Um país que mostraria ao mundo como pessoas de cores e origens culturais diferentes podem conviver de forma criativa e produtiva. Um país que finalmente aproveitaria seu gigante potencial para gerar prosperidade para todos.
Eu estava enganado. Os últimos dez anos foram anos perdidos. O Brasil tem o estranho hábito de andar em círculos e sempre voltar para o começo. Neste país, as questões mais fundamentais sempre têm que ser negociadas novamente.
Para mim pessoalmente não foram anos perdidos. Pode soar cínico, mas jornalistas vivem de notícias ruins, violência, catástrofes, injustiças e desenvolvimentos negativos. E o Brasil teve mais do que o suficiente disso para oferecer.
Começou em 2013, quando um incêndio na boate Kiss, na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, matou 242 pessoas e feriu outras 636. A tragédia foi a segunda maior do Brasil em número de vítimas em um incêndio. Foi um alerta para o que estava por vir nos anos seguintes.
Depois de uma década de crescimento econômico, o Brasil começou a mergulhar numa crise. Em meados de 2013, milhões saíram às ruas, a maioria jovens. Eles exigiam um Brasil diferente, mas democrático e mais justo: com melhor educação, serviços de saúde, segurança e transporte público e sem corrupção. Mas os protestos foram criminalizados, a Polícia Militar reagiu com violência, e a mídia transmitiu a falsa impressão de que o radical Black Bloc deu o tom para as manifestações.
Naquele momento havia uma chance de mudanças, de um diálogo social. Ela foi desperdiçada.
Daí veio a Copa do Mundo, com suas muitas promessas quebradas e obras de estádios superfaturadas. Para o Brasil, a Copa acabou com o 7 a 1 contra a Alemanha, que pareceu simbolizar o estado da nação.
No mesmo ano, Dilma Rousseff foi reeleita por margem estreita. A profunda divisão da sociedade brasileira ficava evidente. A direita começou uma campanha contra Dilma e o PT, e, como resultado, milhões voltaram às ruas – desta vez não para protestar por um país mais justo, mas pelo impeachment da presidente democraticamente eleita. O que começou como algo progressista em 2013 acabou se transformando em algo reacionário em 2015.
As investigações da Lava Jato começaram no início de 2014 e trouxeram à tona um dos maiores escândalos de corrupção da América Latina. Uma grande parte da classe política e da elite econômica do país estava envolvida, e semana após semana novas revelações chocavam o país. Junto com a crise política e econômica, o sentimento de uma crise moral profunda se espalhava.
Em novembro de 2015, uma barragem de rejeitos de mineração se rompeu em Mariana, Minas Gerais. O desastre matou 18 pessoas e contaminou o rio Doce. E muitos se perguntaram se outras barragens da indústria mineradora brasileira eram seguras.
O ano de 2016 foi marcado pelo processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Como nenhum envolvimento da presidente no escândalo da Lava Jato pôde ser comprovado, foram construídas acusações que em circunstâncias normais não teriam levado à destituição.
Nos bastidores, também se tratava de parar as investigações da Lava Jato, que Dilma tinha deixado correr livremente. Os investigadores chegaram perto de figuras poderosas do Centrão – formado por partidos do suposto centro político, mas que na verdade existe para garantir a certos clãs o acesso ao poder e a verbas estatais. "Estancar a sangria" foi a expressão que o senador do então PMDB Romero Jucá usou no contexto do impeachment de Dilma. Após a destituição da presidente, Michel Temer, desse PMDB, assumiu o poder e nomeou um gabinete formado exclusivamente por homens brancos.
O Centrão e a Globo, que havia feito alarde pelo impeachment, calculavam que nas eleições presidenciais seguintes um candidato adepto do liberalismo econômico sairia vencedor. Raramente uma estratégia deu tão errado.
Bolsonaro e a política da desconstrução
Em 2017, a política de pacificação das favelas cariocas fracassou de vez. E ficou a fatal impressão de que ela só foi desenhada para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, ou seja, de que foi "para inglês ver".
