terça-feira, 16 de agosto de 2022

Pensamento do Dia

 


Dois caminhos errados

As eleições que se aproximam estão sendo movidas quase que exclusivamente pelas paixões políticas, não deixando lugar sequer para um mínimo de competição entre ideias ou projetos. Estes parecem não fazer falta para animar as campanhas ou convencer os eleitores. É o verde contra o vermelho e não é preciso mais nada. As pessoas se reúnem em torno destes símbolos, sem se perguntar muito o seu alcance e o seu significado. Há quem diga, e não sem razão, que muitas vezes ser verde é mais odiar o vermelho do que amar o próprio verde. E vice-versa. No final será uma eleição , como disse alguém, em que a maioria vai votar contra e só uma minoria vai votar a favor.

Uma nação não se sustenta com esses sentimentos puramente negativos. Se continuar assim o país estará se encaminhando para uma encruzilhada existencial. Há dias David Brooks, um excelente colunista do New York Times, discorrendo sobre a complexidade do mundo contemporâneo, concluiu que o principal problema de qualquer sociedade é a ordem : a ordem moral, a legal e a social. Quando falta ordem as sociedades não tem como evoluir, e na verdade retrocedem. Eu acrescento que a ordem que faz evoluir uma sociedade é a ordem cuja fonte é o consentimento coletivo e não a que é imposta verticalmente por meio da autoridade e da força. O Brasil corre hoje o risco de tornar-se um conjunto social incapaz de produzir consensos por meio do compromisso político, uma vasta arena em que reinará apenas a obsessão de vencer, de destruir e de eliminar.


Se é verdade que este clima de paixão e de antagonismo reflete uma realidade mais profunda, que está encarnada no tecido social, os dois candidatos que disputam de fato a eleição, porque concentram a maioria do apoio popular, não tem feito nada para amenizar os conflitos e prometer algum tipo de pacificação no futuro.

A campanha do Presidente Bolsonaro optou por ocupar a agenda política com temas da religião, da moral e da cultura, questões que não se prestam à soluções próprias da política, constituidas pela negociação e pelo compromisso, em que cada lado cede uma parte para se chegar a um denominador comum. Estas questões são de caráter absoluto, dividem as pessoas de modo duradouro e não tem solução por meio da razão. Divisões religiosas e culturais tem sido a maldição de alguns povos, separando irmãos e até derramando sangue inocente. A história nos livrou por séculos desta maldição e cabe agora a nós impedir que ela venha se instalar entre nós.

Do outro lado do campo político, a candidatura do ex-presidente Lula tem como meta principal reconstituir o passado, prometendo voltar aos tempos idílicos dos governos do PT, revogando as mudanças legais implantadas após a interrupção do governo Dilma. A interpretação dos fatos sociais e econômicos está sempre exposta à controvérsias, mas é impossível negar que de 2014 a 2016 o Brasil viveu um verdadeiro desastre, com a maior recessão acumulada de nossa história, com o descontrole da inflação e um grave desarranjo fiscal, tudo isto claramente provocado por erros do governo. O governo Temer foi um periodo de reconstrução do Estado e das empresas públicas e de reformas importantes, cujos efeitos são inequívocamente positivos. Revogar o que foi feito não é um programa para o futuro, mas um movimento francamente reacionário.

De um lado e de outro da luta política não se nota qualquer preocupação com as duas questões essenciais : como voltar a crescer a economia à taxas suficientes para diminuir a pobreza e melhorar o padrão de vida da maioria dos brasileiros e como preparar o país para aproveitar as novas mudanças geopolíticas que estão em marcha e que abrem inesperadamente oportunidades para a reindustrialização do Brasil e sua inserção mais profunda na economia do Ocidente.

Enquanto as oportunidades passam, o debate político pobre e míope impede nosso país de aproveitá-las. Isto nos lembra com tristeza o vaticínio do velho Roberto Campos: o Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade.

