Mais de uma vez, ao desfechar ataques desvairados às instituições que garantem a democracia no país, Bolsonaro invocou o "meu Exército", sugerindo que conta com o apoio das Forças Armadas para levar a cabo seus intentos liberticidas.
Até aqui, parece haver antes farolagem do que fundamento nessas falas. Ainda assim, é nítido que desde a ditadura de 1964-1985 os militares brasileiros nunca estiveram tão perto de cruzar a linha que separa seu papel constitucional do engajamento aberto na disputa política.
A história nunca se repete ao pé da letra; e experiências de outros países costumam viajar mal. Ressalvas feitas, há muito que aprender com o artigo do cientista político americano Harold Trinkunas "As Forças Armadas Bolivarianas da Venezuela: medo e interesse face à mudança política", recém-publicado pelo Woodrow Wilson Center de Washington.
O estudo trata da politização das instituições militares sob Hugo Chávez e Nicolás Maduro e de sua subordinação aos governos populistas da dupla.
De um lado, isso implicou na doutrinação ideológica nas academias militares, em sistemas de promoção e atribuição de missões que favoreceram o oficialato leal ao chavismo; na reestruturação das Forças com a inclusão formal da Milícia Bolivariana diretamente afeta ao presidente; e no fortalecimento de um vasto sistema de contrainteligência militar que vigia os suspeitos de deslealdade ao regime. De outro lado, vieram as recompensas.
Em especial sob Maduro, militares ocuparam o centro do poder. Comandam ministérios, governam estados e controlam setores econômicos estratégicos, como parte da indústria petrolífera, a mineração de ouro e a distribuição de alimentos. Gerem também o multimilionário comércio de armas com a Rússia e a China. E não é propriamente um segredo em Caracas que oficiais de alta patente têm parte com o tráfico internacional de drogas e o contrabando de mercadorias.
Maduro, ele sim, diz a verdade ao proclamar que o politizado Exército do país é seu. E este, cúmplice do desastre nacional que o populismo chavista promoveu, compartilha com o autocrata a responsabilidade pela destruição de uma democracia que já foi forte o suficiente para vencer a guerrilha revolucionária e ficar ao largo da onda de autoritarismo que sufocou a região nos anos 1960-70.
Acima de tudo, os fuzis são hoje o principal obstáculo para a Venezuela voltar por meios pacíficos à normalidade democrática. Por atraente que possa parecer aos brasileiros desiludidos com o sistema, a presença dos militares na política tem custos altos e reversão difícil.
Ainda que pareça incrível, Jair Bolsonaro está nos dando algumas lições. E cumpre aprender com elas. Sim, é o mais improvável dos professores. A ânsia que temos, os sensatos ao menos —em todos os seus matizes—, é que isso tudo passe logo para que possamos esquecê-lo, o que seria um erro. Que se vá o mais cedo possível, mas que sua marca permaneça para sempre nas nossas consciências.
Durante longos 28 anos, o sistema político permitiu que um delinquente permanecesse na Câmara, expelindo perdigotos da mais escancarada indignidade. Defendeu ditadura, tortura, fuzilamentos. Não uma, mas duas vezes, com intervalo de 11 anos entre uma fala e outra, afirmou que não estupraria uma deputada, se estuprador fosse, porque não merecedora de tal distinção. A um jornal explicou a razão: seria muito feia.
Não só. Em 2003, reagindo a um deputado baiano que discursara lamentando a atuação de uma milícia de matadores em seu estado, afirmou o seguinte: “Quero dizer aos companheiros da Bahia, agora há pouco vi aqui um parlamentar criticar os grupos de extermínios (sic), que, enquanto o Estado não tiver a coragem para adotar a pena de morte, esses grupos de extermínio, no meu entender, são muito bem-vindos. E, se não tiver espaço na Bahia, podem ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo apoio”.
Um vagabundo daquela espécie permaneceu com assento na Câmara. E houve quem advogasse, e advogue ainda, que declarações como essas estão protegidas pela imunidade parlamentar e pela liberdade de expressão. Garantias fundamentais contra o Estado tirano, do qual Bolsonaro é entusiasta, eram e são evocadas para proteger o defensor de fuzilamentos, de milícias e de estupradores com critérios meritocráticos.
As democracias, infelizmente, padecem de certo idealismo nefelibata e tendem a considerar que arruaceiros de cervejaria ou de quartéis jamais chegam lá. Aprenderam pouco com a biologia e com a medicina. Estão sempre desatentas a infecções oportunistas, que se aproveitam de um organismo combalido —e a política brasileira se arrastava nos escombros do lavajatismo destruidor de garantias— para se instalar
E quantas vezes ouvi e ouvimos, ao longo da campanha de 2018, que, caso Bolsonaro vencesse, as instituições se encarregariam de lhe impor limites! Assim como os leitores de Madison, nos EUA, apostavam que a “Assembleia” —o Congresso— e o “deep state” colocariam freio às aspirações liberticidas de Donald Trump… Assistiu-se lá ao inimaginável. Por aqui, a desordem tem data marcada. Sob o silêncio cúmplice da Procuradoria-Geral da República.
