segunda-feira, 24 de julho de 2017
Trair e cassar, é só...
Temer é um incompreendido. Aumentou imposto e disse que a população compreenderia. Não compreendeu. Talvez porque no programa que lançou sua candidatura presidencial para o establishment - a "Ponte para o futuro" -, o então vice empregou 11 vezes a palavra "impostos", no plural e no singular, e em nenhuma delas com o intuito de aumentá-los. Ao contrário, prometeu fazer de tudo para reduzi-los. Percebe-se agora que, além de superfaturada, a tal ponte era um estelionato eleitoral.
Estelionato porque levou ao lado oposto do que prometera aos patrocinadores. E eleitoral porque foram os compromissos assumidos naquele documento - espécie de "carta ao empresariado brasileiro" - que ajudaram a garantir, direta ou indiretamente, os votos parlamentares necessários para o vice destronar sua companheira de chapa. Nisso que dá confiar na Turma do Pudim.
"Mas o governo aprovou a reforma trabalhista". O Congresso aprovou a reforma trabalhista. O governo desfará parte da reforma ao ressuscitar o imposto sindical. Em um governo fraco, como o de Temer, os grupos de pressão mais fortes mandam e desmandam no Congresso. Foram diferentes lobbies que aprovaram as reformas que quiseram bem como privilégios que estão explodindo o déficit público e, por tabela, aumentando impostos.
Tudo isso tem um sobrepreço, ainda mais caro do que a apropriação de uma fatia progressivamente maior do orçamento federal por segmentos regressivamente menores da população. O custo intangível é o descrédito das instituições e dos governantes. A última linha desse balanço será cobrada da democracia. Por enquanto, porém, quem paga é quem manda.
Há novas pesquisas de avaliação do governo federal no forno. Nem é preciso ver os relatórios para prever os resultados. Temer vai bater todos os recordes de impopularidade de seus antecessores. Talvez seja por isso que Sarney insiste em lhe dar tantos conselhos - para se livrar da pecha de presidente mais impopular da história da opinião pública brasileira. Vai conseguir.
Em setembro de 2016, quando o despencar temerário no precipício da impopularidade ainda parecia só um tropeço, a área mais mal avaliada do governo já era a tributária: 77% dos brasileiros ouvidos pelo Ibope para a CNI desaprovavam o desempenho do peemedebista no que se referia a impostos. Isso foi antes de o desemprego explodir, de a renda cair e de o crédito sumir.
Imagine agora. Além de aguentar tudo isso, o cidadão vai lembrar do presidente toda vez que abastecer o carro com gasolina. "Onde eu encontro o que o Temer fez? Lá no posto Ipiranga."
Quem mais se incomoda com o aumento dos impostos e em pagar mais caro pelos combustíveis não é exatamente o eleitor de Lula. Esse já desprezava Temer e sua turma. O segmento da população mais sensível às mordidas do Leão é o que acreditou que Dilma caiu por causa das pedaladas fiscais. Ou seja, o presidente traiu a confiança justamente de com quem talvez ainda pudesse contar.
Por mais essa, Temer deve deixar de ser vice de Sarney e se tornar o presidente campeão brasileiro de impopularidade. Garantirá seu lugar na história, pelo menos até o PMDB voltar a governar o Brasil - o que só ocorre quando um presidenciável é ingênuo o bastante para aceitar um peemedebista como vice.
Como repercutirá no Congresso esse provável recorde de Temer? Os deputados que se elegem graças a currais herdados de seus familiares talvez se importem menos. Mas aqueles que disputam voto em colégios eleitorais competitivos terão que pesar a carga de carregar o governo nas costas e sopesá-la com os agrados recebidos de Temer. Não será surpresa se acabar em traição.
Estelionato porque levou ao lado oposto do que prometera aos patrocinadores. E eleitoral porque foram os compromissos assumidos naquele documento - espécie de "carta ao empresariado brasileiro" - que ajudaram a garantir, direta ou indiretamente, os votos parlamentares necessários para o vice destronar sua companheira de chapa. Nisso que dá confiar na Turma do Pudim.
"Mas o governo aprovou a reforma trabalhista". O Congresso aprovou a reforma trabalhista. O governo desfará parte da reforma ao ressuscitar o imposto sindical. Em um governo fraco, como o de Temer, os grupos de pressão mais fortes mandam e desmandam no Congresso. Foram diferentes lobbies que aprovaram as reformas que quiseram bem como privilégios que estão explodindo o déficit público e, por tabela, aumentando impostos.
Tudo isso tem um sobrepreço, ainda mais caro do que a apropriação de uma fatia progressivamente maior do orçamento federal por segmentos regressivamente menores da população. O custo intangível é o descrédito das instituições e dos governantes. A última linha desse balanço será cobrada da democracia. Por enquanto, porém, quem paga é quem manda.
Há novas pesquisas de avaliação do governo federal no forno. Nem é preciso ver os relatórios para prever os resultados. Temer vai bater todos os recordes de impopularidade de seus antecessores. Talvez seja por isso que Sarney insiste em lhe dar tantos conselhos - para se livrar da pecha de presidente mais impopular da história da opinião pública brasileira. Vai conseguir.
Em setembro de 2016, quando o despencar temerário no precipício da impopularidade ainda parecia só um tropeço, a área mais mal avaliada do governo já era a tributária: 77% dos brasileiros ouvidos pelo Ibope para a CNI desaprovavam o desempenho do peemedebista no que se referia a impostos. Isso foi antes de o desemprego explodir, de a renda cair e de o crédito sumir.
Imagine agora. Além de aguentar tudo isso, o cidadão vai lembrar do presidente toda vez que abastecer o carro com gasolina. "Onde eu encontro o que o Temer fez? Lá no posto Ipiranga."
Quem mais se incomoda com o aumento dos impostos e em pagar mais caro pelos combustíveis não é exatamente o eleitor de Lula. Esse já desprezava Temer e sua turma. O segmento da população mais sensível às mordidas do Leão é o que acreditou que Dilma caiu por causa das pedaladas fiscais. Ou seja, o presidente traiu a confiança justamente de com quem talvez ainda pudesse contar.
Por mais essa, Temer deve deixar de ser vice de Sarney e se tornar o presidente campeão brasileiro de impopularidade. Garantirá seu lugar na história, pelo menos até o PMDB voltar a governar o Brasil - o que só ocorre quando um presidenciável é ingênuo o bastante para aceitar um peemedebista como vice.
Como repercutirá no Congresso esse provável recorde de Temer? Os deputados que se elegem graças a currais herdados de seus familiares talvez se importem menos. Mas aqueles que disputam voto em colégios eleitorais competitivos terão que pesar a carga de carregar o governo nas costas e sopesá-la com os agrados recebidos de Temer. Não será surpresa se acabar em traição.
O silêncio das ruas do Brasil
Um presidente extremamente impopular que tenta aprovar reformas rejeitadas pela maioria da população; escândalos de corrupção envolvendo diretamente o próprio ocupante do Planalto; economia que dá sinais apenas tímidos de recuperação; apoio parlamentar sendo largamente negociado com verbas e loteamento de cargos; pesquisas que apontam que a maioria da população deseja eleições diretas.
Diante de cenários com bem menos elementos, os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff tiveram que enfrentar multidões que foram às ruas do Brasil para pedir suas cabeças.
Por que então Michel Temer, que foi gravado em uma conversa comprometedora com um empresário e amarga popularidade de apenas 7% (segundo último levantamento do Datafolha) não está sofrendo com grandes protestos tal como ocorreu com seus antecessores?
Temer enfrentou em seu governo algumas manifestações convocadas por centrais sindicais contra as reformas ou concentrações de apoio à Lava Jato. Mas todas as iniciativas tiveram adesão que ficou longe dos números registrados ao longo de 2015 e início de 2016. Uma greve geral organizada no final de junho acabou sendo um evento esvaziado, mesmo após a apresentação da denúncia criminal contra o presidente. Mais de 2.500 policiais foram convocados para acompanhar manifestantes em Brasília, mas pouca gente apareceu.
O mesmo se repetiu nos dias do julgamento da Chapa Dilma-Temer pela Justiça Eleitoral, no julgamento pelo Supremo sobre a permanência de Edson Fachin como relator da delação da JBS e após a divulgação do fim da força-tarefa da Polícia Federal em Curitiba que se encarregava dos casos da Lava Jato.
O silêncio das ruas tem chamado a atenção da imprensa internacional. O jornal Süddeutsche Zeitung, da Alemanha, chegou a publicar em junho que é "surpreendente que não haja milhões nas ruas para exigir a saída de Temer.” Sensação de "fadiga” e "apatia” foram algumas das palavras usadas por jornais estrangeiros para explicar a passividade das ruas diante dos escândalos e da insatisfação com o governo.
À DW Brasil, o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, com sede em Washington, opina que "fadiga” não é a definição mais precisa para explicar o que está acontecendo. "Não é que as pessoas não queiram protestar, mas elas estão sendo desencorajadas pela conjuntura”, afirma.
Segundo Hakim , muitos que protestaram contra Dilma desejam a saída de Temer, mas agora hesitam em sair porque isso pode beneficiar o PT e Lula – aqueles que foram originalmente alvo de protestos.
