segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Justiça e ovos de galinha

Canadá e natureza são inseparáveis. Impossível esquecer. Em Vancouver, a natureza abraça a cidade. O planejamento urbano trata a natureza como parte do cenário. Sem que sua beleza seja subjugada, subestimada, ignorada.

Acesso fácil à natureza. É uma das razoes (ou talvez mesmo a principal) pela qual Vancouver está entre as cidades com maior qualidade de vida no planeta. A área rural esta próxima. 10 minutos de carro, no máximo. Ali estão fazendas, sítios, estufas. Pequenos e grandes agricultores. Agronegócio e agricultura familiar. Lado a lado.

Na beira das estradas, dá para comprar todo tipo de produto agrícola cultivado em pequenas propriedades. Não usam agrotóxicos. São orgânicos. Saborosos. Em particular, os ovos de galinha. Gemas avermelhadas, deliciosos e a bom preço. Mesmo se comparados com os preços de supermercado.

Compra-los é simples. Os pequenos agricultores mantem pequenas barracas na porta de suas casas. Os ovos ficam em embalagens de 12 unidades, dentro de uma caixa. Basta retira-los. O pagamento é depositado em uma pequena caixa ao lado. Se o troco for necessário, o comprador mesmo calcula e retira da caixa a diferença.

É um bom sistema. Funciona bem. E em todo lugar. Mas, para alguém vindo da América Latina, um detalhe sempre choca. Não existe supervisão. O dono da barraca está ausente e o comprador pode, em tese, não somente deixar de pagar, mas também subtrair do caixa o ganho do fazendeiro. Em geral, Latino-americanos, quando compram pelos ovos pela primeira vez, invariavelmente dizem que, em sue pais de origem, este sistema não seria possível.

Não existe, na verdade, razão concreta para este sistema não funcionar. E quando funciona, é melhor para todos. O fazendeiro não precisa incorrer em despesas adicionais para garantir a segurança do seu negocio. Portanto, os ovos são mais baratos. E o comprador se beneficia. Todos ganham.

Sistemas justos tendem a trazer benefícios coletivos. Em outras palavras, desonestidade, especialmente quando transformada em norma social, tem custo. Se a norma social é a desonestidade, desvia-se energia e recursos para controle e prevenção de condutas indesejáveis. É desperdício. Este tempo, energia e recursos seriam socialmente mais uteis se utilizados em outras áreas, produzindo, criando, ou mesmo patrocinando o ócio.

Seria perda de tempo discutir quem vem primeiro, o ovo (ovos, novamente!) ou a galinha. Não é relevante especular se a degradação ética é consequência de injustiças sistêmicas; ou se a injustiça sistêmica gera degradação ética. Basta compreender que a degradação ética gera custos. Cobra preços. Altos, alias.

No final das contas, honestidade e ética não devem ser encarados como virtude individual. É obrigação coletiva. Cultivar justiça sai barato. E é bom para todos.

É política, estúpido!

O poder do espontâneo é impressionante. Claro que não desdenho o planejamento, que tanto nos falta. Ms para certas coisas, a espontaneidade é de grande valia e de importância única. Nós, como povo, somos excepcionais mestres do improviso e desta mesma espontaneidade. Me pergunto: por que, mesmo com o alto nível de indignação com o governo, com o ambiente político e com a corrupção, precisamos agendar com três meses de antecedência nossos protestos?

Parecemos alemães quando vamos protestar e brasileiros quando vamos planejar um país ou um governo. Deveria ser exatamente o oposto. Lembro que uma vez, um argentino, alto funcionário do governo de seu país, me explicou a naturalidade com a qual protestos são realizados em Buenos Aires.

Segundo esse oficial do governo, os sentimentos que geram protestos naquele país são infinitamente mais sofisticados do que neste. De largada, a tematização do objeto contra o qual se irá protestar é de suma importância. Protestos sem foco se tornam desfiles, festivais de selfies e paraíso de vendedores ambulantes. Não podemos protestar simplesmente contra os políticos. Isso soa bobo e sem foco. É como protestar contra a maldade ou contra a mentira. O foco dá poder, dá força e realmente faz os governos tremerem na base.

