sábado, 26 de novembro de 2016
O futuro que desconhecemos
As últimas semanas foram tão fartas de ruídos e atritos que ganhou corpo a imagem de um País fora de controle. Não foram poucos os que anteviram o apocalipse, falando em golpe militar, impeachment de Temer, fim da Lava Jato, insurreição popular, “ocupações” sucessivas que sitiariam o sistema.
Alguns fatos alimentaram o catastrofismo. Num dia, 50 direitistas invadem a Câmara dos Deputados falando em ditadura e fechamento do Congresso. Em outro, o ministro da Cultura se demite por não aceitar pressões indevidas do ministro Geddel Vieira Lima, uma gota a mais no oceano de corrupção e tráfico de influência que inundou o País. A denúncia abalou o governo Temer, que preferiu desgastar-se mais um pouco para não pôr em risco sua base parlamentar. O ministro Geddel demitiu-se ontem, mas o estrago já estava feito.
A discussão sobre a PEC dos gastos e a reforma da Previdência incrementa o pessimismo, pois seus efeitos serão certamente dolorosos e impulsionam retóricas finalistas, nas quais o povo pobre é visto como dramaticamente afetado. Para complicar, a economia continua a patinar, o desemprego persiste, o consumo está estagnado, Trump venceu nos EUA e vão começar as delações da Odebrecht. A discussão sobre o caixa 2 mostra a disposição de muitos deputados (de variados partidos, PT incluído) de aliviar crimes como lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Tudo vai sendo acomodado às pressas na ideia de que golpistas maldosos e políticos hipócritas estão a patrocinar a desmontagem das conquistas sociais e do progresso do País. O cenário não corresponde por inteiro à realidade profunda, mas enfeitiça muitos brasileiros, que se deixam arrastar pelo ativismo frenético ou pelo desinteresse conformista.
Há muita desorientação na parte mais ativa da sociedade. Políticos, partidos, lideranças, intelectuais, ativistas parecem mais interessados em definir a que nicho pertencem do que em criar zonas de entendimento. Faltam-lhes ideias e ousadia, sobram raiva, ressentimento e indignação. Há protestos e ocupações de direita e de esquerda e as diferentes tribos que as protagonizam se consideram iluminadas. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são só a ponta de um enorme iceberg. O colapso fiscal dos Estados põe a Federação em crise. Para onde quer que se olhe, o cenário é complicado.
No meio dessa mixórdia de vozes dissonantes, a gigantesca maioria dos brasileiros deseja seguir com a vida sem muitos sobressaltos, mas a essa maioria não é oferecida nenhuma análise fundada em discernimento, serenidade e visão de futuro.
O governo Temer não é pior do que o governo que tínhamos até ontem, ou anteontem. Em certos aspectos, chega até a ser melhor. Está se esforçando para imprimir um pouco mais de racionalidade na gestão pública e nas relações entre Executivo e Legislativo. Carece, porém, de eixo. Sua composição o fragiliza, sustentada que está pela preocupação de evitar divisões na base parlamentar. As circunstâncias não o favorecem: o cenário global é instável, o nacional é uma incógnita. As instituições, ainda que valorizadas, não conseguem domar o País, cuja complexidade é um desafio. Vista de Brasília, a sociedade se mostra distante, quase um borrão no mapa, quando deveria ser a razão mesma do Estado.
O governo caminha sobre o fio de uma lâmina afiada, agarrado exclusivamente a uma meta de ajuste e reorganização das contas. Seu discurso é raso, não comove nem mobiliza. Não parece ter outras políticas, o que o deixa trôpego e vacilante diante de um contínuo turbilhão de problemas, conflitos e ameaças.
Se as coisas estão assim tão desgraçadamente ruins, o razoável é que se reduzissem as polarizações brutas e as simplificações maniqueístas feitas a partir de uma visão grosseira de esquerda e direita, e se buscasse adquirir uma articulação democrática superior que propusesse algo de positivo, com os pés no chão. Poucos, porém, cogitam disso.
Houve quem comemorasse a prisão de Garotinho e Sérgio Cabral, e houve quem se aproveitasse dela para denunciar a “mídia oligopolizada”, bater na PF e na Lava Jato, defender os direitos humanos. Ficou difícil entender a situação. Aplaudir prisões expressa um desejo de vingança. Explorá-las para atacar a Justiça é um erro político.
Demonizar a “mídia oligopolizada” virou clichê em parcela da esquerda. É uma fantasia para processar o que nos desagrada ou atenuar o medo ancestral que nos assusta. Impede que se compreendam a complexidade e o caráter contraditório dos fenômenos midiáticos atuais. Quanto mais se insiste nisso, mais a análise fica ideológica, sem objetividade.
Alguns dos que batem na Justiça, no MP, na PF e na Lava Jato dizem que as operações anticorrupção existem para perseguir o PT. Outros querem simplesmente salvar a pele. Ambos os lados falam em “criminalização” da política e não se importam em defender o indefensável. As denúncias contra o arbítrio, o abuso de autoridade e o desrespeito à integridade da pessoa – que sempre devem ser consideradas com atenção – terminam assim por engrossar um caldo de cultura que esvazia e deslegitima o combate à corrupção.
