segunda-feira, 5 de setembro de 2022

O 7 de Setembro de Bolsonaro vai ser barulhento, mas não faz milagre

Jair Bolsonaro e seus aliados jogam suas fichas nos atos da próxima quarta-feira, no 7 de Setembro, para tentar virar a disputa presidencial.

Não há resquício de dúvida que as praças país afora estarão cheias de seguidores de Bolsonaro com suas pregações.

Pouco se acredita que discursos inflamados do presidente, caminhões de som nas grandes capitais e milhares de pessoas de verde e amarelo nas ruas irão alterar significativamente a corrida ao Palácio do Planalto.

Só vai nesses eventos quem já é eleitor do atual presidente. Difícil que o noticiário sobre o fato e a lacração nas redes sociais alterem alguma coisa nas pesquisas.

A oposição, até agora, não manifestou preocupação com o 7 de Setembro de Bolsonaro. Vai acompanhar de longe.

Perigo para Bolsonaro é que eventuais e quase certos excessos de bolsonaristas nas ruas possam, esses sim, comprometer a performance do presidente nos números das pesquisas e trazer problemas, que significam nenhuma alteração no quadro ou, pior, perda de eleitores.

Bolsonaro deveria terminar seu discurso no dia 7 gritando: 'Incompetência e morte!'

O bicentenário da Independência do Brasil deveria ser um momento de grandes eventos culturais e discussões públicas sobre o que foi a história brasileira até aqui e o que devemos fazer de agora em diante. Em vez disso, Bolsonaro está andando pra lá e pra cá com um pedaço de defunto e vai fazer um comício a favor do golpe de Estado no dia 7 de setembro.

Ainda não se sabe o quanto o ato de quarta-feira será comício e o quanto será tentativa de golpe: só se sabe que será uma mistura dos dois, e que crimes serão cometidos. Golpe de Estado é proibido, usar as Forças Armadas em comício também.


No último sábado, o presidente da República já chamou o ministro Alexandre de Moraes de vagabundo, de modo que, se eu fosse o Temer, deixaria a cartinha preparada.

No fundo, Bolsonaro deve estar em dúvida sobre o que fazer. As pesquisas não o ajudam. Se Bolsonaro tivesse ultrapassado Lula, seria melhor desistir do golpe e se concentrar em ganhar a eleição. Se Lula estivesse com 20 pontos na frente de Bolsonaro, a vitória nas urnas seria impossível e só restaria a Jair tentar um golpe. Com a diferença estável, mas não intransponível, fica a dúvida.

Não é fácil tentar um golpe de Estado e fazer uma campanha eleitoral ao mesmo tempo.

Todas as pesquisas mostram que o eleitorado em geral não quer um golpe, quer comida. Mesmo o eleitor de 2018, aliás, podia não querer um político, mas queria um governo: queria vacina, queria salário-mínimo com reajuste real que lhe permitisse sobreviver à alta dos preços, queria, enfim, tudo que o governo Bolsonaro não lhe entregou.

Quatro anos depois, os brasileiros ainda querem um governo, e, se não quiserem um político, não vai ser Bolsonaro quem vai representá-los. Jair é o candidato do centrão e sua única esperança de reeleição é o uso da máquina pública durante a campanha. Sobre isso, aliás, recomendo o artigo do cientista político Jairo Nicolau na última edição da revista piauí.

Por isso, se Bolsonaro tiver como prioridade vencer a eleição, deve fazer o que fez durante sua entrevista no Jornal Nacional: mentir o tempo todo, mas mentir sobre coisas que interessam à população, como emprego, comida e vacina.

Por outro lado, se Bolsonaro tiver como prioridade dar um golpe, deve mentir sobre coisas que mobilizam o ódio de seus seguidores mais radicais: as urnas eletrônicas, as mulheres, o STF, os LGBTs, a esquerda. Aqui a prioridade não é tanto prometer bem-estar aos aliados, é prometer que os inimigos, reais ou imaginários, sofrerão. Para um público de sádicos, funciona.

Note-se que a única opção que Jair não tem é falar a verdade: como candidato à reeleição, não tem nada a dizer sobre seu governo que seja ao mesmo tempo bom para o Brasil e verdade. Como golpista, só lhe resta entregar a seus seguidores as teorias conspiratórias mais alucinadas sobre inimigos da liberdade. Se falasse a verdade, teria que admitir que o inimigo da liberdade é ele.

Seja como for, é triste que nosso bicentenário seja comemorado como uma festa em homenagem não ao Brasil, mas ao pior líder que o país já teve, culpado pelo assassinato em massa de brasileiros durante a pandemia, militante do ódio às mulheres e à liberdade democrática. Se fosse sincero, Bolsonaro terminaria seu discurso no dia 7 gritando: "Incompetência e morte!".