"A polarização da sociedade continua a desempenhar um papel que impede as pessoas de se unirem. Já o PT e parte da esquerda que convoca protestos transformam regularmente seus atos em um ‘volta, Lula', e não em um ‘Fora, Temer' ou algo que aponte para uma solução política eficaz que seja capaz atrair mais pessoas”, completa o brasilianista.
Ainda de acordo com Hakim, isso cria um efeito em que "muitas pessoas acabam ficando com a sensação de que a ação política não está resolvendo a situação”. "Não há liderança, não há ninguém que seja capaz de apresentar uma direção ou novas ideias. As pesquisas mostram que a maioria das pessoas quer eleições diretas, mas fica claro elas também não sabem o que vai acontecer na sequência. Nesse meio tempo, ninguém quer fazer algo que acabe beneficiando o outro lado.”
Diante de cenários com bem menos elementos, os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff tiveram que enfrentar multidões que foram às ruas do Brasil para pedir suas cabeças.
Por que então Michel Temer, que foi gravado em uma conversa comprometedora com um empresário e amarga popularidade de apenas 7% (segundo último levantamento do Datafolha) não está sofrendo com grandes protestos tal como ocorreu com seus antecessores?
Temer enfrentou em seu governo algumas manifestações convocadas por centrais sindicais contra as reformas ou concentrações de apoio à Lava Jato. Mas todas as iniciativas tiveram adesão que ficou longe dos números registrados ao longo de 2015 e início de 2016. Uma greve geral organizada no final de junho acabou sendo um evento esvaziado, mesmo após a apresentação da denúncia criminal contra o presidente. Mais de 2.500 policiais foram convocados para acompanhar manifestantes em Brasília, mas pouca gente apareceu.
O mesmo se repetiu nos dias do julgamento da Chapa Dilma-Temer pela Justiça Eleitoral, no julgamento pelo Supremo sobre a permanência de Edson Fachin como relator da delação da JBS e após a divulgação do fim da força-tarefa da Polícia Federal em Curitiba que se encarregava dos casos da Lava Jato.
O silêncio das ruas tem chamado a atenção da imprensa internacional. O jornal Süddeutsche Zeitung, da Alemanha, chegou a publicar em junho que é "surpreendente que não haja milhões nas ruas para exigir a saída de Temer.” Sensação de "fadiga” e "apatia” foram algumas das palavras usadas por jornais estrangeiros para explicar a passividade das ruas diante dos escândalos e da insatisfação com o governo.
À DW Brasil, o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, com sede em Washington, opina que "fadiga” não é a definição mais precisa para explicar o que está acontecendo. "Não é que as pessoas não queiram protestar, mas elas estão sendo desencorajadas pela conjuntura”, afirma.
Segundo Hakim , muitos que protestaram contra Dilma desejam a saída de Temer, mas agora hesitam em sair porque isso pode beneficiar o PT e Lula – aqueles que foram originalmente alvo de protestos.
"A polarização da sociedade continua a desempenhar um papel que impede as pessoas de se unirem. Já o PT e parte da esquerda que convoca protestos transformam regularmente seus atos em um ‘volta, Lula', e não em um ‘Fora, Temer' ou algo que aponte para uma solução política eficaz que seja capaz atrair mais pessoas”, completa o brasilianista.
Ainda de acordo com Hakim, isso cria um efeito em que "muitas pessoas acabam ficando com a sensação de que a ação política não está resolvendo a situação”. "Não há liderança, não há ninguém que seja capaz de apresentar uma direção ou novas ideias. As pesquisas mostram que a maioria das pessoas quer eleições diretas, mas fica claro elas também não sabem o que vai acontecer na sequência. Nesse meio tempo, ninguém quer fazer algo que acabe beneficiando o outro lado.”
Entre os principais movimentos que pediram a saída de Dilma em 2015 e 2016, a mensagem adotada nas convocações dos protestos esvaziados deste ano tem, por enquanto, passado longe de um "Fora, Temer”, sendo substituída pela defesa da Lava Jato e repúdio às medidas de anistia para políticos envolvidos com corrupção.
Já o lado que defendeu Dilma tem mostrado oficialmente repúdio às reformas de Temer e pedido eleições diretas para presidente. Mas os eventos muitas vezes se transformam em palco para comícios do ex-presidente Lula, que não esconde o desejo de voltar ao poder.
Segundo o professor de gestão de políticas públicas Pablo Ortellado, da USP, a explicação para a falta de protestos mais incisivos pode ser explicada também pelo comprometimento e agenda de interesses das lideranças que têm a influência para fazer grandes mobilizações.
"Não acho que seja fadiga, não há uma pesquisa que não demonstre insatisfação. O que parece claro é que as lideranças que tem conquistaram legitimidade para mobilizar manifestações, seja na esquerda ou na direita, não estão se empenhando na organização de novos protestos”, diz.
Segundo Ortellado, essas lideranças de ambos os lados "estão altamente comprometidas com o sistema político, que naturalmente não está interessada em manifestações”.
"É preciso muito esforço para mobilizar, são os poucos os grupos que conseguem fazer isso. Mas justamente esses atores têm feito pouco ou nenhum esforço. As lideranças dos grupos que pediram a saída de Dilma deixaram claro que defendem as reformas econômicas de Temer, então não querem que o presidente saia.”
"Já na esquerda petista e nos sindicatos ligados ao partido, a falta de empenho ficou nítida na última e esvaziada greve geral", continua o especialista. "Esses grupos adotam um discurso oficial de ‘Fora, Temer', mas é possível especular que a manutenção do presidente interessa aos políticos aos quais eles são ligados. Quanto mais impopular Temer fica, mais Lula conquista a preferência do eleitorado. Então é interessante que eles deixem Temer sangrando até 2018. O presidente atual também está empenhando em fazer reformas similares àquelas que a própria Dilma propôs no final do seu governo. Dessa forma, também é conveniente deixar outro presidente enfrentar o desgaste de aprová-las.”
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Já o lado que defendeu Dilma tem mostrado oficialmente repúdio às reformas de Temer e pedido eleições diretas para presidente. Mas os eventos muitas vezes se transformam em palco para comícios do ex-presidente Lula, que não esconde o desejo de voltar ao poder.
Segundo o professor de gestão de políticas públicas Pablo Ortellado, da USP, a explicação para a falta de protestos mais incisivos pode ser explicada também pelo comprometimento e agenda de interesses das lideranças que têm a influência para fazer grandes mobilizações.
"Não acho que seja fadiga, não há uma pesquisa que não demonstre insatisfação. O que parece claro é que as lideranças que tem conquistaram legitimidade para mobilizar manifestações, seja na esquerda ou na direita, não estão se empenhando na organização de novos protestos”, diz.
Segundo Ortellado, essas lideranças de ambos os lados "estão altamente comprometidas com o sistema político, que naturalmente não está interessada em manifestações”.
"É preciso muito esforço para mobilizar, são os poucos os grupos que conseguem fazer isso. Mas justamente esses atores têm feito pouco ou nenhum esforço. As lideranças dos grupos que pediram a saída de Dilma deixaram claro que defendem as reformas econômicas de Temer, então não querem que o presidente saia.”
"Já na esquerda petista e nos sindicatos ligados ao partido, a falta de empenho ficou nítida na última e esvaziada greve geral", continua o especialista. "Esses grupos adotam um discurso oficial de ‘Fora, Temer', mas é possível especular que a manutenção do presidente interessa aos políticos aos quais eles são ligados. Quanto mais impopular Temer fica, mais Lula conquista a preferência do eleitorado. Então é interessante que eles deixem Temer sangrando até 2018. O presidente atual também está empenhando em fazer reformas similares àquelas que a própria Dilma propôs no final do seu governo. Dessa forma, também é conveniente deixar outro presidente enfrentar o desgaste de aprová-las.”
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Parlamentarismo e importação de ideias
Volta e meia, imerso em crises, o País vê-se confrontado com propostas de reforma política voltadas para a implementação do parlamentarismo. É como se, por um passe de mágica, todos os problemas fossem suscetíveis de equacionamento simples, com base na mera troca de sistema de governo.
O problema é que as instituições parlamentaristas funcionam muito bem no âmbito dos princípios ou em seus países de origem. Mas não necessariamente quando transplantadas para países com tradições e História distintas.
A questão, muito bem analisada na obra de Oliveira Vianna, consiste na refração das ideias e no deslocamento das instituições. Teria sentido simplesmente importar um sistema de governo? Seria ele “importável”? As ideias ganham, nesse processo, outro significado, a despeito de guardarem a aparência de sua significação anterior. Os “importadores” podem até ter a melhor das intenções, mas seus efeitos podem não corresponder ao que foi projetado.
Operando em outro contexto institucional e conforme outra História, produzem-se consequências que não se verificariam em seus países de origem. A depender do modo de utilização das ideias, elas podem vir a produzir grandes deslocamentos políticos. Como pode uma ideia constitucional vingar em países de tradição totalmente diferente? De que valem comparações se elas não levarem em conta o contexto histórico de implementação dessas ideias?
Há uma certa tendência na política brasileira de opção por grandes transformações, em vez de mudanças graduais que observem os vários contextos particulares de sua concretização. O parlamentarismo pressupõe partidos políticos organizados, com doutrina própria, que disputem a opinião pública segundo as suas concepções; procurem conhecê-la e persuadi-la do bem fundado em seus projetos. Não devem ser meros agregados de pessoas e interesses, mas ter um propósito válido para toda a coletividade.
