segunda-feira, 18 de julho de 2016

Dilma reclamando que nao tem cherge dela nos jornais deu motivo anos

Do Futuro, sem futuro, sem noção

Otimismo é coisa boa. Faz acreditar que é possível melhorar, sair do buraco, viver bem, enfim. Mas requer ação. Otimismo sem ação é simplesmente cegueira. Do pior tipo. Cegueira proposital.

Como se a situação não gritasse por razão e urgência na ação. Como da memória já se houvessem dissipadas as lembranças dos escândalos, a frustrações dos (diversos) fracassos, e as consequências praticas de nossa negligencia e incompetência na gestão dos nossos interesses.

O que aconteceu, e continua acontecendo não foi pouco. Foi (e é) sistemático e recorrente. Passou a fazer parte do dia a dia, ilustrando a paisagem. O bode na sala já incomoda pouco. Ou talvez ninguém nem mesmo já o note.


Em parte, é assim porque os incentivos são grandes para que assim seja. Um país em que o Estado é tão gigantesco cria a realidade de que sucesso é necessariamente associado com o grau de proximidade e relação privilegiada com o Estado. A realidade se auto reforça, vira conceito e se traduz em cultura. Não é mais questionada e passa a ser reproduzida em movimento aparentemente perpetuo.

Por si só, isto já seria problema suficiente. Mas como não se tem noticia de males que vem para bem ou mesmo desacompanhados, este conjunto de conceitos destrutivos viram incentivos errados nos setores público e privado. Em poucas palavras, o país sofreu falha maciça nos seus sistemas de governança. Há algo de (muito) podre no reino.

Por isso, olhando de perto (ou de longe), tudo parece estranho. Enquanto se evidencia a realidade de longo período de decadência institucional, degradação ética e inversão de valores há surpreendentemente muito pouco sendo feito ou mesmo planejado para resolver os problemas.

Aqui e ali, empresas anunciam medidas. Tímidas, diga-se. Tratam as falhas em suas governanças como crises de imagem que devem ser combatidas exclusivamente com mudanças cosméticas.

Depois de todos as noticias. Apesar do mar de palavras jogadas em analises, artigos, debates e diagnósticos não existem noticias de medidas firmes, radicais e concretas para enfrentar a crise de governança.

Nas empresas, os conselhos de administração continuam dóceis, passivos, sem exercer sua função de controle e de proteção dos acionistas. Algumas empresas criaram departamentos e comitês para lidar com seus problemas de governança. Mas não se percebe qualquer evidencia de execução de reorganização radical capaz de reverter cultura, mudar hábitos e, claro, proceder às necessárias substituições nas equipes.

Não existe sinal de ruptura com os erros passados e se espera que mudanças organizacionais sejam lideradas pelos mesmos indivíduos que, passivos ou ativos, participaram do processo que levou ao desastre.

Este já foi o país do futuro. Sem renovação urgente e maciça dos quadros nos setores público e privado, será o país sem futuro. Sem melhorar sua governança privada com conselhos de administração mais ativos e responsáveis, continuara um país sem noção.

Acima dos partidos

Quem lê as críticas que, com frequência, faço aqui a Lula, Dilma e ao petismo em geral, pode deduzir que pertenço a algum partido político que se opõe ao PT. Estará enganado, já que não pertenço a nenhum partido e, se critico o PT, o mesmo faria com qualquer outro partido que praticasse os erros que ele praticou nesses 14 anos de governo.

É certo que fez também coisas certas, mas, infelizmente, após os primeiros anos no governo, tomou o caminho errado, certamente pelo propósito de manter-se indefinidamente no poder.

Os outros partidos, de modo geral, com raras exceções, não são tampouco nenhuma flor que se cheire, como é o caso do PMDB, que, não por acaso, foi aliado dos petistas até poucos meses atrás.

É verdade, porém, que tanto o PMDB como os demais partidos, diferem do PT num ponto, pelo menos: é que este, de inspiração populista —na linha do bolivarianismo— ambicionava apropriar-se do poder para sempre, donde as medidas desastrosas por ele adotadas, que conduziram o país à situação lamentável em que se encontra.

Os demais partidos, que aceitam o jogo democrático, admitem a alternância de poder, determinada pela norma democrática. Por exemplo, Fernando Henrique Cardoso, findo seu segundo mandato, passou a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva, mas este, ao contrário, tentou reeleger-se uma terceira vez e, só porque não o conseguiu, elegeu Dilma Rousseff em seu lugar.

