sexta-feira, 11 de agosto de 2017
Uma vitória de Pirro
No caso da sobrevivência de Temer, triunfou a tese da estabilidade. Eu já a havia combatido, em nome de um equilíbrio dinâmico que soubesse combinar a retomada econômica com a luta contra a corrupção. Minha tese foi derrotada. Mas parcialmente, porque ela afirmava também que a estabilidade sem luta contra a corrupção se transformaria no seu contrário, era mais inquietante ainda.
A sobrevivência de Temer significou um golpe num dos pilares da luta contra a corrupção: a transparência. Não poderemos saber o que aconteceu de fato. Mas estimulou a distribuição de verbas e cargos. Ela põe em risco a própria aspiração dos defensores da estabilidade, a redução dos gastos públicos. Temer tornou-se refém do Congresso.
E a conta não será alta apenas pelas emendas ou pelos cargos. Em todas as frentes os recursos do Estado serão disputados como um butim.
O projeto de Refis, que reescalona dívidas públicas, ganhou uma versão no Congresso que não só perdoa às vezes 99% do valor a ser pago, como representa uma perda de R$ 252 bilhões para os cofres públicos. Os sindicatos querem muito mais do que perderam com o fim do imposto sindical. Os partidos, um modesto fundo de R$ 6 bilhões para disputarem as eleições sem buscar apoio nos eleitores ou sequer usar a imaginação para se financiarem.
Quanto mais denúncias surgirem contra Temer, mais alta será a conta. As bocas estão abertas à espera de novas chances, na verdade, antecipando-se a elas. Temer quer o cargo, eles querem os recursos, estão unidos nessa sinistra versão de estabilidade.
Fixando-me apenas na esfera política: a sobrevivência de Temer pode representar também um golpe no futuro, bloqueando a renovação. Embora sejam governantes diferentes em contextos diferentes, a salvação de Temer e a constituinte de Maduro partilham um perigo comum: desmoralizar as eleições. No caso do ditador venezuelano, o objetivo é afastar a oposição, caminhar para um sistema de partido único e eleições quase unânimes, como em Cuba. No caso brasileiro, o objetivo é manter um sistema partidário falido, em que é possível escolher apenas entre visões políticas fracassadas.
A sobrevivência de Temer foi o passo dado com os olhos na relativa quietude das ruas. A indiferença é relativa, porque a opinião manifestou-se em pesquisas, estimulou o Congresso a desafiá-las, a impor sua própria agenda.
Concessões à bancada dos ruralistas, redução de áreas de proteção ambiental na Amazônia, discursos, ombros tatuados com a palavra Temer, caímos num parlamentismo do horror. Mas isso também é a armadilha que tecem para que as pessoas se afastem enojadas da política, concluam que aquilo é um universo paralelo, o melhor é ignorá-lo.
Veio o aumento da gasolina. Vem aí mais imposto. As pessoas não vão ignorar facilmente a máquina que devora o seu dinheiro.
A tentativa de criar um mundo tão repulsivo que a maioria se afaste dele é um dado na mesa. As eleições desta semana no Estado do Amazonas fazem pensar: uma forte abstenção e a disputa entre duas figuras do sistema falido.
Por outro lado, a existência desse mundo repulsivo pode estimular a vontade de mudança. São duas ideias em constante tensão: virar as costas ou tentar mudar. Ainda que leves no momento, ventos de mudança começam a soprar. Grupos em fusão discutem como participar, propondo candidaturas independentes. Muitos viveram no exterior, acham que precisam contribuir para o País, estão sintonizados com a revolução digital e rejeitam todos os métodos que arruinaram o sistema político brasileiro.
Por dever de ofício, continuarei acompanhando a cena brasileira, aos trancos no meio da semana, em detalhes no fim. Mas na conjuntura que se abre, o investimento maior é na possibilidade de renovação.
Olhar apenas para o que está aí é deprimente. É preciso um horizonte, conhecer o que se move, apontar possíveis conexões e até ajudar com a experiência vivida de erros e acertos. Todos os países nessas circunstâncias tendem a achar seu caminho de renovação. O Brasil seria um caso inédito de país que não se mexe com vigor quando é explorado por sistema partidário voraz pilotando dispendiosa máquina estatal.
Não se trata de algo solene do tipo ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil. Mas para muitos o dilema pode ser no futuro próximo: ou acabar com essa pilhagem ou se despedir do Brasil.
Apesar de partilharmos uma cultura, uma História nacional, não dá para nos sentirmos num país de verdade quando as quadrilhas pilham os seus recursos. Nem acreditar em justiça quando se anula, em nome da privacidade empresarial, um processo de Mariana, que trata de 19 mortes, centenas de pessoas expulsas de casa e um rio envenenado.
Ao aceitar a permanência de Temer em nome da estabilidade, mercado, empresários e até mesmo uma parte da imprensa não percebem a mensagem que enviam aos políticos inescrupulosos que reinam em Brasília. Eles são espertos o bastante para avançarem sempre que, por meio de atos repulsivos, conseguem a indiferença enojada da sociedade. Mas são mais espertos ainda para entenderem que mercado e empresários estão dispostos a pagar tudo pelo que consideram, erroneamente, a estabilidade.
Sem pressão da sociedade e com o beneplácito de um mercado imediatista, compreenderam muito rapidamente que o momento é do banquete das hienas. Todo esse desastre por causa da estabilidade, do medo de caminhar, paralisia com o mito de que sem Temer acabaria a reconstrução econômica e um PT na lona é o bicho-papão que voltaria ao poder.
Trapaça enxuta
Sempre que aparece no noticiário a informação de que os políticos deste país estão fazendo alguma coisa “enxuta”, você já pode contar: estão preparando mais um golpe do vigário contra os seus interesses, e particularmente contra o seu bolso. A palavra “enxuta”, no dialeto do governo e de todos os partidos, sem exceção, quer dizer que a medida a ser tomada vai se resumir a meia dúzia de coisinhas que não resolvem absolutamente nada daquilo que teria realmente de ser resolvido; em compensação, essas mesmas coisinhas sempre trazem benefícios materiais, diretos e imediatos para suas excelências. Esse modus operandi, como se diz nas delegacias de polícia, tem uma dupla vantagem. De um lado, fornece aos senhores parlamentares da extrema esquerda, da extrema direita e do extremo centro uma desculpa prévia por não aprovarem as providências que tinham a obrigação de aprovar – afinal, trata-se de uma coisa “enxuta”, resumida, e portanto não há espaço para incluir ali as decisões importantes, que precisam ser estudadas com calma e devem ser tomadas com prudência, no futuro. De outro lado, permite que eles enfiem no projeto, sem chamar muita atenção, as mudanças que realmente estão querendo para já – as mais urgentes e mais rentáveis. Como se trata de uma operação “enxuta”, da qual nem vale a pena falar muito, fica mais fácil esconder os seus truques lá dentro: se tivessem de socar de uma vez só tudo o que ambicionam, estariam correndo o risco de uma overdose.
A “reforma política” prestes a ser apreciada pelo Congresso é mais uma bela obra na arte de roubar no jogo com a desculpa de “fazer o possível agora, e o ideal mais tarde”. Na realidade, o que se tem é safadeza já, e o correto nunca. Essa reforma é o que há, em matéria de mudança “enxuta”. Não vai mexer (fica para “depois”, a partir de 2020, 2030, etc.) em nenhuma das aberrações mais infames da atual legislação eleitoral – fim do voto obrigatório, fim do horário político obrigatório no rádio e tevê, fim dos partidos de aluguel, fim dos vices e por aí afora. “Não é o momento” para mudar nada disso, dizem os nossos representantes. Considerou-se um exagero, por exemplo, exigir que um partido tenha pelo menos 3% dos votos nas eleições para continuar existindo – ou melhor, para continuar metendo no bolso o dinheiro que o erário distribui através do “fundo partidário”. Basta que consigam 1,5%. É bom para os pequenos, claro, e para os grandes, que querem garantir a existência no Congresso de um estoque de votos sempre prontos para a compra e venda, na hora de aprovar ou rejeitar alguma coisa no plenário.
Sobra o que, então, na “reforma enxuta”? Exatamente aquilo que se podia esperar. Inventaram um negócio chamado “distritão”, que 99% da população não sabe o que é, para evitar o perigo do voto distrital, adotado em todas as democracias que funcionam – a única mudança realmente capaz de melhorar o sistema eleitoral criminoso que vigora no Brasil. Mais que tudo, naturalmente, foram direto para cima do Tesouro Nacional: propõem a criação de mais um fundo para o “financiamento público” das campanhas eleitorais, que será sustentado com os impostos pagos pelos eleitores. Estão querendo dinheiro grosso: de 3,5 a 4 bilhões de reais já em 2018, ou até cinco vezes mais os 800 milhões por ano do atual “fundo partidário”. O pai da proposta é um deputado do PT – mas os partidos adversários são cúmplices integrais desse roubo. Para completar o serviço, Sua Excelência pretende chamar essa trapaça de “fundo de financiamento à democracia”. Como se diz, é juntar o insulto à injúria.
Gestão Temer opera em ritmo de trem fantasma
''A mensagem importante é que essa recessão já terminou'', alardeou o ministro Henrique Meirelles em fevereiro. Michel Temer repete desde então, com a regularidade de um mantra, que seu governo “colocou o país nos trilhos”. Muitos brasileiros, ao ouvir o presidente falando, acalentam o sonho de viver no Brasil que Sua Excelência descreve, seja ele onde for. Entretanto, o que se vê sobre os trilhos é um governo com aparência de trem fantasma.
