sexta-feira, 19 de junho de 2020

40 milhões de Flloyds

Se o título deste artigo fosse “o odioso rendismo”, o leitor de hoje não compreenderia, da mesma forma que no início do século XX o título “odioso racismo” não era compreendido. A prática racista já existia havia séculos, mas a palavra se consolidou a partir dos anos 1930. Até hoje no Brasil segregamos em escolas diferentes as crianças conforme a renda familiar. As escolas de qualidade são negadas às crianças de baixa renda, e, apesar dessa discriminação, os dicionários não registram a palavra “rendismo”. Porque esse tratamento é visto não como discriminação, mas como consequência de um conceito tolerado.

Felizmente, hoje nenhuma criança é impedida de estudar em uma escola por preconceito pela cor de sua pele, embora, no Brasil, o rendismo seja um braço do racismo, porque nossa pobreza tem pele negra.

Foi o ator Will Smith quem disse que “o racismo não aumentou, ele foi fotografado e divulgado”, mostrando policial branco asfixiando homem negro que desesperado sussurrava: “Eu não consigo respirar”. O vídeo mostrou a cara da perversão do racismo. Mas o rendismo escolar não tem seu filme para mostrar a tragédia, e educação de qualidade não é vista como oxigênio intelectual necessário para a sobrevivência plena neste século do conhecimento.


A população sabe que, dos 50 milhões de crianças brasileiras em idade escolar, pelo menos 40 milhões estão fora de escola com qualidade. Mas não percebe que crianças fora da escola de qualidade sofrem por falta do oxigênio intelectual: não saberá ler, orientar-se, ter emprego, produzir e participar da riqueza que o mundo moderno produz. Não percebe que essa asfixia educacional atinge não somente a criança, mas o país inteiro, que perde em produtividade, inovação, participação e consciência plena.

Tampouco compreende que estamos alimentando o racismo. O racismo nasce no atavismo da história e na desigualdade da escola. A escola é o berço do racismo pela exclusão dos afrodescendentes e dos pobres, e porque a escola sem qualidade induz preconceitos que se espalham pela sociedade.

A escola será o túmulo do racismo quando a educação for oferecida a todos com a mesma qualidade e a todos com conteúdo humanista que desfaça preconceitos e valorize a diversidade. Mas a tolerância com o rendismo escolar impede a luta para que os filhos dos pobres e dos ricos estudem em escolas com a mesma qualidade.

Contra o racismo, luta-se por cotas nas universidades, mas não se luta contra o rendismo, que impede que todas as escolas públicas municipais tenham a qualidade das boas escolas privadas ou federais. Falta agora que, cem anos depois do surgimento da palavra “racismo”, a palavra “rendismo” seja também entendida como um preconceito odioso, quando se referir à segregação que sofrem as crianças pobres ao serem impedidas de desenvolver seus talentos na escola e na idade ideal.

Bolsonaro está conseguindo reabilitar a política

O desgaste na imagem dos militares depois de um ano e meio de governo Bolsonaro era previsível diante da lambança em que se transformou a atual gestão. A pesquisa do Estudo do Instituto da Democracia (UFMG, Iesp/UERJ, Unicamp e UnB) que apontou queda de sete pontos no grau de confiança nas Forças Armadas entre 2018 e 2020 (33,9% para 27%) e um claro aumento da rejeição a um golpe militar (de 46,4% para 65,2%) permite ainda uma leitura mais ampla de mudanças na percepção da população que devem ser determinantes na agenda política e nas eleições de 2022.


Embora incipientes, há sinais de que, junto com o prestígio dos militares e a popularidade de Jair Bolsonaro, vai-se também o discurso da “nova política” que elegeu o presidente e um punhado de governadores de estado. A pesquisa “A cara da democracia”, feita anualmente, mostra certa recuperação na imagem de instituições que, em 2018, sob o impacto da Lava Jato, eram pessimamente avaliadas, como o Congresso e os partidos. Não que estejam superpopulares, mas a taxa dos que dizem não confiar no Congresso caiu de 56,3% para 37,2%.

Talvez diante da inépcia e das crises geradas pelo governo, as instituições da “velha política” parecem estar num caminho de reabilitação. Os partidos, sempre na rabeira do ranking, ainda são vistos com desconfiança por 66,9% – mas isso é dez pontos a menos do que há dois anos. Os que confiam “um pouco” neles subiram de 12,3% para 20,5%.

Também o Judiciário tem melhor avaliação. De 2018 para 2019, primeiro ano do governo em que as instituições começaram a ser abertamente atacadas pelos bolsonaristas, o percentual dos que diziam não confiar no poder havia subido de 33,9% para 38,2%. As ações do STF ao longo da pandemia, e a exacerbação dos ataques, agora claramente relacionados a investigações sobre a família e os aliados do presidente, parecem ter levado a rejeição a recuar para 21%. Os que confiam muito no Judiciário subiram de 8,3% para 13,6%, e os que confiam “mais ou menos”, de 28% para 39,4%.

