domingo, 1 de outubro de 2017

Conversa em roda de amigos

Nas horas de folga, tenho conversado com amigos, quase todos preocupados com o Brasil. Alguns pensam até em se candidatar e contribuir com o processo. Por que não? Em todo o país há um apelo por renovar. Aos que tomam o caminho de concorrer a cargos públicos, lembro apenas que não basta uma troca de nomes. Com as mesmas regras do jogo, o sistema resulta em perversão.

Há ainda os que querem fazer algo, sem deixar o seu trabalho, só como eleitores. O que fazer? Sinceramente a melhor resposta é trocar ideias entre as pessoas que querem fazer algo. Dessa teia de relações, acabam surgindo os rumos e possibilidades.

Há sempre no ar uma certa nostalgia de um nome, um líder para o processo de renovação. No entanto, é é preciso seguir conversando, independente disso. Quanto mais amadurecida estiver a sociedade no seu desejo de renovação, quanto mais tiver clareza do que quer e não quer mais, mais fácil aparecer alguém para liderá-la. Não são necessárias qualidades extraordinárias.


Outra vantagem de uma sociedade mais informada é que pode trocar seus líderes com facilidade. Não depende de um salvador. A recente tragédia da esquerda brasileira foi também ter depositado todas as suas esperanças num líder. Ela não estava preparada para o ocaso de Lula e simplesmente não consegue admiti-lo.

Palocci descreveu, em sua carta, algo que já mencionei em alguns artigos. A necessidade de dar as costas às evidências, a transformação num movimento religioso que cultua o líder e o considera um perseguido apesar dos fatos. Nem sei se a expressão religiosa é adequada. Não faz justiça, por exemplo, ao budismo, que estimula o encontro da iluminação por um caminho próprio e afirma que ela está dentro de cada um.

Na história do budismo, houve momentos em que não havia Buda e, mesmo sem ele, um grupo de pessoas compreendeu todos os ensinamentos por contra própria. São tratados com admiração: os que chegaram ao conhecimento sem a ajuda de um grande mestre.

A política não dispensa lideranças. Mas as virtudes necessárias dependem do momento histórico. O fracasso do populismo de direita abriu caminho para líderes messiânicos de direita.

Lula é uma divindade para os adeptos, Bolsonaro é um mito para os seus. Naturalmente essa emoção domina milhares de pessoas. Mas é crescente o nível de informação da sociedade e, na medida em que amadurece, a tendência majoritária é não acreditar em mitos ou divindades políticas.

Durante alguns anos, presenciei a transformação que o mundo digital nos trouxe. No princípio, a cena política a considerou apenas algo que estava aí, fervilhando, mas correndo em paralelo, sem influenciá-la. Agora, os mecanismos de controle são muito maiores. O próprio governo Temer foi levado a mudar de posições por pressão da sociedade.

Outro fator positivo é o impacto da Lava-Jato. O processo de corrupção pode até continuar, mas hoje se está mais equipado para investigá-lo, e tanto políticos como empresários conhecem o alto risco dessas práticas. Se a maioria moderada conseguir impor um caminho, certamente terá de derrotar o populismo, os futuros luminosos, os amanhãs que cantam, o paraíso prometido. Mais informada e consciente, a sociedade poderá escapar de outras divindades que às vezes se apresentam como absolutas: o mercado e o Estado.

Sem um grande líder messiânico, sem soluções radicais mas apenas um esforço para reerguer o Brasil e deixar que siga os seus passos, a alternativa pode parecer até um pouco monótona. No entanto, não tenho visto ninguém se abalar, nos novos grupos e experiências que, às vezes, mostro na televisão, por ideias fantásticas, fórmulas revolucionárias.

A maioria das pessoas com quem falo está preocupada com a decadência do Brasil, querendo fazer algo para que o país não se derreta no pântano em que foi lançado. São jovens que chegam à política agora, em 2018, com uma grande compreensão de como as pessoas informadas podem influir no processo. Certamente estarão preparadas para concluir que o caminho de consolidar as conquistas será pela educação.

Talvez esteja terminando também, com tantos outras deformações, um tipo de político que não se importa com a educação, que depende de ignorância para se manter na carreira. Reconheço que isso é uma posição otimista: apoiar-se na clássica ideia de que o ser humano pode saber, logo tornar-se livre.

Segundo Karl Popper, existe também o polo contrário: o do descrédito na capacidade humana de achar a verdade. Esses polos estão sempre em confronto e dividem os que querem ampliar a democracia e os que, baseados na sua convicção pessimista, tendem para a busca de uma autoridade forte para evitar o pior. Se estivesse na conferência do general Mourão, aquele que admitiu a possibilidade de intervenção militar, concordaria com suas críticas aos políticos. No entanto, diria apenas que acredito na capacidade de resolvermos nossos problemas, sem recuar na democracia.

O ano que entra é o começo de um novo ato. Um oásis potencial para nossos olhos, voltados hoje para a sujeira do passado e a mediocridade do presente.

Um país engessado por boas intenções

Campeão da dívida pública entre os maiores emergentes, o Brasil caminha para o desastre, se o governo continuar sem meios legais e políticos para conter a degradação de suas contas. A dívida bruta do governo geral bateu em R$ 4,77 trilhões em agosto. Isso equivale a quase um quarto (73,7%) do produto interno bruto (PIB), o valor dos bens e serviços finais produzidos em um ano. Os brasileiros teriam de trabalhar quase nove meses, sem nada consumir, se fosse preciso pagar de uma vez o estoque de papagaios emitidos pelo setor público. A expressão governo geral indica as administrações da União, dos Estados e dos municípios, mas a maior parte do problema é do poder central. Na média, a dívida bruta dos governos, no mundo emergente, continua na vizinhança de 50% do PIB. No mundo rico há Tesouros muito mais endividados, mas sua classificação de risco é muito melhor que a do Brasil e a rolagem de seus compromissos é feita com juros muito baixos – até negativos, em alguns casos.