Pode-se não gostar de Moro, das conduções coercitivas e dos procedimentos de delação premiada, achar que extrapolam o razoável, mas o esforço deveria estar concentrado em avaliar seus efeitos e resultados. Por vias que incomodam alguns, a Lava Jato e outras operações judiciais estão revolvendo as entranhas do sistema político brasileiro, enfiando a faca na relação entre empreiteiras, governos e partidos, desnudando práticas e manobras ilícitas de enriquecimento e financiamento político, mostrando o prejuízo que causam ao País.
Se o sistema político e partidário não sobreviver a essas operações, é porque está tão bichado que não merece seguir respirando. Não deveríamos ter tanto medo do futuro que desconhecemos.
Alguns fatos alimentaram o catastrofismo. Num dia, 50 direitistas invadem a Câmara dos Deputados falando em ditadura e fechamento do Congresso. Em outro, o ministro da Cultura se demite por não aceitar pressões indevidas do ministro Geddel Vieira Lima, uma gota a mais no oceano de corrupção e tráfico de influência que inundou o País. A denúncia abalou o governo Temer, que preferiu desgastar-se mais um pouco para não pôr em risco sua base parlamentar. O ministro Geddel demitiu-se ontem, mas o estrago já estava feito.
A discussão sobre a PEC dos gastos e a reforma da Previdência incrementa o pessimismo, pois seus efeitos serão certamente dolorosos e impulsionam retóricas finalistas, nas quais o povo pobre é visto como dramaticamente afetado. Para complicar, a economia continua a patinar, o desemprego persiste, o consumo está estagnado, Trump venceu nos EUA e vão começar as delações da Odebrecht. A discussão sobre o caixa 2 mostra a disposição de muitos deputados (de variados partidos, PT incluído) de aliviar crimes como lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Tudo vai sendo acomodado às pressas na ideia de que golpistas maldosos e políticos hipócritas estão a patrocinar a desmontagem das conquistas sociais e do progresso do País. O cenário não corresponde por inteiro à realidade profunda, mas enfeitiça muitos brasileiros, que se deixam arrastar pelo ativismo frenético ou pelo desinteresse conformista.
No meio dessa mixórdia de vozes dissonantes, a gigantesca maioria dos brasileiros deseja seguir com a vida sem muitos sobressaltos, mas a essa maioria não é oferecida nenhuma análise fundada em discernimento, serenidade e visão de futuro.
O governo Temer não é pior do que o governo que tínhamos até ontem, ou anteontem. Em certos aspectos, chega até a ser melhor. Está se esforçando para imprimir um pouco mais de racionalidade na gestão pública e nas relações entre Executivo e Legislativo. Carece, porém, de eixo. Sua composição o fragiliza, sustentada que está pela preocupação de evitar divisões na base parlamentar. As circunstâncias não o favorecem: o cenário global é instável, o nacional é uma incógnita. As instituições, ainda que valorizadas, não conseguem domar o País, cuja complexidade é um desafio. Vista de Brasília, a sociedade se mostra distante, quase um borrão no mapa, quando deveria ser a razão mesma do Estado.
O governo caminha sobre o fio de uma lâmina afiada, agarrado exclusivamente a uma meta de ajuste e reorganização das contas. Seu discurso é raso, não comove nem mobiliza. Não parece ter outras políticas, o que o deixa trôpego e vacilante diante de um contínuo turbilhão de problemas, conflitos e ameaças.
Se as coisas estão assim tão desgraçadamente ruins, o razoável é que se reduzissem as polarizações brutas e as simplificações maniqueístas feitas a partir de uma visão grosseira de esquerda e direita, e se buscasse adquirir uma articulação democrática superior que propusesse algo de positivo, com os pés no chão. Poucos, porém, cogitam disso.
Houve quem comemorasse a prisão de Garotinho e Sérgio Cabral, e houve quem se aproveitasse dela para denunciar a “mídia oligopolizada”, bater na PF e na Lava Jato, defender os direitos humanos. Ficou difícil entender a situação. Aplaudir prisões expressa um desejo de vingança. Explorá-las para atacar a Justiça é um erro político.
Demonizar a “mídia oligopolizada” virou clichê em parcela da esquerda. É uma fantasia para processar o que nos desagrada ou atenuar o medo ancestral que nos assusta. Impede que se compreendam a complexidade e o caráter contraditório dos fenômenos midiáticos atuais. Quanto mais se insiste nisso, mais a análise fica ideológica, sem objetividade.
Alguns dos que batem na Justiça, no MP, na PF e na Lava Jato dizem que as operações anticorrupção existem para perseguir o PT. Outros querem simplesmente salvar a pele. Ambos os lados falam em “criminalização” da política e não se importam em defender o indefensável. As denúncias contra o arbítrio, o abuso de autoridade e o desrespeito à integridade da pessoa – que sempre devem ser consideradas com atenção – terminam assim por engrossar um caldo de cultura que esvazia e deslegitima o combate à corrupção.
Pode-se não gostar de Moro, das conduções coercitivas e dos procedimentos de delação premiada, achar que extrapolam o razoável, mas o esforço deveria estar concentrado em avaliar seus efeitos e resultados. Por vias que incomodam alguns, a Lava Jato e outras operações judiciais estão revolvendo as entranhas do sistema político brasileiro, enfiando a faca na relação entre empreiteiras, governos e partidos, desnudando práticas e manobras ilícitas de enriquecimento e financiamento político, mostrando o prejuízo que causam ao País.