Os últimos meses da pandemia do coronavírus, e as ações dos agentes políticos diante dela, parecem ter tido peso decisivo para a aparente virada no rumo dos ventos. Enquanto o Legislativo aprovava com celeridade projetos para mitigar os efeitos da Covid-19 e o Judiciário – em especial o STF – tomava decisões para barrar a insensatez da suspensão de medidas de proteção contra a “gripezinha”, o presidente da República negava a gravidade da pandemia. É um enredo ainda em curso, e apenas o futuro dirá qual terá sido seu impacto nessas instituições. Pelo andar da carruagem, porém, é possível supor um reforço da tendência de desgaste de Bolsonaro, e de ganhos para os poderes que trabalham para contê-lo.

Ainda é cedo para avaliar a dimensão do fenômeno, mas tudo indica que o discurso que elegeu Bolsonaro, puxado pela anticorrupção e pela antipolítica, dará lugar a uma agenda bem diversa. Possivelmente, temas como a reconstrução do país no pós-pandemia, geração de empregos e distribuição de renda, terão mais importância do que a esgotada temática da corrupção – até porque o próprio Bolsonaro deu sua contribuição para desmoralizá-la.

A percepção de que a chamada “nova política” era, com raríssimas exceções, uma balela que serviu para eleger, mas não para governar, também poderá ser fator importante. 2022 será de quem souber captar o novo humor e construir um discurso honesto e consistente em cima dele.
Helena Chagas

Pensamento do Dia


A chegada do cometa

A coluna de hoje não é recomendada para leitura durante refeições. Seu assunto é o ânus de Jair Bolsonaro e os desarranjos de seu governo. Desculpe o calão intestinal, mas faz parte da linguagem com que, pela primeira vez no Brasil, um presidente da República passou a se expressar.

O leitor se lembra. Pouco depois de sua posse, Bolsonaro confessou ter feito xixi na cama até os cinco anos de idade. Por algum motivo, disse também que o brasileiro não sabia lavar o pênis com água e sabão e, num arroubo de modéstia, declarou para uma plateia extasiada que continuava “na ativa e sem aditivos”.


Dias depois, no Carnaval, protagonizou o extraordinário episódio do golden shower, postando um vídeo em que dois rapazes se urinavam. Com essa fixação fálica e urinária de Bolsonaro, só a diplomacia explica que os outros chefes de Estado continuassem lhe apertando a mão.

Mas Bolsonaro, para quem “porra” é vírgula, evoluiu —levou seu governo à fase fecal e anal. Na inesquecível reunião ministerial de abril, chamou dois governadores e um prefeito de “bostas” e, referindo-se aos processos movidos pelo STF, alertou: “O que esses caras querem é a nossa hemorroida!”.

Como não se sabia que o presidente sofria de dilatação venosa em região tão delicada, ficou ainda mais dolorosa a recente afronta a ele dirigida por seu mentor Olavo de Carvalho, que, defecando para uma condecoração com que Bolsonaro o distinguira, mandou-o “enfiar a condecoração no *”. Foi a ordem mais chocante dirigida até hoje a um presidente no Brasil e, pelo silêncio presidencial como resposta, não se sabe se foi cumprida.

Agora, com a prisão de Fabrício Queiroz, volta à tona a desesperada advertência do velho amigo ao chefe que parecia tê-lo abandonado: “O Ministério Público tem uma pica do tamanho de um cometa pra enterrar na gente!”

Decididamente, este é um governo para entrar nos anais.

Verdade dos ditados

Se queres conhecer o vilão põe-lhe o governo na mão

Governo se diz liberal, mas joga contra empreendedores

O início da flexibilização do isolamento social em boa parte do país dá a impressão de termos saído da pior fase da pandemia. No entanto, a situação é mais complexa por três razões. A primeira é que ainda não atingimos o ápice da doença, algo que, segundo epidemiologistas, poderá acontecer em junho ou, mais provavelmente, julho. Além disso, há chances de ocorrer uma segunda onda da covid-19 (ou o alargamento da primeira onda), fruto da maneira desorganizada com que tratamos a crise sanitária - e aí teríamos um número maior de mortes. E quando passar a fase mais aguda do novo coronavírus, virá o maior dos desafios: a reconstrução do país.

O desempenho do presidente Bolsonaro no combate à covid-19 tem sido sofrível até agora. Ele já foi considerado por analistas estrangeiros como o pior governante do mundo neste quesito. A maneira como o país está tentando sair da quarentena pode aumentar o descrédito do Brasil no cenário internacional, em especial se a doença revigorar seu poder de disseminação. Uma nova onda da pandemia, ademais, atrasaria ainda mais a retomada das atividades econômicas, e num cenário como esse o bolsonarismo pode dobrar a aposta na confusão, desinformação e conflito com os governos subnacionais e outros atores sociais, ampliando a crise atual.