Protagonista de um programa na Jovem Pan, na quarta, Bolsonaro não hesitou: ameaçou romper “as quatro linhas” da Constituição. Na raiz do arreganho golpista, está o correto e legal inquérito 4.781, aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli no dia 14 de março de 2019 para investigar a indústria criminosa de ataques às instituições, em particular ao Supremo, que já estava nas ruas e no bueiro do capeta das redes sociais. Eram, sim, as hostes bolsonaristas. Alexandre de Moraes, o relator, incluiu o presidente entre os investigados.
Perceberam? Bolsonaro estava no poder havia apenas 73 dias. E a pregação golpista já corria solta país afora. Toffoli apanhou e não foi pouco. E olhem que o ministro não pode ser acusado, à frente do Supremo, de ter procurado crispar a relação com o Planalto. Ao contrário até: intentou uma malsucedida agenda de interesse comum entre os Três Poderes.
A dificuldade principal, como sempre, era entender o javanês político falado por Bolsonaro. Àquela altura, ele estava empenhado em destruir o partido que o elegeu.
O que se criava com o inquérito era uma barreira de contenção —por si, insuficiente, mas é o que temos, dada uma PGR que se queda inerme e, pois, conivente— ao que se mostrava inevitável: o aluvião autoritário que tomara o Executivo. As democracias, também a nossa, têm de se vacinar contra esses agentes infecciosos. Têm de ter a coragem de banir, já nos primeiros arroubos, os que anseiam destruí-las.
Ou os arruaceiros de cervejaria e de quartéis ainda chegam lá. Como está demonstrado.
Nosso amadurecimento democrático é modesto. A democracia de massas chegou tardiamente e o caminho até lá foi acidentado, deixando sequelas. Nos 100 anos que separam a Proclamação da República e a volta do voto direto para presidente, os períodos democráticos foram breves, instáveis e de limitada legitimidade.
Além disso, nossa experiência difere daquela de nações ricas. Enquanto naqueles países a democracia decorreu do amadurecimento da sociedade, nos emergentes foi resposta à pressão externa da globalização, no caminho para o fim da Guerra Fria - além da crise produzida pelos governos militares.
Como consequência, a inserção do liberalismo, na economia e na política, é limitada - ensina Lourdes Sola. As engrenagens necessárias para o vigor democrático - como os freios e contrapesos na ação estatal - não funcionam tão bem.
Tem mais. A sustentação da democracia depende de acúmulo de experiências bem-sucedidas na economia. Em países ricos, rupturas são improváveis. Já países de renda média que falham na geração de emprego e na redução de desigualdades são mais vulneráveis a retrocessos.
Na falta de uma classe média homogênea e representativa, usuária de serviços públicos, a busca por políticas governamentais eficazes é prejudicada.
Todos esses elementos aumentam a responsabilidade da elite para afastar excessos de todo tipo e defender políticas públicas para o desenvolvimento e o bem comum. A elite deveria fazer parte da solução, mas parcela importante ainda é parte do problema, ao pressionar por benesses e ao bloquear agendas liberais que ferem seus interesses. Diante de problemas do país, eleva muros e se omite.
Historicamente, esquerda e direita não tiveram aspirações democráticas – tampouco a elite. O ambiente político que culminou no golpe militar de 1964 era de golpismo de lado a lado. O quadro mudou bastante desde então, mas a estrada a percorrer é longa.
Apesar do discurso democrático, parte relevante da esquerda é intolerante e defende bandeiras que enfraquecem a economia e a democracia. Exemplos disso são a defesa de corporações (como do funcionalismo) em detrimento da sociedade; indisciplina fiscal, que alimenta a inflação; e intervencionismo estatal, que prejudica o crescimento.
Quando no poder, não exerceu devidamente a autocontenção, o que resultou em aumento da corrupção, gestão temerária e maquiagem das contas públicas, e populismo. Entregou a maior crise da nossa história, o que alimentou a radicalização e a descrença da sociedade no governo e nas instituições – riscos à democracia.
A direita, no geral, é conservadora - liberal ou não na economia. Em meio a promessas de promoção do crescimento econômico, sacrifica valores democráticos, como se fossem coisas dissociadas. Isso ocorreu repetidamente na nossa história. E na campanha de 2018 também.