Se o sistema político e partidário não sobreviver a essas operações, é porque está tão bichado que não merece seguir respirando. Não deveríamos ter tanto medo do futuro que desconhecemos.
A corrupção da bondade
A política brasileira está tão corrompida, que corrompeu as próprias coisas boas que ela criou. Poucos políticos conseguiram criar um instrumento tão bom quanto João Calmon com sua emenda que determina constitucionalmente a reserva de 18% dos recursos da União para a Educação.
Mas, depois de 34 anos, esta óbvia bondade provocou duas corrupções: o apego a mais recursos, independentemente da eficiência como eles são usados, e o acomodamento político diante do que já está assegurado. Corrompemos a bondade ao distribuirmos recursos orçamentários sem levar em conta os limites determinados pela arrecadação.
Ao cometermos excesso de gastos, corrompemos o valor da moeda. Agora, ao deixarmos abertas as portas para que pressões corporativas consigam elevar gastos, podemos estar corrompendo a determinação constitucional do teto. A bondade fiscal se transformará em crise constitucional.
Ao pagar às famílias pobres para que suas crianças estudassem, o Bolsa Escola foi uma ideia transformadora e generosa. Foi possível criar renda para quem não tinha, dinamizar o mercado de produtos simples, além de levar as crianças para a escola. Mas, diluído no Bolsa Família, o Bolsa Escola teve seu aspecto educacional descaracterizado.
O resultado atual é um programa que corrompeu a bondade ao fazer-se assistencialista e eleitoreiro. Um instrumento transformador foi transformado em bondade assistencial. Depois de 138 anos da Abolição, a cor da cara da elite brasileira continua branca.
Assim, foi justo e correto adotar a proposta de cotas para brasileiros negros e indígenas entrarem na universidade. Graças ao aumento nas vagas nas universidades, e a programas como Prouni e Fies, houve uma ligeira mudança na cor da cara dos alunos que estão nos corredores das universidades.
Mas, com pouca mudança no acesso às boas universidades para os filhos dos mais pobres, porque a brecha na qualidade da educação de base não diminuiu e até au- mentou. O aumento no número de alunos universitários sem melhorar a educação de base levou a uma queda na qualidade do próprio ensino superior.
A bondade das cotas foi corrompida, porque serviu para escamotear toda a dimensão do problema e terminou acomodando aqueles que desejam educação de qualidade para todos, sem necessidade de cotas. O Brasil tem um dos mais generosos sistemas de previdência, permitindo aposentadorias em idades relativamente baixas, mas os longos anos de aposentadoria inviabilizam a continuação desta bondade, porque o sistema faliu.
A bondade, se for mantida, corromperá as finanças. Há 70 anos, as leis trabalhistas foram uma bondade revolucionária, mas ao não percebermos as radicais mudanças tecnológicas das últimas décadas esta bondade também foi corrompida e se transformou em indutora de ineficiência, desemprego e prejudicial aos jovens.
A própria bondade da democracia foi corrompida ao elegermos governos sem compromisso transformador e tolerarmos a corrupção, além de confundirmos interesses públicos e nacionais com direitos individuais e corporativos. Corrompemos a bondade.
Mas, depois de 34 anos, esta óbvia bondade provocou duas corrupções: o apego a mais recursos, independentemente da eficiência como eles são usados, e o acomodamento político diante do que já está assegurado. Corrompemos a bondade ao distribuirmos recursos orçamentários sem levar em conta os limites determinados pela arrecadação.
Ao cometermos excesso de gastos, corrompemos o valor da moeda. Agora, ao deixarmos abertas as portas para que pressões corporativas consigam elevar gastos, podemos estar corrompendo a determinação constitucional do teto. A bondade fiscal se transformará em crise constitucional.
O resultado atual é um programa que corrompeu a bondade ao fazer-se assistencialista e eleitoreiro. Um instrumento transformador foi transformado em bondade assistencial. Depois de 138 anos da Abolição, a cor da cara da elite brasileira continua branca.
Assim, foi justo e correto adotar a proposta de cotas para brasileiros negros e indígenas entrarem na universidade. Graças ao aumento nas vagas nas universidades, e a programas como Prouni e Fies, houve uma ligeira mudança na cor da cara dos alunos que estão nos corredores das universidades.
Mas, com pouca mudança no acesso às boas universidades para os filhos dos mais pobres, porque a brecha na qualidade da educação de base não diminuiu e até au- mentou. O aumento no número de alunos universitários sem melhorar a educação de base levou a uma queda na qualidade do próprio ensino superior.
A bondade das cotas foi corrompida, porque serviu para escamotear toda a dimensão do problema e terminou acomodando aqueles que desejam educação de qualidade para todos, sem necessidade de cotas. O Brasil tem um dos mais generosos sistemas de previdência, permitindo aposentadorias em idades relativamente baixas, mas os longos anos de aposentadoria inviabilizam a continuação desta bondade, porque o sistema faliu.
A bondade, se for mantida, corromperá as finanças. Há 70 anos, as leis trabalhistas foram uma bondade revolucionária, mas ao não percebermos as radicais mudanças tecnológicas das últimas décadas esta bondade também foi corrompida e se transformou em indutora de ineficiência, desemprego e prejudicial aos jovens.
A própria bondade da democracia foi corrompida ao elegermos governos sem compromisso transformador e tolerarmos a corrupção, além de confundirmos interesses públicos e nacionais com direitos individuais e corporativos. Corrompemos a bondade.