O dia em que o Brasil sair do pior da pandemia será marcado por duas questões. A primeira dirá respeito ao legado deixado pelos erros no combate à covid-19. A desconstrução do SUS, o acirramento dos conflitos federativos, a ascensão de grupos bolsonaristas de extrema-direita que atentaram contra a democracia e a falta de liderança presidencial, que reduziu a capacidade de os governadores e prefeitos lidarem com a política sanitária local, serão marcas com impacto sobre o futuro.

Hipoteticamente, é possível recomeçar e buscar um novo modelo de relacionamento político. Porém, isso exigirá capacidade de organizar a reconstrução do país. E aqui está o segundo ponto: o governo Bolsonaro já deveria estar preparando o Brasil para o “day after” da crise, mas está completamente perdido. Fica a pergunta: o presidente tem condições de reconstruir a nação?

A reconstrução do país enfrentará uma série de desafios. O primeiro deles será o de ajudar as pessoas atingidas pela doença, especialmente os familiares das pessoas mortas. Há cenários que vão de 100 mil a 150 mil mortes do país nos próximos meses.

Qualquer um dos números é aterrorizador. Cabe ao governo federal reconstruir a confiança social da nação e, para tanto, uma política de apoio às famílias atingidas pela covid-19 seria uma forma inteligente e humanista de restaurar um clima positivo no Brasil.

O sistema de Saúde e seus profissionais precisarão de uma atenção especial após toda a pressão pelo qual passaram por meses, numa intensidade descomunal. Embora seja necessário manter uma estrutura por um tempo para lidar com a covid-19, haverá uma demanda represada muito grande. Outras doenças importantes do ponto de vista epidemiológico podem ter se descontrolado e, mais uma vez, o SUS terá uma sobrecarga de trabalho. Muitos acham que foi necessário ampliar os recursos financeiros agora por conta da crise, mas se perceberá na volta ao normal que o subfinanciamento das políticas de saúde é estrutural.

Mais importante será apoiar os profissionais da área médica no dia seguinte dessa pandemia. Não foi só ver milhares de mortos e sentir a impotência de não poder evitar um destino trágico e rápido dos pacientes. O governo federal, em particular, desrespeitou continuamente às tecnicalidades da área, sugerindo soluções médicas sem evidências cientificas e, obviamente, isso afeta quem está na ponta do sistema. Para piorar, o presidente Bolsonaro incitou pessoas a invadirem hospitais, um lugar sagrado para o bem-estar das sociedades, tanto mais numa pandemia tão avassaladora. Valorizar os profissionais da saúde, em especial do SUS, deveria ser um dos primeiros atos da reconstrução nacional.

As relações internacionais serão estratégicas no dia seguinte do ápice da pandemia. As soluções mais duradoras em relação à covid-19 vão depender de cooperação com outros países, não apenas no que se refere à comercialização da tão desejada vacina, mas também em relação ao restabelecimento do crescimento econômico global. Tudo isso só será possível se o Brasil mudar a sua orientação atual de política externa, que se diz contra o globalismo e os organismos multilaterais. Acreditar que governo americano vai salvar o país de todas as suas trapalhadas e equívocos frente à opinião pública mundial, como nos casos das fracassadas políticas ambientais e indigenistas, é um caminho incerto e ingênuo - afinal, nem se sabe se Trump continuará presidente após a eleição de novembro.

A desigualdade ficou ainda mais visível com o crescimento da Covid-19, realçando como o país não resolverá seus principais problemas se não tiver políticas de longo prazo contra as diferenças sociais que dividem tragicamente o país. A adoção de políticas de transferência de renda mais eficazes já entrou na ordem do dia no debate público, embora o governo ainda não tenha deixado claro como irá lidar com esse assunto.

É preciso entender que há vários tipos de desigualdade que foram realçados com a crise sanitária. A distribuição de renda aos mais pobres é essencial, mas não esgota o tema. Deveria receber maior atenção a situação de moradia de grande parte das famílias brasileiras, que vivem em condições insalubres e quase sempre sem saneamento básico. A manutenção endêmica da dengue no Brasil já se vinculava a essa característica de desigualdade urbana. Se novas pandemias que não tenham ainda um remédio adequado atingirem o país, formas de isolamento social serão mais uma vez difíceis de se obter - e sem isso, o número de mortes sempre será maior.

Outras desigualdades, como as que atingem os idosos e sobretudo a população negra, também merecem tratamento mais adequado. O retrato dos mortos da pandemia tem revelado que não somos iguais perante as políticas públicas. Na verdade, outros indicadores, como o de violência urbana e o de escolarização da população, há décadas têm mostrado um país doente em termos de desigualdade. Mudar esse cenário seria uma forma de mostrar que aprendemos com a trágica história da covid-19.

A reconstrução econômica será um dos maiores desafios do pós-covid-19. É preciso, inicialmente, garantir alguma renda a milhões de brasileiros que ficarão sem emprego e para os quais a informalidade não garantirá sustento. Essa ajuda provavelmente precisará ter uma temporalidade maior do que a imaginada pelo governo, pois o retorno das atividades econômicas não vai puxar tão rapidamente o PIB e o emprego como se gostaria. O mundo pode entrar numa depressão, e para esta é preciso mais ideias de keynesianos do que de liberais extremos.

