domingo, 16 de novembro de 2014

Infelizmente é de luxo


'Não deixarei pedra sobre pedra'


À Dilma não bastará remover as pedras da corrupção da Petrobras; terá que começar a cortar em sua própria carne
Acossada pelas denúncias de corrupção na Petrobras, a então candidata Dilma Rousseff prometeu, durante as eleições, que não deixaria “pedra sobre pedra” nas investigações.

Com a eleição ganha, o tsunami sobre a empresa – hoje humilhada e despojada de boa parte de sua riqueza – continua amontoando novas pilhas de pedras de acusações, segundo denúncias da polícia federal. É o que revelam as últimas prisões de altos funcionários das maiores empresas brasileiras que trabalham para a petroleira e que seria o grande exército de “corruptores” e não só de corruptos que ainda deverão ser revelados.

O esforço hercúleo de Rousseff para derrubar o muro cada vez mais alto da corrupção na Petrobras se torna cada dia mais árduo e difícil, e ameaça sepultar a presidenta e seu novo Governo antes mesmo de começar.

O Brasil está atônito e envergonhado, incrédulo. O país até pouco tempo atrás admirado por sua vitalidade econômica aparece interna e externamente como objeto de um dos maiores escândalos políticos de corrupção de sua história democrática.

É possível que a atávica passividade e resignação dos brasileiros com a corrupção esteja acabando e que a sociedade, desta vez, exija do novo Governo medidas rápidas, exemplares, sem ambiguidades, sem dissimulações, sem se refugiar na página bíblica de Pilatos lavando as mãos.

O Brasil não é mais o mesmo dos tempos do escândalo de corrupção do “mensalão”. A sociedade cresceu e amadureceu, e se tornou mais sensível aos excessos desse casamento mafioso entre a política e o grande empresariado.


Já não adianta tentar convencer a população a engolir qualquer desculpa. Até os que preferiram votar em Rousseff como reconhecimento aos avanços sociais realizados pelos Governos do PT hoje exigem dela medidas concretas. Ela terá que cumprir com sua promessa de “não deixar pedra sobre pedra” para chegar ao fundo do poço dessa enxurrada de corrupção que hoje está à vista de todos e que não admite deturpações possíveis.

Basta pouco

 
"Para persuadir a massa, basta amedrontá-la; 
um milagre ou dois cumprem o mister"
Victor Hugo 


O 'Dia do Juízo Final' e o Apocalipse do petismo


Diga-se pela enésima vez: o PT não inventou a corrupção. É claro que não! O que o partido fez foi transformá-la num sistema e alçá-la à categoria de uma ética de resistência. Nesse particular, sem dúvida, inovou. Se, antes, a roubalheira generalizada era atributo de larápios, de ladrões, de safados propriamente, ela se tornou, com a chegada dos companheiros ao poder, uma espécie de imperativo do “sistema”. Recorrer às práticas mais asquerosas, contra as quais o partido definiu o seu emblema na década de 80 — “Ética na política” —, passou a ser chamado de “pragmatismo”.

Observem que o partido não se tornou “pragmático” apenas nessas zonas em que a ação pública se transforma em questão de polícia. Também a sua política de alianças passou a ter um único critério de exclusão: “Está do nosso lado ou não?”. Se estiver, pouco importa a qualidade do aliado. Inimigos juramentados de antes passaram à condição de fieis aliados. O símbolo dessa postura, por óbvio, é José Sarney. No ano 2000, Lula demonizava Roseana nos palanques; em 2003, os petistas celebraram com a família uma aliança de ferro.

Os demônios que vão saindo das profundezas da Petrobras são estarrecedores. Não se trata, como todos podemos perceber, de desvios aqui e ali, como se fossem exceções a regras ancoradas no rigor técnico. Não! A corrupção era, tudo indica, sistêmica; não se tratava de um corpo estranho; era ela o organismo. E, convenham, parece que não havia valhacouto mais acolhedor e seguro do que a estatal. A Petrobras, com a devida vênia, nunca foi exatamente um exemplo de transparência, já antes de Roberto Campos ter-lhe pespegado a pecha de “Petrossauro”.