Conter o endividamento público é um dos objetivos centrais da estratégia econômica inaugurada em Brasília no ano passado. Mas o peso da dívida crescerá ainda por alguns anos, pelo menos até 2022, se o esforço de ajustes e reformas continuar mais ou menos de acordo com os planos. A recuperação da economia, iniciada neste ano, também ajudará, proporcionando maior arrecadação de impostos e contribuições. Isso já ocorre. Todos os tributos federais baseados em produção, consumo, importação e renda geraram em agosto receita maior que a de um ano antes, descontada a inflação. Reforçada também por alguns itens extraordinários, essa arrecadação superou por 17,7% a de agosto de 2016.


Mas seria imprudente depender apenas da arrecadação e do controle das chamadas despesas discricionárias para consertar as contas federais. O Orçamento é pouco flexível e tornou-se mais engessado com a expansão dos gastos obrigatórios, como a folha salarial dos servidores. A irracionalidade do Orçamento é conhecida há muito tempo e resulta em grande parte das boas intenções dos constituintes de 1988.

A essas boas intenções outras se acrescentaram nos anos seguintes, graças ao trabalho de legisladores pouco preocupados com a aritmética, com a limitação física de recursos e, afinal, com a eficácia das políticas públicas.

O excesso de vinculações é uma consequência dessa farra legislativa. Se vinculações funcionassem, educação e saúde seriam muito melhores, no Brasil, do que têm sido nos últimos anos. Mas verbas carimbadas normalmente produzem efeitos muito diferentes: dispensam os ministérios de produzir bons planos e projetos, facilitam a corrupção e resultam, com frequência, em ações improvisadas para o mero cumprimento, no fim de cada ano, da obrigação de gastar. Se é preciso fechar a conta, pintem-se muros de escola, mesmo sem necessidade, ou se comprem ambulâncias, talvez com a ajuda de um superfaturamento. Não são exemplos fictícios.

Vinculações impedem ou dificultam a revisão periódica de prioridades, desestimulam o bom planejamento e ocasionam enormes desperdícios. No limite, a boa administração dependeria de uma revisão frequente de todas as contas e de todas as linhas de ação, mas o orçamento de base zero tem sido, na prática, apenas um ideal. Sem poder alcançá-lo, as administrações deveriam pelo menos operar com flexibilidade suficiente para se adaptar a novos objetivos, enfrentar com eficiência problemas conjunturais e obter um alto retorno de cada real aplicado. Mas a rigidez orçamentária provém também de outras causas.

No Brasil, a maior parte dos gastos obrigatórios é formada por dois grandes itens, os benefícios previdenciários e a folha de salários e encargos. Neste ano, a despesa do governo central, a preços de agosto, chegou a R$ 819,20 bilhões. A soma daqueles dois itens correspondeu a R$ 536,58 bilhões, quase dois terços do total. A Previdência pagou R$ 349,71 bilhões e a folha de pessoal e encargos consumiu R$ 186,87 bilhões. Os demais gastos obrigatórios totalizaram R$ 131,86 bilhões.

Mesmo com a economia em crescimento, as despesas incontornáveis cresceram mais velozmente que a receita líquida até 2014, quando a relação entre as duas grandezas chegou a 85,4%. A situação piorou nos anos seguintes. Em 2016 aqueles gastos corresponderam a 101,3% da receita. Nos 12 meses até agosto deste ano a proporção atingiu 104%.

Mesmo com a recuperação econômica e uma expansão mais veloz dos negócios, o quadro deverá piorar nos próximos anos. O PIB deve aumentar 0,7% em 2017 e 2,6% em 2018, segundo as novas projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pouco mais otimistas que as do mercado. As despesas obrigatórias, principalmente da Previdência, continuarão sufocando as finanças públicas e, como consequência, dificultando o avanço da produção e da criação de empregos.

Ao lado de um esforço continuado para ajustar o Orçamento, reformas serão indispensáveis para a reconstrução da economia nacional. A da Previdência é a mais urgente, como indicam as projeções de especialistas em finanças públicas – ignoradas ou menosprezadas por boa parte dos congressistas. Mas outras mudanças também serão necessárias tanto para a melhora das condições fiscais quanto para o aumento da eficiência econômica. É preciso cuidar de uma ampla revisão tributária e pensar na reestruturação do Orçamento.

Num país aberto a debates sérios e consequentes, esse conjunto de temas teria destaque na campanha eleitoral do próximo ano. Mas é difícil, neste momento, admitir essa possibilidade. Parece mais provável a predominância de candidatos prometendo gastança, protecionismo comercial, juros baixos e criação de empregos a partir do nada. Se o Brasil, em seguida, recair na crise, a culpa terá sido de quem tentou promover o ajuste.

Rolf Runtz

Uma história de amor

Eu também já amei muito Luiz Inácio Lula da Silva. Quem não o amou, em algum momento de sua vida, neste país?

Em 2003, assisti pela televisão à sua posse em Brasília, sem perder um só segundo daquela festa possivelmente seminal, lágrimas nos olhos por tão bela e radical transformação pacífica pela qual passava o Brasil.

Quando Fernando Henrique lhe entregou com gosto a faixa presidencial, me senti vivendo a realização de um sonho de juventude, a inteligência reconhecida dando cidadania à vitória do povo pobre.

Apesar de alguns conflitos genéricos, causados pelos rumos que estava tomando a administração da cultura pelo Estado, minha primeira grande e estranha surpresa veio, claro, com o mensalão.

Como todo mundo, fiquei chocado, sem saber o que pensar diante das revelações provocadas pela denúncia de Roberto Jefferson, um precursor da delação premiada.

Mas, como todo mundo, acreditei no que Lula então disse publicamente, que não sabia de nada, que tinha sido traído por colaboradores em que havia confiado.

Entre outras coisas, o silêncio de José Dirceu, uma antiga admiração pessoal, me fez acreditar nessa versão e, em 2006, não vacilei em votar pela reeleição, contra a pinta de Opus Dei de Geraldo Alckmin (e lá vem ele outra vez!).


Acho que comecei a desconfiar de meu herói quando li uma declaração sua, dizendo se sentir melhor agora, vestido de terno e gravata, do que na época em que usava um macacão de operário.

Por mais que essa sinceridade pudesse fazer sentido material, não era aceitável que um líder popular daquela envergadura avacalhasse tanto os valores simbólicos de sua origem.