A ajuda às empresas brasileiras foi, até agora, completamente insuficiente. O governo Bolsonaro demonstrou ser insensível com pequenos, médios e grandes empresários, com exceção daqueles que o apoiaram diretamente na eleição e que continuam fiéis nas redes sociais. Faltou uma imaginação institucional e um sentido de urgência que houve na época do Proer e que evitou a crise bancária, ou quando o presidente Lula garantiu a sobrevivência de várias empresas após a crise de 2008. É muito paradoxal ter um grupo governante que se diz liberal e joga contra os capitalistas e empreendedores.

Mesmo sabendo que o tamanho da crise econômica e sanitária deva se fazer sentir por alguns anos no Brasil, a consequência mais profunda da crise da covid-19 ocorrerá na educação. Alunos pobres que ficaram por meses sem aula aumentarão a enorme distância que os separa dos mais ricos. A forma de corrigir isso está em melhorar a qualidade das escolas e ter professores motivados e preparados para essa batalha contra tamanha desigualdade.

Porém, até agora o MEC não disse como enfrentará essa tragédia. Na verdade, o governo Bolsonaro lavou as mãos diante dessa desgraça coletiva, abandonando a geração que será o futuro da nação. Os livros de história contarão quem foi o governante que mais abandonou a educação no país.

Obviamente que o ministro da Educação, cujo nome é indigno de ser pronunciado, tem culpa na falta de rumo para o setor. Mas o presidente deveria chamar para si a responsabilidade de aprovar um Fundeb capaz de financiar o enorme desafio que será reconstruir a esperança de crianças e jovens pobres pelo país afora.

Deveria também retomar o diálogo com governadores e prefeitos para tomarem decisões conjuntas que garantam o aprendizado de todos os alunos, desculpando-se assim do vexame que foi brigar com os governos subnacionais em meio a milhares de mortes. Mais do que tudo, deveria gritar que a reconstrução do país começa nas escolas, congregando professores, famílias e filhos em torno de um projeto de Brasil mais justo e capaz de aumentar a qualidade de seu capital humano. Gostaria de acreditar nessa imagem, mas, infelizmente, Bolsonaro é mais habilidoso em criar guerras culturais do que em juntar pacificamente as pessoas em torno do conhecimento como a principal arma de mudança social.
Fernando Abrucio

Bolsonaro já tem seu 'tchau, querida!'

O governo Bolsonaro acabou. A reforma da Previdência, único marco que ficará destes dias, durem quanto durar, é, na verdade, herança do governo Temer, que só não conseguiu aprovar o texto porque teve de enfrentar o lavajatismo golpista e de porre de Rodrigo Janot. Isso à parte, sobra pregação golpista. E só.

Quanto tempo o “mito” ainda fica por aí? Não sei. Mas é “um cadáver adiado que procria”, para lembrar verso de Fernando Pessoa em caso bem mais nobre. E qualquer coisa que venha à luz, nessas circunstâncias, será necessariamente ruim.

Não temos mais um presidente, mas um refém do fundão do centrão. À medida que a sociedade vai saindo da clausura a que a condenou o coronavírus, cresce o preço político para manter o corpo na sala. Até a hora em que os próprios apoiadores resolvem enterrar o malcheiroso.


Lembram-se do “tchau, querida” de Lula, ao se despedir de Dilma, naquela gravação feita e divulgada ilegalmente por Sergio Moro? Esqueçam o mérito. Fixo-me nas palavras. Elas se transformaram numa espécie de emblema da derrocada do governo. Era também uma senha entre os que defendiam o impeachment.

Bolsonaro já tem os dois vocábulos imortais que servem para carimbar seu fim. E saíram de sua própria boca, em um dos habituais acessos de fúria. Falando a seguidores no Alvorada, deu a entender que, a partir daquele momento, passava a ter o comando das vontades do STF. Vociferou para o TIH (Tribunal da Ironia da História): “Acabou, porra!”.

Pois é... Acabou, porra!

A partir de agora, não há mais como o presidente se ocupar do governo. Enquanto estiver por aí, vai ter de pagar, às custas do futuro do Brasil, o preço para que não se formem os 342 votos na Câmara que o empurrariam para julgamento, e condenação certa!, no Senado por crime de responsabilidade.

Aqui e ali, as pessoas se espantam: “Caramba! O Fabrício Queiroz foi se homiziar justamente no sítio de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaros, que tinha estado no Palácio do Planalto no dia anterior, a convite do presidente, na posse de Fábio Faria, o ministro que simbolizaria a disposição para o diálogo?”.

Meus caros, vocês queriam o quê? De Goethe a Max Weber, estamos diante de uma derivação das chamadas “afinidades eletivas”. A Operação Anjo, no âmbito da qual Fabrício foi garfado, é uma referência ao apelido de Wassef entre os Bolsonaros: anjo. Eles todos devem saber por quê.