Em nome do nacionalismo mais tosco — antes, meio direitoso, com cheiro de complexo burocrático-militar; depois, com o viés esquerdoso, tão bocó como o outro, só que ainda mais falsificado —, há muitos anos a empresa se impõe ao país, não o contrário. Não foram poucas as vezes em que mais a Petrobras governou o Brasil do que o Brasil, a Petrobras. Com a chegada do PT ao poder, o que já era nefasto ganhou ares de desastre.

Dilma em estado puro


O que a presidente reeleita Dilma Rousseff, o PT e o ex-presidente Lula, condutor de uma e do outro, pretendem fazer em relação aos 51 milhões de brasileiros que votaram em seu adversário Aécio Neves na eleição presidencial de outubro? É uma pergunta que deixa impaciente o alto-comando do governo; e torna especialmente irado seu sistema de propaganda. Gostariam de que essa gente toda não existisse; não podendo fazer com que ela evapore no ar, acreditam que a saída é não reconhecer sua existência. A indagação, que continua sem resposta clara, é perfeitamente razoável, levando-se em conta que os 51 milhões de pessoas em questão estarão aí pelos próximos quatro anos – não só eles, na verdade, já que outros 37 milhões de cidadãos nem apareceram para votar, votaram em branco ou anularam seu voto.

Ao todo, no fim da conta, resulta que perto de 90 milhões não votaram na presidente que ficará no Palácio do Planalto até janeiro de 2019. Além disso, a diferença em seu favor foi a menor desde que PT e PSDB começaram a bater chapa, doze anos atrás. (A vantagem vem diminuindo a cada eleição: passou de mais de 61% dos votos, em 2002, para menos de 52%, em 2014.) É apenas matemática, ciência indiferente aos desejos do PT ou de qualquer outro partido. Mas o governo fica de mau humor quando alguém fala no assunto, e o resultado é essa situação esquisita em que os vencedores ficam reclamando o tempo todo dos vencidos.

Não ajudou em nada, é claro, a derrota que o governo sofreu no Congresso na primeira votação depois das eleições, quando deputados e senadores puseram a pique o decreto presidencial que criava “conselhos populares”─- uma pescaria em água mais do que turva cujo único mérito foi ter morrido antes de nascer. Mas isso é coisa que vem de políticos, espécie humana altamente eficaz na prática de trocar uma posição por outra, dependendo dos benefícios que recebe; sempre é possível fazer amanhã o que não deu para ser feito hoje. O problema, mesmo, é com a massa que ficou do lado de fora ─ e aí está o motivo mais visível da neurastenia do PT e seus subúrbios em relação ao povo que votou contra a candidata oficial ou não votou nela.

Como comprar 51 milhões de pessoas, ou mais ainda? Não dá. Por mais ministérios, estatais e empregos gordos que criem, por mais ONGs que sustentem e por mais contratos de “prestação de serviços” que assinem, nem Dilma nem Lula conseguiriam fechar negócio com tanta gente assim. O que poderia lhes render apoio entre a metade dos eleitores que votou na oposição não é dinheiro, nem emprego com carro oficial e “cartão corporativo”; é uma meia dúzia de mudanças, não mais, na conduta moral dos governantes e no abandono da estratégia de governar o Brasil por meio da empulhação. Mas isso Lula, Dilma e o PT não vão fazer. Não querem, e provavelmente não podem.

Fica travada, assim, a resposta para a pergunta feita na primeira frase deste artigo, o que não parece anunciar um futuro sereno. Os números finais da eleição recomendariam que os ganhadores fizessem alguma tentativa honesta de estender a mão aos perdedores, mesmo porque têm a responsabilidade legal de governar todos os brasileiros. Os 51 milhões de eleitores que votaram em Aécio não perderam a cidadania em 26 de outubro; perderam apenas uma eleição. Mas esse tipo de raciocínio não faz parte do mundo mental do PT. Na verdade, pelo que comprovam os fatos mais recentes, o governo se mostra ansioso em seguir pelo caminho contrário. Dilma, por exemplo, continua sendo Dilma em estado puro.