quinta-feira, 5 de janeiro de 2017
Trolls, bots, populistas e a guerra da informação
O que têm em comum o autor do atentado de Würzburg, os direitistas indignados de Bautzen, os russos residentes na Alemanha em protesto pelo suposto sequestro da menina Lisa de 13 anos, e os adeptos do Movimento Identitário? À primeira vista, não muito. No entanto, todos eles obtêm suas informações na internet, e lá se conectam em rede, se fortalecem e radicalizam.
O espaço público está se modificando fundamentalmente na Alemanha: aquilo que se inicia como tuíte ou post é capaz de desencadear violência concreta, tem efeito imediato sobre a coesão social no país e também sobre os resultados eleitorais.
Já há abundantes exemplos disso em 2016: as agressões direcionadas na comemoração da Reunificação Alemã em Dresden, em 3 de outubro, o incêndio de uma mesquita na mesma cidade, apenas uma semana antes, a necessidade de proteção policial para deputados críticos à Turquia, o acréscimo mensurável dos crimes de motivação política, a quintuplicação dos ataques a alojamentos de requerentes de asilo.
A campanha para as eleições legislativas de 2017 mostrará: estamos diante de uma transformação radical do espaço público na Alemanha. Qual foi a última vez que um editorial jornalístico desencadeou debate por todo o país? E os debates fundamentais, que dão orientação política e influenciam as decisões eleitorais: eles ainda transcorrem nos parlamentos ou nas associações partidárias locais? Ou será que tudo se desloca para a internet, onde muitas vezes o debate é travado de forma desconsiderada, desumana, sem fatos, como mero embate de opiniões?
Não se trata nem de opiniões equivocadas de uma minoria na rede nem de discussões entre supostos excluídos da sociedade. Quem crê nisso, está no caminho errado. Pois os diferentes movimentos estão em conexão estreita na internet, do movimento xenófobo de protesto Pegida, passando pelos extremistas de direita e o Movimento Identitário (na Alemanha, sob observação dos órgãos de segurança interna), até a agência de notícias russa Sputnik ou as diversas ramificações regionais do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Eles se fortalecem reciprocamente, para além das fronteiras nacionais, e expandem sua influência constante e mensuravelmente através das mais diferentes plataformas. A rede transforma suas posições políticas em histórias, aglutina seus motivos e conceitos.
Tais campanhas online criam heróis – grandes vencedores políticos como, por exemplo, Donald Trump. Mas também informam os adeptos fundamentalistas na rede sobre os devastadores "atos heroicos" dos autores de atentados jihadistas.
E as campanhas dão aos milhões de seguidores e membros de grupos que compartilham essas histórias a certeza de terem encontrado correligionários e de finalmente ter alguém que os escute. Assim, eles têm a boa sensação de ser porta-vozes em suas comunidades virtuais, determinantes de agenda nos grupos do Facebook, no Twitter, nos comentários dos usuários dos grandes sites de notícias.
Da agenda desses protagonistas ultradireitistas e populistas de direita da rede constam temas centrais para todos: censura e liberdade de opinião, como tramitam os processos democráticos, quanta justiça há na Alemanha? E aí é colocada em questão, em diversos momentos, a credibilidade e capacidade de ação de nossos processos e instituições democráticas, assim como os valores de uma sociedade aberta e tolerante.
Nunca é demais enfatizar, pois na campanha eleitoral de 2017 será decisiva a forma como os partidos e a mídia da Alemanha vão se posicionar quanto a esses temas altamente sensíveis. Quem achar que pode se esquivar deles em seu programa eleitoral, está no caminho errado.
Aprender com Trump significa aprender como vencer – isso é algo que os representantes da AfD não tentam esconder em suas aparições públicas. A convicção de Trump é, sabidamente: "Não preciso de partido, nem de mídia. Eu sou um movimento!"
O mesmo, aliás, também vale para antidemocratas como os presidentes turco, Erdogan, e russo, Putin. Todos eles apostam na rede e na forma como ela funciona, em sua comunicação direta, sua interconexão e na maciça multiplicação dos conteúdos.
"É preciso poder dizer isso", tem reivindicado o AfD regularmente em suas declarações. Linguagem simples e um conjunto reduzido de mensagens claras contribuem para o sucesso da legenda. Termos de luta centrais se consolidam na internet, sendo, então transferidos para a discussão política: "imprensa da mentira", "canalha migrante", "traidores do povo", "islamização", "inversão étnica", "clube de swingers político" – em 2017 a lista seguramente continuará se estendendo. Essa linguagem é um fator de êxito decisivo para a AfD.
Qual é a reação adequada? Para a política como para a mídia: manter a credibilidade – o que inclui nem ignorar os temas e emoções na internet, nem minimizá-los. Compreender que política e mídia existem para abordar os temas que movimentam as pessoas, e que ambas lhes devem contas; que a fidelidade aos fatos é o que fará a diferença, o mais tardar depois das eleições.
E que a corrida já está perdida se nos furtarmos a esses debates – difíceis, mas tão importantes para nosso futuro social e político – e simplesmente contornarmos esses assuntos: isso não vai funcionar!
O espaço público está se modificando fundamentalmente na Alemanha: aquilo que se inicia como tuíte ou post é capaz de desencadear violência concreta, tem efeito imediato sobre a coesão social no país e também sobre os resultados eleitorais.
Já há abundantes exemplos disso em 2016: as agressões direcionadas na comemoração da Reunificação Alemã em Dresden, em 3 de outubro, o incêndio de uma mesquita na mesma cidade, apenas uma semana antes, a necessidade de proteção policial para deputados críticos à Turquia, o acréscimo mensurável dos crimes de motivação política, a quintuplicação dos ataques a alojamentos de requerentes de asilo.