Em setembro de 2018, o Museu Nacional no Rio de Janeiro foi palco de um incêndio. O fogo foi provocado por um velho ar-condicionado, não havia proteção contra incêndio no edifício e os hidrantes ao redor não tinham água. O Brasil viu a própria história queimar. O incêndio foi como um símbolo da eleição do outsider e extremista de direita Jair Bolsonaro para a Presidência no mês seguinte. Pouco depois de tomar posse, Bolsonaro disse, durante uma visita a Washington, que o sentido de seu governo não era construir coisas, mas desconstruir.
Bolsonaro cortou verbas para a educação, a saúde e a preservação ambiental. Um resultado: a Amazônia queimou em proporções devastadoras em 2019. A catástrofe chamou a atenção mundo afora quando uma nuvem de cinzas escureceu o céu sobre São Paulo. Desde então, a cada ano mais floresta é desmatada para dar lugar a pastagens de gado de plantações de soja, e os rios da Amazônia são contaminados com mais mercúrio do garimpo ilegal. E o governo Bolsonaro estende sua mão protetora sobre os que se beneficiam da destruição.
Em janeiro de 2019, quase quatro anos depois do desastre de Mariana, se rompeu uma barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho, Minas Gerias. No total, 270 pessoas foram soterradas, entre elas duas grávidas. A mina em questão pertencia à Vale, gigante do setor. Os responsáveis sabiam dos riscos, mas não agiram para economizar custos.
No início de 2020, a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil. Quase 700 mil pessoas morreram da doença desde então. Poderiam ter sido muito menos, se o governo Bolsonaro não tivesse sabotado os esforços de autoridades locais para conter a pandemia. O governo federal demorou, por exemplo, a comprar vacinas. Durante a pandemia, a pobreza voltou a aumentar drasticamente, e milhões de brasileiros só conseguiram sobreviver graças a doações de cestas básicas. Ficou claro mais uma vez quão precária é a situação de grande parte da população do Brasil, um país que na verdade é tão rico.
A seca persistente desde 2018 no Pantanal, um dos cinco grandes ecossistemas do Brasil e internacionalmente famoso por sua diversidade de espécies, levou a incêndios devastadores em 2020. Quase 17 milhões de animais vertebrados morreram. Até hoje chove pouco na região alagada, uma consequência da mudança climática e do desmatamento na Bacia Amazônica.
Em 2021, a favela do Jacarezinho foi palco da ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. Vinte e oito pessoas foram mortas a tiros, algumas executadas. O massacre foi tematizado brevemente na mídia, para logo cair novamente no esquecimento. Desde que vivo no Brasil, chacinas assim se repetem. Mas nada muda.
Em 2022, a fome voltou com tudo no Brasil, segundo as Nações Unidas. São 61 milhões de brasileiros que enfrentam dificuldades para se alimentar; 15 milhões deles passam fome.
A poucas semanas das eleições, Bolsonaro, que está atrás nas pesquisas, voltou a afirmar que as urnas eletrônicas não são seguras, sem apresentar provas. Bolsonaro quer dizer que, se ele não ganhar, os militares terão que intervir. Pela primeira vez desde a redemocratização, há novamente o medo de um golpe.
O Brasil ficou extremamente polarizado nos últimos anos, uma fenda se abriu. Hoje são dizíveis coisas que antes não eram. Mentiras e xingamentos se tornaram algo normal. E muitas vezes acabam em violência. Também a fenda entre ricos e pobres voltou a se aprofundar. A destruição do meio ambiente aumentou, e, graças a Bolsonaro, a máfia ambiental está mais forte do que nunca. Milhões de brasileiros se armaram. As igrejas evangélicas são mais influentes do que nunca e propagam suas superstições junto com suas visões políticas ultraconservadoras.
Nas eleições de outubro também está em jogo se, após dez anos de crise que deixaram claros os déficits do país, o Brasil tem força para novamente se erguer. O país quer continuar caminhando para trás ou ousar dar um passo rumo ao futuro?
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