Ao assumir, Temer prometeu pacificar o país e tirar as contas do vermelho. Hoje, com 5% de aprovação, arrisca-se a tomar vaia sempre que leva os sapatos para fora dos palácios brasilienses. E anuncia para a próxima semana a reaparição de uma velha alma penada sobre os trilhos: o descumprimento de uma meta fiscal. O rombo de R$ 139 bilhões que Meirelles dizia ser ''exequível'' para 2017 vai virar uma cratera de R$ 159 bilhões, que se repetirá em 2018.
Caótico e com os cofres no osso, o governo planeja enviar ao freezer os reajustes salariais que concedeu aos servidores públicos no ano passado. Dizia-se na época que os aumentos —coisa de R$ 58 bilhões até 2019— já estavam computados na meta de déficit. A farra foi aprovada na Câmara numa madrugada de junho de 2016, sob aplausos de Temer. De uma tacada, passaram 14 projetos de lei. Continham bondades destinadas a 38 carreiras do Estado.
O então deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS), hoje prefeito de Porto Alegre, subiu à tribuna para pronunciar um discurso premonitório. Foi registrado aqui. Vale a pena recordar:
“Estamos estendendo gratificações de desempenho para servidores inativos”, disse Marchezan naquela madrugada. “Incorporamos aos quadros da Defensoria Pública servidores cedidos que vão entrar numa nova carreira, sem concurso, ganhando até 400% a mais. Isso é inconstitucional. Criamos mais de 11,5 mil empregos. E o presidente Michel Temer havia prometido fechar 4 mil cargos comissionados.”
O deputado acrescentou: “Dizem aqui que não posso ser mais realista que o rei. Se o governo encaminha tudo isso, devemos votar a favor. Quero lembrar que acabamos de depor uma rainha porque ela administrou as contas públicas contrariamente ao interesse popular. Tiramos na expectativa de que o novo governo administraria para o interesse popular. Espero que esse novo rei mude sua forma de reinar, para que ele não siga no mesmo caminho da rainha deposta. Espero também que as operações da Lava Jato anunciadas para os próximos dias não tenham nenhuma relação com esse açodamento de votar esse rombo de algumas centenas de bilhões de reais.”
Temer costuma dizer que se dará por satisfeito se chegar ao final do seu mandato como um presidente reformista. Não deseja senão entregar ao sucessor “um país nos trilhos”. Mas o autogrampo do delator Joesley Batista tornou impossível o que era difícil. Para salvar o mandato, Temer ampliou o balcão e entregou cargos, cofres e a alma ao centrão. Recolocou nos trilhos o grupo fantasmagórico idealizado pelo presidiário Eduardo Cunha.
Junto com a denúncia que o acusa de corrupção, Temer enterrou no plenário da Câmara o futuro do resto do seu governo, que será ruim enquanto dure. Tratada como a mãe de todas as reformas, a mexida na Previdência, tal qual o governo a concebera, foi para o beleléu. Médico e líder do PSD, o deputado Marcos Montes (MG), proferiu o diagnóstico: ''O governo saiu da UTI. Está no quarto. A data da votação [da emenda constitucional da Previdência] vai depender da recuperação do paciente. Pode ser no final do ano, pode ser em 2019'', no próximo governo.
Sem o ajuste na Previdência, Temer sucederá Dilma também no posto de presidente do rombo insanável. A hipótese de o governo entregar o que prometeu é nula. Acenara-se com um crescimento econômico de até 2% neste ano. Se chegar a 0,2% será um milagre.
O brasileiro percorre o trajeto do trem fantasma rezando para não dar de cara com um aumento de impostos. Nessa matéria, o governo desmente à noite o que admitira pela manhã. E a plateia não acredita nele durante todas as horas do dia.
Nesta quinta-feira, após discutir com ministros e congressistas a revisão para o alto da meta de rombo fiscal, a ser anunciada na semana que vem, Temer deixou no ar a hipótese de adotar “medidas rigorosas”. Emendou: ''[…] O governo não mente para o povo brasileiro. Muitas vezes toma medidas rigorosas, mas indispensáveis para a higidez das finanças públicas do nosso país.”
Que língua extraordinária é o português! Higidez virou um outro vocábulo para esculhambação. Há no percurso do trem fantasma 14 milhões de desempregados. A saúde pública continua sendo uma calamidade. O ensino público, um acinte. O fisiologismo ri da Lava Jato. Mas o Brasil da fábula de Temer está “nos trilhos”.
Todo brasileiro tem o direito de reivindicar um gole do que Michel Temer anda bebendo. Tudo leva a crer que a água do Jaburu conduz ao delírio.
Ao assumir, Temer prometeu pacificar o país e tirar as contas do vermelho. Hoje, com 5% de aprovação, arrisca-se a tomar vaia sempre que leva os sapatos para fora dos palácios brasilienses. E anuncia para a próxima semana a reaparição de uma velha alma penada sobre os trilhos: o descumprimento de uma meta fiscal. O rombo de R$ 139 bilhões que Meirelles dizia ser ''exequível'' para 2017 vai virar uma cratera de R$ 159 bilhões, que se repetirá em 2018.
Caótico e com os cofres no osso, o governo planeja enviar ao freezer os reajustes salariais que concedeu aos servidores públicos no ano passado. Dizia-se na época que os aumentos —coisa de R$ 58 bilhões até 2019— já estavam computados na meta de déficit. A farra foi aprovada na Câmara numa madrugada de junho de 2016, sob aplausos de Temer. De uma tacada, passaram 14 projetos de lei. Continham bondades destinadas a 38 carreiras do Estado.
“Estamos estendendo gratificações de desempenho para servidores inativos”, disse Marchezan naquela madrugada. “Incorporamos aos quadros da Defensoria Pública servidores cedidos que vão entrar numa nova carreira, sem concurso, ganhando até 400% a mais. Isso é inconstitucional. Criamos mais de 11,5 mil empregos. E o presidente Michel Temer havia prometido fechar 4 mil cargos comissionados.”
O deputado acrescentou: “Dizem aqui que não posso ser mais realista que o rei. Se o governo encaminha tudo isso, devemos votar a favor. Quero lembrar que acabamos de depor uma rainha porque ela administrou as contas públicas contrariamente ao interesse popular. Tiramos na expectativa de que o novo governo administraria para o interesse popular. Espero que esse novo rei mude sua forma de reinar, para que ele não siga no mesmo caminho da rainha deposta. Espero também que as operações da Lava Jato anunciadas para os próximos dias não tenham nenhuma relação com esse açodamento de votar esse rombo de algumas centenas de bilhões de reais.”
Temer costuma dizer que se dará por satisfeito se chegar ao final do seu mandato como um presidente reformista. Não deseja senão entregar ao sucessor “um país nos trilhos”. Mas o autogrampo do delator Joesley Batista tornou impossível o que era difícil. Para salvar o mandato, Temer ampliou o balcão e entregou cargos, cofres e a alma ao centrão. Recolocou nos trilhos o grupo fantasmagórico idealizado pelo presidiário Eduardo Cunha.
Junto com a denúncia que o acusa de corrupção, Temer enterrou no plenário da Câmara o futuro do resto do seu governo, que será ruim enquanto dure. Tratada como a mãe de todas as reformas, a mexida na Previdência, tal qual o governo a concebera, foi para o beleléu. Médico e líder do PSD, o deputado Marcos Montes (MG), proferiu o diagnóstico: ''O governo saiu da UTI. Está no quarto. A data da votação [da emenda constitucional da Previdência] vai depender da recuperação do paciente. Pode ser no final do ano, pode ser em 2019'', no próximo governo.
Sem o ajuste na Previdência, Temer sucederá Dilma também no posto de presidente do rombo insanável. A hipótese de o governo entregar o que prometeu é nula. Acenara-se com um crescimento econômico de até 2% neste ano. Se chegar a 0,2% será um milagre.
O brasileiro percorre o trajeto do trem fantasma rezando para não dar de cara com um aumento de impostos. Nessa matéria, o governo desmente à noite o que admitira pela manhã. E a plateia não acredita nele durante todas as horas do dia.
Nesta quinta-feira, após discutir com ministros e congressistas a revisão para o alto da meta de rombo fiscal, a ser anunciada na semana que vem, Temer deixou no ar a hipótese de adotar “medidas rigorosas”. Emendou: ''[…] O governo não mente para o povo brasileiro. Muitas vezes toma medidas rigorosas, mas indispensáveis para a higidez das finanças públicas do nosso país.”
Que língua extraordinária é o português! Higidez virou um outro vocábulo para esculhambação. Há no percurso do trem fantasma 14 milhões de desempregados. A saúde pública continua sendo uma calamidade. O ensino público, um acinte. O fisiologismo ri da Lava Jato. Mas o Brasil da fábula de Temer está “nos trilhos”.
Todo brasileiro tem o direito de reivindicar um gole do que Michel Temer anda bebendo. Tudo leva a crer que a água do Jaburu conduz ao delírio.
Vendo o futuro pelo retrovisor
O caminho está sempre à nossa frente. Se nos parecer que está atrás, basta nos virarmos e já tudo muda. Assim não ficamos na estrada, inertes e inúteis. A vida é um ir em frente constante e nisso estão de acordo filósofos, religiosos, cientistas, rockeiros e chefs. Entre nós, porém, há quem veja o futuro pelo espelho retrovisor, com o amanhã lá atrás, naquilo que abandonamos por decrépito e gasto, ruim e maldoso.
Os escândalos (antes ocultos) que explodem pelo País mostram a caminhada rumo à maturidade. Foi-se o medo a que a omissão nos condenara e que nos fazia parte do crime, até sem o saber. E apareceu o velho conluio entre poder público e setor privado. A cada dia, novo horror e a mesma engrenagem. Só varia a soma.