A campanha para as eleições legislativas de 2017 mostrará: estamos diante de uma transformação radical do espaço público na Alemanha. Qual foi a última vez que um editorial jornalístico desencadeou debate por todo o país? E os debates fundamentais, que dão orientação política e influenciam as decisões eleitorais: eles ainda transcorrem nos parlamentos ou nas associações partidárias locais? Ou será que tudo se desloca para a internet, onde muitas vezes o debate é travado de forma desconsiderada, desumana, sem fatos, como mero embate de opiniões?
Não se trata nem de opiniões equivocadas de uma minoria na rede nem de discussões entre supostos excluídos da sociedade. Quem crê nisso, está no caminho errado. Pois os diferentes movimentos estão em conexão estreita na internet, do movimento xenófobo de protesto Pegida, passando pelos extremistas de direita e o Movimento Identitário (na Alemanha, sob observação dos órgãos de segurança interna), até a agência de notícias russa Sputnik ou as diversas ramificações regionais do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Eles se fortalecem reciprocamente, para além das fronteiras nacionais, e expandem sua influência constante e mensuravelmente através das mais diferentes plataformas. A rede transforma suas posições políticas em histórias, aglutina seus motivos e conceitos.
Tais campanhas online criam heróis – grandes vencedores políticos como, por exemplo, Donald Trump. Mas também informam os adeptos fundamentalistas na rede sobre os devastadores "atos heroicos" dos autores de atentados jihadistas.
E as campanhas dão aos milhões de seguidores e membros de grupos que compartilham essas histórias a certeza de terem encontrado correligionários e de finalmente ter alguém que os escute. Assim, eles têm a boa sensação de ser porta-vozes em suas comunidades virtuais, determinantes de agenda nos grupos do Facebook, no Twitter, nos comentários dos usuários dos grandes sites de notícias.
Da agenda desses protagonistas ultradireitistas e populistas de direita da rede constam temas centrais para todos: censura e liberdade de opinião, como tramitam os processos democráticos, quanta justiça há na Alemanha? E aí é colocada em questão, em diversos momentos, a credibilidade e capacidade de ação de nossos processos e instituições democráticas, assim como os valores de uma sociedade aberta e tolerante.
Nunca é demais enfatizar, pois na campanha eleitoral de 2017 será decisiva a forma como os partidos e a mídia da Alemanha vão se posicionar quanto a esses temas altamente sensíveis. Quem achar que pode se esquivar deles em seu programa eleitoral, está no caminho errado.
Aprender com Trump significa aprender como vencer – isso é algo que os representantes da AfD não tentam esconder em suas aparições públicas. A convicção de Trump é, sabidamente: "Não preciso de partido, nem de mídia. Eu sou um movimento!"
O mesmo, aliás, também vale para antidemocratas como os presidentes turco, Erdogan, e russo, Putin. Todos eles apostam na rede e na forma como ela funciona, em sua comunicação direta, sua interconexão e na maciça multiplicação dos conteúdos.
"É preciso poder dizer isso", tem reivindicado o AfD regularmente em suas declarações. Linguagem simples e um conjunto reduzido de mensagens claras contribuem para o sucesso da legenda. Termos de luta centrais se consolidam na internet, sendo, então transferidos para a discussão política: "imprensa da mentira", "canalha migrante", "traidores do povo", "islamização", "inversão étnica", "clube de swingers político" – em 2017 a lista seguramente continuará se estendendo. Essa linguagem é um fator de êxito decisivo para a AfD.
Qual é a reação adequada? Para a política como para a mídia: manter a credibilidade – o que inclui nem ignorar os temas e emoções na internet, nem minimizá-los. Compreender que política e mídia existem para abordar os temas que movimentam as pessoas, e que ambas lhes devem contas; que a fidelidade aos fatos é o que fará a diferença, o mais tardar depois das eleições.
E que a corrida já está perdida se nos furtarmos a esses debates – difíceis, mas tão importantes para nosso futuro social e político – e simplesmente contornarmos esses assuntos: isso não vai funcionar!
Como o discurso político virou entretenimento
Igor Morski |
A denúncia de que a comunicação política se rebaixou definitivamente a um circo de bufões populistas virou um mantra mundial em 2016. Em setembro, a revista The Economist publicou uma capa sobre a “pós-verdade”. Segundo o semanário inglês, os políticos – e mesmo os estadistas – não precisam mais ter compromisso com a verdade dos fatos, e a maior demonstração do fenômeno seria Donald Trump, que fez sua campanha movida a mentiras escalafobéticas. Os eleitores também não estão nem aí: tomam suas decisões com base em fanatismos e mistificações, estimulados pela performance do histrião da vez. Se o que ele diz é verdade ou mentira, ora, isso é um detalhe irrelevante.
É claro que a distorção não vem de hoje. Nem de ontem. A própria expressão “pós-verdade” – que, por sinal, foi eleita pelo Dicionário Oxford como “a palavra do ano” – entrou no circuito ainda em 2004, quando foi título de um livro de Ralph Keyes – The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life. Bem antes disso, Alain Touraine, em tons comedidos, já lamentava a transformação da política num jogo de “atores”. Mentira e política, enfim, são íntimos há muito tempo. A novidade é que a coisa piorou muito.