E, pior ainda, quando Lula começou a abrir o jogo de seu desprezo pela cultura, pelos livros e pelo conhecimento, como se devesse seu sucesso à ignorância a que tinha sido condenado por sua situação de classe.

Um ressentimento agressivo, um rancor mal disfarçado em declarações de subestimação do estudo e da inteligência.

Não sei quando começou a tragédia que vivemos hoje no Brasil. Ela vem possivelmente de longa data, passando certamente pelos oito anos do governo Lula, para se agravar no de Dilma Rousseff.

Ao sofrer o impeachment, a então presidente já tinha jogado 11,5 milhões de brasileiros no desemprego e consolidado, segundo Thomas Piketty, o famoso neomarxista francês, a desigualdade em nosso país. “É deprimente”, diz o ensaísta, “ver que décadas de democracia foram incapazes de promover mudanças no Brasil”.

Era nessas mudanças que estavam nossas esperanças; mas elas se resumiram a políticas assistencialistas, dignas de aplauso mas nada dinâmicas, incapazes de promover qualquer ascensão social. E muito menos uma revolução.

Lula deixou de ser “o cara”, o líder popular mais atualizado que o Brasil poderia ter tido, para se tornar um chefe populista, como qualquer outro dessa maldita tradição latino-americana alimentada pelo patrimonialismo, o instrumento das oligarquias que ele tentou mimetizar.

No extremo populismo latino-americano, religioso e sebastianista, os partidos se tornam seitas e seus chefes divindades que não erram.

A política se desmaterializa em crenças e superstições estimuladas pelos apóstolos do chefe redentor.

Caímos na mais velha arapuca de nosso subdesenvolvimento, a proclamação da necessidade de indivíduos indispensáveis, santos vivos responsáveis por nós.

Mesmo que reconheçamos a clareza de presentes, palestras, sítios, apartamentos, prédios, recibos falsos, a honestidade autoproclamada, temos certeza que só de sua redenção pode surgir nossa salvação como povo e como país.

Numa época em que, segundo Steve Coll, professor de Columbia, os algoritmos e seus programadores são uma nova fonte de poder, ainda estamos entregues ao populismo de cordel.

O oposto de Lula não é o nariz empinado de FHC e suas aves de estimação. Bolsonaro ou o general Mourão, também não. Nem, por óbvio, Eduardo Cunha, Aécio, Geddel, Cabral.

Não devemos querer sermos governados, a partir de 2019, pelos iguais dos que já nos desgovernam (não há nada de novo em Dória ou Alckmin).

O contrário deles é o contrário de seu contrário e assim sucessivamente, até que possamos desembocar em alguma coisa que nos traga de volta a esperança de 2002, fragilmente representada nas ruas em 2013.

Em sua carta patética à direção do PT, Antonio Palocci tem um momento de iluminação: “Minha geração talvez tenha errado mais que acertado. Ela está esgotada. É nossa obrigação abrir espaço a novas lideranças, reconhecendo nossas graves falhas e enfrentado a verdade”.

Eu sei que não posso mais ter meu amor de volta; mas que pelo menos a esperança do amor não morra.

Gente fora do mapa

O fotografo FAN HO fez fotografias fantásticas das ruas de Hong Kong nos anos de 1950. FAN HO é um dos mais amados fotógrafos de rua da Ásia, capturando o
Hong Kong (Fan Ho)

Derrapadas supremas

É grave o imbróglio entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal depois que a 1ª Turma afastou Aécio Neves (PSDB-MG) de suas funções legislativas, apreendeu seu passaporte e determinou seu recolhimento noturno – mas é só parte da crise. Ao se enveredar por trilhas heterodoxas, o STF, que deveria ser o guardião constitucional, juízo máximo e definitivo, abre-se para toda sorte de críticas, se enfraquece e, consequentemente, fragiliza o já bambo equilíbrio institucional do país.

E não têm sido poucas as derrapadas da Corte Suprema, sempre com consequências dramáticas.

Coube ao STF, por exemplo, parcela significativa da responsabilidade para que os partidos políticos se multiplicassem como ratos. Em 2006, a Corte considerou inconstitucional a cláusula de barreia aprovada 10 anos antes pelo Congresso. A norma, que estabelecia representação mínima no Parlamento para que as legendas tivessem acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral na TV e no rádio, só está sendo reabilitada agora.

“O STF substituiu uma opção legítima do legislador”, afirmou o hoje ministro do Supremo Alexandre de Moraes em sua sabatina no Senado, ao criticar a decisão da Corte que ele agora integra.

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Mas, ainda que o entendimento passe a ser outro, o precedente de inconstitucionalidade criado em 2006 está lá, com longas argumentações em prol da “defesa das minorias”, permitindo a grita das agremiações de pequeno porte que se sentirem lesadas com a reedição do dispositivo.

Outro precedente temerário foi consagrado pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, quando do impeachment de Dilma Rousseff. Dirigindo os trabalhos da sessão definitiva do Senado que acabou por depor a presidente, Lewandowski inventou um dispositivo constitucional ao fatiar o parágrafo único da Carta sobre a cassação e a suspensão dos direitos políticos por oito anos.

Com isso, o país teve de engolir a esdrúxula situação de ter uma presidente destituída de seu mandato que pode ser candidata a qualquer cargo público no ano que vem – até mesmo à Presidência da República.

Mais do que beneficiar Dilma, o STF legitimou uma nova leitura do artigo 52 da Constituição, válida para qualquer um que venha a ser deposto por crime de responsabilidade ou qualquer outro.

Recentemente, a Corte aprontou de novo. O ministro Edson Fachin endossou, com velocidade ímpar, a delação premiadíssima dos irmãos Batista, que dava sustentação à primeira denúncia do ex-procurador-geral Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer.

Com a reviravolta provocada pela até hoje pouco explicada gravação “acidental” que pegou Janot de calças curtas e quase despiu Fachin, o ministro relator da Lava-Jato mandou prender o falastrão Joesley Batista e seu interlocutor Ricardo Saud. Mas, curiosamente, poupou Marcello Miller, ex-braço direito de Janot, que dias antes da polêmica delação trocara a PGR pela JBS de Joesley.

Fachin, assim como Janot, teria sido enganado.