Surge então a bofetada, vinda daquele pessoal do espelho retrovisor. Sem entenderem o presente, nossas chamadas elites continuam ausentes do futuro. Desejarão restaurar o passado de alienação e torpor em que nada vemos? Quando invocam grandes realizações ou obras, tudo brilha como os anéis de vidro e falso ouro com que, na infância, brincávamos de reis e rainhas – tudo mentira e ilusão. Fatos recentes mostram quão ativa está a mentalidade do espelho retrovisor.
A balbúrdia na Câmara dos Deputados em torno da rejeição da denúncia para investigar o presidente Temer por corrupção fez esquecer (ou tapou) o que o ministro Gilmar Mendes disse à imprensa ao recomeçarem os trabalhos do Supremo Tribunal. Quando todos (à exceção dos delinquentes) aplaudem a determinação com que o procurador-geral Rodrigo Janot e o Ministério Público enfrentam o crime organizado, eis que Gilmar Mendes pede “a volta de um mínimo de decência, sobriedade e normalidade” à Procuradoria e aos procuradores. De fato, aludia à futura procuradora-geral, Raquel Dodge.
O que é isso senão mudar a óptica com que se vê o crime? Será decência voltar à leniência e permissividade de anos atrás, em que se “engavetava” ou somente se via a letra da lei, sem penetrar no âmago do horror? É isso normalidade? Ou isso gerou o assalto à Petrobrás e tudo o que fez da gestão pública um antro de enriquecimento pessoal? E que criou no Brasil um estranho capitalismo privado mantido por dádivas do Estado?
Disse o ministro que a Corte “ficou a reboque das loucuras do procurador Janot”, com o que contradisse o próprio juízo comum (fonte do Direito) de que o poder judicial e o Estado existem para extirpar o crime, não para permitir que se estenda ou se multiplique. Que “loucuras” praticaram Janot e os procuradores da Lava Jato ao desnudarem a promíscua orgia de políticos, altos funcionários, empresários, doleiros e “operadores” dos partidos?
Ou queríamos que Janot “afrouxasse” e que a investigação se tornasse cartorial e burocrática, com carimbos e teóricos pareceres, com circunlóquios como o nariz do Pinóquio? A Procuradoria podia ter sido mais dura com os irmãos da Friboi (que deram a pista e hoje soltos), mas por estratégia os deixou para mais tarde.
A crítica (ou ataque) de Gilmar a Janot atinge também o próprio STF, que ele disse ser “muito concessivo” e que, “a reboque do procurador, contribuiu para esta bagunça completa”. Desejaríamos o quê? A bagunça de antes, quando nada sabíamos (ainda que desconfiássemos) e os hoje sentenciados e presos (ou com tornozeleiras) posavam de nobres grão-duques do nosso reino republicano?
Tempo de ventania, agosto mostra o encantamento do espelho retrovisor.
A Câmara dos Deputados negou licença para o Supremo Tribunal investigar e julgar o presidente da República por crime de corrupção, como pedia o procurador-geral. Por si só, isso não constituiria deslize nem causaria espanto, não fosse o caminho percorrido.
Primeiro, o PMDB mudou seus membros na Comissão de Constituição de Justiça para que rejeitassem o parecer do relator, que opinara por aceitar a denúncia. Começava aí a transformação do poder em balcão de negócios. Logo, o Palácio do Planalto armou uma rede de convencimentos ou velados subornos, liberando as “emendas ao Orçamento” com que os deputados atendem a seus currais eleitorais, em especial no Norte e Nordeste. Logo, a persuasão direta: dois ministros da intimidade presidencial, Eliseu Padilha e Moreira Franco (ambos réus na Lava Jato) amarraram o apoio necessário.
Alguns partidos, como PMDB, PP, DEM, PRB e outros da base alugada, “fecharam questão” rejeitando a investigação. Não se tratava sequer de julgar o presidente, mas de lhe dar a oportunidade de demonstrar inocência. Assim, em ação planejada, junto com o Planalto acabaram obstruindo a Justiça. E a Câmara que votou a lei da transparência – para que de tudo se tome conhecimento – agora evitou que se esclareçam atos pouco transparentes da mais alta autoridade da República.
Após o resultado, Temer fez um pronunciamento pela TV sem mencionar a causa de tudo, a denúncia do procurador-geral. Limitou-se a elogiar seu próprio governo e a lugares-comuns, dizendo que o ato da Câmara (que não especificou) era “uma conquista do Estado de Direito que mostra a força das instituições”. Não tocou na força da ética, como se não fosse o núcleo de tudo.
Também na oposição houve incongruência. A licença para investigar o presidente é questão ético-moral inerente à respeitabilidade do cargo, mas o PT banalizou-a. Seus deputados votaram “contra a reforma trabalhista” ou “previdenciária”, contra isso e aquilo, temas ausentes do jogo. Votavam pelo “fora Temer”, não pelo crime a investigar. Seria pelo telhado de vidro na própria casa?
Só uns poucos – do PSOL e da Rede aos 21 dissidentes da bancada do PSDB – tocaram na tecla certa e, naquele 263 a 227, votaram vendo o futuro pela frente, não pelo retrovisor.
Os escândalos (antes ocultos) que explodem pelo País mostram a caminhada rumo à maturidade. Foi-se o medo a que a omissão nos condenara e que nos fazia parte do crime, até sem o saber. E apareceu o velho conluio entre poder público e setor privado. A cada dia, novo horror e a mesma engrenagem. Só varia a soma.
Surge então a bofetada, vinda daquele pessoal do espelho retrovisor. Sem entenderem o presente, nossas chamadas elites continuam ausentes do futuro. Desejarão restaurar o passado de alienação e torpor em que nada vemos? Quando invocam grandes realizações ou obras, tudo brilha como os anéis de vidro e falso ouro com que, na infância, brincávamos de reis e rainhas – tudo mentira e ilusão. Fatos recentes mostram quão ativa está a mentalidade do espelho retrovisor.
A balbúrdia na Câmara dos Deputados em torno da rejeição da denúncia para investigar o presidente Temer por corrupção fez esquecer (ou tapou) o que o ministro Gilmar Mendes disse à imprensa ao recomeçarem os trabalhos do Supremo Tribunal. Quando todos (à exceção dos delinquentes) aplaudem a determinação com que o procurador-geral Rodrigo Janot e o Ministério Público enfrentam o crime organizado, eis que Gilmar Mendes pede “a volta de um mínimo de decência, sobriedade e normalidade” à Procuradoria e aos procuradores. De fato, aludia à futura procuradora-geral, Raquel Dodge.
O que é isso senão mudar a óptica com que se vê o crime? Será decência voltar à leniência e permissividade de anos atrás, em que se “engavetava” ou somente se via a letra da lei, sem penetrar no âmago do horror? É isso normalidade? Ou isso gerou o assalto à Petrobrás e tudo o que fez da gestão pública um antro de enriquecimento pessoal? E que criou no Brasil um estranho capitalismo privado mantido por dádivas do Estado?
Disse o ministro que a Corte “ficou a reboque das loucuras do procurador Janot”, com o que contradisse o próprio juízo comum (fonte do Direito) de que o poder judicial e o Estado existem para extirpar o crime, não para permitir que se estenda ou se multiplique. Que “loucuras” praticaram Janot e os procuradores da Lava Jato ao desnudarem a promíscua orgia de políticos, altos funcionários, empresários, doleiros e “operadores” dos partidos?
Ou queríamos que Janot “afrouxasse” e que a investigação se tornasse cartorial e burocrática, com carimbos e teóricos pareceres, com circunlóquios como o nariz do Pinóquio? A Procuradoria podia ter sido mais dura com os irmãos da Friboi (que deram a pista e hoje soltos), mas por estratégia os deixou para mais tarde.
A crítica (ou ataque) de Gilmar a Janot atinge também o próprio STF, que ele disse ser “muito concessivo” e que, “a reboque do procurador, contribuiu para esta bagunça completa”. Desejaríamos o quê? A bagunça de antes, quando nada sabíamos (ainda que desconfiássemos) e os hoje sentenciados e presos (ou com tornozeleiras) posavam de nobres grão-duques do nosso reino republicano?
Tempo de ventania, agosto mostra o encantamento do espelho retrovisor.
A Câmara dos Deputados negou licença para o Supremo Tribunal investigar e julgar o presidente da República por crime de corrupção, como pedia o procurador-geral. Por si só, isso não constituiria deslize nem causaria espanto, não fosse o caminho percorrido.
Primeiro, o PMDB mudou seus membros na Comissão de Constituição de Justiça para que rejeitassem o parecer do relator, que opinara por aceitar a denúncia. Começava aí a transformação do poder em balcão de negócios. Logo, o Palácio do Planalto armou uma rede de convencimentos ou velados subornos, liberando as “emendas ao Orçamento” com que os deputados atendem a seus currais eleitorais, em especial no Norte e Nordeste. Logo, a persuasão direta: dois ministros da intimidade presidencial, Eliseu Padilha e Moreira Franco (ambos réus na Lava Jato) amarraram o apoio necessário.
Alguns partidos, como PMDB, PP, DEM, PRB e outros da base alugada, “fecharam questão” rejeitando a investigação. Não se tratava sequer de julgar o presidente, mas de lhe dar a oportunidade de demonstrar inocência. Assim, em ação planejada, junto com o Planalto acabaram obstruindo a Justiça. E a Câmara que votou a lei da transparência – para que de tudo se tome conhecimento – agora evitou que se esclareçam atos pouco transparentes da mais alta autoridade da República.