Muitos segmentos da elite caíram no canto da sereia e abraçaram uma direita nada esclarecida. Erro duplo ao não identificar que boa parte das promessas era inexequível e ao minimizar as ameaças às instituições democráticas.
Notadamente no mercado financeiro, prevalecia a visão de que a gestão de Paulo Guedes compensaria o risco Bolsonaro, mesmo diante de sinais de que ele e seu entorno não abraçavam a suposta agenda liberal.
Faltou profundidade na análise dos problemas brasileiros e da agenda econômica mal estruturada.
O erro se repete na condescendência de muitos com a deterioração do regime fiscal, agarrando-se a uma melhora de curto prazo nos indicadores. Acabam por dar mais corda para a farra. Enquanto isso, a esquerda não vira o disco de que tudo é culpa do teto de gastos, como se não houvesse restrições orçamentárias e o Brasil fosse craque na alocação de recursos públicos.
Houve complacência também do setor produtivo na campanha. Anseiam pela redução do custo Brasil e pela revisão de excessos dos órgãos de controle, que atrapalham investimentos, mas esqueceram de analisar a capacidade de entrega de Bolsonaro e toleraram o discurso antidemocrático.
Vozes da elite protestam contra os riscos de retrocesso democrático - algo já feito pela imprensa. Essa atitude é uma das peças da engrenagem da democracia, mas outras mais são necessárias. É preciso combater o populismo e o patrimonialismo que machucam a economia e a democracia. O exercício democrático precisa ser profundo e diário.
Após ter deixado o mapa da fome da ONU em 2014, o Brasil tem convivido com um cenário de crescente insegurança alimentar. Nos últimos meses do ano passado, 19 milhões de brasileiros passaram fome, e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar. Os dados são de um estudo nacional realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
O problema tem diversas justificativas, como a inflação que afeta gêneros alimentícios básicos desde o ano passado, o alto índice de desemprego no país e a defasagem do Bolsa Família. Chama atenção, entretanto, que o crescimento da fome no Brasil coincida com um pico na exportação de gêneros alimentícios.
Em junho, o agronegócio bateu mais um recorde ao faturar 12,11 bilhões de dólares com a venda de produtos agropecuários para o exterior. A cifra é 25% maior que os 9,69 bilhões de dólares registrados no mesmo mês do ano passado. A marca recorde também fora superada nos meses de abril e maio.
O centro de pesquisa Agro Global, ligado ao Insper, estima que as exportações do setor devem alcançar 120 bilhões de dólares neste ano, 20% a mais do que em 2020. Tendo se tornado um “fiador” da balança comercial, a agropecuária se tornou o setor mais importante da economia nacional, em processo de desindustrialização desde os anos 1980.
Embora integre a cadeia produtiva do país, o agronegócio é um mercado dominado globalmente por um seleto grupo de multinacionais. Juntas, as empresas ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus controlam 70% da produção, comercialização e transporte de produtos agrícolas. O setor é marcado por sucessivas fusões entre grandes marcas, que aumentam a concentração dos mercados de sementes, agrotóxicos e terras.
Nessa configuração, o foco do agronegócio está no atendimento da demanda global por commodities, que vivem um boom de preços. Os resultados expressivos alcançados pelo setor no Brasil se justificam também pela desvalorização do real, que torna os produtos mais competitivos no exterior.
"Como uma economia capitalista agrícola globalizada que produz commodities, o agronegócio vende para qualquer mercado que puder comprar. Hoje, a população não consegue comprar arroz porque o compromisso econômico do agronegócio é com o mercado internacional", critica o geógrafo Ricardo Gilson, professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
O arroz, lembrado pelo pesquisador, é um dos itens básicos da rotina alimentar dos brasileiros que mais foi afetado pela inflação, chegando a registrar 70% de aumento nos preços ao longo de 12 meses.
Para o agrônomo Silvio Porto, ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), a principal causa do desequilíbrio no preço do arroz foi o aumento extraordinário da demanda internacional.
"A maioria dos produtores não tem capacidade de armazenagem, e fica dependente da indústria processadora. Para esse setor, não faz diferença vender internamente ou exportar. Resultado: mais de 13% da safra foi para o exterior, gerando esse efeito interno", explica.
A tese de que as exportações têm efeito inflacionário dentro do Brasil é rejeitada por Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade que representa o agronegócio.
"A exportação não compete com o mercado interno. O problema do custo alto dos alimentos hoje é mundial, devido à alta dos insumos e problemas climáticos severos, como a seca. A venda para o exterior permite que os produtores não aumentem o preço internamente, por compensar as perdas", comenta.