“Durante um breve período tivemos a ilusão de que poderíamos (...) voltar à argumentação racional, de modo que a retórica pudesse substituir os ritos. (...) As sociedades complexas e de mudanças rápidas, contudo, pouco a pouco deixam de ser sociedades de intercâmbio, da comunicação e da argumentação, para ser cada vez mais sociedades da expressão. A unidade de comunicação entre o emissor e o receptor vai se quebrando. Cada vez menos tratamos com comunicadores e cada vez mais com atores”
Alain Touraine, Communication politique et crise de la représentativité (1989)Hoje, os discursos políticos se encaixaram perfeitamente bem na grande indústria do entretenimento. Seja nas campanhas eleitorais, seja nas mensagens que o poder público dirige aos cidadãos, a comunicação política segue cada vez mais as regras, os formatos e os ritmos estabelecidos pelo entretenimento. Não é preciso que nos lembremos do palhaço Tiririca, um supercampeão das urnas, para nos rendermos a essa constatação. Não é preciso citar o êxito de um Silvio Berlusconi na Itália, de um Arnold Schwarzenegger na Califórnia, de um Marcelo Crivella no Rio de Janeiro ou de um João Doria em São Paulo, todos adestrados pelo cinema e pela televisão, para sabermos de vez que os ideólogos perderam seu lugar para os marqueteiros, que os pensadores vêm sendo substituídos pelos animadores de auditório, que a razão vai sendo revogada pela diversão e que os palanques, depois de convertidos em palanques eletrônicos, agora fulguram como picadeiros virtuais. O respeitável público ora gargalha, ora espuma de ódio, e vota como quem aplaude.
Não é mais pelas leis da retórica, da oratória e da lógica que se entende a identificação entre governantes e governados. Elementos estéticos incidem fortemente nos laços de atração entre os “atores” do teatro político e seus seguidores acríticos. Não custa alertar que falamos aqui de uma estética menos “artística” e mais industrializada, fabricada pela indústria cultural. Falamos de uma “estética” artificial, que se vê em rodas de liga leve, em acessórios do vestuário, na decoração de interiores, na fachada de agências bancárias. É essa “estética” rebaixada, tão característica da indústria do entretenimento, que explica o comportamento da massa seduzida. Não é a economia que define o eleitor – é o circo, por mais que a economia tenha seu peso.
Nas redes sociais isso é flagrante. Por que notícias abusivamente mentirosas – como a de que o papa teria dado seu apoio a Trump – ganharam tanta adesão de tantos americanos? A resposta é tão simples quanto desalentadora. As calúnias, infâmias e invencionices extraem sua força do desejo do eleitor. Passam longe da razão. Se a notícia falsa cai no agrado das fantasias que ele nutre, será proclamada verdade suprema naquele instante de puro prazer.
As pessoas escolhem suas causas políticas com os mesmos neurônios com que escolhem um estilo de game, um gênero de filme (drama, ação, suspense, etc.), um time de futebol ou um ídolo do sertanejo universitário. A opinião pública é uma criança mimada: supõe que a realidade existe para diverti-la, para vingá-la, para lavar-lhe a alma ressentida.
A esse deslocamento estético corresponde um redimensionamento ético. Com isso a ética do discurso político vai mudando. Antes, ele se comportava como um discurso lastreado na verdade dos fatos. De uns tempos para cá, parece comportar-se como um discurso de ficção, de entretenimento. Numa telenovela, por exemplo, é aceitável que, lá pelas tantas, a personagem diga que tal refrigerante é uma delícia (trata-se do famigerado “merchandising”). O telespectador não se incomoda, em nada, mas, se o telejornal adotasse a mesma prática, ele se sentiria traído.
Eis, então, que na era da “pós-verdade” até mesmo “merchandising” o discurso político deu de fazer. É inacreditável. Soube-se agora que em 2013, ao fazer uma palestra paga na inauguração de uma fábrica de cerveja, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atendendo a encomenda expressa daqueles que o contrataram, afirmou em sua fala: “Eu duvido que a gente tome no mundo uma cerveja melhor que a Itaipava. A melhor cerveja que o povo nordestino vai beber. Cerveja de qualidade”. (Ver reportagem de Ricardo Brandt, Fábio Serapião, Julia Affonso, Beatriz Bulla e Fausto Macedo, Propaganda de cerveja em palestra, publicada no Estado de 29 de dezembro, página A6.) Identidade mais perfeita entre a marca de um político e a marca de uma mercadoria, impossível.
Mais um pouco, vão legalizar o “merchandising político” como solução para o financiamento das campanhas eleitorais. O entretenimento tomou o poder e sai caro.
Assim a sociedade de consumo destrói a biodiversidade do planeta
Os humanos começam a admitir que somos como um meteorito que vai provocar a nova megaextinção de espécies no planeta Terra. Mas ainda nos falta muita informação sobre o tamanho desse meteorito coletivo e o alcance da devastação que juntos causaremos. Sabemos, por exemplo, que a exploração maciça dos recursos naturais é um dos grandes fatores associados à devastação da biodiversidade, mas são necessários mais dados para conectar esse fenômeno com nosso consumo desmesurado.
Um estudo pioneiro, divulgado nesta quarta-feira, mostra a grande responsabilidade do comércio global na extinção maciça de espécies no mundo, traçando uma clara correlação entre a cesta de compras dos países mais consumidores e as selvagens pressões que massacram os tesouros naturais. O cafezinho que alguém toma nos EUA, por exemplo, está ligado ao desmatamentoda América Central – onde esse café é cultivado –, e esse é o habitat do acuado macaco-aranha, o mais ameaçado do planeta.
“Pelo menos um terço das ameaças à biodiversidade em todo o mundo estão vinculadas à produção para o comércio internacional”, dizem os autores do estudo publicado na Nature Ecology & Evolution. Em seu trabalho, eles mapearam locais do planeta onde há quase 7.000 espécies ameaçadas, estabelecendo sua conexão com a cadeia de consumo nos EUA, China e Japão. Desse modo, pode-se ver facilmente como os animais sob risco em determinados pontos do planeta sofrem com a demanda de bens por parte dos grandes consumidores.
Por exemplo, o lince e dúzias de outras espécies sofrem na península Ibérica pela pressão da produção agrícola que abastece os mercados europeus e norte-americanos. “É digno de menção o importante rastro dos EUA na biodiversidade do sul da Espanha e Portugal, ligado aos impactos sobre uma série de espécies ameaçadas de peixes e aves, já que esses países raramente são percebidos como pontos de ameaça”, afirmam os autores no estudo.