Longe de desculpá-lo, o ludibrio dos irmãos Batista enxerta mais incertezas e, obviamente, macula a imagem do Supremo, que, no mínimo, tratou com pouco zelo uma denúncia que envolvia o presidente da República.

As idas e vindas no processo da dupla Joesley e Wesley, que, com aval do STF, conseguiram as chaves do Paraíso e adentraram as portas do inferno, criaram inseguranças quanto às delações já firmadas e, pior, as que ainda estão por vir.

O caso Aécio é mais um nesse rol. Fora os excessos verbais de ministros que parecem se deliciar com o som da própria voz, tudo nele é inédito. Não há consenso nem mesmo dentro do Supremo se a decisão tem lastro constitucional.

De novo, a criatividade do STF suga o crédito e o respeito que a Corte maior, tão necessária para a estabilidade do país, deveria gozar. Vira piada, troça, papo de botequim.

A releitura da carta sugere que Palocci tem flechas de sobra

Que Rodrigo Janot, que nada: quem tem flechas de sobra é Antonio Palocci, sugere a releitura mais atenta da carta em que o ex-ministro formalizou o seu adeus ao PT. A primeira flechada mira na destinatária para fulminar o alvo real ─ a arrogância de Dilma Rousseff. Ao dirigir-se à “senhora presidente”, Palocci negou a Gleisi Hoffmann o ridículo tratamento que teve de usar enquanto chefiou a Casa Civil da “presidenta” que o impeachment transferiu do Planalto para a lata de lixo da História.

A chuva inaugural de setas sangra o partido que celebra delinquentes juramentados, atira ao purgatório quem ousa admitir o próprio envolvimento em patifarias devassadas pela Lava Jato e condena ao fogo do inferno quem ousa dizer a verdade sobre o dono do time que logo estará disputando com o PCC a liderança do campeonato nacional dos presidiários. Depois de reiterar que está disposto a pagar pelos pecados que cometeu, o arqueiro mais perigoso do Planalto convida os meliantes companheiros a buscar o caminho da salvação. Como se houvesse salvação para quem canoniza corruptos irremissíveis.

O relator do texto esbanja familiaridade com os pontos fracos de cada alvo. A dose de veneno aumenta consideravelmente no lote de flechas reservado a Lula. As mais letais atingem a farsa do menino retirante que passou fome em São Paulo, venceu todos os infortúnios e virou presidente para salvar os pobres da morte por inanição. A carta desloca essa figura fictícia para o terreno pantanoso da corrupção. É nesse terreno malcheiroso que chapinha a divindade acanalhada que, em sermões de missa negra, culpa a mulher pelas obscenidades que protagonizou.

Os estragos já visíveis incluem os sintomas de desequilíbrio emocional exibidos por Lula. O hepta-réu da Lava Jato, por exemplo, já não sabe quantos dias tem novembro ou quando agosto termina. As flechadas que vêm aí vão tornar inevitável o confisco da liberdade de um farsante que, sem emprego regular desde 1978, virou dono de imobiliária clandestina ─ e um dos maiores falsificadores de escrituras desde o primeiro caso de estelionato registrado no Brasil.

O caso Aécio não é jurídico, mas de ausência de caráter

É jogar areia nos olhos do público desviar a discussão do caso Aécio Neves para um confronto entre o Supremo Tribunal Federal e o Senado. Não há uma crise institucional, mas uma profunda crise de caráter de substancial parcela do mundo político. Ao se retirar a areia da discussão, tem-se o seguinte: 1 – Aécio Neves teve um diálogo nada republicano com Joesley Batista? Teve. Nem ele nem o empresário negam. 2 – Aécio Neves pediu R$ 2 milhões a Joesley? Pediu. O senador agora afastado não nega, só dá uma desculpa esfarrapada para a solicitação. 3 – O dinheiro foi entregue? Foi, a um intermediário de Aécio, o famoso primo Fred. Entrega filmada.

Comprovados como estão tais fatos, houve, no mínimo, uma violação da dignidade funcional por parte do senador. Nessas circunstâncias, uma pessoa de caráter teria renunciado ao cargo. Como Aécio não o fez, seus pares deveriam tê-lo expulsado, se tivessem o caráter que faltou ao envolvido no caso.
Os tucanos não expulsaram Aécio. Ao contrário, pretendem agora salvá-lo sob o pretexto de que não cabe ao Supremo determinar o seu “recolhimento noturno” – pena, aliás, branda para tanta falta de compostura.

É claro que há margem, do ponto de visto jurídico, para discutir se o STF acertou ou errou. Tanto há margem que três ministros votaram em uma direção (contra Aécio) e dois em outra (a favor dele).

Mas, do ponto de vista da moralidade pública, essa margem inexiste. O senador cometeu deslize abominável. Ponto. Se tivesse tido a decência básica de renunciar, não se armaria esse confronto Senado/STF.

A compostura que faltou ao ainda presidente do PSDB (embora licenciado) faltou igualmente a seu partido. Ou, pelo menos, à maioria dele. Comprovados os fatos acima citados, a única atitude de um partido decente seria expulsar o envolvido não só da presidência, mas do próprio partido. Não fazê-lo é ser cúmplice de um atentado à moralidade pública.

E os políticos ainda se queixam quando um ranking, como o do Fórum Econômico Mundial, aponta os brasileiros como os políticos menos confiáveis do mundo, últimos colocados em confiabilidade entre 137 países.

Abrir uma crise institucional por esse tipo de gente seria uma tremenda aberração. Mas, no Brasil, não seria uma surpresa. Afinal, nosso mundo político, com meia dúzia de exceções, é uma aberração.

Paisagem brasileira

Bairro do Catumbi (Rio - 1941), Dakir Parreiras (Brasil, 1894 – 1967)

Carta aberta aos maus congressistas

Senhores!

