sábado, 2 de novembro de 2024
Foi um erro supor que a eleição em São Paulo seria um embate entre direita e esquerda
Se estivermos em busca do que esteve em disputa nas eleições municipais de 27 de outubro, em São Paulo, descobriremos que foi o nada protagonizado pelo ninguém. Somados os “votos” brancos e nulos aos “votos” dos que votaram abstendo-se de votar, que de fato é voto, veremos que o grande vencedor foi o “ninguém”. Não só pela incerteza que caracterizou essa eleição, mas também pelas características da situação eleitoral em relação a eleições passadas.
Dizer que a zona leste da cidade era petista e de esquerda, tornou-se reduto do forasteiro Marçal e de um Nunes, que ainda se pensa como vice-prefeito ou mesmo subprefeito de Parelheiros, nada diz além do fato de que ninguém é dono do eleitorado. Nem a esquerda nem a direita, até porque esquerda e direita não têm sido, de fato, protagonistas primários do processo político. O são meramente adjetivos.
É preciso reconhecer que a cidade já não é propriamente uma cidade fabril nem operária. Sua periferia e seu subúrbio são espaços de vaivém cotidiano dos que moram num lugar e trabalham em outro.
As cidades do subúrbio, que foram cidades industriais e proletárias, tornaram-se cidades-dormitório. O crescimento econômico e a decorrente especulação imobiliária empurraram os trabalhadores para fora. O espaço proletário transformou-se em espaço de classe média.
A reestruturação produtiva da indústria e a migração das indústrias para espaços distantes, onde a terra é muito mais barata do que na região metropolitana de São Paulo, mudou radicalmente a territorialidade paulistana.
Hoje é possível prever que os municípios da Grande São Paulo, nos próximos dez a vinte anos, estarão muito próximos do desaparecimento, subsumidos por uma nova territorialidade, a da metrópole, com nova configuração político-administrativa.
Esse processo teve início no governo de Mário Covas, quando ele reconheceu a necessidade de aglutinação em consórcios de municípios da área metropolitana para atendimento conjunto de demandas e necessidades que isoladamente já não tinham condições de atender.
A complexa rede de transporte sobre trilhos, vislumbrada pelo então governador José Serra, com a possibilidade de que moradores da Baixada Santista pudessem morar em Santos e trabalhar em São Paulo, está sendo implantada. A área metropolitana se estenderá, em pouco tempo, a Campinas, Santos e Sorocaba. Com o futuro trem-bala, chegará a São José dos Campos.
O transporte sobre trilhos recriará a metrópole e seu centro. Os órgãos do governo do Estado devem retornar ao centro velho e histórico, completamente refuncionalizado.
Nessas mudanças, há muita coisa que a direita não vê nem tem competência para compreender e implementar. Mas a esquerda está ideologicamente atrasada. Conhece rótulos e conceitos não necessariamente científicos para definir a realidade, e não para compreendê-la nem para desenvolver uma práxis condizente com as radicais mudanças sociais e políticas que estão acontecendo.
Dizer que a zona leste da cidade era petista e de esquerda, tornou-se reduto do forasteiro Marçal e de um Nunes, que ainda se pensa como vice-prefeito ou mesmo subprefeito de Parelheiros, nada diz além do fato de que ninguém é dono do eleitorado. Nem a esquerda nem a direita, até porque esquerda e direita não têm sido, de fato, protagonistas primários do processo político. O são meramente adjetivos.
É preciso reconhecer que a cidade já não é propriamente uma cidade fabril nem operária. Sua periferia e seu subúrbio são espaços de vaivém cotidiano dos que moram num lugar e trabalham em outro.
As cidades do subúrbio, que foram cidades industriais e proletárias, tornaram-se cidades-dormitório. O crescimento econômico e a decorrente especulação imobiliária empurraram os trabalhadores para fora. O espaço proletário transformou-se em espaço de classe média.
A reestruturação produtiva da indústria e a migração das indústrias para espaços distantes, onde a terra é muito mais barata do que na região metropolitana de São Paulo, mudou radicalmente a territorialidade paulistana.
Hoje é possível prever que os municípios da Grande São Paulo, nos próximos dez a vinte anos, estarão muito próximos do desaparecimento, subsumidos por uma nova territorialidade, a da metrópole, com nova configuração político-administrativa.
Esse processo teve início no governo de Mário Covas, quando ele reconheceu a necessidade de aglutinação em consórcios de municípios da área metropolitana para atendimento conjunto de demandas e necessidades que isoladamente já não tinham condições de atender.