“O que este trabalho nos mostra é que os humanos estão assaltando o planeta”, resume David Nogués-Bravo, especialista em macroecologia da Universidade de Copenhague. Nogués-Bravo, que não participou do estudo, diz que os impactos humanos sobre a natureza podem ser representados como um redemoinho que engole a diversidade de seres vivos sobre a Terra. “Esse turbilhão é constituído por três nós: poder, comida e dinheiro. A capacidade da nossa espécie de sugar energia e recursos do planeta é quase ilimitada, e é o que está provocando a sexta extinção maciça na história da Terra”, denúncia o ecologista.
Para ele, tanto o enfoque como os resultados são muito pertinentes, porque põem em perspectiva as perdas de biodiversidade, principalmente em países tropicais em vias de desenvolvimento, e os fluxos de demanda que se originam nos países mais ricos e industrializados.
“O planeta inteiro se tornou uma fazenda, tudo está a serviço de fornecer cada vez mais bens”, critica Juan Carlos del Olmo, secretário-geral da organização conservacionista WWF na Espanha. “O maior vetor de destruição da biodiversidade é a produção de alimentos numa escala brutal”, aponta. Os autores do estudo relatam, por exemplo, sua surpresa ao comprovar que o principal foco de ameaça aos tesouros naturais do Brasil não está na Amazônia. “Apesar da grande atenção dedicada à selva amazônica, o rastro norte-americano no Brasil é maior no sul, no planalto brasileiro, onde há práticas agropecuárias extensivas”, ressalta o trabalho.
“E o rastro ecológico não para de crescer", acrescenta Del Olmo, “mas reduzir esse rastro não é fácil; não podemos fomentar um consumo responsável se depois vamos jogar fora 25% do que se produz”. Como alterar a influência negativa destes fluxos? “Com este enfoque, do rastro de cima para baixo, examinamos todas as espécies ameaçadas e a atividade econômica em conjunto, razão pela qual pode ser difícil estabelecer vínculos claros entre consumo, comércio e impacto”, admitiu ao El País um dos autores do estudo, Keiichiro Kanemoto, da Universidade de Shinshu.
Um estudo pioneiro, divulgado nesta quarta-feira, mostra a grande responsabilidade do comércio global na extinção maciça de espécies no mundo, traçando uma clara correlação entre a cesta de compras dos países mais consumidores e as selvagens pressões que massacram os tesouros naturais. O cafezinho que alguém toma nos EUA, por exemplo, está ligado ao desmatamentoda América Central – onde esse café é cultivado –, e esse é o habitat do acuado macaco-aranha, o mais ameaçado do planeta.
“Pelo menos um terço das ameaças à biodiversidade em todo o mundo estão vinculadas à produção para o comércio internacional”, dizem os autores do estudo publicado na Nature Ecology & Evolution. Em seu trabalho, eles mapearam locais do planeta onde há quase 7.000 espécies ameaçadas, estabelecendo sua conexão com a cadeia de consumo nos EUA, China e Japão. Desse modo, pode-se ver facilmente como os animais sob risco em determinados pontos do planeta sofrem com a demanda de bens por parte dos grandes consumidores.
Por exemplo, o lince e dúzias de outras espécies sofrem na península Ibérica pela pressão da produção agrícola que abastece os mercados europeus e norte-americanos. “É digno de menção o importante rastro dos EUA na biodiversidade do sul da Espanha e Portugal, ligado aos impactos sobre uma série de espécies ameaçadas de peixes e aves, já que esses países raramente são percebidos como pontos de ameaça”, afirmam os autores no estudo.
“O que este trabalho nos mostra é que os humanos estão assaltando o planeta”, resume David Nogués-Bravo, especialista em macroecologia da Universidade de Copenhague. Nogués-Bravo, que não participou do estudo, diz que os impactos humanos sobre a natureza podem ser representados como um redemoinho que engole a diversidade de seres vivos sobre a Terra. “Esse turbilhão é constituído por três nós: poder, comida e dinheiro. A capacidade da nossa espécie de sugar energia e recursos do planeta é quase ilimitada, e é o que está provocando a sexta extinção maciça na história da Terra”, denúncia o ecologista.
Para ele, tanto o enfoque como os resultados são muito pertinentes, porque põem em perspectiva as perdas de biodiversidade, principalmente em países tropicais em vias de desenvolvimento, e os fluxos de demanda que se originam nos países mais ricos e industrializados.
“O planeta inteiro se tornou uma fazenda, tudo está a serviço de fornecer cada vez mais bens”, critica Juan Carlos del Olmo, secretário-geral da organização conservacionista WWF na Espanha. “O maior vetor de destruição da biodiversidade é a produção de alimentos numa escala brutal”, aponta. Os autores do estudo relatam, por exemplo, sua surpresa ao comprovar que o principal foco de ameaça aos tesouros naturais do Brasil não está na Amazônia. “Apesar da grande atenção dedicada à selva amazônica, o rastro norte-americano no Brasil é maior no sul, no planalto brasileiro, onde há práticas agropecuárias extensivas”, ressalta o trabalho.
“E o rastro ecológico não para de crescer", acrescenta Del Olmo, “mas reduzir esse rastro não é fácil; não podemos fomentar um consumo responsável se depois vamos jogar fora 25% do que se produz”. Como alterar a influência negativa destes fluxos? “Com este enfoque, do rastro de cima para baixo, examinamos todas as espécies ameaçadas e a atividade econômica em conjunto, razão pela qual pode ser difícil estabelecer vínculos claros entre consumo, comércio e impacto”, admitiu ao El País um dos autores do estudo, Keiichiro Kanemoto, da Universidade de Shinshu.
Os sofistas
É muito conhecida a alegoria da caverna de Platão, uma das passagens mais importantes do livro A República, o clássico dos clássicos da política, no qual o filósofo grego discute o papel do conhecimento, da linguagem e da educação no Estado ideal. Nela, resumidamente, prisioneiros acorrentados no interior de uma caverna dão nomes às sombras bruxuleantes de homens, animais e plantas projetadas na parede pela luz de uma fogueira.