Nós já sabemos quem os senhores são e vemos o que fazem. A sociedade brasileira, representada politicamente no Congresso Nacional, emerge de uma recessão que durou 12 trimestres e cujas causas são muito mais internas do que externas. Mesmo onde estas últimas tiveram algum significado, seu efeito se agravou pela gestão suicida do gasto público. O governo pródigo que dirigiu o país entre 2003 e 2016 se imaginou dotado do toque de Midas e presumiu que os preços das commodities se manteriam nos elevados patamares vigentes nos primeiros anos daquela gestão. Acreditou que os campos petrolíferos jorrariam para sempre cem dólares por barril extraído. Tal como o galo Chantecler, acreditou ser por sua causa que tudo acontecia. E acreditou, por fim, não haver juízes, nem promotores, nem policiais no Brasil.

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Durante quase uma década e meia, na sequência de quatro mandatos presidenciais, vivemos sob combinação perfeita de irresponsabilidade fiscal e fanfarronice presidencial. O governo da União e os demais poderes de Estado fizeram crescer as respectivas despesas de modo leviano e numa frivolidade cujos exemplos mais vistosos, mas não únicos nem principais, foram proporcionados pela Copa do Mundo e pelos Jogos Olímpicos. Nisso se fizeram acompanhar, também, pela voracidade dos corruptos e pela ganância das corporações. Uns e outros assumiram como perene aquela aparente prosperidade calcada nas duas pernas de pau da riqueza externa e não na competitiva agregação de valor e geração de riqueza interna. Todos, num alegre convescote, foram com sede à mesa das inextinguíveis regalias. Não havia como dar certo. E não deu.

Admitamos que essa imprudência tenha sido contagiante, que o irrealismo da situação fosse sedutor. Vá que em tempos como aqueles fossem ao lixo os manuais, se danasse toda cautela, se fizessem calar os bons conselheiros. Mas, e agora? E agora, “que a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio e não veio a utopia, e tudo acabou, e tudo fugiu e tudo mofou”? O que têm a dizer, senhores, ante o sentimento dos brasileiros em hora tão grave?

Conheceis a opinião nacional a vosso respeito, como membros de um poder de Estado do qual pendem urgentes e indispensáveis decisões. Não vos constrange a divulgação dos votos vendidos e comprados? Credes que a nação acolhe tais práticas como normais? Sabemos bem, cá embaixo, nos porões onde essas contas nos são levadas a débito, que o único motivo pelo qual vos atreveis a buscar nosso voto é o baixíssimo conceito que fazeis de nosso discernimento.

Queremos todos uma reforma institucional. E vós? Buscais tão somente uma que vos favoreça a reeleição. Apreciamos campanhas eleitorais de baixo custo, feitas prioritariamente pelos candidatos e seus apoiadores voluntários, e não por máquinas eleitorais. E vós? Cogitais de uma reforma em que as maletas de dinheiro derivem de rubrica do orçamento da União. A nação precisa de reforma trabalhista, previdenciária, tributária. E vós? Pareceis inclinados a apoiar somente aquilo que não vos custe voto ou centavo. Projetos de elevado interesse público saem de vossas mãos desfigurados por destaques e emendas que tolhem sua eficácia. Nem o impeachment da presidente Dilma teríeis deliberado não houvesse o povo saído às ruas.

Senhores, não nos bastam os votos dos bons parlamentares, precisamos, também, dos vossos votos para as reformas de que o Brasil está tão carente!

Por vossa causa, nenhuma legislatura deveu tanto ao país! Quem sabe sirvam estes últimos meses de vossos mandatos para um acerto de contas com o real interesse público?

Percival Puggina

Milagres há

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É difícil em tempos como estes ideais, sonhos e esperanças permanecerem dentro de nós, sendo esmagados pela dura realidade. É um milagre eu não ter abandonado todos os meus ideais, eles parecem tão absurdos e impraticáveis 
Anne Frank

Certezas e dúvidas

Duas certezas e uma dúvida se consolidam no país. Uma delas é que a economia está saindo do buraco. A outra é que a verdadeira crise que nos consome é e sempre foi política, não econômica. A dúvida é se há consciência na sociedade sobre como reinventar a política.

A economia é a caixa de ressonância das ambições desmedidas e dos erros dos governantes, dos parlamentares, dos juízes e promotores, e… Sim, não tiremos o corpo fora: de nós todos. Vimos a vaca indo para o brejo, como se diz, e continuamos votando em gente ruim. Não se culpe a baixa escolaridade da maioria do eleitorado por isso.

Bem formados também votam mal, forçando, frequentemente, o quadro eleitoral a opções teratológicas. Na última eleição para prefeito do Rio, por exemplo, não foi bem Marcelo Crivella (PRB) que venceu, mas Marcelo Freixo (PSOL), preferido da elite educada, que perdeu.


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Disputa sortida, com candidatos do mesmo campo embolados, é como jogo de cara ou coroa — pode dar qualquer coisa. A dúvida para 2018 é essa. Com o governo mais por baixo que sola de sapato, não faltam arrivistas com falas toscas e nenhum compromisso com a realidade do setor público quebrado e capturado por burocracias de funcionários e por interesses obscuros — esses da Lava-Jato, às vezes deturpada pelos próprios operadores.

A banalização pelo Ministério Público, endossada pelo Judiciário, do conceito de organização criminosa para políticos corruptos, por exemplo, fez da política uma atividade execrada, a exigir renovação de parlamentares e de governantes, o que é certo — e da governança pública, dos processos que a fazem funcionar e das instituições que ordenam o contrato social, o que é altamente incerto.

O reformismo pós-PT tomou o fim como princípio, que é o que se fez com a indexação do orçamento à inflação, sem mudar a estrutura dos gastos que o formam. No máximo, propôs-se a reforma da Previdência, mas não da estrutura salarial do Estado, em especial, das carreiras da União e dos poderes autônomos (Judiciário, Ministério Público e Legislativo), onde estão as categorias cujos rendimentos violam em geral o teto constitucional e abusam de expedientes finórios. Isso não muda só com gente nova, se a cada eleição o voto expele metade do Congresso. Quem faz essa aposta vai quebrar a cara.

A desordem política é a sequela de uma degeneração social ampla e irrestrita e disso poucos falam. Exemplos de um país sem rumo estão em toda parte. Está na novela em que criminosa é glamourizada pela sua vida sofrida e o galã combina mau-caratismo com ingenuidade.