Ora, observamos na cena política brasileira um forte componente fisiológico, e mesmo de corrupção, que faz a representação política ser falseada, ou seja, submetida a trocas dos mais diferentes tipos para que propostas coletivas sejam aprovadas. A aprovação de reformas passa por negociações que nada têm de republicanas, embora sejam de interesse nacional.
Imagine-se, num sistema parlamentarista, o não atendimento desse tipo de demanda. Ele não repercutiria somente na não aprovação de um projeto, mas produziria um voto de desconfiança, podendo levar à queda do Gabinete de governo. Dado o caráter inorgânico dos partidos políticos brasileiros, poderíamos ter vários primeiros-ministros no transcurso do ano.
De nada adiantam grandes ideias se não vierem acompanhadas de medidas básicas que seriam de muita valia para um melhor regime republicano. Pense-se, por exemplo, que um novo governante deveria, por sua vez, substituir os milhares de cargos comissionados, criando total balbúrdia na administração pública. Aliás, necessita o País de tal número de cargos?
É evidente que a inexistência de cláusula de barreira para a criação de partidos políticos é um poderoso estímulo à fragmentação partidária, tornando difícil qualquer organização. A observação histórica mostra que, tanto em sistemas de governo presidencialistas como parlamentaristas, poucos partidos fortes são de natureza a produzir estabilidade governamental.
Tampouco são favorecidas as instituições se essa pletora de partidos for organizada sob a forma de eleições proporcionais e, dependendo da aliança, o voto num partido redundar na escolha de outro. A proibição de coligações partidárias seria um poderoso instrumento de depuração do sistema político, produzindo um mínimo de organicidade. Haveria coincidência entre a representação política e a partidária.
Agora, na contramão de qualquer depuração, estamos vendo nascer propostas de financiamento público de eleições estimadas em mais de R$ 5 bilhões. Num país em séria crise econômica não deixa de ser um escárnio. Tome-se o caso da França. As perdas dos socialistas e republicanos, por suas derrotas legislativas, são estimadas em torno de poucas dezenas de milhões de reais, já feita a conversão. O partido de Emmanuel Macron ganhou em torno de 80 milhões. Os patamares, comparativamente, são para nós muito baixos. No Brasil fala-se de bilhões de reais como se fosse apenas o necessário, da mesma forma que a nossa corrupção é de país rico, sempre calculada em bilhões.
Partidos deveriam ser financiados, enquanto entidades privadas, por seus membros e simpatizantes. Deveriam fazer um esforço de coleta de doações, permitidas a pessoas físicas pela nova legislação.
Considerando que não há nenhuma organicidade partidária, parte-se agora, dada a proibição da contribuição empresarial, para o financiamento público, que é originário de impostos. Tirar-se-ia do orçamento da saúde, da educação ou da habitação, por exemplo, para financiar os partidos.
Hoje se sabe, graças à Lava Jato, que os recursos de empresas só aparentemente eram privados; na verdade, eram resultado da corrupção, do desvio de recursos públicos. Graças a esse esquema político perverso, os espetáculos políticos midiáticos puderam ser realizados. A opinião pública, despreparada, comprou a mensagem que lhe foi oferecida. A política tornou-se assunto de marqueteiros, mercadores de imagens pagos a peso de ouro.
Oliveira Vianna, em seu célebre livro o Ocaso do Império, assinala que no Segundo Reinado os partidos se haviam tornado “simples agregados de clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do Poder”. Ou, ainda: “Os programas que ostentavam eram, na verdade, simples rótulos, sem outra significação que a de rótulos”. Parece que está falando dos dias de hoje.
Como pode vingar um sistema representativo sem partidos dignos desse nome?
O problema é que as instituições parlamentaristas funcionam muito bem no âmbito dos princípios ou em seus países de origem. Mas não necessariamente quando transplantadas para países com tradições e História distintas.
A questão, muito bem analisada na obra de Oliveira Vianna, consiste na refração das ideias e no deslocamento das instituições. Teria sentido simplesmente importar um sistema de governo? Seria ele “importável”? As ideias ganham, nesse processo, outro significado, a despeito de guardarem a aparência de sua significação anterior. Os “importadores” podem até ter a melhor das intenções, mas seus efeitos podem não corresponder ao que foi projetado.
Operando em outro contexto institucional e conforme outra História, produzem-se consequências que não se verificariam em seus países de origem. A depender do modo de utilização das ideias, elas podem vir a produzir grandes deslocamentos políticos. Como pode uma ideia constitucional vingar em países de tradição totalmente diferente? De que valem comparações se elas não levarem em conta o contexto histórico de implementação dessas ideias?
Há uma certa tendência na política brasileira de opção por grandes transformações, em vez de mudanças graduais que observem os vários contextos particulares de sua concretização. O parlamentarismo pressupõe partidos políticos organizados, com doutrina própria, que disputem a opinião pública segundo as suas concepções; procurem conhecê-la e persuadi-la do bem fundado em seus projetos. Não devem ser meros agregados de pessoas e interesses, mas ter um propósito válido para toda a coletividade.
Imagine-se, num sistema parlamentarista, o não atendimento desse tipo de demanda. Ele não repercutiria somente na não aprovação de um projeto, mas produziria um voto de desconfiança, podendo levar à queda do Gabinete de governo. Dado o caráter inorgânico dos partidos políticos brasileiros, poderíamos ter vários primeiros-ministros no transcurso do ano.
De nada adiantam grandes ideias se não vierem acompanhadas de medidas básicas que seriam de muita valia para um melhor regime republicano. Pense-se, por exemplo, que um novo governante deveria, por sua vez, substituir os milhares de cargos comissionados, criando total balbúrdia na administração pública. Aliás, necessita o País de tal número de cargos?
É evidente que a inexistência de cláusula de barreira para a criação de partidos políticos é um poderoso estímulo à fragmentação partidária, tornando difícil qualquer organização. A observação histórica mostra que, tanto em sistemas de governo presidencialistas como parlamentaristas, poucos partidos fortes são de natureza a produzir estabilidade governamental.
Tampouco são favorecidas as instituições se essa pletora de partidos for organizada sob a forma de eleições proporcionais e, dependendo da aliança, o voto num partido redundar na escolha de outro. A proibição de coligações partidárias seria um poderoso instrumento de depuração do sistema político, produzindo um mínimo de organicidade. Haveria coincidência entre a representação política e a partidária.
Agora, na contramão de qualquer depuração, estamos vendo nascer propostas de financiamento público de eleições estimadas em mais de R$ 5 bilhões. Num país em séria crise econômica não deixa de ser um escárnio. Tome-se o caso da França. As perdas dos socialistas e republicanos, por suas derrotas legislativas, são estimadas em torno de poucas dezenas de milhões de reais, já feita a conversão. O partido de Emmanuel Macron ganhou em torno de 80 milhões. Os patamares, comparativamente, são para nós muito baixos. No Brasil fala-se de bilhões de reais como se fosse apenas o necessário, da mesma forma que a nossa corrupção é de país rico, sempre calculada em bilhões.
Partidos deveriam ser financiados, enquanto entidades privadas, por seus membros e simpatizantes. Deveriam fazer um esforço de coleta de doações, permitidas a pessoas físicas pela nova legislação.
Considerando que não há nenhuma organicidade partidária, parte-se agora, dada a proibição da contribuição empresarial, para o financiamento público, que é originário de impostos. Tirar-se-ia do orçamento da saúde, da educação ou da habitação, por exemplo, para financiar os partidos.
Hoje se sabe, graças à Lava Jato, que os recursos de empresas só aparentemente eram privados; na verdade, eram resultado da corrupção, do desvio de recursos públicos. Graças a esse esquema político perverso, os espetáculos políticos midiáticos puderam ser realizados. A opinião pública, despreparada, comprou a mensagem que lhe foi oferecida. A política tornou-se assunto de marqueteiros, mercadores de imagens pagos a peso de ouro.
Oliveira Vianna, em seu célebre livro o Ocaso do Império, assinala que no Segundo Reinado os partidos se haviam tornado “simples agregados de clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do Poder”. Ou, ainda: “Os programas que ostentavam eram, na verdade, simples rótulos, sem outra significação que a de rótulos”. Parece que está falando dos dias de hoje.
Como pode vingar um sistema representativo sem partidos dignos desse nome?
A miséria da esquerda
Os intelectuais petistas começam a admitir em voz alta aquilo que seus colegas militantes apenas murmuravam aqui e ali: a esquerda - como eles a entendem - é totalmente dependente de Lula da Silva para existir como força eleitoral. Sem o demiurgo petista e suas bravatas demagógicas, reconhecem esses amuados ativistas, os partidos do dito “campo popular” dificilmente serão capazes de comover os eleitores com seu discurso estatizante, baseado na puída tese marxista da luta de classes. Ou alguém acredita que Dilma Rousseff, que se julga herdeira de Leonel Brizola e seu esquerdismo terceiro-mundista, teria sido eleita e reeleita presidente da República não fosse seu padrinho?
“Impedir o PT de ter um candidato competitivo a um ano do pleito equivale a banir a esquerda da vida política”, sentenciou o professor de História da USP e autor do livro História do PT, Lincoln Secco, em recente entrevista ao Estado. Segundo Secco, “a esquerda não tem plano B sem o Lula”. Mais do que isso: o professor petista considera que, “sem apoio do Lula, nenhum candidato da esquerda se viabiliza”.