O demônio da fé dos outros

Como Jair Bolsonaro deve estar informado, sua mulher é ainda mais sem noção do que ele. Com poucas palavras, ela desmontou a fantasia de que o Brasil seja um país tolerante com a diversidade religiosa. “Isso pode, né? Falar de Deus, não”, comentou Michelle no post de uma vereadora dizendo que Lula “entregou a alma para vencer a eleição” e mostrando um vídeo dele na cerimônia de purificação da Irmandade da Boa Morte e Glória, em Cachoeira, na Bahia. O ataque não é contra Lula, o anátema de seu bendito consorte. Lula é um detalhe, porque o sujeito oculto é a religião afro.

Antes perseguida pelas autoridades da Colônia e do Império, pela polícia da República Velha, também pelas forças repressoras de Getúlio, as religiões afro só encontraram compreensão (eufemismo, é claro) em meados do século passado. Se deixaram de ser violentadas pela polícia, ao menos na aparência legal, tornaram-se alvo preferencial desde a ascensão de algumas correntes evangélicas. Mais do que religioso, é ideológico. A cerimônia da Irmandade baiana ocorre há 200 anos.


Como Michelle sabe, num único exemplo, o lendário terreiro Casa Branca, da nação nagô, é reconhecido como patrimônio cultural brasileiro desde 1984. O templo de Guilherme de Pádua, frequentado por ela, não recebeu tamanha honraria.

Michelle, porém, está incorporada a um quadro maior. Melhor: em que momento nasce a crença e se inicia a busca pelo voto?

Vale a pena buscar indícios.

Se Bolsonaro se configurar apenas como um pesadelo de inverno, ao olharmos para este período, certos fatos não deverão ser negados em seu crédito, qual seja, desmentir alguns mitos: 1) o Brasil ser uma terra cordata; 2) racialmente democrática; 3) fraternal com todos os credos; e 4) não existir racismo.

Desde sempre — só alguns empresários não sabiam —, Bolsonaro tratou de escandir seus preconceitos contra os gays, as mulheres e a vida alheia. Se defendeu o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso, a guerra civil como método político de extermínio dos adversários e a sanguinária ditadura militar brasileira, mesmo sendo “liberdade de expressão”, perpetrou na prática a liberação geral das armas.

— Quero todo mundo armado — já esperneou sua principal política pública.

Como se por acaso o Brasil já não trouxesse a manchete anual sobre homicídios por armas de fogo, cujos principais alvos são os jovens negros. Eis uma política pública. Em pouco mais de três anos, Bolsonaro distribuiu sua parlapatia léxica num exercício diário de deseducação de civilidade. Foi útil. Ajudou o Brasil a deixar de ignorar que, atrás de sua retórica, escondem-se milhões de cidadãos prontos a tuitar preconceitos medievais como se fossem ventríloquos. Até que sua política pública passou a mostrar resultados práticos, com assassinatos a sangue-frio até na plateia de espetáculos musicais.

A linguagem, como Bolsonaro cansou de estudar em vários livros, é uma arma branca capaz de induzir ao amor — ou ao ódio. Não tenho visto muito amor vindo dele ou de seus ventríloquos, como as incendiárias Damares Alves, Carla Zambelli — e agora, Michelle Bolsonaro. A questão: será que atrás de um grande homem sem noção existe uma grande mulher ainda mais sem noção?

Ao mirar o candomblé, Michelle explicitou a perseguição empreendida por certos cultos evangélicos contra as religiões de matriz afro no Brasil. Realçou a intolerância de sua representação diante da diversidade religiosa. Basta uma busca casual pela internet e surgirão centenas de casos de ataques a terreiros e a seus praticantes.

O preconceito da primeira-dama só estimula maior violência contra religiões afro, como o candomblé. Damares e Michelle — são tão parecidas, meu Deus — falam em inferno (não é o preço do tomate) e em luta contra contra o mal (não é a gestão de Pazuello), mas atiçam o povo armado contra seus desafetos religiosos.