O argentino prosseguiu: “O momento, ou “timing”, de um protesto é metade de sua importância. A reação deve ser imediata, e demonstrar um reflexo de que a sociedade está realmente de olho. Quando uma medida considerada ruim por segmentos da sociedade argentina é anunciada, a reação de indignação é o suficiente para que um grupo se encontre, espontaneamente na Praça de Maio. Pode estar chovendo, ser dia de semana ou no horário do futebol. Não importa. A resposta é imediata, e lá estão um grupo, pequeno, médio ou grande, batendo panelas na frente da Casa Rosada”.

Parece que faz muito tempo, mas não foi. Quando ocorreu o impeachment de Fernando Collor, a espontaneidade dos movimentos de rua foi fundamental. As pessoas saíram para derrubar o presidente porque sentiam que era a hora de ir para as ruas.

Os protestos em Paris contra os ataques terroristas, por mais que tenham sido convocados também por redes sociais, ocorreram no fim de semana seguinte aos atos. Questão de dias. Independente da convocação, todos sabiam que aquele era o momento. Estavam antenados com o ambiente respirado no país, souberam ler a situação e realmente estavam indignados na rua.

No Brasil, o primeiro grande protesto de 2013 foi o que causou maior impacto. Ele foi motivado por um sentimento de raiva, que ganhou uma proporção enorme assim como uma grande falta de foco e objetivo. O que era motivado pelo abuso dos preços das passagens, se tornou uma generalização contra tudo. Aí, começou a perder força política apesar de manter a força estética.

Política é coisa séria. Se você não gosta de política, não tem problema, mas saiba que alguém que gosta irá fazê-la por você. E isso é um dos grandes problemas do nosso país. Um processo de impeachment não é uma festa, por mais que muitos queiram e outros tantos não, trata-se de um evento associado a uma imagem de fracasso.

Não deveríamos estar preparando festejos nas ruas. Dependendo de que lado você esteja, a indignação é o combustível que move a política. A indignação deve ser a marca dos protestos, dos cânticos e estar presente nos rostos das pessoas.Sorrisinhos, beijinhos e poses para o celular retiram toda a credibilidade do que está ocorrendo.

A gravidade do momento que o país vive requer comportamentos naturais. Marcar com três meses de antecedência, com horário para começar e para terminar, fantasiar-se para um carnaval mais parece um coquetel diplomático do que um movimento para mudar os rumos de um país.

Pra pensar

Passemos a régua

Grande momento esse que vivemos nós, brasileiros: o dólar insistente sem querer baixar dos R$ 4,10; o desemprego ameaçando todos aqueles que às manhãs saem de casa para tentar ganhar a vida com o próprio trabalho; a inflação comendo solta o que ainda restou, depois de se pagarem as contas, os juros do cheque especial, os impostos que oneram tudo e a todos sem que se vejam ações compatíveis dos governos em retribuição a tão pesado sacrifício.


Em outro espaço a operação Lava Jato, que dá mostras de que se transformou num espetáculo midiático, indo e vindo, sem se dar conta de que o país está parado à espera de sua conclusão. Delações premiadas que todo mundo espera serem aceitas e reveladas, porque nesse angu, certamente, tem muito mais caroço do que sabemos. Por que não abrem a delação de Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez? O que ele disse que nada ou muito acrescenta? O que se teme tanto? Um procurador federal, há quase um mês, diz que já tem provas para denunciar Lula e sua patroa, dona Marisa, por causa de um tríplex comprado no Guarujá. Mais ou menos o tipo de processo movido contra um ex-governador mineiro que deu pulseirinhas de ouro para as secretárias no dia delas, e o Tribunal de Despesas glosou a conta. O problema estava nas pulseirinhas, da mesma forma que no tríplex do Guarujá. Só isso?

Nesse mesmo diapasão, o PMDB ocupa as páginas para dizer que Leonardo Picciani é o seu escolhido para liderar a bancada, agora com o apoio de seu arquirrival, o outro Leonardo, o Quintão. Eles vão concorrer com Hugo Motta, muito conhecido e importante lá na Câmara porque tem o apoio de Eduardo Cunha, ainda solto. Quem, sério, dá confiança pra isso? Que importância tem para esse momento de miséria ampla, geral e irrestrita à vista que Michel Temer gaste seu tempo divulgando cartinhas, mantendo-se presidente de um partido sempre no poder e perfilado à ideia de ter espaços para mandar e dividir resultados, muitos os mais censuráveis, ética e politicamente? Onde está Marcela? Vai pra casa Temer, ponha o chinelo de vice, abra um bom vinho comprado com recursos do erário, que você lá faz melhor. Vá namorar.