A possível leveza
Quando acordei meu anjo me sussurrou que pegasse leve. Procurasse ativamente a possível leveza. Mesmo que fosse só por hoje. Pensei logo no tão bonito poema de Manuel Bandeira, “O impossível carinho”: “Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo/ Quero apenas contar-te a minha ternura/ Ah, se em troca de tanta felicidade que me dás/ Eu te pudesse repor/ — Eu soubesse repor —/ No coração despedaçado/ As mais puras alegrias de tua infância”. O impossível carinho tolhia o poeta de dar a quem o amava a possível leveza. — Pode ser essa mesma a essência da leveza que o Anjo me pediu — humildemente! — hoje cedo. Também o Anjo estava triste.
Estudei numa universidade cujo lema — alis grave nil — quer nos ensinar que nada é pesado a quem tem asas. Desejava talvez nos ajudar a deixar virem as asas envergonhadas que se escondem em nós. E atingir a possível leveza no mundo. Esse é um mandamento doce que trago comigo desde então. Mas desaprendi no mundo. E tento reaprender. Foi o que o Anjo me pediu. Mas o mundo, anjo meu, esse em que a leveza aprendida é necessária, anda pesando toneladas desumanas. Não sei botar nos corações despedaçados as mais puras alegrias da infância. Sem as quais a leveza é destroçada pelo que andam fazendo com a vida.
Primeiro seria preciso ter certeza de que a infância dos sem leveza teve alegrias. As de muitos, que conheço, sim. Posso talvez tocá-los com a urgência do Anjo. As de muitos, que não conheço, não. Há os que foram crianças, mas não tiveram infância. Aquele tempo em que o jogo, ao acaso da brincadeira, era inimigo do relógio das obrigações. Quando brincar na rua era o modo certo de estar no mundo. As infâncias atoladas em quartos minúsculos, famílias grandes, fogão apagado, panela vazia, não encontraram na rua ou na escola seu espaço de liberdade. A rua era lugar de tiro, de um lado e outro. A escola, o território da abnegação desassistida, sem meios, o das muito magras esperanças. — Mas mesmo essas crianças jogavam bola de meia e improvisavam bonecas. Enquanto os tiros não decretavam os toques de recolher.
Há também os outros meninos, os das armas. Os que cedo tiveram sangue nas mãos, explorados por adultos que abriam no mundo um curto caminho de poder, de morte aos 20 anos. Vidas poucas, intensas, violentas. Leveza nenhuma. — Será? Em algum lugar muito esquecido do coração? Uma pipa no ar anuncia a polícia. Será que não se lembram de um tempo em que a pipa ensinava a liberdade da asa, para a qual nada é pesado? — Não sei. Queria tanto saber! Porque logo estarão mortos, e a morte, nessas condições, é tudo, menos a leveza. A não ser que Deus os recolha na sua leve mão. Disso não sei mesmo nada.
Não sou dos que atribuem toda a violência daqueles a quem a vida privou de infância à vida má de crianças abandonadas na chuva. Explicação muito fácil, e que tira fora a responsabilidade delas e a nossa nesse abandono. Nem me conto entre os que têm certeza de que menos filhos deteriam a violência. Como se, por mágica, menos crianças diante da panela vazia eliminassem as valas negras, o lixo de vida, a pobreza desesperada. E os tiros. Não, nós os abandonamos. Também não é tudo culpa nossa. Não aprendemos a amar o bastante. É tão difícil o amor. O das crianças sujas. As que cheiram mal.
Chegam às janelas dos nossos carros, que rapidamente fechamos. E também temos razão. Podem estar pedindo comida, podem estar levando relógios. Não se sabe antes. Às vezes ouvimos: “É pra comer, tio...”, e temos medo, e aceleramos o passo. O mundo está violento. Povoado por nós, que amamos de menos, e pelas crianças que não tiveram infância. Como dar a elas as mais puras alegrias de um tempo que não tiveram?
Afastamo-nos depressa, que há perigo na esquina. Alguns de nós levam no coração em fuga a asa inquieta para a qual nada é pesado. O nosso pequeno anjo. Mas anjos, hoje... Temos vergonha da bondade, da possível leveza. Penso no anjo que não tem bem uma hora me pediu — estava triste — que só por hoje fosse leve. Quando me sentei para escrever queria honrar sua tristeza e sua esperança. Afinal, ele se entregou nas minhas mãos. Não deu ordem. (Anjos são doces.) Pediu. Não consegui.
Agora um sabiá urbano, desses que resistem à dominação planetária, pousou na minha janela. E cantou. Sabiás cantaram na minha infância. As mais puras alegrias... Quem sabe voltam? Agora vêm as quatro semanas do Advento. Para quem acredita nisso (para quem não acredita também, de um modo muito misterioso), vai de novo nascer o insistente menino que devia fazer possível o impossível carinho, e levezinha a asa sem peso do amor. Entre o sabiá e o menino pode renascer uma infância. Logo saberemos. Nesse meio tempo, melhor cultivá-la em nós. Ou ele pode, dessa vez, não nos considerar dignos. E ir nascer entre gente melhor.
