Mohsen Zarifian (Iran) |
Nesse primeiro relatório, estavam já bem explícitas a caracterização e a dimensão do problema. Com base, como se escrevia então, em três “provas robustas”: a temperatura média do planeta está a aquecer devido à atividade humana e, em consequência disso, o nível do mar vai subir e vão ser mais frequentes as ondas de calor.
Passaram-se 31 anos e o IPCC produziu mais cinco relatórios – o último, o sexto, publicado há dias e que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, classificou como um “alerta vermelho” para a Humanidade. Nele, os cientistas acrescentam ainda mais robustez às provas que têm reunido ao longo dos tempos e tentam prever o que pode acontecer nos próximos anos, caso se adotem ou não medidas para combater o aquecimento global. Mas dão-nos também, desta vez, outra certeza: a crise climática já se tornou inevitável e irreversível. E só nos resta uma oportunidade, a derradeira – já não para evitar o pior mas, apenas, para tentar evitar o pior cenário possível.
Em consciência, ninguém pode manifestar-se admirado ou surpreendido com isto. Não só os avisos foram sendo feitos, ao longo dos anos, como também os sinais se tornaram cada vez mais eloquentes: secas nunca vistas, inundações que só deveriam ocorrer num século, mas que se repetem numa década, incêndios colossais em todas as latitudes. E tudo isto com um padrão comum: a cada ano que passa, vão sendo batidos novos recordes de temperatura média em qualquer ponto do globo, mas continuam ainda a aumentar, globalmente, as emissões de gases com efeito de estufa.
Conhecemos o risco, sabemos que ele está cada vez mais próximo de ser brutalmente destruidor e inevitável, mas continuamos a adiar as decisões que precisam de ser tomadas. Até porque demoramos demasiado tempo a olhar o problema de frente.
Durante anos, por exemplo, sempre que o País se via sobressaltado devido aos incêndios florestais, a narrativa pouco se alterava e nunca incluía o “pormenor” do aquecimento global: a “culpa” era sempre da falta de meios para combater as chamas e dos incendiários criminosos que ateavam o fogo pela calada da noite, a soldo de interesses obscuros – o que até pode ter sido verdade, em alguns casos, a par de fatores como o gritante desordenamento do território, o despovoamento do Interior, a falta de planeamento na gestão das florestas e a ausência de mecanismos eficazes de proteção civil.
No entanto, quando vemos agora os incêndios incontroláveis nas nações mais ricas e desenvolvidas do planeta, onde existem mais homens, máquinas e aviões para combater as chamas do que em outra parte do globo qualquer, temos de refrear o argumento da falta de meios. E devemos, isso sim, procurar os “incendiários”, responsáveis por estes crimes, que ameaçam a Natureza, arrasam povoações e matam pessoas. O último relatório do IPCC é muito claro sobre quem tem a culpa dos incêndios, mas também das ondas de calor que provocam secas e inundações: os incendiários somos nós. Não só persistimos em ignorar os alertas dos cientistas como nos recusamos a mudar de estilo de vida, protestamos quando as taxas de carbono fazem aumentar o preço dos combustíveis fósseis e privilegiamos o conforto imediato em detrimento do futuro sustentável. Pior: permitimos, com a nossa inação, que o debate político sobre o ambiente caísse, tantas vezes, em questões estéreis e laterais, sem se debruçar, de facto, naquilo que é essencial mudar na economia e na organização da sociedade.
Agora, diz o IPCC, temos uma década para tentar impedir o pior cenário possível. Não vai ser fácil: vamos sofrer com secas e inundações, ver a nossa orla costeira destruída em muitos locais e os incêndios a imporem a sua lei na floresta. Vamos assistir ao fim de indústrias mas também ao surgimento de outras. E vamos ser todos obrigados a pagar mais taxas e impostos em nome do ambiente. É esse o preço a pagar pelo incêndio que começámos.
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