Ninguém falou em reduzir as verbas destinadas à manutenção das câmaras de vereadores de todo país, das assembleias legislativas, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Não se cortou na carne o orçamento do Judiciário. Não se falou em auditar despesas com assessorias, com a manutenção de fundações de mentira, de secretarias e ministérios criados para acampar interesses políticos e semear o mau exemplo da ineficiência, do descaso e da improdutividade. Não se fala mais em concessões públicas, PPPs, na redução do tamanho de um Estado gastador, burro e corrupto.

Não se veem propostas, projetos, ideias senão o blábláblá de uma oposição que, igualmente aos partidos que estão hoje com a caneta, tem apenas projetos de poder. A oposição só está preocupada com a eleição. Não é uma rima; é a mais pura realidade.

A seguirmos assim, melhor é a receita de Stanislaw Ponte Preta: “Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”. Pelo menos tentemos, o mais democraticamente possível.

Vou botar o meu bloco na rua

Sempre dentro do tal espírito do arco democrático, como um povo aí gosta de falar pomposo, bem que quero colaborar. Anda difícil ter opinião, no entanto. Se de um lado crítico, vira coxinha e golpista, e de outro aparecem siderados que veem perigo comunista em tudo, impressionante. Horríveis e mal informados (ou mal-intencionados, que andam pululando por aí), e de ambos os lados

Os meninos que estão gritando nas ruas disseram que querem sair todos os dias, porque o barato deles é travar a cidade. E eles andam caprichando, brincando com o fogo nas ruas de São Paulo, aspirando gases temperados, tomando borrachadas, brincando de esconde-esconde e pega-pega com os já enfezados policiais. Policiais com motivos, além de baixos salários e treinamento capenga, muitos ali podiam ser seus filhos, talvez realmente seus filhos também estejam ali, lutando pelo que eles acham ser um mudo melhor.

Do ponto de vista deles, estudantes, estão ali construindo suas histórias, participando. Quantos de nós também já não o fizemos, não fomos assim rebeldes, não desafiamos o sistema? Corremos da polícia? O problema é que esse tema agora, num momento tão crucial para o país, parece mesmo meio bobinho. Nem os caras vão baixar as tarifas, nem as tarifas serão livres – tirem suas bikes, skates e patins da chuva. O rosário tem contas mais significativas para orações.

Por isso andam mais irritando a sociedade do que ajudando a mudar, embora o chamado geral seja sonoro. “Vem. Vem pra rua, vem. Vem. Vem lutar contra o governo. Vem!” – a cantilena principal, além de, claro, as sem pé nem cabeça e as clássicas “Ei, você aí parado, também é explorado”, “Burguês, daqui a pouco será sua vez”. Isso quando não estão sentados no chão em longa assembleia de deliberação e votação fazendo um maldito e chatíssimo jogral, que não devem saber bem o que é, mas é como chamam o que na verdade é repetição, eco, brincadeira de telefone sem fio. Nós. “Nós”…Vamos. “Vamos”… falado sempre por uma esganiçada e imberbe líder fugindo do destino de patricinha.

Mas, enfim, eu também quero protestar. Achar minha turma. E continuo procurando algum grupo que me represente de forma mais completa e séria. Sei de um monte de gente na mesma situação, meio perdido, sem direção, estarrecido também, mas por causa dos vigorosos passos para trás que estamos vendo o país engatar em questões que nos são caras. Estamos querendo sair atrás de algum trio elétrico. Mas ele não passa.

Pensei, então, em propor alguns temas que, nesses dias próximos ao Carnaval, se confundirão. As letras das marchinhas das centenas de blocos que também já balançam as ruas das cidades são mais ácidas e diretas do que as dos protestos, mais contundentes do que mil manifestos, do que abaixo-assinados de redes sociais. Principalmente mais divertidas, e o japonês da federal, nosso globeleza, estará aí para provar, em música e como campeão de vendas de máscaras com sua cara e óculos.