Em participação no Congresso Brasileiro do Agronegócio, em 2018, o então representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, afirmou que o país tem condições para ser o “celeiro do mundo”. Atualmente, o Brasil é o maior exportador de carne bovina e o segundo maior exportador de grãos no mundo.
Internamente, no entanto, a participação do agronegócio na garantia da segurança alimentar é limitada. Embora seja responsável pela maior parte da produção de gêneros alimentícios que integram a rotina alimentar das famílias brasileiras, como carne bovina, milho, arroz e trigo, não há reservas destinadas ao mercado nacional.
Embora movimentos sociais ligados ao campo afirmem que a agricultura familiar responde por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, o dado é de difícil mensuração, segundo especialistas. Mesmo assim, a importância desse segmento produtivo para a segurança alimentar no país é incontestável.
Dados do Censo Agropecuário 2017-2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a participação da agricultura familiar na geração de receitas no campo foi de 23% do total, percentual inferior aos 38% aferidos pelo mesmo estudo em 2006.
Mesmo enfraquecido, o segmento teve contribuição relevante na produção de hortaliças, frutas e legumes, como alface (64,4%), banana (48,5%) e mandioca (69,6%), além do leite de vaca (64,2%).
Embora o aumento da fome tenha relação direta com os efeitos econômicos da pandemia, a situação já vinha se agravando nos últimos anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a insegurança alimentar grave estava presente no lar de 10,3 milhões de brasileiros entre 2017 e 2018.
O período analisado reflete os impactos de mudanças nas políticas públicas destinadas à segurança alimentar durante o governo do ex-presidente Michel Temer. Durante seu mandato, entrou em vigor a emenda constitucional que instituiu o teto de gastos públicos.
Nesse contexto, Temer realizou cortes orçamentários drásticos em programas voltados ao incentivo da agricultura familiar reconhecidos internacionalmente. O ex-presidente ainda extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, deixando a agricultura familiar sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura, ocupado por representantes do agronegócio.
Uma das principais políticas públicas voltadas ao incentivo da agricultura familiar foi o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). A iniciativa consiste no repasse de recursos da União a estados e municípios para a compra de produtos de comunidades tradicionais. Os alimentos comprados são repassados à rede socioassistencial e aos equipamentos de nutrição destinados a pessoas em situação de insegurança alimentar.
O impacto do PAA foi tamanho que a Organização das Nações Unidas (ONU) o replicou em países africanos. Todavia, junto com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o PAA vem sofrendo com sucessivos cortes. Das 297 mil toneladas de alimentos comercializadas por meio do programa em 2012, o número despencou para apenas 14 mil toneladas em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.
Já o programa Um Milhão de Cisternas, absorvido posteriormente pelo Água Para Todos, sofreu cortes de 95%. Em 2020, no governo Bolsonaro, foi registrado o patamar mais baixo de construção de cisternas pelo programa desde sua criação, há 17 anos, com apenas 8.310 unidades.
"Na vida de uma mulher que precisava acordar cedinho para ir buscar água longe todos os dias, ter uma cisterna do lado de casa é como ganhar na loteria", comenta Gizelda Beserra. A agricultora de 47 anos integra o Polo da Borborema, que reúne 13 sindicatos rurais e 150 associações comunitários no município de mesmo nome.
No semi-árido do Cariri paraibano, o grupo articulado há 25 anos se fortaleceu pelas políticas públicas destinadas à agricultura familiar e a assessoria prestada pela Articulação Nacional de Agroecologia.
"Os programas de apoio à agricultura familiar permitiram ter um excedente maior de produção e a sustentabilidade das famílias. A gente conseguiu reestruturar nossas propriedades, de modo que o jovem não precisava ir embora para cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro. De repente, a gente sai desse cenário e vai para um governo que só fortalece o agronegócio", afirma Gizelda.
De acordo com o Censo Agropecuário 2017-2018, a queda na geração de receitas pela agricultura familiar foi acompanhada por uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos rurais classificados dessa forma e 17,6% no total de pessoal ocupado em atividades desse segmento.
O impacto do abandono de políticas públicas exitosas no campo foi mencionado em um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Livre de Berlim sobre a segurança alimentar no Brasil.
"O enfraquecimento destas políticas, reconhecidas mundialmente como ações exitosas que contribuem para a meta de erradicação da fome, sendo importantes impulsionadoras da saída do Brasil do Mapa da Fome da FAO, em 2014, dificulta que os indivíduos mais pobres tenham acesso a alimentos", afirmam os autores.
Ao mencionar os "retrocessos institucionais e orçamentários na agenda da segurança alimentar e nutricional”, os pesquisadores citam a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), uma das primeiras medidas do governo de Jair Bolsonaro.