Fez isso certo de que voltaria ao poder quatro anos depois e só desistiu desse intento ao constatar a herança maldita que lhe cairia nas costas. Foi por isso que fez dela candidata a um segundo mandato. Ele percebeu que suceder Dilma seria um desastre, e foi o que aconteceu no segundo mandato dela, que resultou no impeachment.

Ela foi afastada e Michel Temer, seu vice, assumiu o governo como presidente interino, conforme a Constituição.


Sucede que os petistas —para os quais as leis só valem quando os beneficia— passaram a chamar de golpe o que é um procedimento legal. Foram para as ruas pedir a saída de Temer, quando este ainda não tinha completado um mês no governo. Sabem muito bem que o impeachment é um procedimento constitucional, mas, como não aceitam ter de deixar o poder, fingem não saber.

Sabem também que Dilma já não governava o país, e que muito menos poderia fazê-lo agora, se voltasse ao governo. Ainda assim, tudo fazem para inviabilizar o governo de Michel Temer, muito embora saibam que, se o conseguissem, levariam o país à debacle total. É que o PT não atua visando o interesse nacional, e sim o seu próprio interesse. Ao contrário do que costuma dizer Dilma, o lema de "quanto pior, melhor" é deles, petistas, e não de seus adversários.

De minha parte, como disse no começo desta crônica, não pertenço a nenhum partido e, por isso mesmo, quando critico os petistas não o faço por razões partidárias, mas visando o interesse do país, da sociedade, dos cidadãos, conforme meu ponto de vista, claro.

Essas são igualmente as razões que determinam minha atitude em face do presidente Michel Temer. Não o conheço pessoalmente nem tenho qualquer simpatia especial por ele. Admito mesmo que, se fosse o caso de votar nele para a Presidência da República, dificilmente o faria. Apesar disso, ao contrário dos petistas, torço para que ele tome as medidas acertadas, que nos tire deste buraco negro em que Dilma Rousseff nos meteu.

Este é o ponto para o qual gostaria de chamar a atenção do leitor. O Brasil enfrenta um dos piores momentos de sua história, com mais de 11 milhões de desempregados, inflação alta, produção industrial estagnada e um déficit orçamentário dos mais altos do mundo.

Tal situação exige dos políticos, e particularmente do governo central, medidas acertadas e urgentes para evitar que esse estado crítico se agrave. E nós sabemos que, se isso ocorrer, os mais atingidos serão precisamente aqueles que vivem de seu trabalho e, portanto, do crescimento da economia.

Atuar com o propósito de dificultar a adoção de tais medidas é atentar contra os setores mais carentes da sociedade, e é lamentável que isso seja feito por políticos integrantes de uma instituição que se intitula Partido dos Trabalhadores.

Do meu ponto de vista, não é Temer que importa, nem se é este ou aquele partido que ocupe o governo. Importa é sairmos do atoleiro.

Hora de trabalhar

O presidente interino Michel Temer completou, no último dia 12, dois meses sentado na cadeira que nela espera se conservar até 2018. Inicialmente diante da desorganização política em que se achavam a Nação, o Senado e a Câmara, das manifestações das ruas e dos próprios partidos, que atiravam, por razões diversas, contra um único alvo – o afastamento da presidente Dilma –, Temer armou o próprio front motivado pelo incentivo de ser o dono da caneta. E conseguiu. Ajudaram-no, além de uma habilidade construída durante décadas, ouvindo e jogando o jogo das articulações políticas nos mais diversos níveis e com os mais variados parceiros, um quadro de incertezas e de desvario resultante da incapacidade da presidente de ouvir e, assim, construir ações produtivas que afastassem a consumação do quadro que gerou o desgoverno em que se projetou o país.


Desemprego, estagnação econômica, inflação em marcha, juros altos, denúncias de corrupção servidas em baldes e, sobretudo, uma desesperança generalizada associaram-se no processo de desgaste da imagem e da autoridade de Dilma Rousseff e de seu governo. Para tal, contribuiu significativamente a operação Lava Jato, que revelou conchavos e negociatas feitos por integrantes de seu partido, o PT, custeados pela generosa Petrobras. Dilma não fora diretamente acusada de beneficiar-se de tais tramoias, mas de permití-las com sua omissão. “Onde toda gente peca, ninguém faz penitência”, diz o ditado português para retratar aquele momento do Brasil. O certo é que Dilma dançou, furtando ou não. Está fora.