Soma. Já é tradição aproveitar o Carnaval para lascar o pau, satirizar, fazer gaiatices. A crise na porta, bolsos vazios, dívidas para dar e vender. Assuntos jorram mais do que o petróleo. Liberdade – que isso na época negra nunca tivemos. Se fossemos um país sério, derrubaríamos esse governo que já não nos governa assim, brincando, dançando e cantando, e já nos próximos dias.

Problema é que não sou foliã, não mais. Com os anos, peguei bode de bebida, de quem bebe muito, de grupo que junta gente que bebe muito e perde a noção, peguei bode de multidões, até com uma certa fobia.

Vou botar meu bloco na rua, mas só se for o de fazer anotações, rascunhando um cardápio de temas de protestos e ideias de blocos mas para que sigam nas ruas depois da quarta-feira de Cinzas. Quando o Carnaval passar.

Os dengosos do ritmo, Sai zika, que eu tô pra lá de chicungunya, Os falidos do pedaço, Os sem-teto duplex, Os paranoicos do desemprego, Impostos para que não te quero não, Lava Lava Jato, seja mais exato, Corrupa, corrupa, pixuleco na mandioca, FMI, FMI, me estarrece só de te ouvir. Mais uma turma numerosa que anda por aí, assoviando, a do “Vai Vai lá, protesta por mim, vai na frente que estou chegando”.

A perversão da democracia

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A perversão da democracia começa pelo (mau) uso da linguagem política. Conceitos são esvaziados do seu significado, palavras são ideologicamente utilizadas, e os discursos afastam-se de qualquer relação com a verdade. Pior do que isto, ritos e procedimentos democráticos são de tal forma deturpados, que terminam por servir à própria subversão da democracia.

O caso mais extremo, tão admirado por certos setores da esquerda brasileira, é o da Venezuela, com seu “experimento” de “socialismo do século XXI”. Na verdade, trata-se de uma mera repetição do comunismo do século XX, tendo como único elemento diferenciador o fato de se dizer democrático quando, na verdade, não respeita regras democráticas ou, melhor ditas, republicanas.

O Judiciário é totalmente dominado, até recentemente o Legislativo era completamente controlado, os meios de comunicação são severamente reprimidos e cooptados por empresários laranjas do governo, a Petrobras deles é usada para objetivos nitidamente políticos, milícias aterrorizam a população e assim por diante.

Na fachada, a “democracia” lá seguiria vigorando, pelo menos no dizer do atual governo brasileiro, que tem uma relação de cumplicidade com os bolivarianos. A ideologia tomou completamente o lugar da diplomacia. Note-se que o Itamaraty seguiu fielmente as orientações do PT, que se tornou cúmplice da subversão da democracia naquele pobre país. Curiosamente, tal política é dita defensora da “democracia”.

Em certo sentido, dá para entender. O cerne da questão reside no que eles entendem por democracia. A verdade, certamente, não é a sua preocupação. Bons exemplos têm aparecido nos últimos dias e semanas. Todos eles mostram processos de perversão da democracia, como se a corrupção partidária patrocinada pelo PT e partidos aliados sobre o Estado brasileiro encontrasse aqui uma sustentação.

Mais do que isto, tal forma de utilização da linguagem política poderia prenunciar um processo de subversão mesma da democracia. Não estamos evidentemente lá, mas há graus de uma evolução que devem ser seguidos atentamente, quando mais não seja na defesa mesma da democracia.

O ex-presidente Lula e o presidente do PT saíram em uníssono na defesa do manifesto dos advogados, comprometidos em boa parte com os envolvidos na corrupção do Estado. São os ricos “companheiros” que se aliaram neste assalto ao patrimônio público. Que advogados defendam os seus clientes, nada mais normal. Agora, que o façam dizendo defender o “estado democrático de direito” é simplesmente hilário. Nenhuma pessoa de bom senso poderia compartilhar tal disparate.

Acontece que parte destes advogados não consegue entregar aos seus clientes o que tinha prometido, a saber, a impunidade. Assim era no passado. Acostumaram-se tanto com esta situação, enriqueceram com isto, que chegaram a considerar que a exceção era a regra, ou seja, a impunidade seria a regra mesma de uma sociedade democrática.