Pensamento do Dia

 


A crise e o projeto em 200 anos

Darcy Riberio, caso estivesse vivo, celebraria no próximo mês 100 anos. Além de um grande educador e antropólogo, era também exímio frasista, capaz de resumir em poucas palavras diagnósticos precisos sobre problemas nacionais. Uma de suas citações mais lembradas é a de que “a crise na educação no Brasil não é crise, é projeto”. Na semana em que faremos 200 anos como nação independente, não há como deixar de reconhecer que Darcy tinha razão.

A crise foi projeto durante todo o período em que o país insistiu na escravidão, tendo inclusive excluído a população escravizada da lista dos grupos considerados cidadãos em nossa primeira Constituição, de 1824. Ao fim do período imperial, o projeto continuava a pleno vapor, quando tanto conservadores quanto ditos liberais aprovaram em 1881 a Lei Saraiva, proibindo o voto dos analfabetos, restrição que só caiu em 1985.

Estava lá também na Primeira República, quando o presidente Nilo Peçanha cria em 1909 a primeira rede de escolas profissionalizantes, estipulando como público-alvo os “pobres e humildes desvalidos da sorte”. O Estado Novo deixou isso ainda mais explícito, colocando na Constituição de 1937 que o ensino “pré-vocacional” era “destinado às classes menos favorecidas”, ao passo que o secundário (único na época a facultar o acesso a qualquer área do superior) visava, nas palavras em decreto de 1942 do ministro Gustavo Capanema, elites “condutoras”.


As vezes o projeto de exclusão não era tão visível, mas nem por isso deixava de alcançar seus objetivos quando, por exemplo, naturalizava o fato de que mais da metade das crianças matriculadas na primeira série do antigo primário (hoje ensino fundamental) não conseguiam sequer chegar à série seguinte. Ou quando, na década de 60, de cada 100 ingressantes no primário, apenas seis conseguiam completar ao final de sua trajetória escolar o que seria hoje o ensino médio. O abuso nas taxas de repetência sem que isso gerasse mais qualidade foi tanto que, ao final do século XX, um relatório da Unesco nos colocou entre os piores do mundo neste quesito, atrás apenas de dez países da África Subsaariana.

Obstáculos não apareciam por acaso. Por exemplo, mesmo quando a maioria dos países desenvolvidos - e mesmo vizinhos latino-americanos - já havia ampliado para sete ou oito anos letivos o período de escolaridade obrigatória, o Brasil até 1971 continuou limitando a quatro séries. E ainda colocava barreiras como os exames de admissão, que não deixavam chegar ao que hoje seria o segundo ciclo do fundamental boa parte dos que terminavam o antigo primário.

Mesmo em períodos econômicos favoráveis, o projeto persistia, caso do ciclo do café paulista no início do século, do governo JK, ou da Ditadura Militar, quando, a despeito de momentos de maior crescimento do PIB, nem assim elevou-se, na mesma proporção, o investimento em educação.

O projeto de exclusão educacional foi majoritariamente vitorioso ao longo de nossa história, mas também tivemos vozes influentes a criticá-lo. Foram educadores como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Cecília Meireles, Alceu de Amoroso Lima, Paulo Freire, Florestan Fernandes, e o já citado Darcy Ribeiro, entre outros. Graças principalmente a uma sociedade civil que foi se fortalecendo, nem tudo foi retrocesso. Tivemos ganhos, com destaque para o período da redemocratização. Não foram poucos, mas foram insuficientes para compensar o imenso atraso histórico. Há muito mais a ser feito para que a história seja, daqui para a frente, diferente.

Bolsonaro usa os militares para virar uma eleição, por ora, perdida

Muita gente finge que está tudo bem, e que as coisas são assim mesmo. No fim, nossas instituições são sólidas e a democracia prevalecerá. Mas não está tudo bem, e as coisas não são assim.

Não pode estar tudo bem, de jeito nenhum, quando o presidente da República coopta os comandantes das Forças Armadas para promover um comício no 7 de setembro a poucos dias das eleições.

O 7 de setembro, mesmo à época da ditadura de 64, sempre foi um desfile cívico militar, muito diferente do que está planejado para acontecer amanhã, no Rio, berço do bolsonarismo.

Bem disse a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal: eleitores precisam de sossego para refletir sobre como votarão em 2 de outubro. O destino do país está outra vez em suas mãos.

É por isso que a campanha tem data marcada para acabar nas ruas, no rádio e na televisão: o próximo dia 29. Os eleitores desfrutam de 48 horas de silêncio para amadurecer sua escolha.


Bolsonaro cancelou a parada militar na Avenida Presidente Vargas, centro do Rio, para montar a sua em Copacabana. Os militares foram reduzidos à condição de animadores de auditório.

Bandas tocarão para atrair o público. A partir das 8h, e de hora em hora, haverá uma salva de tiros de canhão no Forte de Copacabana para acordar os que dormem e lembrá-los que Bolsonaro vem aí.