Temer se instalou trazendo consigo um ministério de poucas luzes, medíocre e/ou preguiçoso, como ainda se percebe passados mais de sessenta dias desse novo governo. Não fosse o controle do câmbio, com o dólar circulando a baixíssima cotação, pouco ou nada efetivamente mudou: não há reação da indústria, o comércio amarga um dos piores resultados dos últimos anos, não se encorajam a sair da toca investidores nacionais nem tampouco para aqui viajaram investidores externos. O agronegócio se salva, ainda, apesar da baixa cotação do dólar, pela exportação de commodities, muito como reflexo da nossa capacidade de produzir, ajudada pelo clima e pelo baixo custo de produção de que dispomos.

O processo de impeachment corre silencioso no Senado; Eduardo Cunha saiu de circulação; temos novo presidente da Câmara, que trabalhará apenas dois dias na semana, até as eleições; dona Marcela mudou-se para Brasília com o pequeno Michelzinho. Tudo ajustado. Agora, Michel pai, a bola está no seu campo. Ao trabalho. O Brasil assim espera.

Ida e volta dos parlamentares no caos nosso de cada dia

Instalados em seus estados, mais do que viajando pelo exterior, deputados e senadores viverão, com as exceções de sempre, um recesso singular. Quando agosto chegar, certamente voltarão a Brasília. Na bagagem, a evidência da orfandade. No caso, a consciência de que nenhum laço liga-os ao eleitorado. De nada valeu aquilo que realizaram no primeiro semestre, e com um pouco de sinceridade, também nos anos anteriores. Poucas vezes se tem visto tamanha dissociação entre mandantes e mandatários.

Próximo de 13 milhões de desempregados, com um custo de vida em ascensão meteórica, os encargos fiscais aumentando na proporção geométrica, o país lhes terá voltado as costas. Suas Excelências, se não sentirem desprezo, pelo menos receberão indiferença. Às vésperas das eleições municipais de outubro, não perceberão da parte de suas bases o menor sinal de interesse pelos resultados. Muito menos apelos pelo cumprimento do dever parlamentar, de promover soluções para as agruras a envolver a sociedade inteira. Sentir-se-ão como zeros à esquerda de uma comemoração para a qual não foram convidados. Mesmo a limitada confiança recebida no tempo da eleição se terá dissolvido na descrença. Será grande a descrença de que poderão, em 2018, repetir as performances de dois anos atrás.

Jamais alcançou essas dimensões o vácuo entre o Congresso e o povo. Nivelados pelo denominador comum do mútuo abandono, os congressistas terão tempo para meditar sobre o tempo perdido, assim como seus eleitores a respeito da inutilidade de insistir no modelo ultrapassado a nós deixado pela pasmaceira anterior.

A conclusão dessas incompletas e frágeis considerações só pode ser uma. Nem os 513 deputados e os 81 senadores de volta ao Planalto Central conseguirão encontrar ânimo para prometer alterar o quadro de depressão existente entre nós.

Objetos perdidos

O século XX, que nasceu anunciando paz e justiça, morreu banhado em sangue e deixou o mundo muito mais injusto que o que havia encontrado.
O século XXI, que também nasceu anunciando a paz e justiça, está seguindo os passos do século anterior.
Lá na minha infância, eu estava convencido de que tudo o que na terra se perdia ia parar na lua.
 
No entanto, os astronautas não encontraram sinhôs perigosos, nem promessas traídas, nem esperanças rotas.
Se não estão na lua, onde estão? 
Será que na terra não se perderam?
Será que na terra se esconderam?Eduardo Galeano

Jornalismo substantivo

Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, qualificativos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade da sua opinião. A credibilidade não é fruto de um momento. É a somatória de uma longa e transparente coerência. A ferramenta de trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A interrogação. O jornalista não deve ser ingênuo. Mas não precisa ser cínico. Basta ser honrado, trabalhador, independente.

É indispensável o exercício da denúncia fundamentada. Precisamos, independentemente do escárnio e do fôlego das máfias corruptas e corruptoras, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. O repórter, observador diário da corrupção e da miséria moral, não pode deixar que a alma envelheça. Convém renovar a rebeldia sonhadora do começo da carreira. Todos os dias. O coração do repórter deve pulsar em cada matéria.

Alguns desvios, no entanto, podem comprometer o resultado final do trabalho. A precipitação é um vírus que ameaça a qualidade informativa. Repórteres carentes de informação especializada e de documentação apropriada ficam reféns da fonte. Sobra declaração, mas falta apuração rigorosa. O Poder Público tem notável capacidade de pautar jornais. Fonte de governo é importante, mas não é a única. Muitas pautas estão quicando na nossa frente. Muitas histórias interessantes estão para ser contadas.

O culto à frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. O dogma do politicamente correto não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. A vida tem matizes. O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez, mas, também, com a mesma vontade, os argumentos opostos.