Um dos prisioneiros se livra das amarras e, ao percorrer a caverna, percebe que as imagens não eram de seres reais, mas de estátuas cujas silhuetas eram projetadas pela fogueira. Descobre que passou a vida inteira julgando apenas sombras e ilusões, desconhecendo a verdade, isto é, a verdadeira realidade. Arrastado para fora da caverna, ao sair, o homem é ofuscado pela luz do sol. Depois de se habituar com a nova realidade, volta a enxergar fora da caverna.
Encantado com os seres de verdade, regressa para a caverna e conta o que viu para os prisioneiros. Entretanto, é ridicularizado pelos demais, que só conseguem acreditar na realidade que enxergam na parede da caverna. É chamado de louco e ameaçado de morte porque suas ideias são consideradas absurdas.
Como esses prisioneiros da caverna, muita gente se recusa a compreender que houve um esgotamento do modelo de capitalismo de Estado e do padrão de financiamento da política adotado nos governos Lula e Dilma. Ambos estavam em contradição com o Estado de direito democrático e, no fundo, a serviço do velho patrimonialismo e do saque predatório dos cofres públicos como forma de acumulação de capital, cujo maior símbolo é o escândalo da Petrobras.
Foi para os que ainda vivem nesse mundo das sombras bruxuleantes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou, em sua mensagem de ano-novo. Candidato à Presidência da República por antecipação, nas redes sociais, propôs a convocação imediata de eleições e prometeu mundos e fundos à custa do aumento da inflação, do endividamento e do déficit fiscal. Não, não há exagero, ele prometeu girar a roda do crescimento dessa maneira mesmo, ou seja, à moda populista da pior espécie.
Lula age como os antigos sofistas tão criticados por Platão. Encantavam os espíritos com argumentos que nada tinham a ver com a verdade, só visavam a conquista de opiniões. A diferença entre os sofistas e Lula, porém, é que os antigos se satisfaziam com a vitória passageira dos argumentos à custa da verdade, enquanto o líder petista quer uma vitória à custa da realidade. Mais uma vez os fins
A mensagem de fim de ano do petista, porém, contrasta fortemente com os discursos de posse dos prefeitos eleitos. Há uma certa dose de demagogia em algumas atitudes tomadas ontem, como a do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), ao se vestir de gari na primeira ação do governo ou do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), ao posar como doador de sangue. O primeiro gesto simbolizou uma faxina na administração paulista; o segundo, uma entrega total à gestão da cidade.
Em ambos os casos, porém, há uma diferença da água para o vinho em relação à mensagem do petista. A maioria dos prefeitos eleitos que tomaram posse não fez promessas mirabolantes, não apresentou projetos faraônicos, não prometeu mundos e fundos. Apenas sinalizaram que pretendem trabalhar duro e se entregar à missão para a qual foram eleitos. É uma das características dessa nova safra de prefeitos: defender propostas mais condizentes com a situação real do país, o que é um sinal muito bom.
O mau sinal, porém, é a catilinária dos que acham que a União deve resolver os problemas fiscais de estados e municípios, mais uma vez. Essa pressão vem sendo feita pelos governadores encalacrados nas dívidas, que agora tentam mobilizar os prefeitos recém-eleitos com os mesmos objetivos. Não há como fechar essa equação. Todos os níveis de governo precisam se ajustar à realidade e redimensionar as estruturas administrativas, garantindo, porém, os serviços básicos. Sem isso, o resultado inevitável será o colapso desses serviços e a incapacidade de pagamento de fornecedores e servidores.
Um dos prisioneiros se livra das amarras e, ao percorrer a caverna, percebe que as imagens não eram de seres reais, mas de estátuas cujas silhuetas eram projetadas pela fogueira. Descobre que passou a vida inteira julgando apenas sombras e ilusões, desconhecendo a verdade, isto é, a verdadeira realidade. Arrastado para fora da caverna, ao sair, o homem é ofuscado pela luz do sol. Depois de se habituar com a nova realidade, volta a enxergar fora da caverna.
Encantado com os seres de verdade, regressa para a caverna e conta o que viu para os prisioneiros. Entretanto, é ridicularizado pelos demais, que só conseguem acreditar na realidade que enxergam na parede da caverna. É chamado de louco e ameaçado de morte porque suas ideias são consideradas absurdas.
Foi para os que ainda vivem nesse mundo das sombras bruxuleantes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou, em sua mensagem de ano-novo. Candidato à Presidência da República por antecipação, nas redes sociais, propôs a convocação imediata de eleições e prometeu mundos e fundos à custa do aumento da inflação, do endividamento e do déficit fiscal. Não, não há exagero, ele prometeu girar a roda do crescimento dessa maneira mesmo, ou seja, à moda populista da pior espécie.
Lula age como os antigos sofistas tão criticados por Platão. Encantavam os espíritos com argumentos que nada tinham a ver com a verdade, só visavam a conquista de opiniões. A diferença entre os sofistas e Lula, porém, é que os antigos se satisfaziam com a vitória passageira dos argumentos à custa da verdade, enquanto o líder petista quer uma vitória à custa da realidade. Mais uma vez os fins
A mensagem de fim de ano do petista, porém, contrasta fortemente com os discursos de posse dos prefeitos eleitos. Há uma certa dose de demagogia em algumas atitudes tomadas ontem, como a do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), ao se vestir de gari na primeira ação do governo ou do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), ao posar como doador de sangue. O primeiro gesto simbolizou uma faxina na administração paulista; o segundo, uma entrega total à gestão da cidade.
