"Não quero sofrer. Não quero passar fome. Não quero sentir frio", diz ela.
Addis divide um pequeno quarto com três netos na capital da Etiópia, Addis Abeba. Ela é viúva e sua filha morreu de diabetes.
As crianças tomam café da manhã e almoçam na escola. Addis guarda toda a comida que tem para jantar com os netos.
Ela só faz uma refeição por dia - e não todos os dias.
"A gente só come Qolo (mistura tradicional de grãos torrados), bebe água e vai dormir. Quando falta até isso, não há o que fazer."
Sua história não é um caso isolado.
Durante semanas, a BBC conversou com idosos e idosas em todo o mundo para entender o impacto da crise global da inflação.
Os testemunhos revelam extrema vulnerabilidade, dependência crescente de instituições de caridade e desafios para atender às suas necessidades básicas.
"Os dados sobre os idosos estão completamente inexistentes", disse à BBC Claudia Mahler, especialista independente da ONU sobre os direitos humanos dos idosos.
"Eles são deixados para trás quando se trata de sistemas de suporte porque não são visíveis", diz ela.
Para a especialista, outros grupos com maior ativismo acabam abafando a voz dos que defendem os idosos.
Meseret só faz uma refeição por dia e não consegue comer todos os dias |
Um novo estudo realizado em 10 países pela HelpAge, uma rede de caridade financiada por agências internacionais, mostra que os idosos estão tomando "medidas drásticas para sobreviver", desde pedir comida nas ruas pela primeira vez a abandonar tratamentos hospitalares.
"Você pode ver que estou doente. Eu estou na minha cama. Se não receber ajuda, só posso esperar a morte", diz Meseret Addis, enquanto se tapa com um cobertor em seu quarto frio.
Em outro leito a mais de 4 mil km de distância, em Beirute, na capital do Líbano, Alice Chobanian, de 67 anos, fala de um desespero semelhante.
"Não quero falar sobre o número de vezes em que tentei me matar", diz ela.
Chobanian divide seu pequeno quarto na capital libanesa com 10 pessoas no total, duas filhas recém-divorciadas e seus oito filhos.
Ela diz que a situação financeira de sua família piorou desde 2020 e "as coisas nunca estiveram tão difíceis como agora".
Especialistas dizem que o impacto dessa crise na saúde mental dos idosos é grave.
"As depressões não são vistas como depressões. Elas são vistas apenas como 'algo relacionado à idade', algo que 'não é tão sério'. Mas esta é uma questão enorme que é totalmente ignorada", diz Claudia Mahler.
O Programa Mundial de Alimentos da ONU diz que o número de pessoas que enfrentam insegurança alimentar aguda aumentou de 135 milhões em 2019 para 345 milhões em 2022.
Além da covid e das mudanças climáticas, a invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022 levou a uma interrupção global nas cadeias de suprimentos de alimentos, energia e remédios, além de fazer disparar a inflação.
O Líbano já estava em crise antes da guerra e a inflação dos alimentos atingiu 372,8% no país no ano passado.
"Minhas netas gostam de passar pelo restaurante de frango frito só para sentir o cheiro do frango", diz Chobanian.
"Ontem elas disseram que estavam com fome. Eu não tinha nada e elas falaram: 'Vamos dormir e torcer para sonhar com frango'."
A renda mensal da família de Chobanian é de US$ 20 por mês (cerca de R$ 100) e vem de sua filha, que trabalha como cuidadora.
"Antes da crise eu vendia peças de crochê. Com a crise ninguém compra nada. O que eu faço é considerado um luxo e as pessoas não podem mais pagar", diz.
Mulheres idosas como Addis e Chobanian são quem "sofrem com o peso desta crise", dizem os especialistas.
"Normas sociais e culturais muitas vezes obrigam as mulheres a serem as primeiras a desistir de suas refeições quando a comida é limitada. Também por causa das desigualdades sociais existentes, as mulheres têm menos capacidade de ter renda", diz Bob Babajanian, da entidade de caridade HelpAge.
"Isso também se traduz em dinâmicas intrafamiliares específicas, onde elas têm menos controle sobre os recursos."
Mulheres são as principais cuidadoras de crianças e parentes. E muitas vezes ganham menos do que os homens quando trabalham fora de casa, além de fazerem trabalhos mais informais.