Marcio Tavares D’amaral
Estudei numa universidade cujo lema — alis grave nil — quer nos ensinar que nada é pesado a quem tem asas. Desejava talvez nos ajudar a deixar virem as asas envergonhadas que se escondem em nós. E atingir a possível leveza no mundo. Esse é um mandamento doce que trago comigo desde então. Mas desaprendi no mundo. E tento reaprender. Foi o que o Anjo me pediu. Mas o mundo, anjo meu, esse em que a leveza aprendida é necessária, anda pesando toneladas desumanas. Não sei botar nos corações despedaçados as mais puras alegrias da infância. Sem as quais a leveza é destroçada pelo que andam fazendo com a vida.
Há também os outros meninos, os das armas. Os que cedo tiveram sangue nas mãos, explorados por adultos que abriam no mundo um curto caminho de poder, de morte aos 20 anos. Vidas poucas, intensas, violentas. Leveza nenhuma. — Será? Em algum lugar muito esquecido do coração? Uma pipa no ar anuncia a polícia. Será que não se lembram de um tempo em que a pipa ensinava a liberdade da asa, para a qual nada é pesado? — Não sei. Queria tanto saber! Porque logo estarão mortos, e a morte, nessas condições, é tudo, menos a leveza. A não ser que Deus os recolha na sua leve mão. Disso não sei mesmo nada.
Não sou dos que atribuem toda a violência daqueles a quem a vida privou de infância à vida má de crianças abandonadas na chuva. Explicação muito fácil, e que tira fora a responsabilidade delas e a nossa nesse abandono. Nem me conto entre os que têm certeza de que menos filhos deteriam a violência. Como se, por mágica, menos crianças diante da panela vazia eliminassem as valas negras, o lixo de vida, a pobreza desesperada. E os tiros. Não, nós os abandonamos. Também não é tudo culpa nossa. Não aprendemos a amar o bastante. É tão difícil o amor. O das crianças sujas. As que cheiram mal.
Chegam às janelas dos nossos carros, que rapidamente fechamos. E também temos razão. Podem estar pedindo comida, podem estar levando relógios. Não se sabe antes. Às vezes ouvimos: “É pra comer, tio...”, e temos medo, e aceleramos o passo. O mundo está violento. Povoado por nós, que amamos de menos, e pelas crianças que não tiveram infância. Como dar a elas as mais puras alegrias de um tempo que não tiveram?
Afastamo-nos depressa, que há perigo na esquina. Alguns de nós levam no coração em fuga a asa inquieta para a qual nada é pesado. O nosso pequeno anjo. Mas anjos, hoje... Temos vergonha da bondade, da possível leveza. Penso no anjo que não tem bem uma hora me pediu — estava triste — que só por hoje fosse leve. Quando me sentei para escrever queria honrar sua tristeza e sua esperança. Afinal, ele se entregou nas minhas mãos. Não deu ordem. (Anjos são doces.) Pediu. Não consegui.
Agora um sabiá urbano, desses que resistem à dominação planetária, pousou na minha janela. E cantou. Sabiás cantaram na minha infância. As mais puras alegrias... Quem sabe voltam? Agora vêm as quatro semanas do Advento. Para quem acredita nisso (para quem não acredita também, de um modo muito misterioso), vai de novo nascer o insistente menino que devia fazer possível o impossível carinho, e levezinha a asa sem peso do amor. Entre o sabiá e o menino pode renascer uma infância. Logo saberemos. Nesse meio tempo, melhor cultivá-la em nós. Ou ele pode, dessa vez, não nos considerar dignos. E ir nascer entre gente melhor.
Marcio Tavares D’amaral
Temer, refém de si mesmo
Temer, ao que parece, não entendeu que a principal demanda da sociedade, mais que o próprio saneamento da economia, é a ética. Dispõe-se ao sacrifício, até porque é inevitável, mas não sob a batuta de quem lesou ou age em favor dos que lesaram o paísRuy Fabiano
VERGONHA!
Saberemos terça-feira a extensão da vergonha oferecida pela Câmara dos Deputados ao país inteiro na forma do projeto de anistia aos crimes praticados por Suas Excelências acima e além da punição a quantos tiverem recebido o Caixa Dois nas últimas eleições. Traduzindo: o projeto do deputado Onyx Lorenzoni anistiava apenas os parlamentares que haviam sido agraciados com recursos distribuídos irregularmente pela Odebrecht. Já era uma vergonha, digna de cadeia, mas a situação ficou mil vezes pior quando os deputados acrescentarem o perdão para quantos cometeram peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e similares.
Em suma, a Câmara livrava-se dos execráveis crimes que boa parte de suas bancadas vem praticando para se eleger. O resultado do projeto seria ninguém ser punido, da lista que a empreiteira divulgará nos próximos dias. Todos os crimes estariam alforriados, não apenas os de recebimento de Caixa Dois.
Quinta-feira, quando a maioria dos deputados preparava-se para aprovar esse monstrengo, PSOL, REDE e PPS insurgiram-se. Ameaçaram recorrer ao Supremo Tribunal Federal, porque tamanha agressão à Constituição poderia levar todos à perda dos mandatos. Assim, preferiram deixar a decisão para terça-feira. O problema é que as bancadas dos demais partidos parecem dispostas a votar esse projeto que as envergonharão. Assim, anistiados, escapariam da punição capaz de reduzir pela metade o número de deputados. Mesmo levando ao fundo do poço a imagem dos representantes do povo.
Continuam na ordem do dia, porém, essas abomináveis iniciativas. Querem os deputados, em maioria, salvar o pescoço. Permanecer no exercício de seus mandatos, mesmo enlameando o pouco que lhes resta de dignidade.