Dentre as várias dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais, uma das mais estruturais e antigas é o acesso à terra. Sem nunca ter passado por uma reforma agrária, o Brasil tem 45% de sua superfície agrícola concentrada em 1% dos estabelecimentos rurais, de acordo com a organização internacional Oxfam.
Especialistas veem um risco acentuado de aumento da concentração de terras com a tramitação do PL 2.633, aprovado na Câmara dos Deputados, conhecido como "PL da Grilagem" por ambientalistas. Entre outros pontos, a proposta permite que médias propriedades consigam a posse de terra sem vistoria presencial.
As mudanças são criticadas pelo geógrafo Ricardo Gilson, professor da UNIR, que enxerga um desvio de finalidade na atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nesse processo.
"No âmbito do Ministério da Agricultura, comandado pelo agronegócio, o Incra apoia o PL da Grilagem, que o enfraquece, e se resume a uma instituição cartorial para legitimar e ampliar a grilagem. Há um esvaziamento total de suas finalidades e a perda da perspectiva de reforma agrária e função social da terra", afirma.
Para que servem os avisos e os alertas? De que adianta dizer que se deve escutar a Ciência se, depois, não se levam as suas conclusões a sério? Desde que o IPCC (sigla inglesa de Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) publicou o seu primeiro relatório, em 1990, as emissões de gases com efeito de estufa quase duplicaram no planeta. Há mais de três décadas – desde essa primeira conclusão, consensual entre centenas de peritos reunidos pelas Nações Unidas – que sabemos tudo o que de mais importante precisávamos de saber sobre o aquecimento global e as alterações climáticas. Sabemos, mas nada fizemos para tentar inverter a situação.
|
Mohsen Zarifian (Iran) |
Nesse primeiro relatório, estavam já bem explícitas a caracterização e a dimensão do problema. Com base, como se escrevia então, em três “provas robustas”: a temperatura média do planeta está a aquecer devido à atividade humana e, em consequência disso, o nível do mar vai subir e vão ser mais frequentes as ondas de calor.
Passaram-se 31 anos e o IPCC produziu mais cinco relatórios – o último, o sexto, publicado há dias e que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, classificou como um “alerta vermelho” para a Humanidade. Nele, os cientistas acrescentam ainda mais robustez às provas que têm reunido ao longo dos tempos e tentam prever o que pode acontecer nos próximos anos, caso se adotem ou não medidas para combater o aquecimento global. Mas dão-nos também, desta vez, outra certeza: a crise climática já se tornou inevitável e irreversível. E só nos resta uma oportunidade, a derradeira – já não para evitar o pior mas, apenas, para tentar evitar o pior cenário possível.
Em consciência, ninguém pode manifestar-se admirado ou surpreendido com isto. Não só os avisos foram sendo feitos, ao longo dos anos, como também os sinais se tornaram cada vez mais eloquentes: secas nunca vistas, inundações que só deveriam ocorrer num século, mas que se repetem numa década, incêndios colossais em todas as latitudes. E tudo isto com um padrão comum: a cada ano que passa, vão sendo batidos novos recordes de temperatura média em qualquer ponto do globo, mas continuam ainda a aumentar, globalmente, as emissões de gases com efeito de estufa.
Conhecemos o risco, sabemos que ele está cada vez mais próximo de ser brutalmente destruidor e inevitável, mas continuamos a adiar as decisões que precisam de ser tomadas. Até porque demoramos demasiado tempo a olhar o problema de frente.
Durante anos, por exemplo, sempre que o País se via sobressaltado devido aos incêndios florestais, a narrativa pouco se alterava e nunca incluía o “pormenor” do aquecimento global: a “culpa” era sempre da falta de meios para combater as chamas e dos incendiários criminosos que ateavam o fogo pela calada da noite, a soldo de interesses obscuros – o que até pode ter sido verdade, em alguns casos, a par de fatores como o gritante desordenamento do território, o despovoamento do Interior, a falta de planeamento na gestão das florestas e a ausência de mecanismos eficazes de proteção civil.
No entanto, quando vemos agora os incêndios incontroláveis nas nações mais ricas e desenvolvidas do planeta, onde existem mais homens, máquinas e aviões para combater as chamas do que em outra parte do globo qualquer, temos de refrear o argumento da falta de meios. E devemos, isso sim, procurar os “incendiários”, responsáveis por estes crimes, que ameaçam a Natureza, arrasam povoações e matam pessoas. O último relatório do IPCC é muito claro sobre quem tem a culpa dos incêndios, mas também das ondas de calor que provocam secas e inundações: os incendiários somos nós. Não só persistimos em ignorar os alertas dos cientistas como nos recusamos a mudar de estilo de vida, protestamos quando as taxas de carbono fazem aumentar o preço dos combustíveis fósseis e privilegiamos o conforto imediato em detrimento do futuro sustentável. Pior: permitimos, com a nossa inação, que o debate político sobre o ambiente caísse, tantas vezes, em questões estéreis e laterais, sem se debruçar, de facto, naquilo que é essencial mudar na economia e na organização da sociedade.