É ideológico. E nem é original em seu preconceito. Para fugir dos maus-tratos, os negros escravizados se aproximaram das igrejas e criaram várias irmandades. Como proteção, também, para não ser surrados por chicotadas, aceitavam ser batizados. Para o sincretismo, apenas um passo. Foi um artifício de sobrevivência física e cultural.

Na década de 1940, a antropóloga Ruth Landes — judia, branca e de olhos claros — escreveu o belíssimo e revelador “Cidade das mulheres”. Ciceroneada por Edison Carneiro, percorreu os terreiros de Salvador para construir uma obra precursora que identificava o predomínio das mulheres como mães de santo, quase um matriarcado, a inexistência na religião de preconceito de gênero e nenhum problema com a prática sexual.

Não à toa, Michelles e Damares daquele tempo (sou capaz de imaginar a razão) também espalhavam mentiras diversas, incomodadas com tanta liberdade, ausência de culpa e o dionisíaco sabor pela vida frugal, dedicada de fato ao outro, sem pedir dízimo em troca.

Para combater um tipo de religião tão livre e alegre — seria inveja? —, buscam até hoje, agora com ajuda do aparato presidencial, colocar os seus demônios na fé dos outros.

O Brasil voltará a ser o país do futuro?

No final de 2012 cheguei ao Brasil como correspondente. Queria escrever sobre a nação que então era considerada a mais empolgante do mundo. O Brasil era o "país do futuro", que finalmente florescia para se tornar uma potência política e econômica.

Um país que mostraria ao mundo como pessoas de cores e origens culturais diferentes podem conviver de forma criativa e produtiva. Um país que finalmente aproveitaria seu gigante potencial para gerar prosperidade para todos.

Eu estava enganado. Os últimos dez anos foram anos perdidos. O Brasil tem o estranho hábito de andar em círculos e sempre voltar para o começo. Neste país, as questões mais fundamentais sempre têm que ser negociadas novamente.

Para mim pessoalmente não foram anos perdidos. Pode soar cínico, mas jornalistas vivem de notícias ruins, violência, catástrofes, injustiças e desenvolvimentos negativos. E o Brasil teve mais do que o suficiente disso para oferecer.


Começou em 2013, quando um incêndio na boate Kiss, na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, matou 242 pessoas e feriu outras 636. A tragédia foi a segunda maior do Brasil em número de vítimas em um incêndio. Foi um alerta para o que estava por vir nos anos seguintes.

Depois de uma década de crescimento econômico, o Brasil começou a mergulhar numa crise. Em meados de 2013, milhões saíram às ruas, a maioria jovens. Eles exigiam um Brasil diferente, mas democrático e mais justo: com melhor educação, serviços de saúde, segurança e transporte público e sem corrupção. Mas os protestos foram criminalizados, a Polícia Militar reagiu com violência, e a mídia transmitiu a falsa impressão de que o radical Black Bloc deu o tom para as manifestações.

Naquele momento havia uma chance de mudanças, de um diálogo social. Ela foi desperdiçada.

Daí veio a Copa do Mundo, com suas muitas promessas quebradas e obras de estádios superfaturadas. Para o Brasil, a Copa acabou com o 7 a 1 contra a Alemanha, que pareceu simbolizar o estado da nação.

No mesmo ano, Dilma Rousseff foi reeleita por margem estreita. A profunda divisão da sociedade brasileira ficava evidente. A direita começou uma campanha contra Dilma e o PT, e, como resultado, milhões voltaram às ruas – desta vez não para protestar por um país mais justo, mas pelo impeachment da presidente democraticamente eleita. O que começou como algo progressista em 2013 acabou se transformando em algo reacionário em 2015.

As investigações da Lava Jato começaram no início de 2014 e trouxeram à tona um dos maiores escândalos de corrupção da América Latina. Uma grande parte da classe política e da elite econômica do país estava envolvida, e semana após semana novas revelações chocavam o país. Junto com a crise política e econômica, o sentimento de uma crise moral profunda se espalhava.