Queiroz foi preso no dia seguinte àquele em que Bolsonaro negou a democracia três vezes. O dia 17 de junho entrará para a história. Logo de manhã, o presidente anunciou às portas do Alvorada, referindo-se a magistrados de tribunais superiores: “Eles estão abusando. Está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”. À noite, foi ainda mais sombrio: “É igual uma emboscada. Você tem de esperar o cara se aproximar”.

Na sequência, foi arriar a bandeira em companhia do comandante do Exército, Edson Leal Pujol, que caía, ele sim, numa emboscada. Entre uma ameaça e outra, fez a mais grave de todas as afirmações desde que assumiu. E justamente na posse do novo ministro.

Nas barbas de Rodrigo Maia e Dias Toffoli, presidentes, respectivamente, da Câmara e do STF, o mandatário evocou as forças do caos: “Não são as instituições que dizem o que o povo deve fazer. É o povo que diz o que as instituições devem fazer”. Essa é a divisa dos tiranos, não dos democratas. “Povo”, para Bolsonaro, ele já deixou claro, se resume às suas milícias digitais e àqueles que comungam de seus, vá lá, valores, que ele chama “conservadores”, numa distorção miserável do sentido da palavra.

É o passado policial de Bolsonaro que põe fim a seu governo, ainda que o cadáver fique por aí. Mas o que já o impedia de governar é a sua absoluta incompreensão do que é a democracia. Sim, novas ameaças de autogolpe virão nos próximos dias. É de sua natureza.

Bolsonaro quer que acreditemos que os generais podem botar os tanques nas ruas para unir a história das Forças Armadas à de patriotas como Fabrício Queiroz.

Reinaldo Azevedo

Brasil vampirizado


Não há mal que sempre dure

Não dá para esconder que a democracia brasileira esteja sob alto risco, e não apenas por que se encontra ameaçada por um governo que faz do seu desmonte o seu objetivo estratégico, mas também por que uma parte de sua sociedade abandonou sua afeição por ela. Afinal, os governantes que aí estão foram eleitos em pleitos eleitorais livres, secundados pelos parlamentares mais toscos, despreparados e vorazes conhecidos em nossa longa história parlamentar, presentes em todas as casas de representação política. Também eles não caíram do céu, foram eleitos, e muitos deles com estrondosa votação. O retrato lúgubre que estampam não é filho do acaso e da má vontade do destino, mas das nossas ações e inações. Diante de nossos olhos a sociedade adoeceu, perdeu-se de si mesma, da sua história e melhores tradições.


Como isso pode acontecer aqui, justo no lugar que soube derrotar pela ação política bem concertada um regime autoritário que a afligiu por duas décadas, essa a questão que temos de sondar até as suas raízes a fim de encontrar remédio para os males que nos atormentam. Que se ronde a blasfêmia, inevitável no caso, por que foi de um partido nascido da vida sindical, lugar sagrado da esquerda, que teve início a difusão do vírus maldito que apartou a democracia política da democracia social, cerne da concepção da Carta de 88, destituindo a política do seu papel criador e pondo no seu lugar a esfera bruta dos interesses, deixando fora de foco o cidadão em nome dos apetites do consumidor – os automóveis, as viagens de avião, as comemorações da Força Sindical no 1º de maio com brindes e rifas aos participantes no lugar da evocação das lutas civis que tradicionalmente celebravam.

Principalmente o descaso com a organização da vida popular e a descrença no papel que uma cidadania ativa pode desempenhar nas democracias, uma vez que por cima de todos um poder tutelar agia em nome de todos, vindo a reforçar as tendências à fragmentação social que décadas de modernização autoritária tinham produzido. A questão social sob a administração do Estado vem à tona com pouca sustentação nos atores que deveriam ser os seus portadores naturais, orientada como estava para os fins políticos da reprodução do poder tutelar que se empenhava, como recurso de legitimação, na satisfação dos desejos de consumo das multidões.

Naquele contexto o que importava era a preservação das posições conquistadas no interior do Estado, pois era a partir dele que realizava o seu enlace com os movimentos sociais e setores da sociedade civil, aí incluídas atividades empresariais de todo gênero, movimento que mereceu ser designado como o Estado Novo do PT. Seus efeitos foram letais na medida em que expos as estruturas do Estado às ações de grupos de interesse que se valeram dessas relações promíscuas para a expansão dos seus negócios e atividades econômicas, terreno fértil à corrupção. Com este flanco aberto, escancarou-se a possibilidade para o capitalismo brasileiro de se livrar dos inúmeros obstáculos, sociais e institucionais, que obstavam sua plena realização. A chamada operação Lava Jato foi o cavalo de Troia que permitiu a entrada em cena das hostes que há tempos ansiavam por essa oportunidade.