Barcos da Marinha se lançarão ao mar, bolsonaristas em jet-skis rivalizarão com pilotos de motos à espera do seu ídolo, e paraquedistas saltarão sobre a areia da praia.

A Esquadrilha da Fumaça sobrevoará parte da cidade em sinal de aviso de que o comício começará em breve, e que todos os patriotas de verdade não poderão faltar à luta do bem contra o mal.

Haverá um palanque à porta do Forte de Copacabana para abrigar Bolsonaro e seus convidados ilustres – entre eles, os 8 empresários investigados pela justiça sob a suspeita de estimularem um golpe.

Ainda não se sabe se Bolsonaro discursará, ou se apenas acenará para a multidão. E, se discursar, se pedirá votos, se voltará a atacar o ministro Alexandre de Moraes, ou se bancará o bonzinho.

Vai depender do humor dos bolsonaristas ali reunidos, dos cartazes, das faixas e do que elas falem. Bolsonaro se guia pela vontade dos seus devotos, é escravo dela, como diz.

Sua situação nas pesquisas não é nada boa. Dos eleitores de Lula, segundo o Datafolha, 17% dizem que ainda podem votar em outro candidato. Dos eleitores de Bolsonaro, 16%.

Propõe Vinicius Torres Freire, colunista da Folha de S. Paulo:

“Suponha-se que Lula perca todos esses votos e não receba nenhum mais; e que Bolsonaro não perca eleitor algum e ganhe o voto de todos aqueles que afirmam considerá-lo como alternativa. Na ponta do lápis, daria empate em cerca de 37%”.

Na semana passada, Lula tinha 45% das intenções de voto, e Bolsonaro, 32%. Entre os candidatos à reeleição a cargos executivos em 2022, Bolsonaro é o mais mal avaliado de todos.

Para Carlos Augusto Montenegro, ex-presidente do Ibope, a eleição presidencial poderia ser hoje: “A campanha demorou quase dois anos. Mas acabou. Falta o eleitor pôr o voto na urna”.

Se Montenegro estiver certo, se nenhum imprevisto de grande porte for capaz de reverter o rumo da eleição, Lula será eleito no primeiro ou no segundo turno. E o que fará Bolsonaro?

Acho que ele já foi longe demais na sua tentativa de desacreditar a segurança das urnas eletrônicas para, agora, recuar e apenas reconhecer o resultado das eleições em caso de derrota.

Se o golpe com o qual tanto sonha não for possível, ele precisa manter sua tropa unida para defendê-lo dos processos que dormem nas gavetas dos tribunais, mas que vão acordar.

Como manter a tropa unida a não ser dizendo que lhe roubaram a eleição? Não pode estar tudo bem quando o presidente teme passar o cargo e, em seguida, ser preso. Mas, ele fez por onde.

Brasil precisa de 'mudança urgente'

Um editorial da revista científica The Lancet, intitulado "Novos Começos para a América Latina?", publicado neste sábado, afirma que há muito em jogo nas eleições presidenciais do Brasil, e alerta para uma possível instabilidade política no caso de uma derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Se as pesquisas estiverem corretas, Bolsonaro será derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro ou no segundo turno. Entretanto, a diferença entre ambos está ficando mais estreita", afirma o editorial da revista, considerada uma das mais importantes publicações científicas em todo o mundo.

"Há temores de que Bolsonaro, conhecido por sua volatilidade e incitação indireta à violência, não sairá passivamente ", diz o texto, que ressalta as críticas do atual mandatário ao sistema eleitoral brasileiro.


"O gerenciamento desastroso de Bolsonaro da pandemia de covid-19 e seu desrespeito às mulheres, minorias étnicas, povos indígenas e ao meio ambiente são amplamente conhecidos. Em seu governo [...] a desigualdade e a pobreza aumentaram vertiginosamente, e o Brasil voltou ao mapa da fome."

"Correspondências publicadas na The Lancet descrevem como cientistas e instituições científicas vem sendo sabotadas. O Brasil precisa de mudança urgente", dizem os editores da revista.

"Se as previsões para as eleições no Brasil estiverem corretas, o país se juntará a outras nações latino-americanas onde existem esperanças renovadas de mudanças progressivas na sociedade". Como exemplo, a revista cita as eleições de Gustavo Petro, na Colômbia, "um ex-guerrilheiro que tomou posse em agosto"; e Gabriel Boric no Chile.

O editorial afirma que Petro e Boric se diferenciam dos demais líderes latino-americanos por incluírem em suas agendas os temas da sustentabilidade, proteção aos direitos das mulheres e a inclusão política das minorias étnicas.

"Há uma chance sem precedentes para novos começos na América Latina; uma oportunidade de realizar mudanças positivas para aliviar a negligência, desigualdade e violência aprofundadas. Esperamos que o Brasil opte por aproveitar essa oportunidade", concluem os editores.