O professor Secco não está sozinho nessa avaliação. A sentença do juiz federal Sérgio Moro que condenou Lula a mais de nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro teve o condão de fazer com que outros militantes manifestassem sua preocupação com o futuro eleitoral da esquerda, depois de mais de uma década de bonança petista. Para essa turma, é preciso começar a encarar a vida sem Lula na cédula de votação em 2018.
O mais curioso desse diagnóstico é que Lula da Silva jamais foi de esquerda. Sua carreira como líder sindical e depois como político se notabilizou pelo oportunismo desbragado. “Eu nunca fui um esquerdista”, disse o chefão petista em 2006, quando era presidente, buscava a reeleição e tinha de convencer o mercado de que nada mudaria na condução prudente da política econômica. Já quando precisa insuflar a militância esquerdista, Lula não tem dúvida em bradar, como fez no mais recente congresso do PT, que é necessário fazer “a esquerda voltar a governar o País”. Cabe aos ingênuos escolher em qual Lula se deve acreditar.
Diante da perspectiva muito concreta de passar os próximos anos na cadeia, Lula da Silva parece ter intuído que o melhor a fazer no momento é travestir-se de esquerdista, vociferando palavras de ordem contra o capital, a imprensa e a classe média, de modo a eletrizar os tolos que ainda se dispõem a defendê-lo, a despeito de todas as evidências. Sua intenção é óbvia: transformar seu julgamento em um caso político, como se sua condenação judicial, acompanhada de carradas de provas, fosse uma ação da “direita”, interessada em destruir as chances eleitorais da “esquerda”.
Essa encenação para engambelar esquerdistas bocós conta com a participação ativa da cúpula do PT, ciente, é claro, do risco de ver o partido encolher drasticamente nas próximas eleições caso Lula não possa concorrer. No mais recente encontro do Foro de São Paulo - o notório convescote de partidos esquerdistas da América Latina que acabam de se reunir em Manágua -, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, disse que “a direita reacionária e golpista não descansa” em seu intento de “destruir o PT e impedir que o maior líder popular brasileiro, Lula, seja nosso candidato nas eleições presidenciais de 2018”. Segundo a petista, “mais do que nunca necessitamos de um governo de esquerda de volta ao nosso país”. No mesmo discurso, sem ruborizar, a senadora aproveitou para se solidarizar com as ditaduras da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua.
A estratégia petista de vincular o destino de Lula ao da esquerda - não só brasileira, mas latino-americana - parece estar funcionando bem, a julgar pelo lamento dos esquerdistas que já se consideram órfãos do chefão petista. Isso só comprova a miséria do pensamento dito “progressista” no País. Afinal, se essa esquerda, para existir, depende de um rematado demagogo condenado por corrupção, então é mesmo o caso de considerá-la moralmente extinta.
“Impedir o PT de ter um candidato competitivo a um ano do pleito equivale a banir a esquerda da vida política”, sentenciou o professor de História da USP e autor do livro História do PT, Lincoln Secco, em recente entrevista ao Estado. Segundo Secco, “a esquerda não tem plano B sem o Lula”. Mais do que isso: o professor petista considera que, “sem apoio do Lula, nenhum candidato da esquerda se viabiliza”.
O mais curioso desse diagnóstico é que Lula da Silva jamais foi de esquerda. Sua carreira como líder sindical e depois como político se notabilizou pelo oportunismo desbragado. “Eu nunca fui um esquerdista”, disse o chefão petista em 2006, quando era presidente, buscava a reeleição e tinha de convencer o mercado de que nada mudaria na condução prudente da política econômica. Já quando precisa insuflar a militância esquerdista, Lula não tem dúvida em bradar, como fez no mais recente congresso do PT, que é necessário fazer “a esquerda voltar a governar o País”. Cabe aos ingênuos escolher em qual Lula se deve acreditar.
Diante da perspectiva muito concreta de passar os próximos anos na cadeia, Lula da Silva parece ter intuído que o melhor a fazer no momento é travestir-se de esquerdista, vociferando palavras de ordem contra o capital, a imprensa e a classe média, de modo a eletrizar os tolos que ainda se dispõem a defendê-lo, a despeito de todas as evidências. Sua intenção é óbvia: transformar seu julgamento em um caso político, como se sua condenação judicial, acompanhada de carradas de provas, fosse uma ação da “direita”, interessada em destruir as chances eleitorais da “esquerda”.
Essa encenação para engambelar esquerdistas bocós conta com a participação ativa da cúpula do PT, ciente, é claro, do risco de ver o partido encolher drasticamente nas próximas eleições caso Lula não possa concorrer. No mais recente encontro do Foro de São Paulo - o notório convescote de partidos esquerdistas da América Latina que acabam de se reunir em Manágua -, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, disse que “a direita reacionária e golpista não descansa” em seu intento de “destruir o PT e impedir que o maior líder popular brasileiro, Lula, seja nosso candidato nas eleições presidenciais de 2018”. Segundo a petista, “mais do que nunca necessitamos de um governo de esquerda de volta ao nosso país”. No mesmo discurso, sem ruborizar, a senadora aproveitou para se solidarizar com as ditaduras da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua.
A estratégia petista de vincular o destino de Lula ao da esquerda - não só brasileira, mas latino-americana - parece estar funcionando bem, a julgar pelo lamento dos esquerdistas que já se consideram órfãos do chefão petista. Isso só comprova a miséria do pensamento dito “progressista” no País. Afinal, se essa esquerda, para existir, depende de um rematado demagogo condenado por corrupção, então é mesmo o caso de considerá-la moralmente extinta.
A crise do corporativismo
A Era Vargas sempre foi um tema controverso na história do Brasil. Nélson Werneck Sodré e Hélio Jaguaribe, por exemplo, viram a Revolução de 1930 como um movimento de classes médias, fruto das contradições econômicas entre esses setores médios da sociedade e os grandes fazendeiros que controlavam a República Velha. Wanderley Guilherme dos Santos e Ruy Mauro, em contraponto, foram os primeiros a defender a tese de que, na verdade, resultou da cisão da burguesia nacional e da ascensão da burguesia industrial ao aparelho do Estado.
Na década de 1970, Boris Fausto publicou tese sobre a Revolução de 1930, caracterizada como o resultado do conflito intraoligárquico, no qual movimentos militares dissidentes liquidaram a hegemonia da burguesia cafeeira. Em virtude da incapacidade de as demais frações de classe assumirem o poder de maneira exclusiva, e com o colapso da burguesia do café, abriu-se um espaço vazio que possibilitou o surgimento de um “Estado de compromisso”, fruto de um grande acordo entre as várias frações de classe e “aqueles que controlam as funções do governo”, sem vínculos de representação direta.
No ambiente de radicalização política da década de 1930, que resultou na II Guerra Mundial, embora o Brasil tenha tomado o lado dos Aliados, Vargas flertou com o fascismo de Mussolini. Isso se traduziu no golpe de 1937 e na implantação do chamado Estado Novo, a forma institucional que encontrou para o tal “Estado de compromisso”, a pretexto de combater a ameaça comunista. Ao lado do patrimonialismo e do clientelismo, velhos conhecidos, emergiu no Brasil o corporativismo, consagrado pelo jurista Francisco Campos, na Constituição de 1937.
Na década de 1970, Boris Fausto publicou tese sobre a Revolução de 1930, caracterizada como o resultado do conflito intraoligárquico, no qual movimentos militares dissidentes liquidaram a hegemonia da burguesia cafeeira. Em virtude da incapacidade de as demais frações de classe assumirem o poder de maneira exclusiva, e com o colapso da burguesia do café, abriu-se um espaço vazio que possibilitou o surgimento de um “Estado de compromisso”, fruto de um grande acordo entre as várias frações de classe e “aqueles que controlam as funções do governo”, sem vínculos de representação direta.
No ambiente de radicalização política da década de 1930, que resultou na II Guerra Mundial, embora o Brasil tenha tomado o lado dos Aliados, Vargas flertou com o fascismo de Mussolini. Isso se traduziu no golpe de 1937 e na implantação do chamado Estado Novo, a forma institucional que encontrou para o tal “Estado de compromisso”, a pretexto de combater a ameaça comunista. Ao lado do patrimonialismo e do clientelismo, velhos conhecidos, emergiu no Brasil o corporativismo, consagrado pelo jurista Francisco Campos, na Constituição de 1937.
No corporativismo, o poder Legislativo é atribuído a corporações representativas dos interesses econômicos, industriais ou profissionais, por meio de representantes de sindicatos de trabalhadores e patronais, associações de comércio, indústria e agricultura, academias, universidades e etc. Conhecida como “Polaca”, a nova constituição ampliou os poderes de Vargas. A inexistência de um partido que intermediasse a relação entre o povo e o Estado não impediu o ditador de construir uma ampla rede de apoio, por meio de mecanismos de controle e da negociação política com os caciques regionais.
Além disso, a nova legislação trabalhista, inspirada na Carta Del Lavoro, garantiu o apoio dos sindicatos, até então tratados como caso de polícia. Ao conter o conflito de interesses entre trabalhadores e empresários, Vargas criou condições favoráveis ao desenvolvimento do setor industrial brasileiro. Foram criadas a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (1943) e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945). Entre os novos órgãos criados pelo governo, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que era responsável por controlar os meios de comunicação da época, o novo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) deu origem a uma nova burocracia, menos afeita ao tráfico de influências, às práticas nepotistas e a outras regalias.