Registremos, ademais, os perigos do jornalismo de dossiê. Os riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Por isso, é preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a qualquer repórter que cumpre pauta investigativa: checou? Tem provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia no combate ao vírus da leviandade. O esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia.

A força de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. Só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo e talento. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva.

A caixa preta do STF: por que o tribunal julga o que quer quando quer?

O Supremo Tribunal Federal (STF) entrou nos holofotes durante o julgamento do escândalo do mensalão em 2012 e desde então nunca mais saiu. As sessões transmitidas ao vivo fizeram com que as atenções dos brasileiros se voltassem à Corte. Se por um lado o evento passa uma imagem de transparência nos procedimentos, especialistas matizam a percepção e veem espaço para que o STF amplie suas práticas democráticas. A última polêmica envolvendo o tribunal aconteceu no início do mês. O decano Celso de Mello decidiu contrariar sozinho uma decisão do plenário da Corte que havia sido tomada em fevereiro deste ano. À época, por 7 votos a 4, os ministros entenderam que as penas podiam começar a ser cumpridas após confirmação da sentença em segunda instância. Em junho, no entanto, Mello mandou soltar um homem condenado por homicídio que já cumpria pena. A expectativa agora é que a Corte volte a discutir o assunto.

Não é o único caso controverso. Sobram dúvidas sobre os critérios das escolhas feitas pelo STF. Por que o tribunal demorou cinco meses para analisar o pedido de afastamento do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ)? O ministro Gilmar Mendes poderia ter segurado por 20 meses o processo sobre o fim do financiamento empresarial de campanha após pedir vista? E um dos processos contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acusado de peculato e falsidade ideológica, que aguarda parecer dos ministros há mais de três anos? Veja abaixo o que pensam especialistas sobre esses problemas.


Não existe nenhum critério objetivo para determinar o que e quando será votado no STF. Thomaz Pereira, professor de direito da Faculdade Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, explica que “cabe ao presidente e seus pares julgar aquilo que entendem ser adequado, e claro que há influencia de uma possível pressão social”. Neste cenário, ministros podem dar maior ou menor importância a uma determinada questão, de acordo com seus critérios pessoais. “Quando você tem um tribunal com muita liberdade para escolher o que e quando julga, ele passa a ter o ônus de explicar suas decisões para a sociedade”, afirma Pereira. “É preciso que a Corte diga a razão de um pedido de liminar ter sido julgado em dias e um outro semelhante não ter sido analisado ainda anos depois de ter sido protocolado”.

Uma justificativa frequentemente evocada pelos ministros para a morosidade no andamento de alguns casos é o grande volume de processos no tribunal. Pereira afirma que isso não pode ser um argumento para a lentidão, e cita o caso da Suprema Corte dos Estados Unidos como uma corte que tem critérios mais rígidos na seleção dos casos. “Eles têm muito controle sobre o que julgam e o que não julgam, aceitam poucos casos por ano”, diz o professor. Uma das consequências disso é que “tudo o que admitem é julgado, a previsibilidade é muito grande, você sabe que o processo será analisado no decorrer daquele ano judiciário”.

Em nota, a assessoria da Corte informou que o regimento interno do STF "determina que os Habeas Corpus, seguidos pelas causas criminais e as reclamações têm preferência na pauta de julgamentos do plenário e das turmas", e que após estes casos "o ministro Ricardo Lewandowski, durante a sua gestão, tem priorizado as questões de repercussão geral, que são aquelas de relevância social, econômica, política ou jurídica".

Para o jurista Dalmo de Abreu Dallari esse é um dos maiores problemas do STF. Atualmente a Constituição prevê que o presidente indique um nome para ocupar a cadeira de um ministro que aposenta, e cabe ao Legislativo sabatinar o escolhido. Neste ponto o Brasil se inspirou no modelo de Corte Suprema dos Estados Unidos. “Isso acaba tendo implicações políticas, sendo que o correto é que fosse uma escolha jurídica”, avalia o advogado. Ele defende que “a comunidade jurídica fosse ouvida", e que "elaborasse via voto uma lista tríplice, da qual o Executivo escolheria um nome”. Para Dallari, isso “acabaria com aquele estigma de ‘fulano é ministro da Dilma Rousseff’, ‘fulano é ministro do Fernando Henrique Cardoso”.

Marcelo Cattoni, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais, aponta outro problema crítico neste modelo de escolha de ministros. “Sabemos que todos os Governos desde a redemocratização, negociaram essas nomeações [para o STF] com suas respectivas bases políticas”, afirma. De acordo com ele, a consequência disso é que a muitas indicações acabam sendo feitas para atender interesses imediatos com relação à composição de base parlamentar, “algo típico do nosso presidencialismo de coalizão”. Logo “nem sempre as nomeações recaem sobre grandes especialistas”.