A complexa rede de transporte sobre trilhos, vislumbrada pelo então governador José Serra, com a possibilidade de que moradores da Baixada Santista pudessem morar em Santos e trabalhar em São Paulo, está sendo implantada. A área metropolitana se estenderá, em pouco tempo, a Campinas, Santos e Sorocaba. Com o futuro trem-bala, chegará a São José dos Campos.
O transporte sobre trilhos recriará a metrópole e seu centro. Os órgãos do governo do Estado devem retornar ao centro velho e histórico, completamente refuncionalizado.
Nessas mudanças, há muita coisa que a direita não vê nem tem competência para compreender e implementar. Mas a esquerda está ideologicamente atrasada. Conhece rótulos e conceitos não necessariamente científicos para definir a realidade, e não para compreendê-la nem para desenvolver uma práxis condizente com as radicais mudanças sociais e políticas que estão acontecendo.
Quero estar acordado quando morrer
Parabenizo as professoras Arlene Clemesha, Adma Fadul Muhana e todos os que se empenharam em criar o Centro de Estudos Palestinos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. A existência deste centro é um acontecimento, e certamente vai estreitar as relações acadêmicas e culturais entre a USP e as universidades da Palestina.
Em 1982, quando o Estado ocupante bombardeou Beirute, o general israelense Rafael Eytan declarou que os palestinos eram “baratas drogadas numa garrafa”. No dia 9 de outubro de 2023, o ministro da Defesa de Israel disse que ia combater “animais humanos”. Com essas mesmas palavras os personagens brancos e racistas de um conto de James Baldwin nomeiam os afro-americanos; depois torturam e queimam até a morte o corpo de um homem negro, como vem ocorrendo com muitos palestinos de Gaza, incluindo crianças.
Como se sabe, James Baldwin, um norte-americano negro e homossexual, foi não apenas um grande escritor e ensaísta, mas também um incansável ativista antirracista e defensor da causa palestina.
Eu me lembrei desse conto enquanto lia o livro Quero estar acordado quando morrer, de Atef Abu Saif (Ed. Elefante). Atef, ex-ministro da Cultura da Palestina, é autor de vários romances, peças de teatro, reportagens e diários.
Os bons livros de ficção dão vida perene às imagens do passado. O jornalismo, quando visceralmente honesto e verdadeiro, dá vida perene às imagens e à catástrofe do tempo presente. O livro de Atef, publicado recentemente, é o testemunho de uma agressão monstruosa, covarde e extremamente cruel que ocorre há mais de um ano.
Como diz o título, Atef quer estar acordado quando morrer. Inúmeras vezes, em dias seguidos ou alternados, ele sentiu ou intuiu que ia morrer. Felizmente sobreviveu. Atef fala dessa sobrevivência, sempre precária, tantas vezes em suspenso, como se a vigília e o pesadelo fossem um estado permanente, ou uma linha tênue, quase invisível, que separa a vida da morte.
Durante quase 90 dias, o escritor foi testemunha do horror dos bombardeios por terra, ar e mar; viu corpos mutilados e desfigurados de amigos, parentes e de tantos outros palestinos que ele conhece, ou que conhecia, pois muitos foram assassinados. Atef narra brevemente a história dessas pessoas, invoca outros bombardeios contra Gaza ao longo deste século, e a primeira Intifada (1987-93), quando perdeu amigos de infância, foi ferido três vezes e preso por vários meses. Ele também nos lembra que esse pesadelo diuturno a que é submetido seu povo tem origem na Nakba, a catástrofe de 1948, quando 750 mil palestinos foram expulsos de suas casas e terras, e centenas de vilarejos e aldeias foram destruídos.
Segundo o saudoso romancista libanês Elias Khoury, a Nakba não acabou. De fato, a catástrofe iniciada antes mesmo de 1948 atravessou a segunda metade do século passado e culminou nesse genocídio executado pelo Estado ocupante, mas que só se tornou possível com a ajuda direta, maciça e incondicional do governo dos Estados Unidos e, em grau menor, de alguns países árabes e europeus.
Atef escreveu em seu diário:
“Todos os dias olho para o futuro como um cego contemplando a noite”.
Edward Said assinalou que todas as ações do poder ocupante visam ao extermínio dos palestinos. Em seguida, acrescentou: “Mas os palestinos não vão desaparecer”.
Penso que Atef e todos nós concordamos com o autor de Orientalismo.