Após o resultado, Temer fez um pronunciamento pela TV sem mencionar a causa de tudo, a denúncia do procurador-geral. Limitou-se a elogiar seu próprio governo e a lugares-comuns, dizendo que o ato da Câmara (que não especificou) era “uma conquista do Estado de Direito que mostra a força das instituições”. Não tocou na força da ética, como se não fosse o núcleo de tudo.
Também na oposição houve incongruência. A licença para investigar o presidente é questão ético-moral inerente à respeitabilidade do cargo, mas o PT banalizou-a. Seus deputados votaram “contra a reforma trabalhista” ou “previdenciária”, contra isso e aquilo, temas ausentes do jogo. Votavam pelo “fora Temer”, não pelo crime a investigar. Seria pelo telhado de vidro na própria casa?
Só uns poucos – do PSOL e da Rede aos 21 dissidentes da bancada do PSDB – tocaram na tecla certa e, naquele 263 a 227, votaram vendo o futuro pela frente, não pelo retrovisor.
A essência municipal da democracia
Quinze dias atrás, com “Um caso de cura da nossa doença”, mostrei aqui como, começando pelo Oregon, em 1902, as “reformas Progressistas” empurradas por Theodore Roosevelt presidente implantaram o sistema de democracia semi-direta que pôs o comando da política nas mão dos eleitores e a corupção sob controle nos EUA após uma crise em tudo semelhante à do Brasil de hoje.
Essa revolução esgueirou-se pela brecha aberta pela constituição da California de 1879 que garantiu às suas cidades o direito de criar as próprias constituições. A política de todo o Oeste do país era dominada pelos donos das ferrovias que controlavam as estruturas partidárias estaduais.
Operando serviços públicos essenciais que só forneciam a quem lhes declarasse obediência, os caciques a soldo das ferrovias tinham força para bloquear ou desfazer todas as reformas tentadas por prefeitos independentes. Ao fim de dez anos de luta contra os chefões em São Francisco, Los Angeles inscreve na sua, no mesmo 1889 em que saíamos do absolutismo monárquico para entrar aos tropeços na Republica, os direitos de iniciativa, referendo e recall que só chegariam à constituição estadual da Califórnia em 1903. A partir daí foi uma avalanche. Sacramento em 1903, San Bernardino, San Diego, Pasadena e Eureka em 1905, São Francisco em 1907, todas foram adotando as mesmas ferramentas.
O país migrou, portanto, de um sistema totalmente amarrado ao principio representativo e à política partidária para outro libertado do apego a falsos critérios de coerência ideológica e regido exclusivamente pela conveniência prática que mistura à invenção política dos “pais fundadores” a eficiência da gestão corporativa inventada por seus empresários, tudo mediado por ferramentas que dão poder absoluto ao eleitor. O sistema representativo puro sobreviveu intacto só no nivel federal. No municipal e estadual, embora toda a reforma tenha começado para defender o povo da ganância dos “robber baron”, o povo também reconheceu o progresso induzido por eles do qual era beneficiário. Tiveram a inteligência de impor-lhes um freio por cima (a legislação antitruste) mas, ao mesmo tempo, institucionalizar o que tinham feito de bom (as técnicas de gestão).
Desde então, os americanos têm sido absolutamente inflexíveis em manter nas mãos dos eleitores o direito de propor diretamente ou dar a ultima palavra sobre as leis que se comprometerão a seguir mas recorrido à contribuição de especialistas dispensados da obrigação de seduzir eleitores para desenhar as melhores possiveis, permitindo-se errar quantas vezes for preciso nessas tentativas até chegar ao melhor resultado … que não hesitam em alterar mais adiante se novas necessidades assim recomendarem. Trocam “peças defeituosas” (recall) e reescrevem suas leis sem nenhuma cerimônia. São absolutamente flexíveis na porta de entrada para dar eficiência ao sistema, mas mantêm estritamente nas mãos dos eleitores o controle da porta de saída.
Essa revolução esgueirou-se pela brecha aberta pela constituição da California de 1879 que garantiu às suas cidades o direito de criar as próprias constituições. A política de todo o Oeste do país era dominada pelos donos das ferrovias que controlavam as estruturas partidárias estaduais.
Operando serviços públicos essenciais que só forneciam a quem lhes declarasse obediência, os caciques a soldo das ferrovias tinham força para bloquear ou desfazer todas as reformas tentadas por prefeitos independentes. Ao fim de dez anos de luta contra os chefões em São Francisco, Los Angeles inscreve na sua, no mesmo 1889 em que saíamos do absolutismo monárquico para entrar aos tropeços na Republica, os direitos de iniciativa, referendo e recall que só chegariam à constituição estadual da Califórnia em 1903. A partir daí foi uma avalanche. Sacramento em 1903, San Bernardino, San Diego, Pasadena e Eureka em 1905, São Francisco em 1907, todas foram adotando as mesmas ferramentas.
O Movimento Progressista dividiu-se então em duas linhas aparentemente conflitantes no âmbito municipal. Uma procurava dar mais poder aos eleitores com primárias e as demais ferramentas de democracia direta e outra, nascida meio por acidente, empurrava no sentido oposto de substituir políticos eleitos por executivos dispensados da obrigação de seduzir eleitores para exercer funções públicas. Nasceram assim os “governos de comissão” que ate hoje são a opção da maior parte das cidades americanas. Galveston, Texas, arrasada por um furacão em 1900, criou o modelo. A prefeitura mostrou-se incapaz de restabelecer a ordem e a cidade determinou, então, que uma comissão de especialistas acumulando poderes executivos e legislativos fosse nomeada para comandar a reconstrução. Funcionou tão bem que ela continuou no poder pelo voto a partir de 1903. Não demorou muito e Houston, Dallas, Forth Worth, Austin e El Paso adotaram o modelo.
As comissões consistiam em cinco a sete administradores eleitos em pleitos não partidários, cada um com poderes sobre uma área das atividades do governo municipal (obras publicas, segurança, finanças, saneamento, etc). O sistema convivia com os mecanismos de iniciativa, referendo e recall. Mesmo debaixo de uma enorme celeuma por colocar uma distância maior entre executivos e eleitores e ferir o sentido republicano prescrito pela constituição nacional de governo de representação e separação dos poderes, o modelo se foi espalhando como uma febre, imposto com as ferramentas da iniciativa e do referendo por munícipes cansados da corrupção e da ineficiência dos políticos.
Novas combinações foram sendo experimentadas ao sabor dos acidentes de percurso. Daytona, Ohio, quase destruida por uma grande enchente em 1913, elegeu cinco especialistas que indicaram um “manager” para executar suas deliberações. Berkeley, em 1921-22, assolada por uma crise financeira arrasadora, tipo Rio de Janeiro, tentou outra variação de convivência entre poderes executivo e legislativo de seu “council” e respectivos executivos. Ao cabo dessas e outras experiências dois modelos principais acabaram por consolidar-se. Nos governos de “council-mayor” uma comissão é diretamente eleita e tem poderes para deliberar as políticas, votar desapropriações, estabelecer objetivos e nomear um profissional para aconselhá-la e executar suas políticas. Nomeia também um prefeito com funções apenas cerimoniais entre seus próprios membros (rotativo em alguns casos; diretamente eleito em cidades maiores). Já o modelo de “city-manager” inspira-se mais diretamente no modelo corporativo. Um conselho eleito nomeia uma espécie de CEO que, por sua vez, nomeia uma “diretoria” para executar as políticas do conselho em cada área de especialização. Esses conselhos têm poderes legislativos restritos. As leis mais importantes, de qualquer maneira, propostas pelo povo ou pelos legisladores, vão a voto direto.
O objetivo é profissionalizar a gestão pública e torna-la tão ágil quanto o resto da economia privada. Quem não desempenhar perde o emprego, dispensando-se processos políticos. Esse modelo, hoje, é usado em 40% das cidades americanas de porte médio para baixo.
As comissões consistiam em cinco a sete administradores eleitos em pleitos não partidários, cada um com poderes sobre uma área das atividades do governo municipal (obras publicas, segurança, finanças, saneamento, etc). O sistema convivia com os mecanismos de iniciativa, referendo e recall. Mesmo debaixo de uma enorme celeuma por colocar uma distância maior entre executivos e eleitores e ferir o sentido republicano prescrito pela constituição nacional de governo de representação e separação dos poderes, o modelo se foi espalhando como uma febre, imposto com as ferramentas da iniciativa e do referendo por munícipes cansados da corrupção e da ineficiência dos políticos.
Novas combinações foram sendo experimentadas ao sabor dos acidentes de percurso. Daytona, Ohio, quase destruida por uma grande enchente em 1913, elegeu cinco especialistas que indicaram um “manager” para executar suas deliberações. Berkeley, em 1921-22, assolada por uma crise financeira arrasadora, tipo Rio de Janeiro, tentou outra variação de convivência entre poderes executivo e legislativo de seu “council” e respectivos executivos. Ao cabo dessas e outras experiências dois modelos principais acabaram por consolidar-se. Nos governos de “council-mayor” uma comissão é diretamente eleita e tem poderes para deliberar as políticas, votar desapropriações, estabelecer objetivos e nomear um profissional para aconselhá-la e executar suas políticas. Nomeia também um prefeito com funções apenas cerimoniais entre seus próprios membros (rotativo em alguns casos; diretamente eleito em cidades maiores). Já o modelo de “city-manager” inspira-se mais diretamente no modelo corporativo. Um conselho eleito nomeia uma espécie de CEO que, por sua vez, nomeia uma “diretoria” para executar as políticas do conselho em cada área de especialização. Esses conselhos têm poderes legislativos restritos. As leis mais importantes, de qualquer maneira, propostas pelo povo ou pelos legisladores, vão a voto direto.