Em novembro de 2015, uma barragem de rejeitos de mineração se rompeu em Mariana, Minas Gerais. O desastre matou 18 pessoas e contaminou o rio Doce. E muitos se perguntaram se outras barragens da indústria mineradora brasileira eram seguras.

O ano de 2016 foi marcado pelo processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Como nenhum envolvimento da presidente no escândalo da Lava Jato pôde ser comprovado, foram construídas acusações que em circunstâncias normais não teriam levado à destituição.

Nos bastidores, também se tratava de parar as investigações da Lava Jato, que Dilma tinha deixado correr livremente. Os investigadores chegaram perto de figuras poderosas do Centrão – formado por partidos do suposto centro político, mas que na verdade existe para garantir a certos clãs o acesso ao poder e a verbas estatais. "Estancar a sangria" foi a expressão que o senador do então PMDB Romero Jucá usou no contexto do impeachment de Dilma. Após a destituição da presidente, Michel Temer, desse PMDB, assumiu o poder e nomeou um gabinete formado exclusivamente por homens brancos.

O Centrão e a Globo, que havia feito alarde pelo impeachment, calculavam que nas eleições presidenciais seguintes um candidato adepto do liberalismo econômico sairia vencedor. Raramente uma estratégia deu tão errado.
Bolsonaro e a política da desconstrução

Em 2017, a política de pacificação das favelas cariocas fracassou de vez. E ficou a fatal impressão de que ela só foi desenhada para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, ou seja, de que foi "para inglês ver".

Em setembro de 2018, o Museu Nacional no Rio de Janeiro foi palco de um incêndio. O fogo foi provocado por um velho ar-condicionado, não havia proteção contra incêndio no edifício e os hidrantes ao redor não tinham água. O Brasil viu a própria história queimar. O incêndio foi como um símbolo da eleição do outsider e extremista de direita Jair Bolsonaro para a Presidência no mês seguinte. Pouco depois de tomar posse, Bolsonaro disse, durante uma visita a Washington, que o sentido de seu governo não era construir coisas, mas desconstruir.

Bolsonaro cortou verbas para a educação, a saúde e a preservação ambiental. Um resultado: a Amazônia queimou em proporções devastadoras em 2019. A catástrofe chamou a atenção mundo afora quando uma nuvem de cinzas escureceu o céu sobre São Paulo. Desde então, a cada ano mais floresta é desmatada para dar lugar a pastagens de gado de plantações de soja, e os rios da Amazônia são contaminados com mais mercúrio do garimpo ilegal. E o governo Bolsonaro estende sua mão protetora sobre os que se beneficiam da destruição.

Em janeiro de 2019, quase quatro anos depois do desastre de Mariana, se rompeu uma barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho, Minas Gerias. No total, 270 pessoas foram soterradas, entre elas duas grávidas. A mina em questão pertencia à Vale, gigante do setor. Os responsáveis sabiam dos riscos, mas não agiram para economizar custos.

No início de 2020, a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil. Quase 700 mil pessoas morreram da doença desde então. Poderiam ter sido muito menos, se o governo Bolsonaro não tivesse sabotado os esforços de autoridades locais para conter a pandemia. O governo federal demorou, por exemplo, a comprar vacinas. Durante a pandemia, a pobreza voltou a aumentar drasticamente, e milhões de brasileiros só conseguiram sobreviver graças a doações de cestas básicas. Ficou claro mais uma vez quão precária é a situação de grande parte da população do Brasil, um país que na verdade é tão rico.

A seca persistente desde 2018 no Pantanal, um dos cinco grandes ecossistemas do Brasil e internacionalmente famoso por sua diversidade de espécies, levou a incêndios devastadores em 2020. Quase 17 milhões de animais vertebrados morreram. Até hoje chove pouco na região alagada, uma consequência da mudança climática e do desmatamento na Bacia Amazônica.