Estão, portanto, perplexos diante de uma nova situação, em que instituições republicanas como o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal estão cumprindo rigorosamente com suas funções institucionais. Tornam-se, agora, alvos, como se a responsabilização dos criminosos, empresários, agentes, executivos ou políticos, não devesse ser a regra. A perversão é total. Os defensores do estado de direito tornam-se, nesta visão deturpada, os algozes da democracia.

Na verdade, o ex-presidente Lula e o presidente Rui Falcão parecem estar advogando em causa própria. Não faltou nem mesmo a defesa dos seus dirigentes presos e processados. Até hoje os condenados pelo mensalão são considerados “guerreiros do povo” brasileiro e defendidos enquanto tais. Há maior desrespeito ao “estado democrático de direito”, neste claro desprezo ao Supremo Tribunal Federal e ao seu longo processo de julgamento do mensalão?

Ambos chegaram a afirmar que o Brasil viveria em um “estado de exceção”, que substituiria o “estado democrático de direito”. O presidente do PT chegou a dizer que o processo atual corresponderia ao pior período do regime militar, em que não vigorava o habeas corpus. Qual é a noção de regra que orienta tais declarações? Tudo sinaliza para a defesa do status quo de aparelhamento petista do Estado brasileiro, com a privatização partidária da própria Petrobras, hoje uma ruína de si mesma.

Para eles, valeria a exceção, a ausência de regras democráticas, pois, no entender deles, só o feito por eles, nos malfeitos que os caracterizam, poderia ser considerado democrático. Identificam, na melhor tradição comunista, o partido com o Estado.

Do mesmo tipo é o discurso governamental e petista de que o processo de impeachment seria um “golpe” contra a democracia. Desconsideram a própria Constituição, da qual este instituto faz parte. Pior ainda, o Supremo ainda recentemente afirmou a sua plena validade, embora tenha alterado alguns dos seus ritos.

Ora, tratar do impeachment como golpe nada mais é do que um desrespeito ao “estado democrático de direito”. Aliás, no passado, o PT defendeu este instituto no impeachment do ex-presidente Collor e advogou, mesmo, pelo impeachment do ex-presidente Fernando Henrique. Lá valia, agora não!

Embora o Fórum Social Mundial, que está ocorrendo em Porto Alegre, tenha perdido o seu glamour de antanho, ele não deixa de ser um termômetro do que pensa o PT e os movimentos sociais que orbitam em seu entorno. Ora, a marcha inaugural e os discursos de representantes do governo caracterizaram-se pela “denúncia do golpe”. Note-se a sincronia entre essas declarações, as declarações de Lula, o manifesto dos advogados e o pronunciamento do presidente do PT. A sua menor preocupação é a defesa do “estado democrático do direito”. Estão, na verdade, pregando a “exceção”, a eliminação das regras republicanas!

Denis Lerrer Rosenfield

Dilma precisa dialogar primeiro com o espelho

Sempre que não sabe o que fazer, Dilma Rousseff propõe o “diálogo”. Nesta semana, dialogará “com a sociedade” numa reunião com empresários, sindicalistas e brasileiros notáveis do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão. Por meio do ministro Jaques Wagner (Casa Civil), consultará lideranças do Congresso, inclusive oposicionistas, sobre a disposição de negociar uma pauta comum de votações. As iniciativas flertam com a perda de tempo.


Antes de dialogar com terceiros, Dilma precisa ter uma boa conversa com o espelho. Se a troca de ideias com seu reflexo for sincera, a presidente talvez se convença de duas coisas essenciais: 1) Sua credibilidade evaporou porque a reeleição foi obtida numa campanha baseada na empulhação; 2) Seu governo descolou-se da realidade quando se apaixonou pelas teses segundo as quais a crise é internacional e a ruína econômica, por “transitória”, será superada rapidamente no Brasil.

Em outubro de 2014, após prevalecer sobre Aécio Neves por uma diferença de pouco mais de 3 milhões de votos, Dilma declarou no discurso da vitória: “Essa presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo. […] O calor liberado no fragor da disputa pode e deve agora ser transformado em energia construtiva de um novo momento no Brasil.” Era lorota. A energia virou vapor.