Em 1943, um documento intitulado Manifesto dos Mineiros, assinado por intelectuais e influentes figuras políticas, exigiu o fim do Estado Novo e a retomada da democracia. Vargas criou uma emenda constitucional que permitia a criação de partidos políticos e anunciava novas eleições para 1945. Em 1945, com o fim da II Guerra, a saída de Vargas tornou-se inevitável, mas não é o caso de tratar disso aqui. O que nos interessa destacar é o legado corporativista que lhe garantiu um mandato como senador, entre 1945 e 1951, e o retorno ao poder nas eleições de 1951.
O corporativismo sobreviveu ao suicídio de Vargas, na crise de 1954, e ao golpe ocorrido 10 anos depois. O regime militar se utilizou de sindicatos patronais e de trabalhadores, dependentes do imposto sindical criado por Vargas e da Justiça do Trabalho, e ainda ampliou a alta burocracia federal, que adotou uma ideologia tecnocrática para legitimar o apoio ao autoritarismo. O corporativismo na burocracia estatal, com a formação de núcleos de excelência em órgãos públicos e empresas estatais, ganhou ainda mais força com a democratização, graças aos Poderes e direitos adquiridos com a Constituição de 1988. Na verdade, a alta burocracia estatal, para manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas.
Isso resultou na acumulação de mordomias, privilégios e altos salários por esses setores, equivalentes aos executivos das empresas privadas, ao contrário da grande massa de servidores responsáveis diretos pela prestação de serviços à população que tiveram salários aviltados. Parte da crise de financiamento do Estado brasileiro decorre desses privilégios, principalmente, na Previdência, que garante aposentadorias com vencimento integral, incorporando gratificações, muito acima do que recebem os trabalhadores que se aposentam no setor privado. Agora, com a crise fiscal, tudo isso entrou em xeque.
Além disso, a nova legislação trabalhista, inspirada na Carta Del Lavoro, garantiu o apoio dos sindicatos, até então tratados como caso de polícia. Ao conter o conflito de interesses entre trabalhadores e empresários, Vargas criou condições favoráveis ao desenvolvimento do setor industrial brasileiro. Foram criadas a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (1943) e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945). Entre os novos órgãos criados pelo governo, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que era responsável por controlar os meios de comunicação da época, o novo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) deu origem a uma nova burocracia, menos afeita ao tráfico de influências, às práticas nepotistas e a outras regalias.
Em 1943, um documento intitulado Manifesto dos Mineiros, assinado por intelectuais e influentes figuras políticas, exigiu o fim do Estado Novo e a retomada da democracia. Vargas criou uma emenda constitucional que permitia a criação de partidos políticos e anunciava novas eleições para 1945. Em 1945, com o fim da II Guerra, a saída de Vargas tornou-se inevitável, mas não é o caso de tratar disso aqui. O que nos interessa destacar é o legado corporativista que lhe garantiu um mandato como senador, entre 1945 e 1951, e o retorno ao poder nas eleições de 1951.
O corporativismo sobreviveu ao suicídio de Vargas, na crise de 1954, e ao golpe ocorrido 10 anos depois. O regime militar se utilizou de sindicatos patronais e de trabalhadores, dependentes do imposto sindical criado por Vargas e da Justiça do Trabalho, e ainda ampliou a alta burocracia federal, que adotou uma ideologia tecnocrática para legitimar o apoio ao autoritarismo. O corporativismo na burocracia estatal, com a formação de núcleos de excelência em órgãos públicos e empresas estatais, ganhou ainda mais força com a democratização, graças aos Poderes e direitos adquiridos com a Constituição de 1988. Na verdade, a alta burocracia estatal, para manter os privilégios, aliou-se à elite política e fechou os olhos para o clientelismo e o patrimonialismo, quando não incorreu nas mesmas práticas.
Isso resultou na acumulação de mordomias, privilégios e altos salários por esses setores, equivalentes aos executivos das empresas privadas, ao contrário da grande massa de servidores responsáveis diretos pela prestação de serviços à população que tiveram salários aviltados. Parte da crise de financiamento do Estado brasileiro decorre desses privilégios, principalmente, na Previdência, que garante aposentadorias com vencimento integral, incorporando gratificações, muito acima do que recebem os trabalhadores que se aposentam no setor privado. Agora, com a crise fiscal, tudo isso entrou em xeque.
Cinco receitas para a saúde global
A saúde mundial passou por uma revisão nas Nações Unidas. Diagnóstico? Ainda apresenta sintomas negativos, mas está melhorando. “Apesar dos avanços, não devemos esquecer que 400 milhões de pessoas ainda carecem de acesso a serviços básicos de saúde. Muitas caem em situação de pobreza porque têm que pagar de seu próprio bolso pelo atendimento médico. Ainda há muito o que fazer”, resumiu Nata Menabde, diretora da agência da Organização Mundial da Saúde nos Estados Unidos, durante o exame do número três dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na sede da ONU, em Nova York.
Os detalhes dos dados recolhidos no último relatório de acompanhamento da chamada Agenda 2030, por ser essa a data para se alcançar as metas que nela estão inseridas, foram expostos por Francesca Perucci, da divisão de estatística da ONU. A mortalidade materna caiu 37% entre 2000 e 2015. “No entanto, 303.000 mulheres ainda morrem durante a gravidez ou o parto a cada ano”, afirmou Perucci. Um avanço similar ocorreu com a morte de crianças menores de cinco anos, que declinou 40% no mesmo período. “Mas entre cinco e nove faleceram em 2015”, ressalvou a estatística. Mas, em meio às congratulações, há um pouco mais a dizer: “Para conseguir o Objetivo marcado nesses quesitos, o ritmo de melhora tem que ser mais do dobro”.
Quanto às doenças transmissíveis, também há boas e más notícias. Por um lado, a incidência do HIV declinou 46%. “Mesmo na África subsaariana, embora sua prevalência continue sendo a mais alta do mundo”, observou a estatística. “A nota negativa é que a taxa aumenta na América do Norte e Europa”, acrescentou. Também caiu o restante de doenças infecciosas, segundo dados do estudo. “Vemos isso na redução de 41% na incidência da malária”, especificou. E de tuberculose, de 17% até 2015. Nesse ano, 1,6 bilhão de pessoas requereu tratamento para alguma das 18 doenças esquecidas, 21% menos que em 2010.
Esta é a radiografia que deixaram os 15 anos de esforços conjuntos para melhorar a saúde global no âmbito dos Objetivos do Milênio. Agora cabe redobrar esforços. Literalmente, porque o ritmo das melhorias não serve para curar o paciente por completo. O que se pode fazer então? O que os especialistas prescrevem? Estas são as receitas de representantes da sociedade civil citados no Painel Político de Alto Nível, realizado na semana passada para examinar uma seleção de objetivos. É a vez da saúde.Morrer de modo prematuro de doenças não transmissíveis – cardiovasculares, respiratórias, diabetes ou câncer – é hoje mais improvável que no início do século. Concretamente, “o risco de falecer entre os 30 e os 70 por esses males baixou de 23% para 19% entre 2000 e 2015”, afirmou Perucci.
“A cobertura de saúde universal é necessária por uma questão de igualdade”, disse Michael Myers, diretor geral da Fundação Rockefeller. “E a igualdade não ocorre por si só, tem que haver a intenção de alcançá-la para chegar aos mais desfavorecidos da sociedade, aos abandonados, incluindo as mulheres e as meninas. Isto não ocorre automaticamente por termos um belo programa. Temos que buscar isso projetando programas, executando políticas para chegar a essas populações, do contrário, continuarão abandonadas”, ressaltou.
“Devemos olhar para o futuro, não só abordar o presente”, sentenciou Myers. “É claro que há muitas questões urgentes das quais não devemos nos esquecer; mas... citando os amigos canadenses: ‘Devemos patinar para onde vai o disco, não de onde vem’.”. Com essas palavras o filantropo se referia à necessidade de combater problemas como as mudanças climáticas e a contaminação ambiental. “Eles afetam a saúde das pessoas”. E o farão ainda mais, disse ele, se não os solucionarmos já. Nessa luta contra o aquecimento global, Marie Hauerslev, vice-presidente para assuntos exteriores da Federação de Associaçnoes de Estudantes de Medicina, vê uma “oportunidade” para melhorar o bem-estar geral: “Por exemplo, quando se promove o transporte público para reduzir as emissões e, com isso, a contaminação ambiental”.Olhar para o futuro
Outra prova da necessidade de olhar a longo prazo, segundo Myers, é que “as doenças não transmissíveis diminuíram, mas as projeções destacam que podem subir conforme os países melhoram seu nível de vida. Por isso deveríamos abordar esta questão agora, antes que os números comecem a subir”.
Hauerslev se referiu também à importância da promoção da saúde sexual e reprodutiva. “É preciso equipar os jovens com o conhecimento, habilidades, atitudes e valores de que necessitam para desfrutar de sua sexualidade e prevenir as doenças sexualmente transmissíveis. Em última análise, que possam tomar decisões informadas sobre sua sexualidade. Para conseguir os ODS, precisamos de serviços de planejamento familiar, o que inclui o acesso a contraceptivos e ao aborto seguro”, afirmou. A jovem foi muito concreta em suas propostas. Mais uma: que cada vez que uma política seja submetida a aprovação, os legisladores levem em conta quais as implicações da decisão sobre a saúde da população
.