Agora, diz o IPCC, temos uma década para tentar impedir o pior cenário possível. Não vai ser fácil: vamos sofrer com secas e inundações, ver a nossa orla costeira destruída em muitos locais e os incêndios a imporem a sua lei na floresta. Vamos assistir ao fim de indústrias mas também ao surgimento de outras. E vamos ser todos obrigados a pagar mais taxas e impostos em nome do ambiente. É esse o preço a pagar pelo incêndio que começámos.
“O golpe de Estado sempre foi a ideia fixa de Bonaparte. Com ela, tornou a pisar em território francês. Era a tal ponto possuído por essa ideia que a traía e a divulgava continuamente. Era tão fraco que também renunciava a ela com frequência. A sombra do golpe de Estado tinha se tornado tão familiar aos parisienses como fantasma que eles não quiseram acreditar nela quando finalmente apareceu em carne e osso”.
Extraído do livro O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, o trecho acima é de causar calafrios em qualquer brasileiro atento aos dias de hoje. A identificação, porém, não se dá à toa. Na obra, Marx destrincha como a dinâmica de classes do próprio Estado burguês era capaz de levar uma sociedade que há poucos anos passara por uma revolução que suplantou a monarquia absoluta à vitória apoteótica de uma figura grotesca como ditador.
Partindo das revoltas populares francesas de 1848, Marx analisa os fatos históricos que levaram as mesmas a degenerarem-se ao ponto em que levaram Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão, ao posto de ditador da França ao final de 1852, quando o mesmo reinstaurou o modelo imperial no país. É neste movimento histórico, aliás, que Marx estabelece uma de suas mais famosas afirmativas: “todos os grandes fatos e personagens da história universal ocorrem, por assim dizer, duas vezes (…) na primeira, como tragédia, na outra, como farsa”.
A farsa, no caso, era a caricatura que Luís Bonaparte interpretava baseada na figura de seu tio, Napoleão, que, como “tragédia”, havia desferido o “18 de Brumário” original cinco décadas antes para tomar o poder na França. Seria mimetizando as posturas de seu tio que Luís conquistaria o espaço de representante do pequeno campesinato e do lumpemproletariado francês nos revoltosos anos que se passam entre 1848 e 1852. E seria neste contexto que o período marcado por revoltas de rua resultaria em enormes retrocessos ao país:
“A Revolução de Fevereiro foi um acontecimento inesperado, uma surpresa para a antiga sociedade, e o povo proclamou esse ataque repentino como um fato da história universal que abria uma nova época. Em 2 de dezembro, a Revolução de Fevereiro foi escamoteada pelo truque de um trapaceiro, e o que parece ter sido derrubado já não é a monarquia, e sim as concessões liberais que dela haviam sido arrancadas com um século de lutas. Em vez da conquista de um novo conteúdo pela própria sociedade, apenas o Estado parece ter retornado à sua forma mais antiga, ao domínio extremamente simples do sabre e do hábito do monge”.
No Brasil, a última década também foi marcada pela presença do povo nas ruas. Há inúmeras peculiaridades entre o antigo caso francês e a nossa atualidade. É bem verdade que, desde 2013, o componente do fascismo já se via a olho nu nas ruas brasileiras. Também vale dizer que, ao contrário do que houve na França, por aqui era a democracia liberal que estava sendo suplantada pelas manifestações, e não uma monarquia.
Mas, cá como lá, o sentimento de desalento da população também resultou em nova farsa histórica. Foi mimetizando o militarismo e o “perigo vermelho” de 1964, em caricaturas toscas e grotescas dos homens fardados da Ditadura Civil-Militar brasileira, que Bolsonaro conseguiu abocanhar parte do lumpemproletariado e da classe média revoltada de nosso país. Pouco importa a realidade de seus objetivos, é nesta farsa que se apoia a ascensão de Bolsonaro que, como a de Bonaparte, se deu pelas urnas logo após o período das grandes manifestações.
As semelhanças dos processos históricos, porém, não se resumem aí. Na verdade, é justamente na dinâmica das classes políticas deste período que elas se tornam mais evidentes.
“O partido proletário aparece como apêndice daquele pequeno-burguês e democrata. É traído e abandonado por ele em 16 de abril, em 15 de maio e nas Jornadas de Junho. O partido democrata, por sua vez, apoia-se nos ombros do partido republicano burguês. Mal acreditam estar bem estabelecidos, os republicanos burgueses se livram do companheiro inoportuno e se apoiam nos ombros do partido da ordem. Este encolhe os ombros, derruba os republicanos burgueses e se lança nos ombros da força armada. Crê ainda estar sobre os ombros dela quando, em uma bela manhã, nota que se transformaram em baionetas”.