Em 2021, a favela do Jacarezinho foi palco da ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. Vinte e oito pessoas foram mortas a tiros, algumas executadas. O massacre foi tematizado brevemente na mídia, para logo cair novamente no esquecimento. Desde que vivo no Brasil, chacinas assim se repetem. Mas nada muda.

Em 2022, a fome voltou com tudo no Brasil, segundo as Nações Unidas. São 61 milhões de brasileiros que enfrentam dificuldades para se alimentar; 15 milhões deles passam fome.

A poucas semanas das eleições, Bolsonaro, que está atrás nas pesquisas, voltou a afirmar que as urnas eletrônicas não são seguras, sem apresentar provas. Bolsonaro quer dizer que, se ele não ganhar, os militares terão que intervir. Pela primeira vez desde a redemocratização, há novamente o medo de um golpe.

O Brasil ficou extremamente polarizado nos últimos anos, uma fenda se abriu. Hoje são dizíveis coisas que antes não eram. Mentiras e xingamentos se tornaram algo normal. E muitas vezes acabam em violência. Também a fenda entre ricos e pobres voltou a se aprofundar. A destruição do meio ambiente aumentou, e, graças a Bolsonaro, a máfia ambiental está mais forte do que nunca. Milhões de brasileiros se armaram. As igrejas evangélicas são mais influentes do que nunca e propagam suas superstições junto com suas visões políticas ultraconservadoras.

Nas eleições de outubro também está em jogo se, após dez anos de crise que deixaram claros os déficits do país, o Brasil tem força para novamente se erguer. O país quer continuar caminhando para trás ou ousar dar um passo rumo ao futuro?

Os sete saberes necessários à educação do futuro

Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo escolar ou universitário, e aliás não está concentrado no primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas aborda problemas específicos para cada um desses níveis que precisam ser apresentados, porque dizem respeito aos sete buracos negros da educação completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos, que, na minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações da formação dos jovens que, evidentemente, se tornarão cidadãos.

O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Por quê? Porque, naturalmente, o ensino dá conhecimento, fornece conhecimento, saberes. Porém, nunca se ensina o que é o conhecimento, apesar de ser muito importante saber o que é o conhecimento, tendo em vista que nós sabemos que o problema chave do conhecimento é o erro e a ilusão.

Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria delas contém erros e ilusões, mesmo quando pensamos há vinte anos atrás e constatamos como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção em que os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados a um outro código, e esse código binário transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro e isto é transformado em percepção, logo a percepção é uma reconstrução. Tomemos o exemplo da percepção constante que é a imagem do ponto de vista da retina: as pessoas que estão perto, parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois, a distância, o cérebro não registra e reconstitui uma dimensão idêntica para todas as pessoas, assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que eles estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções da realidade, e toda tradução comporta o risco de erro, como dizem os italianos “tradotore/traditore”.

Assim como sabemos também que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos. Mas são os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não, quero dizer com isso que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processo de leitura, por exemplo, isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra, ou um grupo de palavras e reconstrói o conjunto de uma maneira quase alucinatória, ou seja, neste momento é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos neles, é o mesmo que acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro, as versões e as visões do acidente são completamente diferentes, principalmente, pela emoção e o fato das pessoas estarem em ângulos diferentes.


No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um exemplo um pouco distante de nós; os debates sobre a Primeira Guerra Mundial, uma época em que a França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrários a guerra que se anunciava, mas, do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente, a uma campanha de propaganda cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis, isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação, cada um do seu lado prefere camuflar a parte que lhes é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.

Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é de pensar que a ideia é a realidade, tomar a ideia como algo real é confundir o mapa com o terreno.

Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva à idéias normativas e as que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas como um desvio patológico e são rejeitadas como ridículas, não somente no domínio das grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências, quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido deoxyribonucleico), que surpreendeu e escandalizou a maioria dos biólogos que não pensavam que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas idéias pudessem ser impostas e aceitas. Na realidade as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões, é algo que nos envolvem e nos dão ordens e nos dominam a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: “Os fatos são teimosos, mas na realidade as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito tempo”. Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos, é um problema de todos e que cada um deve levá-lo em conta muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa.

O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Por que? Porque nós seguimos em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar e é evidente que as disciplinas de toda ordem que ajudaram o avanço do conhecimento são insubstituíveis, o que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis, isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade, é preciso ter uma visão que possa situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento pertinente, é mais a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.

A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de um modo que privilegia o cálculo e esquece todos os outros fatores, os aspectos humanos; sentimento, paixão, desejo, temor, medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, que, freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, e por sua vez se liga à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional, o econômico é uma dimensão dessa sociedade, por isso, é necessário contextualizar todos os dados.

Se não houver os conhecimentos históricos e geográficos para contextualizar, cada vez que aparece um acontecimento novo que nos faz descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa, não entendemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar, é essa capacidade que deve ser estimulada e deve ser desenvolvida pelo ensino de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII, e que ainda é válido: “Não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes”.

O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto e, atualmente, o conhecimento deve se referir ao global. O global sendo, bem entendido, a situação de nosso planeta, onde, evidentemente, os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações do conjunto sobre os acidentes locais, o que foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e atualmente com o conflito do Oriente Médio.

O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas estamos em uma sociedade e a sociedade está em nós, pois desde o nosso nascimento a cultura se imprime em nós. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo nós acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária.

Eu creio que se pode fazer convergir todas as ciências sobre a identidade humana. Um certo número de agrupamento disciplinar vai favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história. Tome-se a cosmologia que, efetivamente, utiliza a microfísica, os aceleradores de partículas para imaginar os primeiros segundos do universo, utiliza a observação e pratica uma reflexão filosófica sobre o mundo como Hubert Reeves, como Hawkins, como Michel Cassé e tantos outros. Eles refletem sobre o universo incrível no qual vivemos. Mas o que é importante para a identidade humana, é saber que estamos neste minúsculo planeta perdidos no cosmos. Nossa missão não é mais a de conquistar o mundo como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão se transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos.

Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta que é formado por fragmentos, fragmentos cósmicos de uma explosão de sóis anteriores e resta saber como estes fragmentos reunidos, aglomerados puderam criar uma tal organização, uma auto-organização para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós somos; filhos da vida. A biologia, a teoria da evolução, nos prova como nós trazemos dentro de nós efetivamente o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente que se multiplicou e se diversificou. Quando sonhamos sobre nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram no despertar do universo, temos os átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos filhos do cosmo, mas nos transformamos em estranhos pelo nosso conhecimento e pela cultura.

Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos cada um, um fragmento da sociedade e da espécie homo sapiens a qual pertencemos, e o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe, a sociedade só vive dessas interações.

É importante, também mostrar que, ao mesmo tempo que o ser humano é múltiplo, existe a sua estrutura mental que faz parte da complexidade humana, isto é, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas, dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: “Os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram”. E Herbart, o pensador alemão, afirmou: “Entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes”. Os dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser articuladas, nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa diversidade.


È preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos e modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem surda, muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe, talvez, porque não saiba o que o espera depois…

Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e singularidade. Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia, elas não devem ser consideradas como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária.

Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais e a literatura tem a vantagem de refletir a complexidade do ser humano e a quantidade incrível de seus sonhos. Como James Joyce, por exemplo, que ao criar um personagem, mostrava que uma pessoa pode ter sentimentos totalmente diversos. Ou como o herói de Dostoïewsky, em O Idiota que não sabe se a jovem está apaixonada por ele e no fim da trama, depois de ter sofrido muito, encontra um amigo que lhe diz: “mas que imbecil você é, não entendeu que ela o ama”. Isto pode acontecer com qualquer pessoa, a dificuldade de saber o que o outro pensa e sente.