O objetivo é profissionalizar a gestão pública e torna-la tão ágil quanto o resto da economia privada. Quem não desempenhar perde o emprego, dispensando-se processos políticos. Esse modelo, hoje, é usado em 40% das cidades americanas de porte médio para baixo.
O país migrou, portanto, de um sistema totalmente amarrado ao principio representativo e à política partidária para outro libertado do apego a falsos critérios de coerência ideológica e regido exclusivamente pela conveniência prática que mistura à invenção política dos “pais fundadores” a eficiência da gestão corporativa inventada por seus empresários, tudo mediado por ferramentas que dão poder absoluto ao eleitor. O sistema representativo puro sobreviveu intacto só no nivel federal. No municipal e estadual, embora toda a reforma tenha começado para defender o povo da ganância dos “robber baron”, o povo também reconheceu o progresso induzido por eles do qual era beneficiário. Tiveram a inteligência de impor-lhes um freio por cima (a legislação antitruste) mas, ao mesmo tempo, institucionalizar o que tinham feito de bom (as técnicas de gestão).
Desde então, os americanos têm sido absolutamente inflexíveis em manter nas mãos dos eleitores o direito de propor diretamente ou dar a ultima palavra sobre as leis que se comprometerão a seguir mas recorrido à contribuição de especialistas dispensados da obrigação de seduzir eleitores para desenhar as melhores possiveis, permitindo-se errar quantas vezes for preciso nessas tentativas até chegar ao melhor resultado … que não hesitam em alterar mais adiante se novas necessidades assim recomendarem. Trocam “peças defeituosas” (recall) e reescrevem suas leis sem nenhuma cerimônia. São absolutamente flexíveis na porta de entrada para dar eficiência ao sistema, mas mantêm estritamente nas mãos dos eleitores o controle da porta de saída.
Todos extintos - ou quase
H.L. Mencken (1880-1956), o jornalista americano cuja pena perturbava os poderosos, escreveu em 1922: "Onde fica o cemitério dos deuses mortos? Algum enlutado ainda regará as flores de seus túmulos?". E escalou um escrete de divindades que, em seu tempo, significavam a morte para quem os desafiasse:
Júpiter, Ísis, Baal, Amon-Rá, Thor, Saturno, Cronos, Belus, Vênus, Odim, Marte, Plutão, Huitzilopochtli, Tezcatlipoca e dezenas de outros. "Todos foram deuses da mais alta dignidade —deuses de povos civilizados", escreveu Mencken. "Todos eram onipotentes, oniscientes e imortais. E todos estão mortos".
O equivalente moderno de tais potestades foram certas marcas que, por décadas, fizeram parte de nossas vidas —de certa maneira, comandaram-nas— e nos habituamos a ver como eternas: Esso, Gulf, Texaco, Cadillac, Buick, Pontiac, RCA Victor, Pyrex, Catalina, Ray-Ban, Constellation, PanAm, Rinso, Kolynos, Gessy Lever, Gumex, Brylcreem e, até há pouco, Kodak, Xerox, Blockbuster. Não é necessário explicar a que produtos se referiam. Todas soam familiares. E todas se evaporaram de nossas vistas e vidas.
Assim como, no terreno nacional, o Mappin, a Mesbla, a Sears, o Fusca, o FNM (Fê-Nê-Mê), a Panair, a Varig, a Vasp, o "Correio da Manhã", a TV Tupi, o Liberty Ovais, o Crush, o Grapette e, mais recentemente, o Bamerindus, o Unibanco, o Banco Real —e, se até os bancos brasileiros morrem ou se fundem, imagine as outras empresas.
Pois assim foi e será também com os partidos políticos. No passado, tivemos o solerte PSD (Partido Social-Democrata), de JK e Tancredo. Depois, a lúgubre Arena (Aliança Renovadora Nacional), que, um dia, julgou-se "o maior partido do Ocidente". E, hoje, o PT e o PSDB, agarrados à ilusão de que ainda têm eleitores.
Todos extintos - ou quase.
Júpiter, Ísis, Baal, Amon-Rá, Thor, Saturno, Cronos, Belus, Vênus, Odim, Marte, Plutão, Huitzilopochtli, Tezcatlipoca e dezenas de outros. "Todos foram deuses da mais alta dignidade —deuses de povos civilizados", escreveu Mencken. "Todos eram onipotentes, oniscientes e imortais. E todos estão mortos".
O equivalente moderno de tais potestades foram certas marcas que, por décadas, fizeram parte de nossas vidas —de certa maneira, comandaram-nas— e nos habituamos a ver como eternas: Esso, Gulf, Texaco, Cadillac, Buick, Pontiac, RCA Victor, Pyrex, Catalina, Ray-Ban, Constellation, PanAm, Rinso, Kolynos, Gessy Lever, Gumex, Brylcreem e, até há pouco, Kodak, Xerox, Blockbuster. Não é necessário explicar a que produtos se referiam. Todas soam familiares. E todas se evaporaram de nossas vistas e vidas.
Assim como, no terreno nacional, o Mappin, a Mesbla, a Sears, o Fusca, o FNM (Fê-Nê-Mê), a Panair, a Varig, a Vasp, o "Correio da Manhã", a TV Tupi, o Liberty Ovais, o Crush, o Grapette e, mais recentemente, o Bamerindus, o Unibanco, o Banco Real —e, se até os bancos brasileiros morrem ou se fundem, imagine as outras empresas.
Pois assim foi e será também com os partidos políticos. No passado, tivemos o solerte PSD (Partido Social-Democrata), de JK e Tancredo. Depois, a lúgubre Arena (Aliança Renovadora Nacional), que, um dia, julgou-se "o maior partido do Ocidente". E, hoje, o PT e o PSDB, agarrados à ilusão de que ainda têm eleitores.
Todos extintos - ou quase.
Temer, sem votos para governar
A joia da coroa da curta e tumultuada Era Temer, a reforma da Previdência, por exemplo, não passará pelo Congresso por falta de votos na Câmara e no Senado. Foi o que mostrou ao presidente e aos seus acólitos o mais recente levantamento feito por líderes dos partidos que dizem apoiá-lo.
Cristalizou-se cá fora a percepção de que a reforma prejudicará a maioria dos brasileiros, principalmente os de baixa renda. E dentro do Congresso, a certeza de que o voto a favor da reforma custará muitos votos nas eleições do próximo ano. O governo não soube vender a reforma ao distinto público. Agora é tarde.
Caso sobreviva às novas denúncias que estão por vir, seja por meio da Procuradoria Geral da República ou de delações à Lava Jato, o governo Temer parece condenado a só cumprir tabela. O que precisar de larga maioria de votos no Congresso acabará ficando para o próximo governo. Subirá o preço do ralo apoio oferecido.
Caberá a Temer cumprir o rito de transferência do poder ao seu sucessor. O que está longe de significar que ele terá se tornado um presidente decorativo. A caneta que detém ainda está carregada de tinta. Mesmo que fraco, um presidente ainda pode muito, mais ainda a 15 meses de eleições.
Temer cobrará alto pela adesão do PMDB a candidatos à sua vaga. E é por isso que o PSDB finge descolar-se do governo para acabar permanecendo nele. A digital do governador Geraldo Alckmin foi identificada nos votos do seu partido favoráveis na Câmara ao pedido de licença para processar Temer.
Bastou que Temer declarasse abertas as portas do PMDB à candidatura do prefeito João Dória a presidente da República para que Alckmin voasse à Brasília à cata de melhores informações. E lá, depois de visitar o senador Aécio Neves (MG), aliado de Temer, se convertesse à ideia de que o PSDB não precisa deixar o governo.
Em 1989, o então presidente José Sarney pouco pode influir no destino de sua sucessão. Temer não quer ser um novo Sarney.
Raposas reformam galinheiro
Em países civilizados e democráticos, os eleitores apoiam candidatos, partidos e programas de governo, com doações para as campanhas eleitorais. A campanha de Obama recebeu milhões de doações individuais de menos de cem dólares. No Brasil ninguém doa a partidos ou candidatos do próprio bolso porque ninguém confia no que farão com o seu dinheiro, ou no que farão quando chegarem ao poder.
Legislando em causa própria, deputados e senadores fingem que vão fazer uma reforma política, mas querem mesmo é facilitar as suas vidas e fazer suas campanhas eleitorais de graça — às custas de R$ 3,5 bilhões do contribuinte. Mas o achaque que eles chamam cinicamente de “fundo para a democracia” é atrelado à Receita Liquida da União, e se ela crescer, eles podem receber mais de dez bilhões para suas futuras campanhas. Fora o horário de rádio e televisão e os fundos partidários.
Abrir um partido virou um negócio tão bom como abrir uma igreja ou um sindicato (já são mais de 11 mil aqui, na Alemanha são 220). Não é preciso nem ser eleito, “candidato” já vai ser um excelente emprego no Brasil. Nenhum país do mundo oferece tanto dinheiro público aos políticos, o financiamento eleitoral na França e na Itália, além de limites rígidos de gastos, é muito menor do que o que os nossos deputados-candidatos estão prestes a aprovar, em nosso nome.
Mas nada garante que não surgirão novas formas de burlar as leis e fiscalizações, como foi a revolucionária invenção petista da “propina por dentro”, pagamento de suborno como se fosse doação oficial, que ao mesmo tempo lavava o dinheiro sujo. Como se viu nas últimas eleições, foram mais de 280 mil infrações nas doações de pessoas físicas, e não há noticias de consequências para fraudadores e beneficiários.