Em suma, Marx vai demonstrando como a Revolução de 1848, na verdade, se mostrou um movimento reacionário “decrescente”, na medida em que uma camada mais reacionária vai sempre suplantando a camada menos reacionária anterior, até que o retrocesso seja total. Um movimento que, após descartar quase que imediatamente a classe proletária, se vê em uma situação em que a burguesia come a própria burguesia até a instalação de uma ditadura militarizada por Bonaparte, vista como única forma de manter o próprio domínio burguês.
Marx resume: “Depois de terem fundado uma república para a burguesia, expulsado o proletariado revolucionário da área e reduzido momentaneamente a pequena burguesia democrática ao silêncio, eles próprios foram postos de lado pela massa da burguesia, que com razão confiscou essa república como sua propriedade. No entanto, essa massa burguesa era monarquista”.
O Brasil da atualidade pode ter suas peculiaridades quanto à organização do proletariado, mas é fácil precisar os momentos em que uma república totalmente voltada aos interesses burgueses foi fundada e em que a classe democrática foi silenciada: o golpe parlamentar de 2016, que afasta Dilma e coloca Temer no poder. É o momento em que as velhas raposas da república brasileira, junto a mídias tradicionais como Globo e afins, encontram seu ápice. As velhas raposas que sonham com um Brasil do parlamentarismo e do distritão, com uma “democracia” de representatividade cada vez mais limitada.
Velhas raposas que, dois anos depois, não se importariam em apoiar uma medida que abriria espaço para uma forma ainda mais agressiva da burguesia brasileira. A prisão de Lula e o impedimento de que participasse das eleições de 2018 foram amplamente apoiados por esses setores. A consequente vitória de Bolsonaro levou o reacionarismo do país a uma nova fase. Militarizado e com base política no Centrão (nosso “partido da ordem”), o bolsonarismo logo começou a se voltar contra as próprias instituições que o levaram ao poder.
“Até mesmo o liberalismo burguês é declarado socialista. (…) A burguesia teve a correta percepção de que todas as armas que havia forjado contra o feudalismo voltavam sua ponta contra ela (…). Entendeu que todas as chamadas liberdades burguesas e os órgãos de progresso atacavam e ameaçavam seu domínio de classe tanto em sua base social como em seu ápice político; portanto, tinham se tornado ‘socialistas’. (…) Portanto, ao tachar de ‘socialista’ o que antes celebrou como ‘liberal’, a burguesia confessa que seu próprio interesse lhe ordena subtrair-se ao perigo do autogoverno”.
Em outras palavras, Marx narra o exato momento em que a burguesia francesa percebe que os próprios princípios da democracia liberal, como o sufrágio universal e o debate legislativo, eram um risco ao domínio econômico burguês, por isso, “socialistas”. É o exato momento em que a burguesia, entre o republicanismo liberal e o liberalismo econômico, escolhe apenas o caminho do segundo. Caminho que seria apressado com a surpresa das vitórias eleitorais de socialdemocratas em 1850. No mesmo ano, essa mesma burguesia suprimiria o sufrágio universal e a liberdade de imprensa.
É curioso notar que, mesmo que já nessa época o partido da ordem e Bonaparte vivessem às turras, as vitórias socialdemocratas os reuniram: “De repente, Bonaparte viu-se mais uma vez confrontado com a revolução. (…) ele desapareceu atrás do partido da ordem. Curvou-se, desculpou-se de maneira pusilânime, dispôs-se a nomear qualquer ministério por ordem da maioria parlamentar, chegou a implorar (…) para que assumissem pessoalmente o leme do Estado”. Tão logo os socialdemocratas foram novamente silenciados pelos ataques às liberdades republicanas, o duelo entre Bonaparte e o partido da ordem retornou.
Acuado por denúncias e pelas pesquisas que mostram a vitória cada vez mais iminente em primeiro turno de Lula em 2022, ao promover reformas ministeriais que abriram maior espaço a seu “partido da ordem”, Bolsonaro também disse: “Sempre fui do Centrão e tenho me dado muito bem com essas pessoas”. Com o desfile de tanques desta semana, porém, a paz entre Bolsonaro e o Congresso Nacional talvez dure até menos que a do caso análogo francês, que não resistiu à entrega total do poder militar a Bonaparte.