“Temos que trabalhar de maneira multi-setorial. Sabemos que os ODS são uma oportunidade para fazer isso porque é impossível obtê-los isoladamente, sem envolver os demais setores”, sintetizou Myers uma ideia que foi repetida sessão após sessão. “Vemos isso na educação. Um dos investimentos mais importantes em saúde é a educação das meninas, não especificamente na área de saúde mas em formação geral”, afirmou. Trata-se de um assunto que ele conhece bem, porque a Fundação Rockefeller trabalhou estreitamente com economistas para avaliar os benefícios de investir na saúde: “Sabemos que ter acesso a água limpa e saneamento é importante. Este é o número 6. Também importante a energia limpa, especialmente para prevenir doenças respiratórias e cardiovasculares, assim como vários tipos de câncer. Este é o número 7. Como dissemos, o meio ambiente tem muito a ver com o bem-estar, e tem a ver com os Objetivos 13, 24 e 15”.
“Sem o apoio da sociedade civil não teríamos obtido avanços, por exemplo, na cobertura de saúde universal, apesar de todas as nossas resoluções”, acrescentou Nata Menabde, da OMS, à exposição de Myers.
Vontade e coerência política. Essas são as demandas da jovem representante dos estudantes de medicina. Por exemplo, disse ela, para “aumentar os impostos sobre o cigarro e outros produtos nocivos” e investir o que for arrecadado em saúde. Ou, ao contrário, baixar os preços de alimentos saudáveis, como frutas e verduras, mediantes subsídios, continuou. “Temos que reconhecer que estas são questões políticas. Está relacionado com a maneira como se organizam os recursos econômicos nacionais e internacionais”, destacou Myers. Mas não basta dizer que a saúde é o que importa. “No setor, sabemos que temos que ser mais sofisticados na defesa da saúde. Por isso trabalhamos com economistas, para evidenciar que pelo menos 24% do crescimento dos países de renda baixa e média se deva aos investimentos realizados em saúde”, acrescentou.
Foi Rachel Cohen, diretora executiva regional da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas, quem dedicou seus cinco minutos de intervenção a este assunto. “Nos últimos anos há um consenso entre os tomadores de decisão políticos de que o sistema de incentivos para a pesquisa biomédica não funciona”, disse. A especialista criticou o fato de milhões de pessoas não poderem adquirir os medicamentos de que precisam por causa de “seus preços impossíveis”.
“Sem abordar este assunto não será possível reduzir a mortalidade materna e infantil, ou diminuir a incidência de doenças contagiosas e não contagiosas, assim como outros ODS”, alertou. “Precisamos que o processo de pesquisa coloque as pessoas no centro e não só o retorno econômico. Precisamos que exista uma colaboração científica, não uma competição. Precisamos que utilizem todas as forças e capacidades de investigação em todo o mundo e não só em um punhado de países”, enumerou. E além disso, que esse processo seja liderado por instituições públicas que garantam que o retorno é para a população.
Cohen não deu trégua à indústria farmacêutica em seu discurso: “Os países têm que apoiar políticas coerentes que desvinculem os custos de pesquisa dos preços dos medicamentos. Disseram-nos que a única maneira de incentivar o investimento em pesquisa é aumentar os preços dos remédios. Não aceitemos isso”.
Os detalhes dos dados recolhidos no último relatório de acompanhamento da chamada Agenda 2030, por ser essa a data para se alcançar as metas que nela estão inseridas, foram expostos por Francesca Perucci, da divisão de estatística da ONU. A mortalidade materna caiu 37% entre 2000 e 2015. “No entanto, 303.000 mulheres ainda morrem durante a gravidez ou o parto a cada ano”, afirmou Perucci. Um avanço similar ocorreu com a morte de crianças menores de cinco anos, que declinou 40% no mesmo período. “Mas entre cinco e nove faleceram em 2015”, ressalvou a estatística. Mas, em meio às congratulações, há um pouco mais a dizer: “Para conseguir o Objetivo marcado nesses quesitos, o ritmo de melhora tem que ser mais do dobro”.
Quanto às doenças transmissíveis, também há boas e más notícias. Por um lado, a incidência do HIV declinou 46%. “Mesmo na África subsaariana, embora sua prevalência continue sendo a mais alta do mundo”, observou a estatística. “A nota negativa é que a taxa aumenta na América do Norte e Europa”, acrescentou. Também caiu o restante de doenças infecciosas, segundo dados do estudo. “Vemos isso na redução de 41% na incidência da malária”, especificou. E de tuberculose, de 17% até 2015. Nesse ano, 1,6 bilhão de pessoas requereu tratamento para alguma das 18 doenças esquecidas, 21% menos que em 2010.
Esta é a radiografia que deixaram os 15 anos de esforços conjuntos para melhorar a saúde global no âmbito dos Objetivos do Milênio. Agora cabe redobrar esforços. Literalmente, porque o ritmo das melhorias não serve para curar o paciente por completo. O que se pode fazer então? O que os especialistas prescrevem? Estas são as receitas de representantes da sociedade civil citados no Painel Político de Alto Nível, realizado na semana passada para examinar uma seleção de objetivos. É a vez da saúde.Morrer de modo prematuro de doenças não transmissíveis – cardiovasculares, respiratórias, diabetes ou câncer – é hoje mais improvável que no início do século. Concretamente, “o risco de falecer entre os 30 e os 70 por esses males baixou de 23% para 19% entre 2000 e 2015”, afirmou Perucci.
“A cobertura de saúde universal é necessária por uma questão de igualdade”, disse Michael Myers, diretor geral da Fundação Rockefeller. “E a igualdade não ocorre por si só, tem que haver a intenção de alcançá-la para chegar aos mais desfavorecidos da sociedade, aos abandonados, incluindo as mulheres e as meninas. Isto não ocorre automaticamente por termos um belo programa. Temos que buscar isso projetando programas, executando políticas para chegar a essas populações, do contrário, continuarão abandonadas”, ressaltou.
“Devemos olhar para o futuro, não só abordar o presente”, sentenciou Myers. “É claro que há muitas questões urgentes das quais não devemos nos esquecer; mas... citando os amigos canadenses: ‘Devemos patinar para onde vai o disco, não de onde vem’.”. Com essas palavras o filantropo se referia à necessidade de combater problemas como as mudanças climáticas e a contaminação ambiental. “Eles afetam a saúde das pessoas”. E o farão ainda mais, disse ele, se não os solucionarmos já. Nessa luta contra o aquecimento global, Marie Hauerslev, vice-presidente para assuntos exteriores da Federação de Associaçnoes de Estudantes de Medicina, vê uma “oportunidade” para melhorar o bem-estar geral: “Por exemplo, quando se promove o transporte público para reduzir as emissões e, com isso, a contaminação ambiental”.Olhar para o futuro
Outra prova da necessidade de olhar a longo prazo, segundo Myers, é que “as doenças não transmissíveis diminuíram, mas as projeções destacam que podem subir conforme os países melhoram seu nível de vida. Por isso deveríamos abordar esta questão agora, antes que os números comecem a subir”.
Hauerslev se referiu também à importância da promoção da saúde sexual e reprodutiva. “É preciso equipar os jovens com o conhecimento, habilidades, atitudes e valores de que necessitam para desfrutar de sua sexualidade e prevenir as doenças sexualmente transmissíveis. Em última análise, que possam tomar decisões informadas sobre sua sexualidade. Para conseguir os ODS, precisamos de serviços de planejamento familiar, o que inclui o acesso a contraceptivos e ao aborto seguro”, afirmou. A jovem foi muito concreta em suas propostas. Mais uma: que cada vez que uma política seja submetida a aprovação, os legisladores levem em conta quais as implicações da decisão sobre a saúde da população
.
“Temos que trabalhar de maneira multi-setorial. Sabemos que os ODS são uma oportunidade para fazer isso porque é impossível obtê-los isoladamente, sem envolver os demais setores”, sintetizou Myers uma ideia que foi repetida sessão após sessão. “Vemos isso na educação. Um dos investimentos mais importantes em saúde é a educação das meninas, não especificamente na área de saúde mas em formação geral”, afirmou. Trata-se de um assunto que ele conhece bem, porque a Fundação Rockefeller trabalhou estreitamente com economistas para avaliar os benefícios de investir na saúde: “Sabemos que ter acesso a água limpa e saneamento é importante. Este é o número 6. Também importante a energia limpa, especialmente para prevenir doenças respiratórias e cardiovasculares, assim como vários tipos de câncer. Este é o número 7. Como dissemos, o meio ambiente tem muito a ver com o bem-estar, e tem a ver com os Objetivos 13, 24 e 15”.
“Sem o apoio da sociedade civil não teríamos obtido avanços, por exemplo, na cobertura de saúde universal, apesar de todas as nossas resoluções”, acrescentou Nata Menabde, da OMS, à exposição de Myers.