Com o “distritão”, uma boa parte, a pior parte, da Câmara, apesar de execrada pela opinião pública, vai se reeleger e manter o foro privilegiado, comprando votos e aliados, fazendo o diabo, como dizia Dilma. Não sei se é para rir ou para chorar, mas são esses aí que vão fazer a reforma política? Ou são só raposas reformando o galinheiro?
Nelson Motta
Financiamento público de campanhas à brasileira
"A democracia custa caro", escreveu o deputado Vicente Cândido (PT-SP) no relatório que propõe um fundo bilionário de financiamento público de campanhas eleitorais, aprovado na quarta-feira pela comissão da reforma política.
Desde que a doação por empresas foi proibida, em 2015, o mundo político brasileiro vem tentando encontrar uma forma de reverter a perda de receita.
A primeira medida foi turbinar o já existente fundo partidário, que saltou de 308 milhões em 2014 para 819 milhões de reais neste ano, apesar da crise econômica. Mas eles querem mais.
Deixando a rivalidade de lado, os principais partidos querem agora canalizar 3,6 bilhões de reais dos cofres públicos exclusivamente para custear as campanhas de 2018.
Segundo organizações internacionais e especialistas ouvidos pela DW, o financiamento público é uma importante ferramenta para conter dinheiro da corrupção em campanhas e o lobby de empresas e para equilibrar a disputa entre diferentes partidos.
Para Luciano Santos, codiretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), usar dinheiro público pode causar rejeição entre a população, mas em princípio o saldo é positivo. "Os brasileiros pagam mais com a corrupção causada pelas doações de empresas."
O problema é como tudo deve ser implementado no Brasil.
Segundo Luciano Santos, com a fiscalização atual e a falta de exigência de contrapartidas, o fundo eleitoral brasileiro vai acabar reforçando vários aspectos nocivos do sistema político, como a falta de renovação, o apadrinhamento, o distanciamento das siglas da população e o mau uso de recursos.
De alguma forma, mais de 118 dos países do mundo contam com algum tipo de financiamento estatal, seja para partidos ou campanhas, segundo o Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea). O sistema também é amplamente usado na Europa Ocidental, onde apenas a Suíça não conta com algum tipo de ajuda.
Na prática, o Brasil já conta com um sistema indireto para pagar campanhas. Além das centenas de milhões do fundo partidário, o espaço para a propaganda eleitoral também é pago com abatimento de impostos devidos pelas emissoras – foram pelo menos 576 milhões de reais em 2016.
O projeto de Cândido prevê um sistema misto, com financiamento público e doações de cidadãos – neste último caso com limites. O formato é defendido pelo Conselho da Europa, entre outras organizações.
Mas segundo um relatório do Idea disponibilizar tantos bilhões para um fundo pode acabar sendo suficiente para os partidos, não gerando incentivos para que eles formem canais de comunicação com a sociedade para arrecadar recursos individuais, o que acentuaria o isolamento das siglas.
Luciano Santos afirma que isso deve ser ainda pior no Brasil. "Não existe no país uma cultura de buscar doações junto à sociedade. Os políticos se acostumaram a pedir só para empresários. Da forma como desejam, os partidos poderão atuar como centrais que dependem do imposto sindical. O dinheiro cai todo o mês e não é necessário fazer um trabalho de base."
O problema da dependência excessiva ocorre em outros países. No México, 95% dos gastos da campanha presidencial de 2012 foram pagos pelo Estado. Na Espanha, o financiamento público cobre mais de 80% dos gastos dos partidos. Uma forma de contornar isso seria criar mecanismos para incentivar doações e participação popular, mas nada disso é contemplado no projeto brasileiro.
"Os partidos recebem poucas doações particulares por causa da sua reputação terrível. Com mais dinheiro fácil, não têm incentivo algum para melhorá-la. Do jeito que está a proposta acaba causando mais danos ao sistema democrático", afirma Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
Nos anos 90, os cientistas políticos Richard Katz e Peter Mair advertiram que o financiamento público de campanhas poderia acabar sendo uma das ferramentas para encastelar os partidos que já estão no poder e que contam com bancadas já estabelecidas.
Reservando a maioria do dinheiro para si, essas siglas garantiriam novas vitórias e barrariam a entrada de novos competidores. Segundo os cientistas políticos, isso ajudava a criar uma "cartelização" do sistema partidário.
Segundo a proposta na Câmara, 2% do valor do fundo será dividido igualmente entre os atuais 35 partidos. O restante, 98%, proporcionalmente à votação que seus candidatos a deputado federal tiveram nas eleições de 2014.
O grosso do fundo de 3,6 bilhões ficará então com PT, PSDB e PMDB. A Rede, de Marina Silva, por exemplo, ficaria com apenas 8 milhões de reais porque seu partido tem apenas quatro deputados e um senador, segundo cálculo do jornal Valor. Bem distante dos 415 milhões do PT e 363 milhões do PSDB.
"Também não há critério sobre quem deve receber o dinheiro dentro do partido e regras para que ele seja direcionado para a inclusão de setores da sociedade. Os líderes partidários vão decidir livremente como distribuir. É apenas a perpetuação de quem já está aí e um incentivo para mais apadrinhamento", afirma Luciano Santos, do MCCE.
Em 2016, quando recursos do fundo partidário foram usados em escala mais ampla pelas siglas para cobrir o fim das doações empresariais, os principais beneficiários internos foram os políticos que já tinham mandato. Houve até ajuda para parentes. No PSL, por exemplo, o filho do presidente da legenda levou 1,3 milhão para custear sua campanha para prefeito em 2016.
Incentivar siglas menores, no entanto, não significa distribuir os recursos igualmente. O próprio Idea afirma que isso levaria a profusão indiscriminada de novas siglas, com o objetivo pegar uma fatia do bolo. Segundo Santos, uma forma de incentivar siglas sem beneficiar organizações sem expressão seria exigir que elas fossem transparentes nos seus estatutos e garantissem renovação das lideranças para ter mais acesso aos valores. Dessa forma, ganhariam legitimidade.
Desde que a doação por empresas foi proibida, em 2015, o mundo político brasileiro vem tentando encontrar uma forma de reverter a perda de receita.
A primeira medida foi turbinar o já existente fundo partidário, que saltou de 308 milhões em 2014 para 819 milhões de reais neste ano, apesar da crise econômica. Mas eles querem mais.
Deixando a rivalidade de lado, os principais partidos querem agora canalizar 3,6 bilhões de reais dos cofres públicos exclusivamente para custear as campanhas de 2018.
Para Luciano Santos, codiretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), usar dinheiro público pode causar rejeição entre a população, mas em princípio o saldo é positivo. "Os brasileiros pagam mais com a corrupção causada pelas doações de empresas."
O problema é como tudo deve ser implementado no Brasil.
Segundo Luciano Santos, com a fiscalização atual e a falta de exigência de contrapartidas, o fundo eleitoral brasileiro vai acabar reforçando vários aspectos nocivos do sistema político, como a falta de renovação, o apadrinhamento, o distanciamento das siglas da população e o mau uso de recursos.
De alguma forma, mais de 118 dos países do mundo contam com algum tipo de financiamento estatal, seja para partidos ou campanhas, segundo o Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea). O sistema também é amplamente usado na Europa Ocidental, onde apenas a Suíça não conta com algum tipo de ajuda.
Na prática, o Brasil já conta com um sistema indireto para pagar campanhas. Além das centenas de milhões do fundo partidário, o espaço para a propaganda eleitoral também é pago com abatimento de impostos devidos pelas emissoras – foram pelo menos 576 milhões de reais em 2016.
O projeto de Cândido prevê um sistema misto, com financiamento público e doações de cidadãos – neste último caso com limites. O formato é defendido pelo Conselho da Europa, entre outras organizações.
Mas segundo um relatório do Idea disponibilizar tantos bilhões para um fundo pode acabar sendo suficiente para os partidos, não gerando incentivos para que eles formem canais de comunicação com a sociedade para arrecadar recursos individuais, o que acentuaria o isolamento das siglas.
Luciano Santos afirma que isso deve ser ainda pior no Brasil. "Não existe no país uma cultura de buscar doações junto à sociedade. Os políticos se acostumaram a pedir só para empresários. Da forma como desejam, os partidos poderão atuar como centrais que dependem do imposto sindical. O dinheiro cai todo o mês e não é necessário fazer um trabalho de base."
O problema da dependência excessiva ocorre em outros países. No México, 95% dos gastos da campanha presidencial de 2012 foram pagos pelo Estado. Na Espanha, o financiamento público cobre mais de 80% dos gastos dos partidos. Uma forma de contornar isso seria criar mecanismos para incentivar doações e participação popular, mas nada disso é contemplado no projeto brasileiro.
"Os partidos recebem poucas doações particulares por causa da sua reputação terrível. Com mais dinheiro fácil, não têm incentivo algum para melhorá-la. Do jeito que está a proposta acaba causando mais danos ao sistema democrático", afirma Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
Nos anos 90, os cientistas políticos Richard Katz e Peter Mair advertiram que o financiamento público de campanhas poderia acabar sendo uma das ferramentas para encastelar os partidos que já estão no poder e que contam com bancadas já estabelecidas.
Reservando a maioria do dinheiro para si, essas siglas garantiriam novas vitórias e barrariam a entrada de novos competidores. Segundo os cientistas políticos, isso ajudava a criar uma "cartelização" do sistema partidário.
Segundo a proposta na Câmara, 2% do valor do fundo será dividido igualmente entre os atuais 35 partidos. O restante, 98%, proporcionalmente à votação que seus candidatos a deputado federal tiveram nas eleições de 2014.
O grosso do fundo de 3,6 bilhões ficará então com PT, PSDB e PMDB. A Rede, de Marina Silva, por exemplo, ficaria com apenas 8 milhões de reais porque seu partido tem apenas quatro deputados e um senador, segundo cálculo do jornal Valor. Bem distante dos 415 milhões do PT e 363 milhões do PSDB.
