Uma nação não se sustenta com esses sentimentos puramente negativos. Se continuar assim o país estará se encaminhando para uma encruzilhada existencial. Há dias David Brooks, um excelente colunista do New York Times, discorrendo sobre a complexidade do mundo contemporâneo, concluiu que o principal problema de qualquer sociedade é a ordem : a ordem moral, a legal e a social. Quando falta ordem as sociedades não tem como evoluir, e na verdade retrocedem. Eu acrescento que a ordem que faz evoluir uma sociedade é a ordem cuja fonte é o consentimento coletivo e não a que é imposta verticalmente por meio da autoridade e da força. O Brasil corre hoje o risco de tornar-se um conjunto social incapaz de produzir consensos por meio do compromisso político, uma vasta arena em que reinará apenas a obsessão de vencer, de destruir e de eliminar.
Se é verdade que este clima de paixão e de antagonismo reflete uma realidade mais profunda, que está encarnada no tecido social, os dois candidatos que disputam de fato a eleição, porque concentram a maioria do apoio popular, não tem feito nada para amenizar os conflitos e prometer algum tipo de pacificação no futuro.
A campanha do Presidente Bolsonaro optou por ocupar a agenda política com temas da religião, da moral e da cultura, questões que não se prestam à soluções próprias da política, constituidas pela negociação e pelo compromisso, em que cada lado cede uma parte para se chegar a um denominador comum. Estas questões são de caráter absoluto, dividem as pessoas de modo duradouro e não tem solução por meio da razão. Divisões religiosas e culturais tem sido a maldição de alguns povos, separando irmãos e até derramando sangue inocente. A história nos livrou por séculos desta maldição e cabe agora a nós impedir que ela venha se instalar entre nós.
Do outro lado do campo político, a candidatura do ex-presidente Lula tem como meta principal reconstituir o passado, prometendo voltar aos tempos idílicos dos governos do PT, revogando as mudanças legais implantadas após a interrupção do governo Dilma. A interpretação dos fatos sociais e econômicos está sempre exposta à controvérsias, mas é impossível negar que de 2014 a 2016 o Brasil viveu um verdadeiro desastre, com a maior recessão acumulada de nossa história, com o descontrole da inflação e um grave desarranjo fiscal, tudo isto claramente provocado por erros do governo. O governo Temer foi um periodo de reconstrução do Estado e das empresas públicas e de reformas importantes, cujos efeitos são inequívocamente positivos. Revogar o que foi feito não é um programa para o futuro, mas um movimento francamente reacionário.
De um lado e de outro da luta política não se nota qualquer preocupação com as duas questões essenciais : como voltar a crescer a economia à taxas suficientes para diminuir a pobreza e melhorar o padrão de vida da maioria dos brasileiros e como preparar o país para aproveitar as novas mudanças geopolíticas que estão em marcha e que abrem inesperadamente oportunidades para a reindustrialização do Brasil e sua inserção mais profunda na economia do Ocidente.
Enquanto as oportunidades passam, o debate político pobre e míope impede nosso país de aproveitá-las. Isto nos lembra com tristeza o vaticínio do velho Roberto Campos: o Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade.
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