Com o terreno da política desertificado, lastro deixado pela Lava-Jato, afetado em sua credibilidade o sistema da representação política, destruídas as escoras e referências que orientavam o sistema de crenças da sociedade, já enfraquecidas por anos de práticas refratárias a uma cidadania ativa por parte do PT, a cena pública tornou-se presa fácil do mundo dos interesses e de todos os apetites. Uma ralé de novo tipo, com extração nos setores das camadas médias, em busca da fama e da riqueza fácil, inebriadas pelo mito pós-moderno da personalidade, vislumbra na sociedade indefesa a sua hora e a sua vez e consegue postos importantes no sistema da representação política. Com a infiltração desses vândalos a obra da ainda inacabada civilização brasileira passa a sofrer graves ameaças.

Contudo, dessa história de ruínas permaneceram de pé as instituições edificadas no já longínquo 1988, ano em que celebrou sua Carta democrática, e por isso mesmo os bárbaros que a sitiam têm como lema a sua destruição. Seus defensores, com firmeza e sabedoria, têm sabido até aqui preservar esse último reduto da democracia brasileira, mas seu esforço solitário não é garantia de que poderão sem recursos externos sobreviver ao cerco a que estão expostas. A dificuldade para a efetivação desse movimento está na pandemia que nos assola, e que nos mantém confinados em defesa da vida. Há outros recursos, porém, que embaraçam as ações dos que tramam contra nossa democracia, um deles, nada irrelevante, provem do mundo ao redor.

As forças que nos rondam em nome da destruição da nossa obra coletiva também sabem calcular, e têm tudo a temer, na economia e na política, no cenário atual das coisas no mundo, caso prevaleçam impulsos em suas ações no sentido de apostar na barbárie que anima tantas lideranças suas. O Brasil não é uma ilha, e faz parte desde sua origem do sistema capitalista mundial, filho do Ocidente, sua formação nacional se forjou sob a influência das correntes de ideias que nos vinham da França, no Império, segundo a modelagem operada pelo Visconde do Uruguai, e, na República, dos EUA que inspirou em larga medida a sua primeira Constituição em 1891, obra em grande parte derivada da influência de Ruy Barbosa na sua redação.

Orbitamos desde aí, de Rio Branco a Nabuco e Osvaldo Aranha em torno desse último eixo, que agora se move em reação contrária a política de Donald Trump que desafia as concepções dos seus pais fundadores em nome do seu projeto de poder em antagonismo com o universalismo e ideais civilizatórios preponderantes ao longo da sua história republicana. Tal movimento, nos dias que correm, tendo como estopim a questão racial, ganhou as ruas, em que pese a pandemia que a todos atinge, em multitudinárias manifestações de jovens apoiadas pela opinião pública e de grandes personalidades do mundo da cultura e dos esportes, não lhe faltando sequer palavras de simpatia entre algumas de suas elites militares. Anuncia-se a possibilidade de mudança nas coisas do mundo.

A política dos governantes que aí estão se encontra desalinhada das tendências benfazejas que ora se afirmam em todos os cantos do planeta. Sob a pressão da pandemia em curso, a linguagem da cooperação se universaliza, com forte intensidade na dimensão da ciência onde se fazem presentes vigorosas denúncias do estado de coisas reinante no mundo, que adoece pelas desigualdades sociais, pela degradação da natureza e da vida em geral. Coube a nós viver essa quadra inclemente sob a condução de ideologias de hospício, hostilizados pelo bestiário de dirigentes que afrontam o mundo e o que há de melhor em nosso país. Isso que aí está não pode durar, não vai durar.
Luiz Werneck Vianna

Acabou a 'liberdade dos tolos'?

Li, estes dias, na coluna de Yascha Mounk, na Folha de S.Paulo, que o "Brasil já é uma democracia sob supervisão militar". Concordo em parte, como explicarei a seguir.

Para começar: lotear os ministérios com militares, em vez de quadros técnicos, como originalmente prometido pelo presidente Jair Bolsonaro, é um sinal claro dessa supervisão. O mesmo vale para declarações dúbias como a do ministro-chefe da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos, de "não esticar a corda". Parece que há militares da ativa se confundindo sobre o papel dos militares. Eles são do Estado, e não um braço armado do governo. E servem para proteger a democracia e os cidadãos, sendo eles "de esquerda" ou "de direita".

Afastar o presidente do cargo, por meio de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou de um impeachment, faz parte do jogo democrático. E não de uma tentativa de "esticar a corda". Só para lembrar que a ex-presidente Dilma Rousseff foi removida do poder por causa de "pedaladas fiscais" e sob o aplauso – e até ofensas – do então parlamentar Jair Messias Bolsonaro.

No meu entender, o impeachment de Dilma foi um jogo sujo, mas, obviamente, dentro das regras democráticas. O impeachment serve como saída de emergência no sistema presidencial. No sistema parlamentar, a saída é mais fácil e menos dolorosa: basta o parlamento eleger um novo primeiro-ministro e acabou. Sem drama.