Em ambos os casos, porém, há uma diferença da água para o vinho em relação à mensagem do petista. A maioria dos prefeitos eleitos que tomaram posse não fez promessas mirabolantes, não apresentou projetos faraônicos, não prometeu mundos e fundos. Apenas sinalizaram que pretendem trabalhar duro e se entregar à missão para a qual foram eleitos. É uma das características dessa nova safra de prefeitos: defender propostas mais condizentes com a situação real do país, o que é um sinal muito bom.
O mau sinal, porém, é a catilinária dos que acham que a União deve resolver os problemas fiscais de estados e municípios, mais uma vez. Essa pressão vem sendo feita pelos governadores encalacrados nas dívidas, que agora tentam mobilizar os prefeitos recém-eleitos com os mesmos objetivos. Não há como fechar essa equação. Todos os níveis de governo precisam se ajustar à realidade e redimensionar as estruturas administrativas, garantindo, porém, os serviços básicos. Sem isso, o resultado inevitável será o colapso desses serviços e a incapacidade de pagamento de fornecedores e servidores.
Austeridade ostentação
Ano novo, desculpa para sonhar. Imagine um entediado hacker russo de férias em Copacabana. Vermelho – pelo sol, não por ideologia –, refugia-se no ar condicionado de sua quitinete alugada pelo Airbnb. Após assistir ao enésimo telejornal, ele, por vingança e diversão, infecta e desabilita de vez todas as câmeras de vídeo e foto apontadas para governantes brasileiros. Ao primeiro sinal de uma autoridade no visor, elas se apagam. Nem os smartphones escapam. Imaginou as consequências?
Para começar, nunca mais um prefeito se fantasiaria de gari. Qual a graça de vestir uniforme e exibir falta de intimidade com a vassoura se ninguém fotografa ou grava? Salvo o prefeito crer que o melhor jeito de exercer seu mandato é fingir que trabalha enquanto anônimos limpam a cidade dignamente, é claro.
Os frequentadores de botecos e padarias não mais teriam sua rotina interrompida pela turba que acompanha governadores, deputados e similares em visitas oportunistas a esse tipo de estabelecimento durante as campanhas eleitorais. Em compensação, os políticos nunca mais seriam flagrados fazendo careta ao tomar o cafezinho saído direto do banho-maria ou comendo aquela coxinha resgatada do esquecimento na vitrine do balcão.
Tremendo pelos efeitos da abstinência midiática, um hierarca perguntaria aos assessores apalermados: “Mas nem uma selfie?”.
A repentina escassez de imagens de dignatários seria devastadora para os canais de TV oficiais e oficiosos. Nada de transmissões ao vivo dos salões do Congresso – muito menos dos plenários dos tribunais superiores. Silenciadas e deprimidas, togas falantes do Supremo cogitariam se aposentar antes da hora. Por outro lado, os julgamentos seriam sumários, e os votos, sintéticos.
Sem poder aparecer no vídeo, procuradores da República recorreriam cada vez mais a PowerPoints para apresentar suas denúncias. Mas sem as imagens dos políticos algemados, os escândalos de corrupção perderiam audiência.
Nem entrevista coletiva de tecnocrata escaparia ao filtro do hacker siberiano. Longe das câmeras, cerimônias de posse e assinaturas simbólicas de atos oficiais cairiam em desuso. Ociosos, burocratas a cargo do cerimonial dos palácios seriam dispensados – mas os governantes nem sequer faturariam com suas demissões: sem refletores não existe ostentação de austeridade.
Em contrapartida, os porta-vozes adquiririam status inédito. Se transformariam na única cara dos governos – até acharem que eram a própria autoridade e serem também censurados pelas câmeras.
Como efeito colateral do vírus russo, os microfones emudeceriam ao detectarem o som da voz do presidente ou de um simples vereador do interior. “Pra que discursar se não vai sair nem na Voz do Brasil?”, se questionariam parlamentares em crise existencial. O pequeno expediente da Câmara se transformaria em um deserto de homens (de ideias já é faz tempo).
Concessões de rádio e TV perderiam seu capital eleitoral. Sem poder aparecer nas próprias emissoras – nem mostrar adversários em situações vexatórias –, políticos mandariam seus laranjas se livrarem dos canais e investirem em mídias sociais, as únicas poupadas do ataque cibernético.
Sem a contraprova das imagens nem dos sons gravados, declarações atribuídas a autoridades se multiplicariam pela internet. Boatos não poderiam ser desmentidos. Da revogação da lei da gravidade às fofocas sobre as libertinagens de ministros, tudo seria crível. A era da pós-verdade chegaria à fase terminal. Até o hacker ser chamado de volta para ajudar o recém-empossado presidente de um país que se tornara o mais novo aliado russo.
Para começar, nunca mais um prefeito se fantasiaria de gari. Qual a graça de vestir uniforme e exibir falta de intimidade com a vassoura se ninguém fotografa ou grava? Salvo o prefeito crer que o melhor jeito de exercer seu mandato é fingir que trabalha enquanto anônimos limpam a cidade dignamente, é claro.
Os frequentadores de botecos e padarias não mais teriam sua rotina interrompida pela turba que acompanha governadores, deputados e similares em visitas oportunistas a esse tipo de estabelecimento durante as campanhas eleitorais. Em compensação, os políticos nunca mais seriam flagrados fazendo careta ao tomar o cafezinho saído direto do banho-maria ou comendo aquela coxinha resgatada do esquecimento na vitrine do balcão.
Tremendo pelos efeitos da abstinência midiática, um hierarca perguntaria aos assessores apalermados: “Mas nem uma selfie?”.
A repentina escassez de imagens de dignatários seria devastadora para os canais de TV oficiais e oficiosos. Nada de transmissões ao vivo dos salões do Congresso – muito menos dos plenários dos tribunais superiores. Silenciadas e deprimidas, togas falantes do Supremo cogitariam se aposentar antes da hora. Por outro lado, os julgamentos seriam sumários, e os votos, sintéticos.