Vontade e coerência política. Essas são as demandas da jovem representante dos estudantes de medicina. Por exemplo, disse ela, para “aumentar os impostos sobre o cigarro e outros produtos nocivos” e investir o que for arrecadado em saúde. Ou, ao contrário, baixar os preços de alimentos saudáveis, como frutas e verduras, mediantes subsídios, continuou. “Temos que reconhecer que estas são questões políticas. Está relacionado com a maneira como se organizam os recursos econômicos nacionais e internacionais”, destacou Myers. Mas não basta dizer que a saúde é o que importa. “No setor, sabemos que temos que ser mais sofisticados na defesa da saúde. Por isso trabalhamos com economistas, para evidenciar que pelo menos 24% do crescimento dos países de renda baixa e média se deva aos investimentos realizados em saúde”, acrescentou.
Foi Rachel Cohen, diretora executiva regional da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas, quem dedicou seus cinco minutos de intervenção a este assunto. “Nos últimos anos há um consenso entre os tomadores de decisão políticos de que o sistema de incentivos para a pesquisa biomédica não funciona”, disse. A especialista criticou o fato de milhões de pessoas não poderem adquirir os medicamentos de que precisam por causa de “seus preços impossíveis”.
“Sem abordar este assunto não será possível reduzir a mortalidade materna e infantil, ou diminuir a incidência de doenças contagiosas e não contagiosas, assim como outros ODS”, alertou. “Precisamos que o processo de pesquisa coloque as pessoas no centro e não só o retorno econômico. Precisamos que exista uma colaboração científica, não uma competição. Precisamos que utilizem todas as forças e capacidades de investigação em todo o mundo e não só em um punhado de países”, enumerou. E além disso, que esse processo seja liderado por instituições públicas que garantam que o retorno é para a população.
Cohen não deu trégua à indústria farmacêutica em seu discurso: “Os países têm que apoiar políticas coerentes que desvinculem os custos de pesquisa dos preços dos medicamentos. Disseram-nos que a única maneira de incentivar o investimento em pesquisa é aumentar os preços dos remédios. Não aceitemos isso”.
Eu vejo
Pelos bigodes de Salvador Dali! Eu vejo, mas tem coisas que não queria estar vendo. Vejo ao vivo e em cores. Eu vejo o que todo mundo pode ver, mas talvez eu seja ou esteja mais atenta com essa minha mania de reportar, de reparar. Coisas de jornalista. Como diria nosso Cazuza, o próprio, que deve bem ter visto onde tudo isso ia dar e se mandou: eu vejo o futuro repetir o passado.
Eu vejo gente, antes de tudo. Gente falindo, quebrando, sem esperanças, gente agoniada com o rumo dessa toada. Sendo derrubadas como as vacas pelo rabo nas vaquejadas. Levando rasteiras. Vejo a minha gente dividida e sem noção.
Com que frequência? O tempo inteiro, como respondeu o menino do filme de cinema que, apavorado, via gente morta.
Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome. Nem de frio, jogado numa rua movimentada de São Paulo – o dia inteiro morto, ali, até que alguém percebesse que aquele corpo já não se mexia, ali morto jazia. São tantos corpos jogados pela cidade que poucos param para ver se ainda se mexem, se tremem, se têm fome, ou se apenas estão decididos a se consumir a si próprios acelerando verem-se livres da existência.
Eu não posso, embora tente, ver beleza em tudo. As coisas estão feias, ultrapassadas, caindo aos pedaços porque ninguém consegue ver, nem sentir, renovação.
Eu vejo isso por cima de um muro, muro cheio de políticos sem ideal, amontoados, se reunindo para decidir quando se reunirão para decidir que ali vão ficar. Em cima do muro. Mas de lá eles não avistam o que eu vejo, nem conseguem ouvir os apelos dos que eu vejo por aí tentando sobreviver. Mantendo um mínimo de dignidade, cada dia mais rala.
Eu vejo tudo enquadrado para onde dirijo o olhar – de uma vista cansada que a cada ano aumenta um grau. Talvez até para não serem vistas, as próprias coisas se embacem, se distanciem. Essa semana atualizei as lentes dos meus óculos para ver de perto. E os de para ver de longe. Dois, que um só para tudo – bifocal -não acompanha o movimento rápido que faço pra não perder de ver nada, me confunde e tonteia. Não posso me dar ao luxo de não enxergar para qualquer lado que olhe. Nem que seja só para contar a vocês algumas das minhas observações.
Tem de ser um para ver bem de perto; outro para avistar de longe. E não são mais as letrinhas do cartaz do consultório do oftalmologista o que tenho de decifrar. O que não quero é ver pontos negros, nem pontinhos brilhantes, nem a luz cegando meus olhos quando vem em direção contrária. Luz é para iluminar, não ofuscar a gente.
Não vire o rosto. Olhe também o que está havendo e não dá para negar. Negue que me pertenceu, Que eu mostro a boca molhada. E ainda marcada pelo beijo seu.
Eu vejo flores em você. E foi o aroma delas que me fez lembrar de um outro e do que eu vi esses dias caminhando um pouco na grande cidade onde vivo; e o que ouvi; o gosto amargo que veio na minha boca; o terrível cheiro de esgoto que senti vindo da água podre de esgotos escorrendo pelas calçadas de um dos seus bairros mais nobres, e o que me fez imaginar como andará o resto do território nacional.
Ver é sentido. Houve uma vez uma canção que falava perto do coração. O que os olhos não veem o coração não sente, uma forma de tentar explicar nossa própria distração, nossa própria cegueira.
Marli Gonçalves
Eu vejo gente, antes de tudo. Gente falindo, quebrando, sem esperanças, gente agoniada com o rumo dessa toada. Sendo derrubadas como as vacas pelo rabo nas vaquejadas. Levando rasteiras. Vejo a minha gente dividida e sem noção.
Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome. Nem de frio, jogado numa rua movimentada de São Paulo – o dia inteiro morto, ali, até que alguém percebesse que aquele corpo já não se mexia, ali morto jazia. São tantos corpos jogados pela cidade que poucos param para ver se ainda se mexem, se tremem, se têm fome, ou se apenas estão decididos a se consumir a si próprios acelerando verem-se livres da existência.
Eu não posso, embora tente, ver beleza em tudo. As coisas estão feias, ultrapassadas, caindo aos pedaços porque ninguém consegue ver, nem sentir, renovação.
Eu vejo isso por cima de um muro, muro cheio de políticos sem ideal, amontoados, se reunindo para decidir quando se reunirão para decidir que ali vão ficar. Em cima do muro. Mas de lá eles não avistam o que eu vejo, nem conseguem ouvir os apelos dos que eu vejo por aí tentando sobreviver. Mantendo um mínimo de dignidade, cada dia mais rala.
Eu vejo tudo enquadrado para onde dirijo o olhar – de uma vista cansada que a cada ano aumenta um grau. Talvez até para não serem vistas, as próprias coisas se embacem, se distanciem. Essa semana atualizei as lentes dos meus óculos para ver de perto. E os de para ver de longe. Dois, que um só para tudo – bifocal -não acompanha o movimento rápido que faço pra não perder de ver nada, me confunde e tonteia. Não posso me dar ao luxo de não enxergar para qualquer lado que olhe. Nem que seja só para contar a vocês algumas das minhas observações.
Tem de ser um para ver bem de perto; outro para avistar de longe. E não são mais as letrinhas do cartaz do consultório do oftalmologista o que tenho de decifrar. O que não quero é ver pontos negros, nem pontinhos brilhantes, nem a luz cegando meus olhos quando vem em direção contrária. Luz é para iluminar, não ofuscar a gente.
Não vire o rosto. Olhe também o que está havendo e não dá para negar. Negue que me pertenceu, Que eu mostro a boca molhada. E ainda marcada pelo beijo seu.
Eu vejo flores em você. E foi o aroma delas que me fez lembrar de um outro e do que eu vi esses dias caminhando um pouco na grande cidade onde vivo; e o que ouvi; o gosto amargo que veio na minha boca; o terrível cheiro de esgoto que senti vindo da água podre de esgotos escorrendo pelas calçadas de um dos seus bairros mais nobres, e o que me fez imaginar como andará o resto do território nacional.
Ver é sentido. Houve uma vez uma canção que falava perto do coração. O que os olhos não veem o coração não sente, uma forma de tentar explicar nossa própria distração, nossa própria cegueira.
Marli Gonçalves
Jararacas e escorpiões mordendo as tetas do Estado
“Fedro” foi uma história que Platão inventou para conversar com Sócrates. Esopo foi um contador de histórias que os gregos ouviam na Grécia antiga. Escravo e pobre. Sócrates ensinava contando histórias a seus discípulos. Trouxeram-nos a fábula eterna do escorpião e do sapo.
É uma fábula sobre um escorpião que pede a um sapo que o leve através de um rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião diz que se picar o sapo, o sapo iria afundar e o escorpião iria se afogar. O sapo concorda e começa a carregar o escorpião, mas no meio do caminho, o escorpião, de fato, ferroa o sapo, condenando a ambos. Quando perguntado por que havia picado, o escorpião responde: que esta é a sua natureza e que nada poderia ser feito para mudar o destino.
Lula acha pouco ser um escorpião. Diz que é uma jararaca. Talvez porque seja maior, mais comprido. Seus discípulos, sobretudo as graciosas meninas do PT na TV, acham pouco ser jararaca. Preferem mesmo ser escorpião. Cada palavra é uma ferroada.