Os palestinos não vão desistir de viver, nem de lutar pela liberdade; não vão desistir de escrever, imaginar, sonhar. O Estado ocupante e racista vem matando poetas, artistas, atores, atrizes, músicos, jornalistas, fotógrafos e cineastas. Mas essa barbárie não é recente. Em 8 de julho de 1972, agentes israelenses mataram em Beirute o escritor palestino Ghassan Kanafani, cuja novela notável Umm Saad é citada no livro de Atef. Em 6 de dezembro de 2023, assassinaram o professor e poeta Refat Alareer, autor do poema Se eu tiver de morrer, traduzido em 30 idiomas e lido nas redes sociais por mais 30 de milhões de pessoas. As bombas calaram o poeta, mas não o poema, cujo título premonitório refere-se à morte do autor, mas os versos aludem liricamente à vida, à infância, à liberdade. Refat Alareer vive e viverá nesse poema, que se tornou um dos símbolos mais potentes da resistência: um canto universal escrito em árabe por um jovem professor de literatura de língua inglesa de uma das 19 universidades de Gaza que foram destruídas, juntamente com livrarias, escolas, museus, teatros e centros culturais.
Mahmud Darwich, outro grande poeta palestino, escreveu no livro Memória para o esquecimento: “os fatos devem falar”. Atef Abu Saif deu voz aos fatos, que a maior parte da grande imprensa oculta, manipula ou distorce.
No posfácio de seu livro, Atef Abu Saif dirige-se ao leitor:
Nós, neste auditório, estamos com você e com o povo palestino, Atef.Milton Hatoum
Em 1982, quando o Estado ocupante bombardeou Beirute, o general israelense Rafael Eytan declarou que os palestinos eram “baratas drogadas numa garrafa”. No dia 9 de outubro de 2023, o ministro da Defesa de Israel disse que ia combater “animais humanos”. Com essas mesmas palavras os personagens brancos e racistas de um conto de James Baldwin nomeiam os afro-americanos; depois torturam e queimam até a morte o corpo de um homem negro, como vem ocorrendo com muitos palestinos de Gaza, incluindo crianças.
Como se sabe, James Baldwin, um norte-americano negro e homossexual, foi não apenas um grande escritor e ensaísta, mas também um incansável ativista antirracista e defensor da causa palestina.
Eu me lembrei desse conto enquanto lia o livro Quero estar acordado quando morrer, de Atef Abu Saif (Ed. Elefante). Atef, ex-ministro da Cultura da Palestina, é autor de vários romances, peças de teatro, reportagens e diários.
Os bons livros de ficção dão vida perene às imagens do passado. O jornalismo, quando visceralmente honesto e verdadeiro, dá vida perene às imagens e à catástrofe do tempo presente. O livro de Atef, publicado recentemente, é o testemunho de uma agressão monstruosa, covarde e extremamente cruel que ocorre há mais de um ano.
Como diz o título, Atef quer estar acordado quando morrer. Inúmeras vezes, em dias seguidos ou alternados, ele sentiu ou intuiu que ia morrer. Felizmente sobreviveu. Atef fala dessa sobrevivência, sempre precária, tantas vezes em suspenso, como se a vigília e o pesadelo fossem um estado permanente, ou uma linha tênue, quase invisível, que separa a vida da morte.
Durante quase 90 dias, o escritor foi testemunha do horror dos bombardeios por terra, ar e mar; viu corpos mutilados e desfigurados de amigos, parentes e de tantos outros palestinos que ele conhece, ou que conhecia, pois muitos foram assassinados. Atef narra brevemente a história dessas pessoas, invoca outros bombardeios contra Gaza ao longo deste século, e a primeira Intifada (1987-93), quando perdeu amigos de infância, foi ferido três vezes e preso por vários meses. Ele também nos lembra que esse pesadelo diuturno a que é submetido seu povo tem origem na Nakba, a catástrofe de 1948, quando 750 mil palestinos foram expulsos de suas casas e terras, e centenas de vilarejos e aldeias foram destruídos.
Segundo o saudoso romancista libanês Elias Khoury, a Nakba não acabou. De fato, a catástrofe iniciada antes mesmo de 1948 atravessou a segunda metade do século passado e culminou nesse genocídio executado pelo Estado ocupante, mas que só se tornou possível com a ajuda direta, maciça e incondicional do governo dos Estados Unidos e, em grau menor, de alguns países árabes e europeus.
Atef escreveu em seu diário:
“Todos os dias olho para o futuro como um cego contemplando a noite”.
Edward Said assinalou que todas as ações do poder ocupante visam ao extermínio dos palestinos. Em seguida, acrescentou: “Mas os palestinos não vão desaparecer”.
Penso que Atef e todos nós concordamos com o autor de Orientalismo.