Sem poder aparecer no vídeo, procuradores da República recorreriam cada vez mais a PowerPoints para apresentar suas denúncias. Mas sem as imagens dos políticos algemados, os escândalos de corrupção perderiam audiência.
Nem entrevista coletiva de tecnocrata escaparia ao filtro do hacker siberiano. Longe das câmeras, cerimônias de posse e assinaturas simbólicas de atos oficiais cairiam em desuso. Ociosos, burocratas a cargo do cerimonial dos palácios seriam dispensados – mas os governantes nem sequer faturariam com suas demissões: sem refletores não existe ostentação de austeridade.
Em contrapartida, os porta-vozes adquiririam status inédito. Se transformariam na única cara dos governos – até acharem que eram a própria autoridade e serem também censurados pelas câmeras.
Como efeito colateral do vírus russo, os microfones emudeceriam ao detectarem o som da voz do presidente ou de um simples vereador do interior. “Pra que discursar se não vai sair nem na Voz do Brasil?”, se questionariam parlamentares em crise existencial. O pequeno expediente da Câmara se transformaria em um deserto de homens (de ideias já é faz tempo).
Concessões de rádio e TV perderiam seu capital eleitoral. Sem poder aparecer nas próprias emissoras – nem mostrar adversários em situações vexatórias –, políticos mandariam seus laranjas se livrarem dos canais e investirem em mídias sociais, as únicas poupadas do ataque cibernético.
Sem a contraprova das imagens nem dos sons gravados, declarações atribuídas a autoridades se multiplicariam pela internet. Boatos não poderiam ser desmentidos. Da revogação da lei da gravidade às fofocas sobre as libertinagens de ministros, tudo seria crível. A era da pós-verdade chegaria à fase terminal. Até o hacker ser chamado de volta para ajudar o recém-empossado presidente de um país que se tornara o mais novo aliado russo.
Paraísos extintos
Hoje em dia se empregam eufemismos como "globalização" e "acordos comerciais". Isso implica que a comida já não se define como alimento, e sim como mercadoria.
Onde outrora as pessoas podiam comer o que colhiam em seus campos, hoje se cultivam cada vez mais produtos inúteis, a que somente os países mais ricos domundo podem ter acesso. Não vivemos mais da natureza. Foi-se o tempo dos paraísosJostein Gaarder
A gaiola dourada da popularidae
Houve quem criticasse Nizan Guanaes quando ele recomendou ao presidente Michel Temer aproveitar a sua impopularidade para adotar medidas duras, a fim de restabelecer o equilíbrio fiscal e promover a retomada do crescimento econômico. Eu estava a seu lado no Conselhão quando ele fez a recomendação.
Em síntese, ele dizia que o presidente deveria tratar de temas duros sem se preocupar em ser popular. A declaração foi longe e gerou debate, mas Nizan estava coberto de razão. O estado em que o Brasil se encontra demanda medidas que dificilmente serão populares.
Ninguém acredita que uma Previdência Social tecnicamente quebrada possa ser reformada sem dor. Muitos sabem que os salários devem ser congelados e os benefícios cortados, conforme feito em Portugal. A questão da popularidade, porém, persegue os governantes assim como os autores de novela perseguem o Ibope.
O filósofo suíço Alain de Botton é de uma sinceridade devastadora ao explicar a obsessão em querer ser popular, buscar o elogio e o reconhecimento, querer agradar sempre. No Brasil rasteiro, há quem considere a popularidade a medida do sucesso, em especial quando se mistura espetáculo com política. Não importa como se consegue ser popular nem em que circunstâncias.
Muitos acham que o presidente deve ter a preocupação de agradar sempre por conta do ciclo eleitoral. Que deve tomar medidas duras de início e guardar os agrados para o último ano e meio do mandato, numa dinâmica que atende ao interesse eleitoral e não ao nacional.
A busca da popularidade extrapola o limite dos mandatos. É o caso da antecipação de aumentos salariais pelo governador que deixa o cargo para que sua decisão seja cumprida pelo governador que acabou de ser eleito. Uma espécie de bomba-relógio para as finanças públicas na ânsia de ser eleitoralmente popular.
Agradar deveria ser a última das preocupações de um presidente. E sua popularidade deveria decorrer de uma análise fria dos acontecimentos. Algo que jamais acontecerá, considerando a profundidade de nosso entendimento sobre o cotidiano. Afinal, vivemos em um país raso, onde quem explica também busca a popularidade.
Daí a espetacularização do noticiário. As manchetes são movidas pelo espetáculo. As fotos de capa mostram o detalhe do cabelo despenteado ou um leve roçar no nariz, de forma a forçar a vista para o inusitado. Popularidade a qualquer preço.
Recorrentemente, vemos celebridades e subcelebridades artísticas que, por conta de sua exposição, se acham no direito de dar opinião sobre o que não conhecem. Surfam nas ondas baixas do senso comum em busca de popularidade. Confirmam, usando o axioma “com certeza”, o que o senso comum espera ser confirmado em círculo vicioso de intensa mediocridade.
O francês Michel Houellebecq, mesmo sendo um dos mais respeitados escritores da atualidade, se diz escritor e não intelectual. E afirma que não deve dar opinião sobre tudo. No Brasil rasteiro, falta pudor às nossas celebridades e juízo aos comunicadores, que se encarregam de propagar as besteiras ditas em favor da popularidade. Assassina-se, diariamente, uma das maiores conquistas do século passado: a reflexividade.
Dilma Rousseff, a mais incompetente presidente de nossa história, foi, paradoxalmente, a presidente mais popular. No início de 2013, bateu recordes de popularidade e aprovação. Acabou melancolicamente descartada no lixão político de nossa República. É uma prova de que popularidade não é tudo e pode terminar mal, se não vier acompanhada de decisões políticas consistentes.