Mas tem mais. Pretendem incluir no malfadado projeto a punição para juízes, promotores, polícia federal e receita federal, sob a alegação de abuso de autoridade.
Não há outra palavra e outro sentimento: VERGONHA!
Em suma, a Câmara livrava-se dos execráveis crimes que boa parte de suas bancadas vem praticando para se eleger. O resultado do projeto seria ninguém ser punido, da lista que a empreiteira divulgará nos próximos dias. Todos os crimes estariam alforriados, não apenas os de recebimento de Caixa Dois.
Continuam na ordem do dia, porém, essas abomináveis iniciativas. Querem os deputados, em maioria, salvar o pescoço. Permanecer no exercício de seus mandatos, mesmo enlameando o pouco que lhes resta de dignidade.
Mas tem mais. Pretendem incluir no malfadado projeto a punição para juízes, promotores, polícia federal e receita federal, sob a alegação de abuso de autoridade.
Não há outra palavra e outro sentimento: VERGONHA!
A minoria no poder
As doações lícitas e as ilícitas
Não é segredo que doação de empresa para campanha política gera graves distúrbios no funcionamento das instituições democráticas. Era tão evidente esse caráter prejudicial do financiamento da política por pessoas jurídicas que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em setembro de 2015, sua inconstitucionalidade.
A decisão da Suprema Corte modificou o enquadramento jurídico do tema: depois de setembro de 2015, as empresas ficaram proibidas de fazer doações a partidos e a candidatos. Reconhecer essa mudança significa, ao mesmo tempo, afirmar que, antes da decisão do STF, por mais que as doações de empresas gerassem efeitos deletérios na vida pública nacional, elas eram permitidas pelo ordenamento jurídico. Ou seja, era lícito o financiamento da atividade político-partidária por meio das doações de pessoas jurídicas.
O reconhecimento dessa mudança no tratamento legal é de suma importância. Observa-se atualmente uma tentativa de criminalizar todas as doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas sob o argumento de que elas causaram graves prejuízos para a vida institucional. Esse movimento é nítido em alguns círculos próximos à Operação Lava Jato.
A decisão da Suprema Corte modificou o enquadramento jurídico do tema: depois de setembro de 2015, as empresas ficaram proibidas de fazer doações a partidos e a candidatos. Reconhecer essa mudança significa, ao mesmo tempo, afirmar que, antes da decisão do STF, por mais que as doações de empresas gerassem efeitos deletérios na vida pública nacional, elas eram permitidas pelo ordenamento jurídico. Ou seja, era lícito o financiamento da atividade político-partidária por meio das doações de pessoas jurídicas.
O reconhecimento dessa mudança no tratamento legal é de suma importância. Observa-se atualmente uma tentativa de criminalizar todas as doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas sob o argumento de que elas causaram graves prejuízos para a vida institucional. Esse movimento é nítido em alguns círculos próximos à Operação Lava Jato.
É incontestável que as doações de pessoas jurídicas têm efeitos nefastos sobre a vida pública. Tanto é assim que o STF, reconhecendo a incompatibilidade dessa prática com o sistema representativo previsto na Constituição, declarou sua inconstitucionalidade. No entanto, a descoberta desses efeitos deletérios não tem o condão de transformar a licitude de doações pretéritas. O que antes era lícito continua sendo lícito.
Ao mesmo tempo, o que antes era ilícito continua sendo ilícito. Por exemplo, antes de setembro de 2015, os partidos políticos já eram obrigados por lei a contabilizar as doações recebidas. Quem não contabilizasse o dinheiro recebido – a prática de caixa 2 – infringia a legislação eleitoral e submetia-se, assim, às penalidades próprias da Justiça eleitoral. Nesse sentido, é imoral e altamente prejudicial ao bom andamento das instituições democráticas a tentativa de anistiar a prática de caixa 2 em campanha eleitoral. Seria uma indulgência contraproducente com quem voluntariamente desrespeitou as regras do jogo democrático.
Quando políticos manobram para incluir, no pacote anticorrupção discutido no Congresso, uma anistia ao caixa 2 eleitoral, eles estão admitindo explicitamente a existência, no ordenamento jurídico, da tipificação desse crime. Se não houvesse tal tipificação, seria desnecessária qualquer discussão em torno da anistia. A aspiração pela anistia do caixa 2 eleitoral apenas explicita a consciência de sua ilicitude.
A lei vale para todos. Desse princípio decorre tanto a imoralidade da anistia como a imoralidade de tratar tudo como se fosse crime. Além de injusta – pois trataria igualmente situações desiguais perante a lei –, a criminalização indiscriminada de todas as doações eleitorais tem a grave consequência de dizimar a vida político-partidária do País.
Naturalmente, ninguém admite a pretensão de criminalizar todas as doações eleitorais. O discurso é mais sofisticado e parte do bem-intencionado pressuposto de que caberia a quem recebeu as doações verificar a licitude da origem dos recursos recebidos. Ora, tal responsabilidade simplesmente não existe.
Os partidos e candidatos políticos que receberam doações de empresas tinham o dever tão somente de registrá-las conforme os ditames da lei eleitoral. Eventual origem ilícita é responsabilidade de quem doou. Logicamente, outra coisa bem diferente é a pretensão do PT, por exemplo, de alegar que as doações recebidas eram lícitas simplesmente porque foram contabilizadas. Se foram fruto de extorsão ou propina – como apontam as denúncias –, é simplesmente impossível que tenham sido doações lícitas, já que nem eram doações.