Está no STF, em que o ministro que caçoou fora dos autos o senador pilhado delinquindo é o que deu liminar autorizando o pagamento de auxílio-moradia a juízes e procuradores. O caso espera julgamento há três anos. A decisão depende da presidente do STF, Cármen Lúcia.

Essa mordomia, segundo o Contas Abertas, que monitora as contas fiscais, já custou R$ 4,5 bilhões ao erário desde 2014, quando Luiz Fux deu a liminar. Como falar de reforma tributária diante de casos em que o tributo arrecadado, que é muito (só a parte da União passa de R$ 1,3 trilhão), é gasto sem critério? A reforma necessária é a do gasto, seguida da discussão sobre como bancá-lo e de quem cobrar — esta, sim, é a sequência e o contexto da reforma tributária.

O Brasil de 2019 vai estar impactado pela convergência de assuntos desregrados, indo da economia à cultura, da gestão do setor público à política, dos limites do Ministério Público Federal à retomada do controle do Estado pelos governantes eleitos. Hoje, há uma situação tendendo à ingovernabilidade, que é o nosso maior risco.

O STF legisla, atropelando o Congresso acuado pelos procuradores, com o Executivo sob suspeita e perdendo a direção, os partidos sem moral, líderes políticos nacionais condenados. Nenhuma nação passa impune por uma razia assim. É surpreendente que a economia esteja saindo da recessão, criada pelos desvarios do governo Dilma, e o clima social, relativamente calmo, apesar das frustrações.

Mas até quando? A resposta depende dos eleitos em outubro de 2018, e não bastará trocar a turma da pesada por gente nova, não bem pela falta de experiência, que em certas ocasiões é qualidade, mas sem maturidade atestada (ou inteligência emocional). Talvez a formação adequada seja a que misture gente nova a veteranos sem resquícios de mácula, nem de atuação patrimonialista e cabeça atrasada.

Um imenso tribunal

Em outros tempos bicudos, não tão distantes desses que aí estão, celebrado poeta popular lançou a profecia de que, no andar da carruagem em que nos encontrávamos, iríamos tornar-nos um imenso Portugal. A predição não se cumpriu. Aliás, Portugal está muito bem, e as reviravoltas do destino nos conduziram a um lugar de fato maligno, convertendo-nos num imenso tribunal. Vítimas da nossa própria imprevidência, testemunhamos sem reagir a lenta degradação do nosso sistema político – salvo quando o Parlamento introduziu uma cláusula de barreira a fim de evitar uma malsã proliferação de partidos, a maior parte deles destituída de ideias e de alma, barrada por uma intervenção de fundo populista por parte do Supremo Tribunal.

A política, é lição sabida, quando não encontra nas instituições terreno que lhe seja próprio se manifesta em outros, inclusive naqueles criados para uma destinação que, por origem, não lhe deveriam caber. Recentemente, vimos como a intervenção da corporação militar que pôs fim ao regime da Carta de 1946, ao banir os partidos e as instituições de representação do povo, trouxe para si o monopólio da atividade política em nome da luta contra a corrupção e de uma suposta subversão comunista. Caberia a ela a missão de regeneração ética do Brasil e de assentar novos rumos para a modernização econômica do País.

Mas os militares não eram ingênuos nas coisas da política. Força decisiva na fundação da nossa República, tornaram-se desde então um poder moderador de fato, tendo acumulado longa experiência no trato com a nossa complexa realidade social e política – a trágica intervenção militar em Canudos serviu-lhes de amarga pia batismal e o tenentismo, nos anos 1920, de um processo de seleção dos seus quadros para o exercício do poder que lhe viria, parcialmente, com a revolução de 1930 e de forma plena com o golpe militar em 1964.

Com esse lastro, foram capazes de estabelecer bases sólidas para o regime autoritário que implantaram e alianças políticas que reforçassem seu domínio. Nessas alianças se mantiveram os seus princípios, em particular os que definiam como objetivos nacionais permanentes, não foram principistas, atentos às consequências e à realidade em torno. Sob essa orientação fizeram política com as oligarquias que a eles se associaram e as favoreceram para a realização de tópicos significativos de sua agenda de modernização capitalista do País – no caso, exemplar o agronegócio – e lhes assegurarem bases para sua permanência no poder. Com sua atenção à política, souberam reconhecer a hora da retirada quando seu regime se viu assediado por irrefreável onda de protestos vindos da sociedade civil e da oposição que lhe fazia o MDB no Parlamento, admitindo participar da transição que, mais à frente, nos traria a democracia da Carta de 88, que, por sinal, ora nos cumpre defender das ameaças que a rondam.

Hoje, mais uma evidência do desamor da nossa história pelas linhas retas – nascemos tortos, filhos quasímodos da combinação de uma institucionalidade política modelada nos princípios do liberalismo com a escravidão –, estamos novamente sob o risco de recair no domínio de corporações estranhas à política, no caso as das que se originam no Terceiro Poder, cujo gigantismo entre nós já extrapolou em muito os papéis que o notável jurista Mauro Cappelletti admitia como legítimo nas democracias modernas.


Com efeito, a atual invasão do Poder Judiciário sobre as dimensões da política e das relações sociais não encontra paralelo em outros casos nacionais. A categórica judicialização da política, que até há pouco designava uma patologia mansa, no caso brasileiro perdeu acuidade, pois se vive à beira de um governo de juízes, a pior das tiranias, visto que dela não há a quem recorrer. Não se trata agora de um juiz intervir com leituras criativas da lei em casos singulares, uma vez que seu objeto é a própria História do País que se encontra em tela – o Brasil necessitaria, na linguagem dos procuradores, secundada por vários magistrados, “ser passado a limpo”.

Tal operação, que lembra as malfadadas vassouras de Jânio Quadros, não separa alhos de bugalhos e deixa em seu rastro um território infértil para a política num país de mais de 200 milhões de habitantes que não pode prescindir dela para enfrentar suas abissais desigualdades sociais e regionais. Decerto que a chamada Operação Lava Jato tem produzido efeitos benfazejos e, nesse sentido, precisa ser preservada, desde que expurgada dos elementos messiânicos que a comprometem e têm caracterizado a ação de muitos dos seus protagonistas, inebriados pelos aplausos dos incautos e dos pescadores em águas turvas.