Marcel Proust mostrou em Um amor de Swan, o que ele chamava de intermitências do coração, que uma pessoa pode se apaixonar, esquecer se da pessoa desejada e voltar a amá-la. Neste romance o herói sofre durante anos de ciúmes por causa de uma mulher e quando ele não está mais apaixonado, ele diz: “mas eu sofri tanto por uma mulher que não me amava e que nem era meu tipo”. Então, podemos compreender a complexidade humana através da literatura, enquanto que a poesia nos ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão bonito. É essa poesia que nos dá força e nos ensina a qualidade poética da vida, porque ela não é somente uma prosa que se deve fazer por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo.

Para que isso aconteça devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio no mundo da paixão em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria. O homem não se define somente pelo trabalho, mas pelo jogo. Não só as crianças gostam de jogar, os adultos também gostam e por isso vemos partidas de futebol. Nós somos homo ludens pois não existe apenas o homo economicus que só vive em função do interesse econômico. Há, também o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças. Enfim, há o homem prosaico e poético, como dizia Hölderling: “O homem habita poeticamente na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia”.

O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa compreender? A palavra compreender vem de compreendere em latim, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, quer dizer, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque na realidade ela comporta uma parte de empatia e identificação, o que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisando as lágrimas no microscópios, mas porque sabe-se do significado da dor, da emoção, por isso é preciso compreender a compaixão que quer dizer sofrer junto, é isto que permite a verdadeira comunicação humana.

No entanto, há os verdadeiros inimigos da compreensão, porque não existe a preocupação de ensiná-la. Na realidade, isto está se agravando, cada vez o individualismo aparece mais, estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo que, consequentemente, alimenta a auto-justificação e a rejeição ao próximo.

A raiva leva a vontade de eliminar o outro e tudo que pode aborrecer, e de certa maneira isto favorece ao que os ingleses chamam de self-deception, isto é, mentir a si mesmo, pois o egocentrismo vai tramando sempre o negativo e esquecendo dos outros elementos. A redução do outro é o que impede a compreensão, a visão unilateral, a falta de inteligência da complexidade humana. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença que nos bloqueia a compreensão. E, por este lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais acusam de alienante, mas que é uma arte que ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis, os invisíveis sociais, ensinando a vê-los por um outro prisma, como por exemplo, Charlie Chaplin que sensibilizou platéias inteiras com o seu personagem do vagabundo, ou Coppola, quando popularizou os chefes da Máfia com “O Chefão”, ou a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis, gangsters, assassinos e ditadores. No cinema como na filosofia de Heráclito: “Despertados, eles dormem”. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.

Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a auto-justificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos.

O quinto aspecto é a incerteza, apesar de ensinar-se só as certezas: a gravitação de Newton, o eletromagnetismo. Atualmente, a ciência abandonou determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios sobretudo na história o surgimento do inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: “os deuses nos causam grandes surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece”. Ou mesmo a velha idéia de 2.500 anos, nós esquecemos sempre.

As ciências mantêm diálogos entre dados sobre os quais se podem basear para dados hipotéticos, outros dados que parecem mais prováveis e os incertos. Os processos físicos ou não pressupõem variações que nos levam a desordem caótica ou para a criação de uma nova organização, como nas teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Ou, analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações a exemplo do mundo vegetal e o mundo animal.

O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar a consciência e a inteligência, mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo, o que quer dizer que a história da vida foi marcada por catástrofes. No fim da era secundária com a queda do asteróide que provocou um desastre, matou os dinossauros e ressecou a vegetação desses animais enormes, matando-os de fome e, por conseqüência dando oportunidade à proliferação dos mamíferos. Assim também nas sociedades humanas, nenhuma sociedade antiga sobreviveu, nem mesmo o império romano que parecia eterno. Todas sofreram o colapso por uma razão ou outra. As sociedades andinas que eram mais potentes que seus colonizadores espanhóis e cujas capitais eram muita mais ricas que Paris, Madri ou Lisboa foram destruídas por espanhóis que chegaram com cavalos e armas desconhecidas.

