resumo-o numa sentença simples e lógica: “Bolsonaro sabe que, em caso de golpe, pode perder o emprego, pois um general da ativa tomaria as rédeas do poder”.

Agora o PT apela para o tapetão a partir de uma notícia de jornal dando conta de que os mais de 49 milhões de eleitores no primeiro turno foram levados a esse “desatino” pelo disparo de WhatsApps financiado por caixa 2 de empresas engajadas no antipetismo, que ameaça tomar o poder pelo voto. Em sua coluna diária na Folha de S.Paulo, Hélio Schwartsman escreveu no sábado 20 o seguinte: “Mentiras, rumores e boatos sempre assombraram eleições. A novidade agora é que, com as redes sociais, eles circulam com muito mais rapidez e atingem muito mais gente. Em algumas circunstâncias, quando a disputa é apertada e a corrente de desinformação surge nos últimos instantes, fake news podem definir o resultado do pleito. Não devemos, porém, atribuir poderes mágicos à manipulação eleitoral”.

Mistificação e desespero. Ora, ora, deixem o povo votar em paz!

Brasil de domingo


Bolsonaro precisa parar de industrializar o ódio

Jair Bolsonaro e seu círculo de filhos e colaboradores produzem declarações que poderiam ter sido planejadas no Quartel General do petista Fernando Haddad, que se empenha em pregar no adversário-capitão as pechas de miliciano e golpista. A poucos dias da eleição que testará a confiabilidade das pesquisas que o colocam sentado na cadeira de Presidente da República, Bolsonaro não consegue produzir nada além de raiva.

Respira-se na campanha um ar eletrificado. Versão nacional de Donald Trump, Bolsonaro diz que as urnas eletrônicas estão sujeitas a fraudes. Seu vice, o general Hamilton Mourão, sonha com uma Constituição redigida por sábios. E um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonado, diz que “pra fechar o STF basta um cabo e um soldado.”

Embora declare estar “com uma mão na faixa”, Bolsonaro comporta-se não como um futuro presidente, mas como um soldado. No domingo, discursou num telão para uma multidão de apoiadores concentrados na Avenida Paulista. Prometeu ''uma limpeza nunca vista na história desse Brasil''. Categórico, declarou: ''Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil''.

Bolsonaro ainda não notou, mas tem inimigos mais perigosos à sua frente: uma crise fiscal sem precedentes, uma economia anestesiada e 12,7 milhões de desempregados. Perder uma eleição é fácil. Difícil é saber vencer. O primeiro passo é parar de industrializar o ódio.

As palavras já eram

Hoje as torturas são chamadas de “procedimento legal”, a traição se chama “realismo”, o oportunismo se chama “pragmatismo”, o imperialismo se chama “globalização” e as vítimas do imperialismo se chamam “países em via de desenvolvimento” . O dicionário também foi assassinado pela organização criminosa do mundo. As palavras já não dizem o que dizem ou não sabemos o que dizem
Eduardo Galeano

Divisão no Judiciário

A eleição presidencial cristalizou uma divisão política e ideológica na cúpula do Judiciário.

Parte dos juízes entende ser necessário agir de imediato contra qualquer iniciativa do Executivo ou do Legislativo que contenha laivos de uma visão autoritária, com potencial ameaça à ordem democrática.

É nesse contexto que ocorreram as duras reações dos ministros do Supremo Celso de Mello e Alexandre de Moraes, ontem, sobre a “fórmula” para fechar o STF, apresentada pelo ex-policial e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Moraes abandonou a habitual discrição e pediu em público um inquérito contra o deputado, filho do candidato presidencial líder nas pesquisas. Levantou a suspeita de crime de incitação a golpe de Estado, previsto na Lei de Segurança Nacional.

Outros integrantes do comando do Judiciário seguem por trilha distinta. Ofereceram ao candidato Bolsonaro uma ponte para o futuro. Ela lhe permitiria irradiar as ideias sobre a regressão nos direitos civis nos tribunais federais e superiores.

Se as negociações avançarem, é provável que a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 contenha uma reserva para criação de novos tribunais federais.

Assim, o novo governo teria espaço para nomear quase uma centena de juízes na segunda instância e nos tribunais superiores. As escolhas, obviamente, obedeceriam à afinidade com um plano conservador nos costumes e liberal na economia.

Nessa conversa, até agora, rebarbaram-se os custos políticos e o bolso de quem paga a conta. Abstraiu-se o fato de que o Brasil mantém a Justiça mais cara do planeta.

O Judiciário consome 1,3% do Produto Interno Bruto. Significa despesa anual de R$ 364 (US$ 91) no bolso de cada um dos 208 milhões de habitantes. Esse nível de gasto com a Justiça só existe na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e tem renda cinco vezes maior.

A perspectiva de poder aumenta o custo do antiliberalismo de Jair Bolsonaro.

As eleições e a crise

A sociedade brasileira ainda não se deu conta da gravidade e da profundidade da crise em que o País se encontra e dos desafios que o novo governo deverá enfrentar. As demandas internas são semelhantes às que tiveram influência decisiva nas eleições americanas, na Argentina, na Colômbia e no México: descontentamento generalizado com a corrupção em todos os níveis, com a crescente violência, a pobreza e desigualdade entre as pessoas e regiões.