O gênio de Gilberto Freyre já nos tinha advertido de que a especificidade da civilização brasileira se caracterizava em pôr antagonismos em equilíbrio, tópica bem estudada por Ricardo Benzaquen de Araújo em seu belo Guerra e Paz. Aqui, a tradição e o arcaico têm convivido com o moderno e a modernização, e temos sabido tirar proveito dessa ambiguidade para forjar nossa civilização. Somos, pela natureza da nossa formação, compelidos às artes da dialética, e a ética puritana nunca medrou entre nós, que mantemos parentesco com o barroco – tema bem desenvolvido por Rubem Barbosa Filho em Tradição e Artifício (B.H, UFMG, 1998).

Entre nós, equilibrar antagonismos foi operação que coube à política, cenário bem diverso do caso americano, que, no celebrado argumento de Tocqueville, reduziu a um mínimo, pela feliz conformação da sua formação histórica, a intermediação dessa dimensão na vida social, dado que estaria animada desde sua origem por práticas de auto-organização. Banir ou suspender a atividade política a pretexto de moralizá-la é nos deixar no vácuo, entregues a um governo de juízes ou a uma recaída num governo militar, e esse é um desastre com que contamos tempo para evitar.

Imagem do Dia

É o terceiro rio mais comprido do mundo (3.600 quilômetros) e abril, o seu melhor momento: clima seco e fresco para navegar de Chongqing a Wuhan, um trecho de 160 quilômetros com bosques de bambu, margens tranquilas e as colossais montanhas Xiling, Wu (foto) e Qutang. Os cruzeiros param na barragem das Três Gargantas, o maior projeto em construção no mundo.
Montanhas Xiling e o rio Yangtsé (China)

Metade dos brasileiros oscila entre um condenado e um defensor da ditadura

Quando olha para 2018, o eleitor brasileiro enxerga um enorme passado pela frente. Segundo o Datafolha, a preferência de metade do eleitorado (51%) oscila entre um condenado por corrupção e um defensor da ditadura militar. Lula, o sentenciado, lidera a sondagem com um percentual mínimo de 35%. Ele é seguido à distância por Jair Bolsonaro, o apologista da farda, que emerge da pesquisa com um piso de 16% das intenções de voto.

A cortina ainda vai demorar mais de um ano para abrir. Por enquanto, o que o Datafolha capta é a opinião da plateia sobre o ruído abafado das arrumações nos bastidores. Existe uma curiosidade natural do público para saber como estarão as coisas no palco. Mas há muitas incógnitas no ar. O quadro será outro no ano que vem. O favorito Lula, por exemplo, pode ser excluído do elenco por ordem judicial. O que abriria espaço para o surgimento de novos atores.


A despeito da enorme volatilidade, os dados coletados pelos pesquisadores valem pelo que sinalizam. De tudo o que a pesquisa revela, o mais eloquente são os sintomas de que a democracia está doente. Há uma debilitação crônica dos símbolos da política. E o eleitor brasileiro, pouco afeito a revoluções, parece cultivar a crença de que ainda é possível retocar a radiografia sem tratar a doença. Em plena Era da Lava Jato, o eleitorado conserva a velha mania de confundir certos candidatos com candidatos certos.

Bem verdade que o fenômeno é potencializado pela ausência de alternativas. O tucano João Dória, que percorre o país fazendo pose de novidade, começa a ganhar uma aparência de pão dormido. Deslizou para baixo. No momento, coleciona os mesmos 8% atribuídos ao padrinho político Geraldo Alckmin, com quem disputa a vaga de presidenciável do PSDB.

Num hipotético segundo turno, Lula derrotaria qualquer rival. A democracia, como se sabe, é o regime em que as pessoas têm ampla e irrestrita liberdade para exercitar a sua capacidade de fazer besteiras por conta própria. Sinal dos tempos! O brasileiro indica que prefere cometer erros velhos. Porém, se o equívoco manjado for um crime que leve à inelegibilidade, o eleitor será forçado a experimentar erros novos.

Indenização aos anistiados políticos soma mais de R$ 10 bi em uma década

O ex-presidente Lula vem tentando liberar R$ 9,6 milhões de suas contas, bloqueados pelo juiz Sérgio Moro. A defesa tenta provar que os recursos foram acumulados por meio de aposentadorias. Segundo documento anexado pela defesa, Lula recebe aposentadoria de cerca de R$ 8,9 mil por mês. Desde 1993, ele tem direito ao benefício por ser anistiado político.

O tema abriu novamente o debate sobre a reparação econômica aos anistiados políticos no período da ditadura militar. Levantamento da Contas Abertas mostra que já custou quase R$ 10,3 bilhões aos cofres públicos entre 2007 e 2016. Em 2017, até agosto, R$ 732,9 milhões já foram destinados para essas despesas.

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De acordo com a Comissão de Anistia do Ministério do Justiça, criada em 2001, aproximadamente 65 mil requerimentos de anistia política já foram recebidos. O total de processos apreciados compreende, além dos deferidos e indeferidos, também os revisados, os retificados e aqueles arquivados em decorrência de aplicação de enunciado administrativo do órgão.

Dentre os processos já apreciados 39,5 mil foram deferidos. Nem todos os deferimentos referem-se ao pagamento de indenizações financeiras (alguns se referem apenas à reparação moral – reconhecimento da condição de anistiado político e pedido oficial de desculpas do Estado).

É a Comissão que decide sobre o valor destinado a cada caso de concessão de reparação, mas são os Ministérios do Planejamento, no caso de anistiados civis, e da Defesa, no caso de militares, os órgãos responsáveis pelos pagamentos.

Em audiência na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, anistiados políticos criticaram a diminuição do ritmo dos trabalhos da comissão e as interpretações legais divergentes de outros órgãos.

De acordo com debatedores presentes na audiência, desde o início do ano o ritmo dos trabalhos foi reduzido, assim como o número de assessores dos conselheiros, e decisões da comissão passaram a ser questionadas pela Consultoria Jurídica do ministério, o que motivou indeferimentos por parte do ministro Torquato Jardim.