"Também não há critério sobre quem deve receber o dinheiro dentro do partido e regras para que ele seja direcionado para a inclusão de setores da sociedade. Os líderes partidários vão decidir livremente como distribuir. É apenas a perpetuação de quem já está aí e um incentivo para mais apadrinhamento", afirma Luciano Santos, do MCCE.
Em 2016, quando recursos do fundo partidário foram usados em escala mais ampla pelas siglas para cobrir o fim das doações empresariais, os principais beneficiários internos foram os políticos que já tinham mandato. Houve até ajuda para parentes. No PSL, por exemplo, o filho do presidente da legenda levou 1,3 milhão para custear sua campanha para prefeito em 2016.
Incentivar siglas menores, no entanto, não significa distribuir os recursos igualmente. O próprio Idea afirma que isso levaria a profusão indiscriminada de novas siglas, com o objetivo pegar uma fatia do bolo. Segundo Santos, uma forma de incentivar siglas sem beneficiar organizações sem expressão seria exigir que elas fossem transparentes nos seus estatutos e garantissem renovação das lideranças para ter mais acesso aos valores. Dessa forma, ganhariam legitimidade.
A despesa pública e seus 'bois de piranha'
Se observado com cuidado o noticiário da grande imprensa (redes de televisão, rádios, jornais e suas projeções no ambiente eletrônico) nos últimos meses, seriam três os mais “pesados” itens nas despesas públicas: a) gastos com a Previdência Social (com um déficit monstruoso e crescente); b) despesas com agentes públicos, notadamente servidores públicos (remunerações, auxílios, benefícios e toda sorte de “privilégios”) e c) a corrupção generalizada (que desvia os recursos que faltam para a prestação adequada de serviços públicos nas áreas de educação, saúde, segurança pública, cultura, lazer, etc).
Esses “elementos” funcionam, ao menos parcialmente, como verdadeiros “bois de piranha”. Embora inegavelmente significativos e carregando graves distorções (os dois primeiros itens, até porque o terceiro é uma distorção em si), como adiante tratado, são utilizados com enorme eficiência midiática para esconder grupos de despesas ou redutores de receitas bem mais relevantes.
O debate em torno das contas da Previdência Social (ou da Seguridade Social, como define a Constituição) não é fácil. Análises realizadas pelo governo, por organizações da sociedade civil e por especialistas apontam para conclusões completamente díspares. Apuram-se déficits e superávits, dependendo dos dados e métodos de contabilização utilizados. Para além do debate em torno dos números da Previdência Social, existem dois elementos que dificultam enormemente a propaganda governamental no sentido da falência das contas previdenciárias. A Desvinculação de Receitas da União (DRU), efetivada por mais de vinte anos, subtraiu vultosos recursos da Seguridade Social para outros fins. A pergunta, então, é inevitável: qual o sentido de desviar recursos de uma área deficitária para outras áreas de atuação do Poder Público? Os fundos previdenciários, previstos pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998, não foram constituídos pelos sucessivos governos. Esses importantes instrumentos de gestão financeira das contas previdenciárias permitiriam, com razoável precisão e facilidade, identificar a situação atual do sistema. Destaque-se que o relatório resumido da execução orçamentária da União em 2016 indica: a) o pagamento de 481,1 bilhões de reais em benefícios previdenciários; b) um déficit de 138 bilhões de reais no âmbito do regime geral de Previdência Social e c) um déficit de 77 bilhões de reais no âmbito do regime próprio de Previdência Social dos servidores públicos federais.
Os gastos com as remunerações dos servidores públicos são consideráveis e integram um dos principais itens da despesa pública (não o mais relevante). Em 2016, segundo o relatório resumido da execução orçamentária da União, foram pagos 255,2 bilhões de reais em relação a pessoal e encargos sociais. Uma importante ponderação precisa ser realizada. “A cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores públicos. A média é a mesma verificada nos demais países da América Latina, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro — nesses locais, a média é de 21 funcionários a cada 100 empregados. Em nações como Dinamarca e Noruega, mais de um terço da população economicamente ativa está empregada no serviço público” (https://goo.gl/0oIHkC). Existem graves problemas a serem equacionados nessa área com impactos na redução de despesas e atuação republicana da máquina estatal. Entre outros, destacam-se os seguintes: a) necessidade de redução drástica (quase completa) de cargos comissionados; b) supressão de benefícios indevidos (como o auxílio-moradia no Judiciário e no Ministério Público, utilização de carros oficiais e aviões da FAB, nos três Poderes, etc) e c) fixação dos padrões remuneratórios das principais carreiras do serviço público (nos três Poderes e nas Funções Essenciais à Justiça) de forma conjunta, com definição das relações existentes entre elas e com sensibilidade social para os patamares fixados.
Reclamações crescentes são ouvidas acerca do custo de manutenção do Legislativo e do Judiciário. O relatório resumido da execução orçamentária da União em 2016 consigna gastos de: a) 7 bilhões de reais com a função Legislativa e b) 31,2 bilhões de reais com a função Judiciária. Esses valores são pouquíssimos expressivos ante uma despesa global da ordem de 1,8 trilhão de reais. As razões para racionalização de despesas do âmbito do Legislativo e do Judiciário passam por: a) supressão de privilégios e distorções; b) redução de estruturas excessivas e desnecessárias e c) adoção de padrões republicanos de funcionamento da máquina estatal. A vertente da redução de despesas públicas é evidentemente secundária nessas searas.
Segundo estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o custo médio estimado da corrupção no Brasil está localizado entre 1,38% a 2,3% do PIB (https://goo.gl/hFYxoj). Tomando o PIB de 2016 como parâmetro, teríamos algo na casa de 86 a 143 bilhões de reais em termos de corrupção. Essa projeção, importa destacar, envolve o numerário efetivamente empregado em práticas ilegais, os recursos que as empresas deixam de investir em atividades produtivas e a fuga de capitais. Entre outras medidas estruturais para uma enorme redução das práticas de corrupção estão: a) a supressão quase completa das cadeias de comando e obediência definidas pelas nomeações políticas para cargos comissionados e b) o fortalecimento significativo de medidas preventivas, como aquelas efetivadas pelos controles internos e pela advocacia pública.
As bilionárias despesas com o serviço da dívida pública são praticamente “esquecidas” no debate realizado pela grande imprensa, pelo governo e pelo parlamento. Nesse campo, registra-se o pagamento de cerca de 511 bilhões de reais em juros (nominais) pela União em 2016 (8,1% do PIB). Em 2015, o valor desembolsado foi de aproximadamente 446 bilhões de reais (7,4% do PIB). Já em 2014, o montante gasto foi de cerca de 313 bilhões de reais (5,4% do PIB). Os dados foram obtidos no site do Banco Central do Brasil (https://goo.gl/gBhrpQ). Decididamente, a administração da dívida pública e suas adjacências financeiras reclamam presença destacada na discussão em torno da despesa pública. Entre outras medidas, voltadas para a redução do estoque e do serviço, deveriam ser consideradas e submetidas a irrestrita transparência e controle social: a) uma séria auditoria (exigência do art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias); b) a gestão de sua evolução, inclusive com a supressão de mecanismos indevidos que viabilizam o seu contínuo crescimento; c) a fixação da taxa de juros SELIC (somente a manutenção de uma brutal transferência de renda da maioria da população para segmentos sociais extremamente minoritários justifica o patamar atual); d) a gestão responsável das reservas monetárias internacionais e e) a revisão da política de realização de operações compromissadas e todas as formas de “ajuste de liquidez”.
A sonegação tributária, segundo vários estudos e análises, como aquele que sustenta o sonegômetro do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ) (https://goo.gl/wMWAI), atinge o patamar de 500 bilhões de reais por ano. Uma atuação planejada, organizada e enérgica nessa área certamente produziria um fluxo considerável de recursos novos para o caixa do Poder Público.
As renúncias de receitas tributárias em conjunto (realizadas e projetadas), entre os anos de 2010 e 2018, alcançarão o patamar de 501,4 bilhões de reais. Somente no ano de 2015, as desonerações observadas representaram aproximadamente 106,7 bilhões de reais. Esses dados constam de análises efetivadas pela Receita Federal do Brasil.
Os subsídios de várias naturezas concedidos pelo governo constituem um capítulo especial em matéria de gastos públicos. A maior parte desses benefícios não aparecem expressamente no orçamento discutido e aprovado no Congresso Nacional. “Segundo o Ministério da Fazenda, de 2003 a 2016 os subsídios embutidos em operações de crédito e financeiras somaram quase R$ 1 trilhão – 420 bilhões do total foram para o setor produtivo” (Folha de São Paulo, dia 6 de agosto de 2017). Essa revelação rendeu a seguinte e inusitada manifestação da jornalista Míriam Leitão: “Governo transfere mais recursos para os ricos do que para os pobres./As evidências se acumulam. Novos levantamentos esclarecem o grande problema do Brasil. Aqui, a transferência de dinheiro público beneficia especialmente os mais ricos, as grandes empresas. Mesmo o governo que falava em justiça social manteve a política e a ampliou quando esteve no poder. A falta de transparência é outro problema./(...) Esse sempre foi um problema no Brasil: o governo transfere mais recursos aos ricos do que aos pobres, e em geral de forma pouco transparente. Isso é preciso entender. Até o governo que chegou falando em reduzir a desigualdade social fez o mesmo de sempre, e até em maior escala./É assim que o Brasil se torna um dos mais desiguais do mundo. Dinheiro público, dinheiro do trabalhador é transferido paras empresas. Às vezes na base de propina” (https://goo.gl/KNgTrF).