Mas entendo que seja mais fácil fazer o impeachment de uma presidente da esquerda. É impensável fazer o impeachment de um presidente "de direita", que tem centenas de militares no seu governo? A direita sempre possui uma certa Narrenfreiheit, palavra alemã maravilhosa, que significa "liberdade dos tolos". É só olhar para a turma dos 300 do Brasil, que fizeram todo mundo de bobo na Esplanada dos Ministérios por semanas. Acamparam na Esplanada, xingaram e ameaçaram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e os congressistas em plena Praça dos Três Poderes, copiaram as marchas noturnas com tochas dos nazistas e supremacistas brancos e até "bombardearam" o STF com fogos de artifício. E, ainda por cima, posaram com suas armas para fotos.

Nunca um grupo da esquerda teria tido tal Narrenfreiheit. E nunca um policial militar teria levado um desaforo de um ativista "da esquerda" como levou de Sara Giromini "Winter" no dia da remoção do acampamento dos 300 do Brasil. Aposto que a Sara estava lançando sua candidatura para 2022 ao xingar o policial. Igual fez seu ídolo, o então deputado Bolsonaro, que lançou sua candidatura para 2018 ao ofender Dilma na votação do impeachment em 2016.

A República sempre teve uma certa cegueira no olho direito. Afinal de contas, foram os militares que proclamaram a República, em 1889, e não forças políticas. (Ou será que os militares se enxergam como força política? Isso explicaria muita coisa.) Por isso, tenho que discordar de Yascha Mounk num ponto: o Brasil sempre esteve sob a supervisão militar.

Pode-se traçar uma linha desde a Proclamação da República, do começo da era Vargas, com a Revolução de 1930, passando pelo fim da presidência dele, pressionado pelos militares, e até o golpe de 1964. Desde 1988, o Brasil tenta tirar a supervisão militar. Mas lembramos das notas emitidas por militares, no fim do governo Dilma e na ocasião de uma suposta soltura do ex-presidente Lula da prisão, quando militares das mais altas patentes tomaram um lado.

Agora, uma parte do aparato militar faz parte do governo Bolsonaro. Nas manifestações do dia 7 de junho, em Brasília, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, general da reserva do Exército e atual ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional, fez questão de cumprimentar os policiais que fizeram o cordão de isolamento entre os manifestantes "da esquerda" e os bolsonaristas. Foi festejado como herói pelos "blogueiros" bolsonaristas, que seguem fielmente a filosofia dos Jedi de "Guerra nas Estrelas" que diz: "Aliada minha é a Força, e poderosa aliada é." Eles têm muitos motivos para acreditar que "a força está com eles".

Minha experiência de manifestações é que as forças policiais não hesitam em lançar gás e bombas de efeito moral contra manifestantes "da esquerda", além de balas de borracha e cacetadas. Nunca se atreveriam a fazer isso com manifestantes do outro lado.

Sobrou agora para a Justiça enquadrar os 300 do Brasil e a militância pró-governo. Na manifestação do dia 7 de Junho, ouviam-se reclamações por parte dos manifestantes bolsonaristas, que tinham a plena liberdade de se aglomerar na Praça dos Três Poderes (algo que os manifestantes "da esquerda" não podiam). Compararam as buscas e apreensões, feitas pela Polícia Federal nas casas de apoiadores do presidente Bolsonaro à perseguição que os judeus sofreram na Europa nazista. Chamaram o STF e o Congresso de "comunistas" e conclamaram uma "intervenção militar". Tudo fora da lei e do contexto histórico.

Resta saber se a "liberdade dos tolos" agora acabou. E o que o presidente Bolsonaro quis dizer, quando comentou as investigações contra políticos bolsonaristas que supostamente financiaram os atos dos 300 do Brasil com a seguinte frase: "Está na hora de tudo ser colocado no seu devido lugar."

Thomas Milz

Capitão Sanguessuga

Bolsonaro ‘vampiriza’ o prestígio dos militares para escorar seu governo cada vez mais impopular. O resultado é que não se pode mais dizer, hoje, que se trata de um governo civil com militares. É uma administração fraca que se cerca de militares para simular força e impedir sua queda por meio da intimidação dos outros poderes. Ou seja, é uma relação desigual, na qual a corporação perde e Bolsonaro ganha
Christian Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj)

Primeiro alerta aos militares: acabarão como o Sansão bíblico?

O primeiro alarme acaba de soar. Enquanto Bolsonaro vê sua taxa de apoio popular reduzida a 30% antes dos dois anos de mandato, os militares, que eram junto com a Igreja uma das instituições com maior índice de aprovação na sociedade, começam a descer a ladeira. Segundo a recente pesquisa do Instituto da Democracia, pela primeira vez o mítico apoio popular ao Exército começa a desmoronar, perdendo 7 pontos, enquanto sua permanência no Governo não contribui para a democracia na opinião de 58%.

Começa-se a notar na opinião pública a inquietação de que essa presença maciça dos militares no Governo de Bolsonaro, com suas manias golpistas, possa resultar em um desastre para todos. O apoio à ideia de uma ruptura institucional para permitir um golpe militar em nome do combate à criminalidade passou de 55,3% em 2018 para escassos 25% hoje.