Em dezembro de 2014, ao receber no Tribunal Superior Eleitoral o diploma de presidente reeleita, Dilma expandiu-se: “Chegou a hora de firmarmos um grande pacto nacional contra a corrupção, envolvendo todos os setores da sociedade e todas as esferas de governo.” Ela avisou: “Vou convidar todos os Poderes da República e todas as forças vivas da sociedade para elaborarmos, juntos, uma série de medidas e compromissos duradouros.” Era papo furado.

Hoje, Dilma estende a mão para a oposição num dia e chama os rivais de “golpistas” na manhã seguinte. Na área da corrupção, afora um desabafo enviesado —“não confio em delatores”— a maior contribuição de Dilma foi o recente envio ao Congresso de medida provisória que cria as condições para que empresas confessadamente corruptas voltem a firmar contratos com o governo.

Movida por verdades próprias, Dilma sustenta a fábula de que seu governo tem projeto. Entretanto, além da recriação da CPMF, suas únicas prioridades visíveis são: não cair e continuar passando a impressão de que comanda. De resto, notabiliza-se como inventora do diálogo de mão única.

A educação dos maiores

Dia desses pensava eu sobre o quanto é querida a educação. Todo mundo é a favor dela. Nunca encontrei quem fosse contra. Nunca vi quem defendesse não ser ela fundamental para o futuro do país, ou mesmo da raça humana.

Surpreendentemente, no entanto, li que a cada sete minutos um professor é agredido lá no Reino Unido. Cataloguei casos de mestres mordidos, arranhados, chutados, socados, linchados pelos alunos e até assassinados. Na Europa, a cada ano, 1,5 milhão de professores enfrentam esta dura realidade. E ninguém resolve o problema. O Estado tão poderoso, que tanto investe em armas e segurança, não consegue impor a ordem nem nas salas de aula. É assim que se gosta da educação?

Nunca falta dinheiro para a educação, esta “criança mimada”. E assim pesquisadores ingleses gastaram milhões para descobrir se um pinguim olha para o céu quando passa algum avião. Na Suécia, cientistas investiram outros milhões para concluir que galinhas preferem seguir pessoas bonitas fisicamente. Nos EUA outra fortuna foi gasta para apurar a relação entre a música sertaneja e os índices de suicídio. Enquanto isso, 25% das crianças norte-americanas passam fome, e vivem ao largo dos benefícios da educação. Na Europa, são em média uma a cada sete crianças. É assim que se ama a educação?

Os recursos para a educação devem ser tratados com total seriedade e honestidade. E lá está a Controladoria Geral da União denunciando irregularidades em 73% dos municípios brasileiros. Mas segue firme pelo país afora a frequente compra de equipamentos caríssimos que quase nunca serão usados porque falta nas salas de aula a estrutura mais básica necessária. É assim que se cultua a educação?

Trombeteia-se que uma escola não forma apenas estudantes - forma cidadãos. Apregoa-se que quem abre uma escola fecha uma prisão. Paradoxalmente, no entanto, noções as mais básicas da vida real passam ao largo das salas de aula. Será mais fácil uma criança nelas aprender qual o nome do navio que conduziu José Bonifácio ao exílio do que receber uma mínima noção sobre, por exemplo, o funcionamento das leis. As consequências são terríveis: 67% das empresas brasileiras enfrentam dificuldades na contratação de trabalhadores qualificados. É assim que se homenageia a educação?

Berra-se, pelas esquinas afora, que aos estudantes deve se proporcionar a saúde necessária a todo e qualquer bom desempenho escolar. Para nossa surpresa, porém, 6,8 milhões de alunos brasileiros assistem aulas em escolas desprovidas de abastecimento de água, e 5,2 milhões não tem sequer água potável para beber. Há ainda outras 20 milhões de crianças que estudam em escolas desprovidas de esgoto - milhares morrem a cada ano por conta disso, segundo o UNICEF. É assim que se ama loucamente a educação?

Grita-se, aos quatro ventos, que crianças devem estudar em um ambiente de paz e serenidade, minimamente civilizado - de outra forma, gravemente comprometido estará o aprendizado. No entanto, lá estão pelos jornais as notícias de que traficantes ordenaram o fechamento de escolas em luto por alguma morte decorrente de algum tiroteio com as forças policiais. Isto acontece pelo país afora, em uma escala tal que sequer manchete de jornais é mais. É assim que se reverencia o sagrado ensino?