Este não é um tema simples e merece um sereno discernimento. Afinal, dele dependem tanto a continuidade da vida democrática do País como o rompimento com a cultura da impunidade.
Ao mesmo tempo, o que antes era ilícito continua sendo ilícito. Por exemplo, antes de setembro de 2015, os partidos políticos já eram obrigados por lei a contabilizar as doações recebidas. Quem não contabilizasse o dinheiro recebido – a prática de caixa 2 – infringia a legislação eleitoral e submetia-se, assim, às penalidades próprias da Justiça eleitoral. Nesse sentido, é imoral e altamente prejudicial ao bom andamento das instituições democráticas a tentativa de anistiar a prática de caixa 2 em campanha eleitoral. Seria uma indulgência contraproducente com quem voluntariamente desrespeitou as regras do jogo democrático.
Quando políticos manobram para incluir, no pacote anticorrupção discutido no Congresso, uma anistia ao caixa 2 eleitoral, eles estão admitindo explicitamente a existência, no ordenamento jurídico, da tipificação desse crime. Se não houvesse tal tipificação, seria desnecessária qualquer discussão em torno da anistia. A aspiração pela anistia do caixa 2 eleitoral apenas explicita a consciência de sua ilicitude.
A lei vale para todos. Desse princípio decorre tanto a imoralidade da anistia como a imoralidade de tratar tudo como se fosse crime. Além de injusta – pois trataria igualmente situações desiguais perante a lei –, a criminalização indiscriminada de todas as doações eleitorais tem a grave consequência de dizimar a vida político-partidária do País.
Naturalmente, ninguém admite a pretensão de criminalizar todas as doações eleitorais. O discurso é mais sofisticado e parte do bem-intencionado pressuposto de que caberia a quem recebeu as doações verificar a licitude da origem dos recursos recebidos. Ora, tal responsabilidade simplesmente não existe.
Os partidos e candidatos políticos que receberam doações de empresas tinham o dever tão somente de registrá-las conforme os ditames da lei eleitoral. Eventual origem ilícita é responsabilidade de quem doou. Logicamente, outra coisa bem diferente é a pretensão do PT, por exemplo, de alegar que as doações recebidas eram lícitas simplesmente porque foram contabilizadas. Se foram fruto de extorsão ou propina – como apontam as denúncias –, é simplesmente impossível que tenham sido doações lícitas, já que nem eram doações.
Este não é um tema simples e merece um sereno discernimento. Afinal, dele dependem tanto a continuidade da vida democrática do País como o rompimento com a cultura da impunidade.
Temer despertou a oposição extraparlamentar
Na segunda-feira, o PSOL protocolará na Câmara um pedido de impechment contra Michel Temer. Em nota, o partido informou que “a peça terá como base as denúncias do ex-ministro Marcelo Calero, nas quais ele afirma que o presidente da República interveio em favor dos interesses do ministro Geddel Vieira Lima, para liberar uma obra em Salvador”. A iniciativa do PSOL é natimorta. A principal dificuldade do governo não está no Congresso. O que ameaça Temer é o mesmo fenômeno que fez dele presidente da República: a oposição extraparlamentar.
Destinatário do pedido do PSOL, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, avisa que não tem vocação para Eduardo Cunha. Mas ainda que Maia quisesse tocar fogo no circo dirigido por Temer, o impedimento do substituto constitucional de Dilma Rousseff seria sufocado pela maioria parlamentar que acaba de aprovar na Câmara a emenda constitucional do teto dos gastos. Dilma cutucava o Legislativo com o pé para ver se os congressistas mordiam. Temer se jacta de tocar um governo semiparlamentarista.
Em setembro de 2015, quando começou a se insinuar como candidato ao trono, o então “vice-presidente decorativo” Michel Temer declarou que ''ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo'' de 7% de aprovação. Antes, ele já havia afirmado que o Brasil precisava de alguém que tivesse “a capacidade de reunificar a todos''. Dilma, de fato, não sobreviveu à revolta provocada pela junção de duas crises: a ética e a econômica. Hoje, Temer é um presidente impopular. Mas dá de ombros: “Não estou preocupado com popularidade.”
Temer resume assim o seu sonho de ex-presidente: “O povo olhar pra mim e dizer: ‘Esse sujeito aí colocou o Brasil nos trilhos. Não transformou na segunda economia do mundo, mas colocou nos trilhos’.” Para atingir o sonho, Temer oferece aos brasileiros um pesadelo. Decidido a restabelecer a racionalidade econômica, afirma que o Brasil não sairá da “recessão profunda” em que se afundou com a adoção de “medidas doces”.
O presidente tem razão. Mas a tese da socialização dos sacrifícios perde o nexo no instante em que as principais autoridades da República, entre elas o próprio Temer, transformam a vista milionária de um apartamento de luxo de um ministro palaciano em prioridade do governo. De resto, a aceitação de remédios amargos fica mais difícil quando a plateia percebe que o pedaço político do gabinete de Temer vai virando farelo na usina de processamento de desvios éticos da Lava Jato.