As duas guerras mundiais destruíram muito na metade do século XX, depois da Primeira Guerra Mundial, os três grandes impérios: romanootomano, austro-húngaro e soviético desapareceram.

Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou, desencadeando influências múltiplas que podem desviá-las até o sentido oposto ao intencionado. A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do século XX foi o projeto político de Gorbatchev que pretendeu reformar o sistema político da União Soviética, mas provocou o começo de sua própria desagregação e implosão. Assim tem acontecido em todas as etapas da história, o inesperado aconteceu e acontecerá, porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Portanto, os espíritos têm que ser fortes e armados para afrontarem essa incerteza e não se desencorajarem. Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora, se admite que não se conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.

O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX, que começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a humanidade, esse fenômeno que estamos vivendo hoje em que tudo está conectado, é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar.

Este ponto é importante porque estamos num momento em que existe um destino comum para todos os seres humanos, pois o crescimento da ameaça letal como a ameaça nuclear se expande em vez de diminuir, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu a nenhuma decisão efetiva, por isso, devemos construir uma consciência planetária.

Conhecer o nosso planeta é difícil: os processos de todas as ordens, econômicos, ideológicos, sociais estão de tal maneira imbricados e são tão complexos que é um verdadeiro desafio para o conhecimento. Já é difícil saber o que acontece no plano imediato. Ortega y Gasset dizia: “Não sabemos o que acontece, isto é o que acontece”, é necessário uma certa distância em relação ao imediato para poder compreende-lo e atualmente em que tudo é acelerado e tudo é complexo, é quase impossível. Mas, é preciso mostrar, é esta a dificuldade; é necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas importantes do planeta como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros. Sobretudo, há, daqui em diante, os problemas de vida e morte para a humanidade, como a arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.

O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética diferem entre culturas e na natureza humana. Existe um aspecto individual, social e genérico, diria de espécie, uma espécie de trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética, a ética que corresponde ao ser humano desenvolver e ao mesmo tempo, uma autonomia pessoal – as nossas responsabilidades pessoais – e desenvolver uma participação social – as responsabilidades sociais – e a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum.

A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque na democracia o cidadão deve se sentir solidário e responsável e permite uma relação indivíduo-sociedade. A democracia em princípio deve controlar, o controlado passa a controlar quem controlava e deve tomar para si responsabilidades por meio de eleições o que permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades. Evidentemente, não existe democracia absoluta, ela é sempre incompleta, mas sabemos que vivemos em uma época de regressão democrática porque existe, cada vez mais, o poder tecnológico que agrava os problemas econômicos, mas na verdade, é importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania para que o indivíduo exerça sua responsabilidade.

Por outro lado, está se desenvolvendo a ética do ser humano com as associações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Green Pace, a Aliança pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de denominações religiosas, políticas ou de Estados nacionais assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar todos dessas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da humanidade.

Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes são os sete saberes necessários ensinar, não digo isso para modificar programas. Na minha opinião não temos que destruir disciplinas, mas temos que integrá-las, reuni-las uma as outras em uma ciência como as ciências estão reunidas, como, por exemplo, as ciências da terra, a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia, todas elas, articuladas em uma concepção sistêmica da terra. Penso que tudo deve estar integrado, para permitir uma mudança de pensamento que concebe tudo de uma maneira fragmentada e dividida e impede de ver a realidade. Essas visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes.

E, hoje, que o planeta já está ao mesmo tempo unido e fragmentado começa a se desenvolver um ética do gênero humano para que possamos superar esse estado de caos e iniciar, talvez, a civilizar a terra.