É curioso notar, porém, que, antes do poder militar, Bonaparte se apoiou em sua “Sociedade de 10 de dezembro”: “Em suas viagens, as seções dessa sociedade, despachada em trens, tinham de improvisar-lhe um público, demonstrar entusiasmo coletivo, gritar ‘Viva o Imperador’, insultar e espancar os republicanos, naturalmente sob a proteção da polícia”. De igual modo, entre cercadinhos barulhentos e a liberação desenfreada de armamentos, Bolsonaro vai criando sua própria Sociedade de 10 de dezembro com toques de milicianismo.
As semelhanças não param aí: “A Sociedade de 10 de dezembro deveria continuar sendo o exército particular de Bonaparte até ele conseguir transformar o Exército público em uma Sociedade de 10 de dezembro. (…) Portanto, nos salões do Eliseu, ele inicialmente tratava os oficiais e suboficiais a charutos e champanhe, aves frias e linguiças de alho”. No Planalto de Brasília, mais baratas são as latas de leite condensado…
Voltando à França do século 19, ao mesmo tempo em que Bonaparte conquistava poderes militares, a condução que a Assembleia Nacional dava às disputas políticas feria mais sua própria reputação do que a do Presidente. A massa da burguesia começou a enxergar os embates dos legisladores com o Executivo como desordens que atrapalhavam seus negócios. Em dado momento, a própria burguesia descolou-se do partido da ordem para cair de vez no apoio a Bonaparte.
Acuado, o partido da ordem chegou a fazer alianças pontuais com os republicanos puros e até mesmo com os socialdemocratas, mas o discurso do “perigo vermelho” era sempre mais forte, o que os levava a agir contra os interesses da própria Assembleia Nacional. “Assim, durante todo esse período, vemos o partido da ordem forçado por sua ambígua posição a dissipar e esboroar sua luta contra o Poder Executivo em rixas mesquinhas de competência, chicanas, picuinhas, conflitos de fronteira, e a fazer das mais insípidas questões formais o conteúdo de sua atividade. Não ousa iniciar a luta no momento em que esta tem uma importância em termos de princípio (…). Desse modo, daria à nação uma ordem de marcha, e seu maior temor é ver a nação em movimento”.
No Brasil, a vacilação é semelhante. Há claro incômodo de inúmeros setores republicanos com o bolsonarismo, mas o incômodo destes com a possibilidade de levantes populares parece ainda maior. Há inúmeros processos de impeachment prontos para serem votados na Câmara, mas há preocupação ainda maior em adiantar as reformas econômicas que garantam a continuidade do domínio burguês no país e, nestas, republicanos tradicionais e bolsonaristas têm total acordo.
Na França do século 19, estes conflitos entre as classes políticas esgarçou as instituições republicanas burguesas ao ponto em que as próprias burguesias já não podiam mais contar com elas para manterem seus domínios. Chegou-se ao momento em que “aparentemente a burguesia não tinha outra escolha a não ser eleger Bonaparte”.
Para Marx, o partido parlamentar da ordem “declarou o domínio político da burguesia incompatível com a segurança e a existência da burguesia”, ou seja, sua condução política fez com que o parlamentarismo tipicamente burguês já não fosse suficiente para manter o seu poder. Era preciso algo diferente.
“Por outro lado, a massa extraparlamentar da burguesia, com seu servilismo ao presidente, suas invectivas ao Parlamento e o modo brutal como tratava sua imprensa, convidava Bonaparte a reprimir e aniquilar suas partes oral e escrita, seus políticos e literatos, sua tribuna de oradores e sua imprensa, para que pudesse consagrar-se a seus negócios privados com total confiança, sob proteção de um governo forte e irrestrito”.
Além da análise destas dinâmicas, a obra de Marx ainda traz outras importantes considerações para o cenário brasileiro da atualidade como, por exemplo, os motivos para os fracassos dos socialdemocratas, excessivamente apegados a lutas constitucionais desinteressantes ao povo e limitadas pela própria ordem burguesa. Sua análise acerca da fragilidade dos princípios republicanos liberais, com suas liberdades sempre conceituadas dentro dos limites da segurança burguesa, também desnudam como a República e o constitucionalismo liberal, em suas contradições, inevitavelmente conduzem a casos como o de Bonaparte.
Esgarçadas ao máximo, as instituições republicanas brasileiras, que já não gozavam de muito prestígio entre as camadas populares, parecem também não serem mais suficientes para atenderem aos desejos da própria burguesia nacional. Numa situação em que mesmo a plenitude dos princípios liberais levaria à inevitável recondução de um governo de preocupações sociais ao poder, o Brasil parece cada vez mais próximo de viver seu falso “18 de Brumário”. Ou melhor, Bolsonaro e seu partido fardado parecem cada vez mais próximos de reencenar seu próprio 1º de abril.