Prefiro Confúcio e sua mansa sabedoria chinesa, nas primaveras e outonos com moralidade pessoal e governamental, procedimentos corretos nas relações sociais, justiça e sinceridade.
O país se pergunta para onde estamos indo. Não podemos cair na armadilha da jararaca nem do escorpião. Fábulas temos melhores, mais doces, mais mansas, mais santas.
O grande problema brasileiro é a predominância de uma elite inculta e extrativista, disseminada em todo o quadrante da vida nacional. Está presente e determinando rumos na condução do Estado, na política, na economia, no sindicalismo e até nos chamados movimentos sociais. Não tem interesse e formação, por conveniência, para enxergar as potencialidades de desenvolvimento do País. Enxergam só a árvore dos seus privilégios corporativos.
Reformar o estado, modernizando-o, é defendido por quase toda sociedade desde que essas reformas não atinjam os seus mais diretos interesses. Assim é na política, na economia e amplos setores sociais. Não é paradoxal que nos últimos anos o poder econômico tenha controlado e financiado o executivo e legislativo. A captura do Estado pelo poder econômico produziu a atual crise, onde a grande vítima é o povo brasileiro.
É uma fábula sobre um escorpião que pede a um sapo que o leve através de um rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião diz que se picar o sapo, o sapo iria afundar e o escorpião iria se afogar. O sapo concorda e começa a carregar o escorpião, mas no meio do caminho, o escorpião, de fato, ferroa o sapo, condenando a ambos. Quando perguntado por que havia picado, o escorpião responde: que esta é a sua natureza e que nada poderia ser feito para mudar o destino.
Prefiro Confúcio e sua mansa sabedoria chinesa, nas primaveras e outonos com moralidade pessoal e governamental, procedimentos corretos nas relações sociais, justiça e sinceridade.
O país se pergunta para onde estamos indo. Não podemos cair na armadilha da jararaca nem do escorpião. Fábulas temos melhores, mais doces, mais mansas, mais santas.
O grande problema brasileiro é a predominância de uma elite inculta e extrativista, disseminada em todo o quadrante da vida nacional. Está presente e determinando rumos na condução do Estado, na política, na economia, no sindicalismo e até nos chamados movimentos sociais. Não tem interesse e formação, por conveniência, para enxergar as potencialidades de desenvolvimento do País. Enxergam só a árvore dos seus privilégios corporativos.
Reformar o estado, modernizando-o, é defendido por quase toda sociedade desde que essas reformas não atinjam os seus mais diretos interesses. Assim é na política, na economia e amplos setores sociais. Não é paradoxal que nos últimos anos o poder econômico tenha controlado e financiado o executivo e legislativo. A captura do Estado pelo poder econômico produziu a atual crise, onde a grande vítima é o povo brasileiro.
A manipulação da sociedade pelas diferentes corporações é a estratégia que unifica os vários interesses, no mundo político, empresarial, no sindical e afins, consolidando original aliança do capital e do trabalho. Usando um discurso ideológico, as corporações de direita, como definiu o economista Renato Fragelli, “querem um Estado grande para que ele seja saqueado pelo patrimonialismo. Enquanto a esquerda quer um Estado grande, para que seja saqueado pelo corporativismo”.
Essa poderosa aliança de patrimonialismo e corporativismo que impede a Reforma do Estado. A inoperância das elites brasileiras em enfrentar essa realidade, tem nas instituições do Estado, em todos os níveis, formidável aliada. A maioria dos integrantes dos três poderes republicanos é resistente às reformas estruturais.
A “pilhagem” do Estado, as iniquidades sociais e ineficiência econômica tem nessa esdrúxula aliança seu grande núcleo de sustentação, impedindo a construção de um Brasil desenvolvido.
Essa poderosa aliança de patrimonialismo e corporativismo que impede a Reforma do Estado. A inoperância das elites brasileiras em enfrentar essa realidade, tem nas instituições do Estado, em todos os níveis, formidável aliada. A maioria dos integrantes dos três poderes republicanos é resistente às reformas estruturais.
A “pilhagem” do Estado, as iniquidades sociais e ineficiência econômica tem nessa esdrúxula aliança seu grande núcleo de sustentação, impedindo a construção de um Brasil desenvolvido.
Ainda há quem nos meça em arrobas
Nasci em um território quilombola no Estado de São Paulo. O Quilombo Ivaporunduva é de 1630: sua história se confunde com a do Brasil. Ele está encravado no Vale do Ribeira, o último remanescente de área contínua de Mata Atlântica no Brasil. E se está preservado, isso em muito se deve à nossa presença, pois a cultura quilombola preza o uso racional dos recursos naturais.
Nossos antepassados vieram para cá contra a vontade. Mas, em algum momento, começaram a reconhecer como sendo sua terra o lugar onde viviam em liberdade. E a amá-la. O quilombo refazia vidas, porque essa liberdade não lhes era dada, mas conquistada. Ao longo dos anos, nós, descendentes de Zumbi, Ganga Zumba, Acotirene, Tereza de Benguela e Dandara, lutamos para assegurar o direito às terras que eles fizeram por merecer. Dependemos delas para sobreviver física e culturalmente. Em 1995, criamos a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Mas até o direito de lutar querem nos tomar. Porque em pleno século XXI ainda há quem nos meça em arrobas.
Minha terra e a minha identidade estão seriamente ameaçadas pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239/2004, que questiona o direito de propriedade das comunidades quilombolas, bem como o seu acesso a políticas públicas, garantidos pelo Decreto nº 4.887 de 20 de novembro de 2003. Hoje, a Conaq representa mais de 3.500 quilombos em todas as regiões do país. Mais de 2.400 foram reconhecidos pela Fundação Palmares e aguardam sua titulação definitiva pelo Incra. Enquanto isso, só a Medida Provisória 759, recentemente sancionada pelo presidente Temer, pode regularizar de uma vez 2.376 terras públicas invadidas. É praticamente a institucionalização da grilagem de terras. São 4,3 milhões de hectares, o que dá quase um Estado do Rio de Janeiro. Os quilombos também estão na alça de mira de invasores. E eles têm agido com violência. Só na semana passada, dois líderes quilombolas foram assassinados na Bahia.
Quase 75% da população quilombola vivem em situação de extrema pobreza. Descendemos de pessoas que não nasceram aqui, chegaram ao Brasil acorrentadas em porões de navios. Portanto, não consideram nossos direitos originários, como os dos povos indígenas. Mas eles são garantidos por uma série de dispositivos. O principal é o Decreto 4.887, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Mas também temos o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 215 e 216 da Constituição da República, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, de 7 de junho de 1989, o Decreto Legislativo nº 143 de 20 de junho de 2002, o Decreto 5.051 de 19 de abril de 2004, a Instrução Normativa nº 49 do Incra e a Portaria n.º 98 da Fundação Cultural Palmares. Temos a lei.
A ADI 3.239 foi entregue ao Supremo Tribunal Federal em 25 de junho de 2004, pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM). Uma decisão do STF pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887 pode paralisar o andamento dos processos para titulação de terras quilombolas no Incra, além de ameaçar os já titulados. O julgamento vem se arrastando desde 2012 e será retomado agora, em 16 de agosto. A rapidez com que a população brasileira tem perdido direitos nos últimos tempos nos deixa bastante apreensivos. A manutenção do Decreto 4.887 é imprescindível para as comunidades quilombolas do Brasil.
Denildo Rodrigues de Moraes, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
Nossos antepassados vieram para cá contra a vontade. Mas, em algum momento, começaram a reconhecer como sendo sua terra o lugar onde viviam em liberdade. E a amá-la. O quilombo refazia vidas, porque essa liberdade não lhes era dada, mas conquistada. Ao longo dos anos, nós, descendentes de Zumbi, Ganga Zumba, Acotirene, Tereza de Benguela e Dandara, lutamos para assegurar o direito às terras que eles fizeram por merecer. Dependemos delas para sobreviver física e culturalmente. Em 1995, criamos a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Mas até o direito de lutar querem nos tomar. Porque em pleno século XXI ainda há quem nos meça em arrobas.
François Auguste Biard (1859) |
Quase 75% da população quilombola vivem em situação de extrema pobreza. Descendemos de pessoas que não nasceram aqui, chegaram ao Brasil acorrentadas em porões de navios. Portanto, não consideram nossos direitos originários, como os dos povos indígenas. Mas eles são garantidos por uma série de dispositivos. O principal é o Decreto 4.887, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Mas também temos o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 215 e 216 da Constituição da República, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, de 7 de junho de 1989, o Decreto Legislativo nº 143 de 20 de junho de 2002, o Decreto 5.051 de 19 de abril de 2004, a Instrução Normativa nº 49 do Incra e a Portaria n.º 98 da Fundação Cultural Palmares. Temos a lei.
A ADI 3.239 foi entregue ao Supremo Tribunal Federal em 25 de junho de 2004, pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM). Uma decisão do STF pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887 pode paralisar o andamento dos processos para titulação de terras quilombolas no Incra, além de ameaçar os já titulados. O julgamento vem se arrastando desde 2012 e será retomado agora, em 16 de agosto. A rapidez com que a população brasileira tem perdido direitos nos últimos tempos nos deixa bastante apreensivos. A manutenção do Decreto 4.887 é imprescindível para as comunidades quilombolas do Brasil.
Denildo Rodrigues de Moraes, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
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