Cabe perguntar aos militares o que os leva a continuar apoiando um Governo que está murchando aos olhos da opinião pública, cada vez mais encurralado internacionalmente. O índice de aprovação a Bolsonaro no Brasil se deteriorou os últimos meses com o desprezo do presidente pela pandemia, a tentativa de ocultar as mortes e sua falta de empatia com as vítimas, que estão prestes a serem as mais numerosas do mundo.

Há quem se pergunte o que esperam os militares para abandonar essa situação de apoio a um Governo contra o qual estão crescendo as manifestações populares, as quais poderiam alcançar a eles mesmos. Como escreveu dias atrás Carla Jiménez, diretora de redação do EL PAÍS Brasil, essa ambiguidade dos militares pode fazê-los serem vistos como “cúmplices” das ações de um presidente que já é tido como um caso psiquiátrico. Será só o acúmulo de salários, como ironizou o genial colunista Elio Gaspari? Ou será o prazer da visibilidade midiática por seus cargos no Governo, que os faz aparecerem, dia sim, dia não, pontificando sobre a política, da qual deveriam ficar de fora?

De qualquer modo, a responsabilidade dos militares perante a sociedade que começa a abandoná-los é grave, já que nada poderia ser mais perigoso para o Brasil, para sua imagem dentro e fora do país, que acabar perdendo sua cota cada vez mais minguada de popularidade.

Seria triste que os militares brasileiros que deram apoio à democracia, o que acabou por redimi-los da noite escura da ditadura, possam perder hoje sua credibilidade por um prato de lentilhas. Tomara não repitam a simbologia da passagem bíblica de Sansão, para citar um exemplo tirado do Livro Sagrado que seu atual chefe, o presidente Bolsonaro, exibe junto à Constituição.

Sansão, segundo aparece no Livro dos Juízes (capítulos 13 a 16) da Bíblia hebraica, foi o último juiz de Israel antes da monarquia. Tinha sido agraciado por Deus com uma força especial. Era capaz de despedaçar um leão com suas mãos. Seus inimigos eram os filisteus. Contra eles Javé tinha dado um poder especial que residia em sua vasta cabeleira de nazareno.Sansão pediu permissão para se apoiar em uma coluna do edifício e com um simples movimento fez desabar o templo, onde morreram ele e os filisteus

Sansão, entretanto, caiu na fraqueza de se entregar às delícias de uma prostituta que lhe arrancou o segredo da sua força. Assim, enquanto dormia em seus braços, fez que lhe cortassem sua cabeleira, e começou seu declínio. Os inimigos lhe arrancaram os olhos, obrigaram-no a labutar num moinho de grãos. Só que ali o seu cabelo cresceu novamente, e ele recuperou a força. Os filisteus não sabiam, e um dia o convidaram a ir ao templo. Estava, diz a Bíblia, abarrotada com 3.000 filisteus que ocupavam até o teto do templo. Sansão pediu permissão para se apoiar em uma coluna do edifício e com um simples movimento fez desabar o templo, onde morreram ele e os filisteus.

As histórias bíblicas têm muitas leituras. A de Sansão já foi tema de todas as artes, da literatura à pintura, e de todas as interpretações religiosas e laicas. E hoje se tornou atual na complexa história de Bolsonaro e dos militares. Não sabemos de onde vem a força que Bolsonaro revelou nas últimas eleições, quando obteve 57 milhões de votos sem nunca ter sido nada antes, nem como deputado em seus 30 obscuros anos de Congresso e menos como militar, já que foi forçado a abandonar sua carreira por causa dos seus instintos terroristas.

Talvez essa força do “mito”, que como Sansão hoje ameaça derrubar as colunas da democracia, tenha sido conferida pelos milagrosos robôs e fake news usados em sua campanha, ou como desforra pela humilhação de ter ficado em simples capitão reformado, para se tornar comandante-chefe de todas as Forças Armadas do país. É algo de que hoje ele se gaba. Não se deram conta os militares de que o acolheram e estão se tornando seus cúmplices no governo?

Cuidado, porque o novo Sansão pode acabar em sua loucura preferindo que todos morram com ele, derrubando as colunas do templo da Constituição. Perderíamos todos: ele, os militares, a sociedade e o mundo, porque o Brasil acabaria reduzido a mais uma república de bananas após ter sido o coração econômico do continente e a inveja do mundo quando o país desfrutava tranquilo de sua reconquistada democracia e era visto como o país do futuro.

Como acaba de afirmar Fernando Gabeira, que conhece como poucos, palmo a palmo, os territórios mais recônditos do Brasil e não pode ser acusado de conivência com o poder, “nem todos sabem como este país é grande, diverso, solidário e magnífico em sua beleza”. E alerta: “Impedir que ele se dissolva é a grande tarefa de construir uma civilização tropical onde só querem pastos, fuzis, carros e eletrodomésticos”.

Cuidado, senhores militares! O Brasil é maior, mais importante e interessante no mapa mundial que as mesquinhas manobras de poder. E vocês são os garantes de defender este grande patrimônio para que não seja jogado na roleta da morte.