À Contas Abertas, a Comissão de Anistia afirmou que não houve diminuição no ritmo dos trabalhos e que a média histórica é de quase 80 sessões por ano. No entanto, admitiu que a maior dificuldade para a realização dos trabalhos é disponibilidade dos conselheiros para a participação das sessões de julgamento (já que o cargo é não remunerado) e de valores financeiros para o pagamento de passagens e diárias aos conselheiros (as).

A indenização é concedida a todos os anistiados políticos que, no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, foram impedidos de exercer suas atividades profissionais por motivos exclusivamente políticos. A Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, que regula a indenização, estabelece duas formas de reparação econômica: em prestação única ou prestação mensal, permanente e continuada.

A primeira consiste no pagamento de 30 salários mínimos a todos aqueles que não puderem comprovar vínculos com a atividade laboral no período considerado, valor que não pode ser superior a R$ 100 mil. A indenização parcelada beneficia os que tenham como comprovar vínculos trabalhistas e tem valor igual ao da remuneração que o anistiado receberia se estivesse na ativa, considerada a graduação a que teria direito.

Ao anistiado também são assegurados os benefícios indiretos mantidos pelas empresas, como assistência médica, odontológica e hospitalar, financiamento ambiental e planos de seguro. No caso de falecimento do indenizado, a Lei assegura a transferência do direito da reparação econômica aos seus dependentes. A legislação também garante para o punido na condição de estudante a conclusão do curso em escola pública, a partir do período letivo interrompido.

Os R$ 10 bilhões pagos pelo governo federal, referem-se a indenização aos anistiados políticos nos termos da Lei nº 10.559 e ao pagamento de valores retroativos estabelecido pela Lei nº 11354, de 19 de outubro de 2006.

Os dados levantados pela Contas Abertas foram retirados do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal (Siafi) e inclui os valores das prestações mensais permanentes e continuadas e da indenização retroativa, detalhadas nas ações orçamentárias 0739 e 0C01.

A Comissão é composta por 31 conselheiros, em sua maioria agentes da sociedade civil ou professores universitários, sendo um deles indicado pelos anistiados políticos e outro pelo Ministério da Defesa.

Finlândia, referência em educação, está mudando a arquitetura das suas escolas

Faz anos que a Finlândia se tornou referência mundial em educação, mesclando jornadas escolares mais curtas, poucas tarefas e exames e também adiando o início da alfabetização até que as crianças tenham sete anos de idade.

E, mesmo com um dos melhores resultados globais no PISA (avaliação internacional de educação), o país continua buscando inovações - inclusive na estrutura física das escolas.

Uma das apostas é o chamado ensino baseado em projetos, em que a divisão tradicional de matérias é substituída por temas multidisciplinares em que os alunos são protagonistas do processo de aprendizado.

Parte das reformas é imposta pela necessidade de se adaptar à era digital, em que as crianças já não dependem apenas dos livros para aprender. E tampouco os alunos dependem das salas de aula - pelo menos não das salas de aula atuais.

Por isso as escolas finlandesas estão passando por uma grande reforma física, com base nos princípios do "open plan", ou plano aberto. A busca é, essencialmente, por mais flexibilidade.

Paredes são substituídas por divisões transparentes e o
 plano aberto ganha protagonismo (Kuvatoimisto Kuvio Oy)
As tradicionais salas fechadas estão se transformando em espaços multimodais, que se comunicam entre si por paredes transparentes e divisórias móveis.

O mobiliário inclui sofás, pufes e bolas de pilates, bem diferentes da estrutura de carteiras escolares que conhecemos hoje.

"Não há uma divisão ou distinção clara entre os corredores e as salas de aula", diz à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) Reino Tapaninen, chefe dos arquitetos da Agência Nacional de Educação da Finlândia.

Desse modo, explica ele, professores e alunos podem escolher o local que considerarem mais adequado para um determinado projeto, dependendo, por exemplo, se ele for individual ou para ser executado em grupos grandes.

Mas não se trata de espaços totalmente abertos, mas sim de áreas de estudo "flexíveis e modificáveis", agrega Raila Oksanen, consultora da empresa finlandesa FCG, envolvida nas mudanças.

"As crianças têm diferentes formas de aprender", diz ela, e por conta disso os espaços versáteis "possibilitam a formação de diferentes equipes, com base na forma como eles prefiram trabalhar e passar seu tempo de estudo".
Diferentes ambientes

O conceito de plano aberto deve ser entendido de forma ampla - não só sob perspectiva arquitetônica, mas também pedagógica.

Segundo a consultora, isso significa que não se trata apenas de um espaço aberto no sentido físico, e sim de um "estado mental"

Tradicionalmente, as salas de aula "foram projetadas para satisfazer as necessidades dos professores", afirma Oksanen.

"A abertura (física) almeja que a escola responda às necessidades individuais dos alunos, permitindo a eles que assumam a responsabilidade por seu aprendizado e aumentem sua autorregulamentação", diz ela. "Os próprios alunos estabelecem metas, resolvem problemas e completam seu aprendizado com base em objetivos."

Vale destacar que a ideia do plano aberto não é totalmente nova.

Na própria Finlândia, as primeiras escolas com esse modelo foram idealizadas nos anos 1960 e 70, como grandes salões separados por paredes finas e por cortinas, explica Tapaninen, da Agência Nacional de Educação da Finlândia.

Mas na aquela época a cultura de aprendizado e os métodos de trabalho não estavam adaptados a esse tipo de ambiente. Além disso, havia reclamações quanto ao barulho e à acústica. Por tudo isso, nos anos 1980 e 90 o pais retomou o modelo de salas de aula fechadas.

Agora, um dos objetivos da reforma do sistema educacional finlandês é desenvolver novos ambientes de aprendizado e métodos de trabalho.

A ideia é que espaços físicos inspirem o aprendizado, mas não é preciso limitar-se à escola ou mesmo a um lugar físico.

"(As aulas) devem usar outros espaços, como a natureza, museus ou empresas", explica Tapaninen.

"Videogames e outros ambientes virtuais também são reconhecidos como ambientes de aprendizagem. A tecnologia tem um papel crescente e significativo nas rotinas escolares, permitindo aos alunos envolver-se com mais facilidade no desenvolvimento e na seleção de seus próprios ambientes."