Esses quatro últimos elementos, entre outros também relevantes, praticamente somem do debate travado no seio da sociedade. Os “bois de piranha” representados pelas despesas previdenciárias, remuneratórias e com esquemas de corrupção consomem praticamente todo o tempo utilizado pela grande mídia e pelo governo. Essas outras questões, igualmente relevantes ou mais importantes, literalmente desaparecem do radar do cidadão e seus beneficiários agradecem efusivamente.
O equacionamento responsável da despesa pública no Brasil reclama uma atenção cuidadosa para todos os principais itens relacionados com os gastos públicos, sem esquecer ou desconsiderar nenhum deles. Com certeza, existe muito trabalho e margem de redução de dispêndios, de forma republicana, sensata e razoável, em todas as principais searas (sem exceções) de efetivação do gasto público (direto ou na forma de redutores das receitas).
Aldemario Araujo Castro
Esses “elementos” funcionam, ao menos parcialmente, como verdadeiros “bois de piranha”. Embora inegavelmente significativos e carregando graves distorções (os dois primeiros itens, até porque o terceiro é uma distorção em si), como adiante tratado, são utilizados com enorme eficiência midiática para esconder grupos de despesas ou redutores de receitas bem mais relevantes.
O debate em torno das contas da Previdência Social (ou da Seguridade Social, como define a Constituição) não é fácil. Análises realizadas pelo governo, por organizações da sociedade civil e por especialistas apontam para conclusões completamente díspares. Apuram-se déficits e superávits, dependendo dos dados e métodos de contabilização utilizados. Para além do debate em torno dos números da Previdência Social, existem dois elementos que dificultam enormemente a propaganda governamental no sentido da falência das contas previdenciárias. A Desvinculação de Receitas da União (DRU), efetivada por mais de vinte anos, subtraiu vultosos recursos da Seguridade Social para outros fins. A pergunta, então, é inevitável: qual o sentido de desviar recursos de uma área deficitária para outras áreas de atuação do Poder Público? Os fundos previdenciários, previstos pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998, não foram constituídos pelos sucessivos governos. Esses importantes instrumentos de gestão financeira das contas previdenciárias permitiriam, com razoável precisão e facilidade, identificar a situação atual do sistema. Destaque-se que o relatório resumido da execução orçamentária da União em 2016 indica: a) o pagamento de 481,1 bilhões de reais em benefícios previdenciários; b) um déficit de 138 bilhões de reais no âmbito do regime geral de Previdência Social e c) um déficit de 77 bilhões de reais no âmbito do regime próprio de Previdência Social dos servidores públicos federais.
Os gastos com as remunerações dos servidores públicos são consideráveis e integram um dos principais itens da despesa pública (não o mais relevante). Em 2016, segundo o relatório resumido da execução orçamentária da União, foram pagos 255,2 bilhões de reais em relação a pessoal e encargos sociais. Uma importante ponderação precisa ser realizada. “A cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores públicos. A média é a mesma verificada nos demais países da América Latina, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro — nesses locais, a média é de 21 funcionários a cada 100 empregados. Em nações como Dinamarca e Noruega, mais de um terço da população economicamente ativa está empregada no serviço público” (https://goo.gl/0oIHkC). Existem graves problemas a serem equacionados nessa área com impactos na redução de despesas e atuação republicana da máquina estatal. Entre outros, destacam-se os seguintes: a) necessidade de redução drástica (quase completa) de cargos comissionados; b) supressão de benefícios indevidos (como o auxílio-moradia no Judiciário e no Ministério Público, utilização de carros oficiais e aviões da FAB, nos três Poderes, etc) e c) fixação dos padrões remuneratórios das principais carreiras do serviço público (nos três Poderes e nas Funções Essenciais à Justiça) de forma conjunta, com definição das relações existentes entre elas e com sensibilidade social para os patamares fixados.
Reclamações crescentes são ouvidas acerca do custo de manutenção do Legislativo e do Judiciário. O relatório resumido da execução orçamentária da União em 2016 consigna gastos de: a) 7 bilhões de reais com a função Legislativa e b) 31,2 bilhões de reais com a função Judiciária. Esses valores são pouquíssimos expressivos ante uma despesa global da ordem de 1,8 trilhão de reais. As razões para racionalização de despesas do âmbito do Legislativo e do Judiciário passam por: a) supressão de privilégios e distorções; b) redução de estruturas excessivas e desnecessárias e c) adoção de padrões republicanos de funcionamento da máquina estatal. A vertente da redução de despesas públicas é evidentemente secundária nessas searas.
Segundo estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o custo médio estimado da corrupção no Brasil está localizado entre 1,38% a 2,3% do PIB (https://goo.gl/hFYxoj). Tomando o PIB de 2016 como parâmetro, teríamos algo na casa de 86 a 143 bilhões de reais em termos de corrupção. Essa projeção, importa destacar, envolve o numerário efetivamente empregado em práticas ilegais, os recursos que as empresas deixam de investir em atividades produtivas e a fuga de capitais. Entre outras medidas estruturais para uma enorme redução das práticas de corrupção estão: a) a supressão quase completa das cadeias de comando e obediência definidas pelas nomeações políticas para cargos comissionados e b) o fortalecimento significativo de medidas preventivas, como aquelas efetivadas pelos controles internos e pela advocacia pública.
As bilionárias despesas com o serviço da dívida pública são praticamente “esquecidas” no debate realizado pela grande imprensa, pelo governo e pelo parlamento. Nesse campo, registra-se o pagamento de cerca de 511 bilhões de reais em juros (nominais) pela União em 2016 (8,1% do PIB). Em 2015, o valor desembolsado foi de aproximadamente 446 bilhões de reais (7,4% do PIB). Já em 2014, o montante gasto foi de cerca de 313 bilhões de reais (5,4% do PIB). Os dados foram obtidos no site do Banco Central do Brasil (https://goo.gl/gBhrpQ). Decididamente, a administração da dívida pública e suas adjacências financeiras reclamam presença destacada na discussão em torno da despesa pública. Entre outras medidas, voltadas para a redução do estoque e do serviço, deveriam ser consideradas e submetidas a irrestrita transparência e controle social: a) uma séria auditoria (exigência do art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias); b) a gestão de sua evolução, inclusive com a supressão de mecanismos indevidos que viabilizam o seu contínuo crescimento; c) a fixação da taxa de juros SELIC (somente a manutenção de uma brutal transferência de renda da maioria da população para segmentos sociais extremamente minoritários justifica o patamar atual); d) a gestão responsável das reservas monetárias internacionais e e) a revisão da política de realização de operações compromissadas e todas as formas de “ajuste de liquidez”.
A sonegação tributária, segundo vários estudos e análises, como aquele que sustenta o sonegômetro do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ) (https://goo.gl/wMWAI), atinge o patamar de 500 bilhões de reais por ano. Uma atuação planejada, organizada e enérgica nessa área certamente produziria um fluxo considerável de recursos novos para o caixa do Poder Público.
As renúncias de receitas tributárias em conjunto (realizadas e projetadas), entre os anos de 2010 e 2018, alcançarão o patamar de 501,4 bilhões de reais. Somente no ano de 2015, as desonerações observadas representaram aproximadamente 106,7 bilhões de reais. Esses dados constam de análises efetivadas pela Receita Federal do Brasil.
Os subsídios de várias naturezas concedidos pelo governo constituem um capítulo especial em matéria de gastos públicos. A maior parte desses benefícios não aparecem expressamente no orçamento discutido e aprovado no Congresso Nacional. “Segundo o Ministério da Fazenda, de 2003 a 2016 os subsídios embutidos em operações de crédito e financeiras somaram quase R$ 1 trilhão – 420 bilhões do total foram para o setor produtivo” (Folha de São Paulo, dia 6 de agosto de 2017). Essa revelação rendeu a seguinte e inusitada manifestação da jornalista Míriam Leitão: “Governo transfere mais recursos para os ricos do que para os pobres./As evidências se acumulam. Novos levantamentos esclarecem o grande problema do Brasil. Aqui, a transferência de dinheiro público beneficia especialmente os mais ricos, as grandes empresas. Mesmo o governo que falava em justiça social manteve a política e a ampliou quando esteve no poder. A falta de transparência é outro problema./(...) Esse sempre foi um problema no Brasil: o governo transfere mais recursos aos ricos do que aos pobres, e em geral de forma pouco transparente. Isso é preciso entender. Até o governo que chegou falando em reduzir a desigualdade social fez o mesmo de sempre, e até em maior escala./É assim que o Brasil se torna um dos mais desiguais do mundo. Dinheiro público, dinheiro do trabalhador é transferido paras empresas. Às vezes na base de propina” (https://goo.gl/KNgTrF).
Esses quatro últimos elementos, entre outros também relevantes, praticamente somem do debate travado no seio da sociedade. Os “bois de piranha” representados pelas despesas previdenciárias, remuneratórias e com esquemas de corrupção consomem praticamente todo o tempo utilizado pela grande mídia e pelo governo. Essas outras questões, igualmente relevantes ou mais importantes, literalmente desaparecem do radar do cidadão e seus beneficiários agradecem efusivamente.
O equacionamento responsável da despesa pública no Brasil reclama uma atenção cuidadosa para todos os principais itens relacionados com os gastos públicos, sem esquecer ou desconsiderar nenhum deles. Com certeza, existe muito trabalho e margem de redução de dispêndios, de forma republicana, sensata e razoável, em todas as principais searas (sem exceções) de efetivação do gasto público (direto ou na forma de redutores das receitas).
Aldemario Araujo Castro
Assinar:
Postagens (Atom)