Cheguei a uma conclusão: o problema das crianças são os maiores que vivem às custas delas pelo planeta afora.

Pedro Valls Feu Rosa

Tarifa zero para todos custaria R$ 27 bi (só) em 17 capitais

Bandeira de movimentos que voltaram a protestar contra o aumento de tarifas de transporte público, o passe livre para todos os usuários em 17 capitais custaria por ano quase o mesmo valor do Bolsa Família. Levantamento feito pelo GLOBO nessas cidades mostra que as prefeituras precisariam desembolsar R$ 27 bilhões anuais — enquanto a União prevê gastos de R$ 28,8 bilhões com seu principal programa social em 2016.
O montante corresponde, ainda, a quase o dobro de todo o gasto previsto para este ano no Ministério dos Transportes (R$ 13,8 bilhões) e é maior do que o orçamento do Ministério da Fazenda (R$ 25,2 bilhões).
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O transporte "gratuito" em ônibus de turismo

A corrupção como escada social

Nossos escândalos de corrupção me remeteram a um livro que fala dos excessos dos anos 1920, a ruidosa década de grande prosperidade que desembocou no caos de 1929. O livro se chama O Grande Gatsby. Foi escrito por Francis Scott Fitzgerald, um norte-americano pobre fascinado pelo mundo dos milionários. Fitzgerald e Zelda, sua mulher, aparecem no filme Meia-noite em Paris, de Woody Allen, em meio a festas extravagantes, esbanjando dinheiro, querendo ser e parecer ricos a qualquer custo. Os políticos de Brasília também aparecem em meio a festas extravagantes, esbanjando dinheiro público, querendo ser ricos a qualquer custo, sobretudo às nossas custas. Seriam para essas festas as tais “verbas de representação” que recebem? Pelo visto, não bastam.

O Grande Gatsby trata desses personagens do alpinismo social levado às últimas consequências. Jay Gatz, que se transformaria no grande Gatsby, é um rapaz pobre apaixonado por Daisy, moça rica. A fim de conquistar a amada, Gatsby trata de se enriquecer por meios ilícitos. Depois de ajuntar muito dinheiro, para ostentar posses e atrair Daisy, Gatsby promove festas extravagantes, nas quais esbanja fortunas. Quase conquista Daisy. Fitzgerald atrapalha o amor, provocando um morticínio digno dos grandes folhetins.

O romance foi considerado um dos melhores da literatura norte-americana do século 20, com o que não concordo, mas sem dúvida merece ser lido. Não apenas pelo mérito literário, também pelo retrato de uma época de prosperidade que parecia eterna e acabou em tragédia, a Grande Depressão, tragédia que também atingiu a vida particular do escritor Scott Fitzgerald, morto prematuramente aos quarenta e quatro anos. Morreu pobre como nasceu.

Grandes festas, grandes arroubos, grandes roubos, grandes Gatsby. A história se repete no Brasil de hoje. Dinheiro continua a mola do mundo. Há pouco, em 2008, quase trouxe outra grande depressão, como a de 1929. O mundo ainda não se recuperou. Continuamos pagando a conta do desmando e da ganância alheia. Lá fora e também aqui dentro do país, onde, além da situação econômica internacional adversa, temos um problema crônico: em muitos órgãos públicos, apesar de todas as prisões já feitas, a viúva, coitada, segue sendo saqueada. A corrupção, para muitos homens públicos, é a grande escada para a escalada social.

Luís Giffoni

A peste


E a peste cada um a traz consigo, porque ninguém, sim, ninguém no mundo, está imune. E é necessário vigiarmo-nos constantemente para não sermos levados num minuto de distração a respirar na cara de alguém e a pegar-lhe a infeção. O que é natural é o micróbio. O resto, a saúde, a integridade, a pureza, se preferirem, é um efeito da vontade, e de uma vontade que nunca deve deixar de exercer-se. O homem honesto, o que não infecta ninguém, é aquele que se distrai o menos possível.
Sim, é frequente ser-se um patife. Mas é ainda mais fatigante não querer ser um patife. É por isso que toda a gente está fatigada porque toda a gente o é um pouco. Mas é por isso também que alguns conhecem tão fundo cansaço que só a morte os poderá libertar dele.
Albert Camus