A percepção da injustiça (enquanto muitos trabalham, outros continuam a roubar), da falência do Estado (que cresceu muito, aumenta impostos e oferece serviços ineficientes), da desordem pública (com a desobediência às leis), do custo e do tempo perdido com a burocracia crescente, entre outros fatores, gerou o clima que, como em outros países, fez com que os eleitores “ficassem contra tudo que está aí”. As preocupações se concentraram sobretudo na necessidade de estabilidade econômica, austeridade fiscal e governança da administração pública. A nossa carga tributária é uma das maiores do mundo, a economia permanece fechada e a desindustrialização afeta todos os setores. O País dividido entre “nós e eles”, a classe política, o Congresso e mesmo o Judiciário com baixo nível de aceitação pela opinião pública expuseram as flagrantes deficiências do governo.


Na campanha eleitoral deste ano os candidatos pouco enfocaram esses temas, tampouco demonstraram liderança política clara que pensasse e atuasse com visão de futuro para indicar os caminhos do crescimento e do emprego. Alguns temas passaram longe das preocupações dos candidatos. Defesa, política externa, comércio exterior e meio ambiente deveriam ter estado entre os itens prioritários das agendas, até pelo impacto que têm sobre a soberania do País, para a voz do Brasil no cenário internacional, para a indústria e para o emprego e a tranquilidade do cidadão.

O Brasil está em situação extremamente desfavorável para alcançar um lugar relevante e de peso diante de um mundo em rápida transformação e cada vez mais imprevisível: perdemos poder e influência, isolamo-nos dos principais fluxos dinâmicos do comércio e da economia mundiais, seguimos atrasados em termos de absorção e geração de inovação e tecnologia, além do fato de nos últimos 20 anos termos crescido bem abaixo da média global.

Nesse quadro de desalento, aumentam as frustrações e os mais pessimistas se apressam a decretar que o Brasil fracassou como Nação, como povo, como sociedade, como Estado e como governo. Mais pobre, com mais de 13 milhões de desempregados e com um nível de conflito social nunca visto, o Brasil está sem uma liderança que tenha visão de futuro e ponha o interesse nacional acima de tudo.

As eleições de 7 de outubro deram uma última oportunidade à sociedade brasileira para, pensando no País, acima de interesses pessoais ou político-partidários (o que é difícil, convenhamos, no atual cenário), escolher um candidato que pudesse comprometer-se com uma agenda de modernização, propondo reformas profundas na economia, na política e na sociedade. Que representasse uma mudança de mentalidade e tivesse uma visão de médio e longo prazos. Que se comprometesse com uma reforma do papel do Estado, a começar pela redução de gastos, diminuição do número de ministérios, pelo fim dos privilégios (mordomias, carros e residências oficiais) das corporações e pelo corte do número de cargos públicos nos três Poderes. Que tivesse de fato tolerância zero com a corrupção em todos os níveis e promovesse medidas para acelerar a aplicação da lei, dentro dos princípios democráticos. Que se comprometesse com a simplificação da vida dos cidadãos e das empresas, executando uma política que eliminasse o peso crescente da burocracia. Um governo que realmente se dedicasse a melhorar os serviços públicos, tão deficientes e precários nos campos da educação, da saúde e do transporte.

A crise agravou a polarização e o sectarismo. A sociedade brasileira, na sua maioria, votou com raiva contra a política, o PT e o establishment. Prevaleceu a vontade de soluções radicais para coibir a violência e a corrupção. Ganharam os extremos populistas e desapareceu o centro moderado.

Qualquer decisão dos eleitores, no segundo turno, terá um impacto profundo na vida política, econômica e social do País, com efeitos sobre a próxima geração. A dar crédito aos programas de governo apresentados e às declarações em entrevistas e nos debates pelo rádio e pela televisão, a sociedade brasileira vai decidir entre um modelo com o Estado forte, com a revogação das reformas conseguidas nos últimos dois anos, com uma economia fechada, ou vai optar, pela primeira vez, por uma direita que tentará aprovar uma agenda ultraliberal, com a redução do papel do Estado e a abertura da economia, e medidas conservadoras na área dos valores e costumes, que poderão acentuar a tensão com as minorias.

Nos dois casos, o País poderá ser conduzido para a radicalização e o autoritarismo, com um possível choque com o Congresso e o Judiciário. Por isso foram positivas as recentes declarações de Jair Bolsonaro e de Fernando Haddad no sentido do fortalecimento da democracia, da crítica à violência baseada em raça, crença ou sexo, pela liberdade de imprensa e com o chamamento para o fim da polarização interna.

O futuro presidente da República não terá alternativa senão seguir a trilha da moderação, na tentativa de evitar o agravamento do “nós contra eles”. O candidato que perder terá de reconhecer, dentro das regras democráticas, o resultado das urnas e ajudar a pôr fim à campanha de descrédito contra o Brasil no exterior.

Se esse caminho não for seguido, começaremos escrever a crônica de mais uma crise política e econômica anunciada.