Temer compôs um ministério paradoxal. Na área econômica, técnicos respeitados. Na seara política, amigos e aliados contestados. O tapete da administração peemedebista revela-se tão grande quanto o da gestão petista. O problema com as coisas varridas para baixo do tapete é que os presidentes continuam governando em cima do tapete. E os acobertados cheiram mal e se mexem muito. Descobertos, desmoralizam a presunção dos governantes de que comandam uma nação de idiotas.
O brasileiro nunca se importou com a imbecilidade. Mas já não admite ser tratado como imbecil. Sob Dilma, reaprendeu o caminho da rua. Esbaldou-se. Sob Temer, as ruas voltaram para casa. Mas começam a entrar em ebulição. Agendam para o dia 4 de dezembro um ronco contra a corrupção. Hoje, qualquer cidadão com um computador pode fazer chegar a sua raiva aos destinatários. Um ministro de Temer contou ao blog que sente diariamente o hálito quente da internet.
Na trincheira virtual, relatou o ministro, o combate é implacável e desleal. Escondidos atrás de pseudônimos, os descontentes lançam mão de toda a retórica capaz de insultar o interlocutor. O ministro é frequentemente mandado para lugares desagradáveis. Mandam-no, por exemplo, à presença da pessoa que, tendo exercido a profissão de prostituta, lhe deu à luz.
A oposição extraparlamentar não é ideológica. Para esse opositor que grita rente ao meio-fio ou xinga atrás da tela do computador, o problema não é de esquerda ou de direita. O problema é a sensação de que, seja quem for o presidente, haverá sempre meia dúzia por cima, prescrevendo remédios amargos, e milhões por baixo, tendo que engolir o purgante na marra.
Ou Michel Temer enxerga esse novo ator da política ou sua impopularidade será tão intensa que logo começarão a surgir os traidores no Congresso. Se quiser, o presidente pode emitir um sinal de que acordou ao nomear o substituto de Geddel Vieira Lima. Basta que examine bem as circunstâncias, para não confundir um certo homem com um homem certo.
Destinatário do pedido do PSOL, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, avisa que não tem vocação para Eduardo Cunha. Mas ainda que Maia quisesse tocar fogo no circo dirigido por Temer, o impedimento do substituto constitucional de Dilma Rousseff seria sufocado pela maioria parlamentar que acaba de aprovar na Câmara a emenda constitucional do teto dos gastos. Dilma cutucava o Legislativo com o pé para ver se os congressistas mordiam. Temer se jacta de tocar um governo semiparlamentarista.
Em setembro de 2015, quando começou a se insinuar como candidato ao trono, o então “vice-presidente decorativo” Michel Temer declarou que ''ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo'' de 7% de aprovação. Antes, ele já havia afirmado que o Brasil precisava de alguém que tivesse “a capacidade de reunificar a todos''. Dilma, de fato, não sobreviveu à revolta provocada pela junção de duas crises: a ética e a econômica. Hoje, Temer é um presidente impopular. Mas dá de ombros: “Não estou preocupado com popularidade.”
O presidente tem razão. Mas a tese da socialização dos sacrifícios perde o nexo no instante em que as principais autoridades da República, entre elas o próprio Temer, transformam a vista milionária de um apartamento de luxo de um ministro palaciano em prioridade do governo. De resto, a aceitação de remédios amargos fica mais difícil quando a plateia percebe que o pedaço político do gabinete de Temer vai virando farelo na usina de processamento de desvios éticos da Lava Jato.
Temer compôs um ministério paradoxal. Na área econômica, técnicos respeitados. Na seara política, amigos e aliados contestados. O tapete da administração peemedebista revela-se tão grande quanto o da gestão petista. O problema com as coisas varridas para baixo do tapete é que os presidentes continuam governando em cima do tapete. E os acobertados cheiram mal e se mexem muito. Descobertos, desmoralizam a presunção dos governantes de que comandam uma nação de idiotas.
O brasileiro nunca se importou com a imbecilidade. Mas já não admite ser tratado como imbecil. Sob Dilma, reaprendeu o caminho da rua. Esbaldou-se. Sob Temer, as ruas voltaram para casa. Mas começam a entrar em ebulição. Agendam para o dia 4 de dezembro um ronco contra a corrupção. Hoje, qualquer cidadão com um computador pode fazer chegar a sua raiva aos destinatários. Um ministro de Temer contou ao blog que sente diariamente o hálito quente da internet.
Na trincheira virtual, relatou o ministro, o combate é implacável e desleal. Escondidos atrás de pseudônimos, os descontentes lançam mão de toda a retórica capaz de insultar o interlocutor. O ministro é frequentemente mandado para lugares desagradáveis. Mandam-no, por exemplo, à presença da pessoa que, tendo exercido a profissão de prostituta, lhe deu à luz.
A oposição extraparlamentar não é ideológica. Para esse opositor que grita rente ao meio-fio ou xinga atrás da tela do computador, o problema não é de esquerda ou de direita. O problema é a sensação de que, seja quem for o presidente, haverá sempre meia dúzia por cima, prescrevendo remédios amargos, e milhões por baixo, tendo que engolir o purgante na marra.
Ou Michel Temer enxerga esse novo ator da política ou sua impopularidade será tão intensa que logo começarão a surgir os traidores no Congresso. Se quiser, o presidente pode emitir um sinal de que acordou ao nomear o substituto de Geddel Vieira Lima. Basta que examine bem as circunstâncias, para não confundir um certo homem com um homem certo.
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