"Falamos muito sobre a disparidade salarial entre homens e mulheres, mas também existe uma disparidade nas aposentadorias", diz a especialista da ONU Claudia Mahler.
"Se as mulheres ou meninas não tiverem acesso a boa educação, nunca terão as mesmas possibilidades de emprego que os homens. Isso também passa por não haver apoio e ajuda suficientes por meio de pensões ou outros subsídios", diz ela.
Mas os homens mais velhos também enfrentam sérios desafios.
É fim de tarde e Ziauddin Khilji está sentado na porta de sua oficina em Islamabad, no Paquistão. Sua esposa morreu no mês passado depois de fazer diálise por sete anos.
Aos 68 anos, ele ainda precisa trabalhar porque não tem aposentadoria. Mas ele perdeu a maioria de seus clientes no ano passado.
"Houve um tempo em que não tínhamos tempo livre o dia inteiro. Agora, este é o primeiro trabalho que tenho desde o início da manhã", diz Khilji, apontando para as máquinas cobertas de poeira.
Em fevereiro de 2023, os preços ao consumidor do Paquistão tiveram o maior salto ano a ano em quase 50 anos.
Ele agora dorme em um colchão dobrável nos fundos de sua oficina. Mas mesmo isso também está em risco, já que o aluguel da oficina mais que dobrou no mês passado.
Os empréstimos que ele fez para pagar o tratamento médico de sua esposa estão ficando mais caros porque as taxas de juros também dispararam.
"Sou diabético e tenho um stent cardíaco. Meus rins doem. Mas meus comprimidos estão muito caros agora. Às vezes, simplesmente paro de tomá-los. Quando posso pagar, tomo. Caso contrário, o que posso fazer?"
Addis, na Etiópia, também parou de comprar a maioria dos medicamentos vitais de que necessita para seus pulmões.
São casos que corroboram os resultados da pesquisa da HelpAge, que mostra que o aumento dos preços está impedindo que os idosos tenham acesso a tratamento médico e remédios.
Outros interrompem tratamentos porque não podem pagar pelo transporte até hospitais e farmácias.
O impacto da crise nos idosos vai além dos países em desenvolvimento como Etiópia, Líbano e Paquistão.
Também é visível no Reino Unido, um país rico.
Thabani Sithole, de 74 anos, é uma enfermeira aposentada que mora no sul de Londres. Ela depende de um banco de alimentos para comer.
“Nunca pensei em usar um banco de alimentos, nunca, porque tudo parecia bem. Com o pouco de dinheiro que eu tinha, pensei 'Por que essas pessoas estão usando bancos de alimentos?'
"E agora é minha vez de entrar na fila", diz ela, apontando para as latas na mesa da cozinha.
Quando se aposentou em 2019, ela pensou que "a vida estava apenas começando".
Mas a disparada dos preços mudou tudo.
"Às vezes você deseja algo. Mas agora não se trata de uma guloseima. É sobre ter comida para comer, ter comida suficiente."
Sithole ficou viúva quando sua filha tinha dois meses de idade. Ela mora com a filha única, cujas fotos cobrem as paredes da sala.
"Pelo menos ela está aqui para me ajudar. É por isso que posso comprar as coisas."
Mas depender de membros da família, embora comum, não é uma abordagem sustentável à medida que as populações envelhecem.
Wei Yang, diretor do Instituto de Gerontologia do King's College London, diz: "No Reino Unido, aqueles com 65 anos ou mais vão dobrar ou triplicar nas próximas décadas, então é quase impossível que as pessoas sempre tenham familiares mais jovens que os ajudem."
"Os governos precisam pensar em novas maneiras de financiar cuidados de longo prazo para idosos", diz Yang.
Sithole diz que também depende da ajuda de instituições de caridade como a Independent Age para sobreviver e teme que o pior ainda esteja por vir.
"A prestação do nosso imóvel continua subindo a cada dois meses", diz ela.
"Perderemos a casa porque não podemos pagar agora. Teremos que vendê-la e nos mudar para um lugar um pouco mais barato, o que dificultará a vida da minha filha, que precisa sair para trabalhar."
Ela faz um apelo para que as pessoas mais velhas em situação precária se manifestem mais.
"Não seja tímido. Não sinta medo. Não sinta vergonha."