Mesmo sendo uma armadilha terrível, a busca pela popularidade é a tônica da nossa sociedade. Daí muitos não terem entendido quando o grupo Los Hermanos desprezou a sua mais popular canção, “Ana Júlia”. Eles queriam ir além da popularidade pop que a canção lhes trouxe. Se não fizessem isso, teriam se transformado, certamente, em uma espécie de “one hit wonder” nacional, como o Sylvinho, do “Ursinho Blau-Blau”.
Na explicação do fenômeno político, as armadilhas são cotidianas. Seguir o “bom senso” ou o “senso comum” pode ser o caminho para a popularidade. Mas não o caminho para o sucesso do analista. Usar a indignação como ponto de ênfase para as explicações também é outro atalho para a popularidade. Mas leva para longe a verdade dos fatos. Na política, a indignação pode justificar, mas não explica.
O mais grave não é apenas o desejo doentio do reconhecimento. É o fato de que a verdade deixou de fazer sentido. São tempos de pós-verdade. Era de factoides. Fatos que parecem mas não são verdades, assim como os julgamentos indignados sobre o porquê das coisas.
Quando Nizan, mago da publicidade e celebridade internacional, recomendou que o presidente aproveitasse as vantagens da impopularidade, machucou um dos objetivos mais caros da vida de milhões: ser popular. Para a imensa maioria, a sugestão de Nizan é algo absolutamente incompreensível. Neste momento, se formos medir o governo pela popularidade, certamente estaremos aprofundando a vala comum de nosso fracasso coletivo.
Em síntese, ele dizia que o presidente deveria tratar de temas duros sem se preocupar em ser popular. A declaração foi longe e gerou debate, mas Nizan estava coberto de razão. O estado em que o Brasil se encontra demanda medidas que dificilmente serão populares.
Ninguém acredita que uma Previdência Social tecnicamente quebrada possa ser reformada sem dor. Muitos sabem que os salários devem ser congelados e os benefícios cortados, conforme feito em Portugal. A questão da popularidade, porém, persegue os governantes assim como os autores de novela perseguem o Ibope.
O filósofo suíço Alain de Botton é de uma sinceridade devastadora ao explicar a obsessão em querer ser popular, buscar o elogio e o reconhecimento, querer agradar sempre. No Brasil rasteiro, há quem considere a popularidade a medida do sucesso, em especial quando se mistura espetáculo com política. Não importa como se consegue ser popular nem em que circunstâncias.
Muitos acham que o presidente deve ter a preocupação de agradar sempre por conta do ciclo eleitoral. Que deve tomar medidas duras de início e guardar os agrados para o último ano e meio do mandato, numa dinâmica que atende ao interesse eleitoral e não ao nacional.
Agradar deveria ser a última das preocupações de um presidente. E sua popularidade deveria decorrer de uma análise fria dos acontecimentos. Algo que jamais acontecerá, considerando a profundidade de nosso entendimento sobre o cotidiano. Afinal, vivemos em um país raso, onde quem explica também busca a popularidade.
Daí a espetacularização do noticiário. As manchetes são movidas pelo espetáculo. As fotos de capa mostram o detalhe do cabelo despenteado ou um leve roçar no nariz, de forma a forçar a vista para o inusitado. Popularidade a qualquer preço.
Recorrentemente, vemos celebridades e subcelebridades artísticas que, por conta de sua exposição, se acham no direito de dar opinião sobre o que não conhecem. Surfam nas ondas baixas do senso comum em busca de popularidade. Confirmam, usando o axioma “com certeza”, o que o senso comum espera ser confirmado em círculo vicioso de intensa mediocridade.
O francês Michel Houellebecq, mesmo sendo um dos mais respeitados escritores da atualidade, se diz escritor e não intelectual. E afirma que não deve dar opinião sobre tudo. No Brasil rasteiro, falta pudor às nossas celebridades e juízo aos comunicadores, que se encarregam de propagar as besteiras ditas em favor da popularidade. Assassina-se, diariamente, uma das maiores conquistas do século passado: a reflexividade.
Dilma Rousseff, a mais incompetente presidente de nossa história, foi, paradoxalmente, a presidente mais popular. No início de 2013, bateu recordes de popularidade e aprovação. Acabou melancolicamente descartada no lixão político de nossa República. É uma prova de que popularidade não é tudo e pode terminar mal, se não vier acompanhada de decisões políticas consistentes.
Mesmo sendo uma armadilha terrível, a busca pela popularidade é a tônica da nossa sociedade. Daí muitos não terem entendido quando o grupo Los Hermanos desprezou a sua mais popular canção, “Ana Júlia”. Eles queriam ir além da popularidade pop que a canção lhes trouxe. Se não fizessem isso, teriam se transformado, certamente, em uma espécie de “one hit wonder” nacional, como o Sylvinho, do “Ursinho Blau-Blau”.
Na explicação do fenômeno político, as armadilhas são cotidianas. Seguir o “bom senso” ou o “senso comum” pode ser o caminho para a popularidade. Mas não o caminho para o sucesso do analista. Usar a indignação como ponto de ênfase para as explicações também é outro atalho para a popularidade. Mas leva para longe a verdade dos fatos. Na política, a indignação pode justificar, mas não explica.
O mais grave não é apenas o desejo doentio do reconhecimento. É o fato de que a verdade deixou de fazer sentido. São tempos de pós-verdade. Era de factoides. Fatos que parecem mas não são verdades, assim como os julgamentos indignados sobre o porquê das coisas.
Quando Nizan, mago da publicidade e celebridade internacional, recomendou que o presidente aproveitasse as vantagens da impopularidade, machucou um dos objetivos mais caros da vida de milhões: ser popular. Para a imensa maioria, a sugestão de Nizan é algo absolutamente incompreensível. Neste momento, se formos medir o governo pela popularidade, certamente estaremos aprofundando a vala comum de nosso fracasso coletivo.
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