Para Cattoni, caberia à sociedade fiscalizar esse fenômeno para impedir que aconteça, e “o Senado precisa sabatinar de forma séria os indicados”. O professor cita a sabatina do ministro Édson Fachin em maio de 2015 como uma exceção: o procedimento durou sete horas, e foi marcado por duros questionamentos.

Perder-se

Você acredita em destino? Sei, parece uma pergunta estranha. Principalmente num mundo como o nosso, cozido na crença e no projeto de domínio de tudo pelo indivíduo que escolhe as coisas com a força de quem traz o Visa entre os dedos.

Outro dia, conversando com amigas, perguntei quem acreditava em destino. Apenas aquela que já viveu mais, respondeu "sim". As demais, mais jovens, responderam "não". Pareceu-me que ali pesava a maior sabedoria daquela que viveu mais (e trata-se de uma mulher muito bem-sucedida, para que nenhum desavisado pense que era uma "coitada").

Sim, sou um falso contemporâneo: duvido da capacidade humana de controlar sua vida. Cada vez mais. Sendo eu um contemporâneo, minha suspeita de que exista destino deve ser alguma forma de patologia cognitiva. Prefiro minha patologia ao invés do delírio dos meus contemporâneos.

Nesse sentido, ponho sob suspeita a máxima do mundo burguês moderno: sou dono do meu destino, basta que eu calcule, seja competente e monte estratégias. Nos meus piores momentos, suspeito que essa crença seja mais um dos males da caixa de Pandora, que Zeus deu a ela para nos castigar contra nosso conhecimento do fogo (símbolo da técnica) e seus delírios de poder.

Lembremos que o pior dos males naquela caixa era a esperança. Ter esperança é um engano, porque não há esperanças, pensa o grego antigo. Entendo que a crença na liberdade individual contra o destino seja um pouco como a esperança de Pandora: mais um engano, entre tantos outros, que nos faz acreditar em nossa infinita capacidade de dominar as coisas.

De onde viria essa certeza de que somos livres e de que não existe um destino "traçado" sobre nossas cabeças?

Quando olhamos para o mundo antigo, é comum encontrarmos a crença nalguma forma de destino. Esse destino seria traçado por forças divinas. No mundo grego, o famoso oráculo de Delfos, dedicado ao deus Apolo, aquele conhecido por dizer "Conhece-te a ti mesmo", citado por Sócrates, tinha um "complemento", que era: "Saibas que tu és mortal".

Estava aí o destino: o homem é sempre menos do que um deus porque ele é mortal e, por isso mesmo, tem como destino a perda de si mesmo. Entendo que a perda de si mesmo vá além da ideia concreta da morte. A perda de si mesmo se dá de diversas formas. Enquanto escrevo para você, me perco, me traio.

O engano contemporâneo com relação a inexistência do destino estaria não apenas no fato que continuamos mortais, mas também no fato que continuamos a perder a nós mesmos das mais variadas formas: viver é perder-se (nas paixões, nos desejos, nos fracassos, nos sucessos, nas guerras), e se você tenta evitar isso, você se perde mais rápido ainda e de forma definitiva e miserável. É aí que se encontra minha suspeita, além da mortalidade da qual fala Delfos, de que exista algo como um destino invadindo nossas vidas. Mas, sendo a modernidade uma "teenager" encantada com seu sucesso, acabamos por interpretar os palhaços da liberdade.

Pensando a partir de um materialismo social, a ideia de destino parecia mais comum quando os homens e as mulheres tinham poucas opções na vida, fosse por conta de pouca técnica, pouca longevidade, pouca liberdade individual, pouco conhecimento, pouca democracia, poucos shopping centers. Este último principalmente: a fé na liberdade moderna é um misto de fé na técnica (o fogo de Prometeu) e no poder do Mastercard.

Por isso, a fé na liberdade individual me parece fruto do avanço da sociedade de mercado e suas ferramentas de sucesso, descritas acima. Se você quiser ver esta liberdade caminhando por ai, vá ao Iguatemi. A riqueza fez de nós descrentes no destino, porque pensamos poder "comprá-lo".

Não duvido dessa premissa: mais dinheiro, mais técnica, mais sensação de liberdade. Mas suspeito que esta crença seja parte da esperança de Pandora. No fundo da caixa de Pandora tinha mais um mal escondido: a crença na liberdade do consumidor como liberdade contra o destino. O destino moderno é enganar-se com o próprio poder de controlar das coisas.

Luiz Felipe Pondé