Os palestinos não vão desistir de viver, nem de lutar pela liberdade; não vão desistir de escrever, imaginar, sonhar. O Estado ocupante e racista vem matando poetas, artistas, atores, atrizes, músicos, jornalistas, fotógrafos e cineastas. Mas essa barbárie não é recente. Em 8 de julho de 1972, agentes israelenses mataram em Beirute o escritor palestino Ghassan Kanafani, cuja novela notável Umm Saad é citada no livro de Atef. Em 6 de dezembro de 2023, assassinaram o professor e poeta Refat Alareer, autor do poema Se eu tiver de morrer, traduzido em 30 idiomas e lido nas redes sociais por mais 30 de milhões de pessoas. As bombas calaram o poeta, mas não o poema, cujo título premonitório refere-se à morte do autor, mas os versos aludem liricamente à vida, à infância, à liberdade. Refat Alareer vive e viverá nesse poema, que se tornou um dos símbolos mais potentes da resistência: um canto universal escrito em árabe por um jovem professor de literatura de língua inglesa de uma das 19 universidades de Gaza que foram destruídas, juntamente com livrarias, escolas, museus, teatros e centros culturais.
Mahmud Darwich, outro grande poeta palestino, escreveu no livro Memória para o esquecimento: “os fatos devem falar”. Atef Abu Saif deu voz aos fatos, que a maior parte da grande imprensa oculta, manipula ou distorce.
No posfácio de seu livro, Atef Abu Saif dirige-se ao leitor:
O que você tem nas mãos não foi planejado como um diário. Quando comecei, escrevia esses textos diariamente porque queria que as pessoas soubessem o que estava acontecendo. Queria que existisse um relato de eventos caso eu morresse. Senti a presença da morte tantas vezes… Conseguia senti-la pairando sobre mim, em meu ombro, e escrevi como uma maneira de resistir a ela, de desafiá-la – se não para derrotá-la, ao menos para não pensar nela. Como a guerra continua, só consigo pensar em sobrevivência. Não consigo lamentar. Não consigo me recuperar. Minha dor teve de ser adiada. Meu luto postergado. Agora não é hora de pensar nisso. Neste livro, porém, consigo ver todos que amei e perdi, e posso continuar conversando com eles. […] Ainda posso ainda posso acreditar que eles estão aqui comigo.
Nós, neste auditório, estamos com você e com o povo palestino, Atef.
Um defeito de pele que está nos nossos olhos
“Nós nascemos com uma deficiência”, disse-lhe o pai. “A deficiência é a nossa cor”. E, por isso, explicou, “temos de trabalhar mais, de nos esforçarmos mais”. Cresceu com essa certeza e com a marca de ser “do bairro”, de vir das barracas. Há demasiadas crianças a aprender cedo essa lição. A de que nascem com um defeito colado à pele, um problema que se manifesta nos lábios grossos, nos narizes achatados, nos cabelos crespos. Olham-nos de lado, as pessoas mudam de passeio quando se aproximam em ruas escuras, os seguranças perseguem-nos instintivamente nas lojas, as mulheres agarram-se às malas quando os veem. São suspeitos.
Demorei demasiado tempo a percebê-lo. Para lá chegar, foram precisos muitos relatos como este sobre o que uma rapariga ouviu do pai, ainda criança. Histórias como esta esbarraram demasiadas vezes na minha incredulidade. Seria possível? Somos cegos ao que não sentimos. Para quem nasce branco, o racismo pode ser invisível. Porque o racismo é uma coisa que se sente na pele. Crava-nos as unhas sem deixar marcas que se possam ver.
A discriminação faz-se num jogo de sombras. As coisas não são evidentes. O mundo tem demasiados matizes de cinzento. E das outras cores todas. “Não existe cor de pele”, corrijo pela enésima vez, enquanto o meu filho mais novo me pede um lápis bege. Uma e outra vez, é preciso corrigir o que nos parece natural, mas não é. Houve um momento em que aprendemos aquilo que repetimos sem pensar.
Somos parte de uma engrenagem. Muitos dos nossos movimentos nasceram muito antes de nós. É preciso um esforço enorme para travar essa máquina e perceber como nos impele a triturar os outros.
Os outros são sempre outros. Nunca somos nós. Nós somos diferentes. E há tantos matizes e tantas maneiras de não as vermos, de não nos vermos.
Encontro um homem vestido com uma djellaba azul clara e um pequeno hijab kippah de crochet branco no topo da cabeça, longas barbas pretas apenas abaixo do queixo e pele escura, que faz questão de me mostrar que fala Português enquanto me conduz num Uber. É simpático, bem-disposto, fala-me das notícias do dia e de quanto o impressionaram as histórias de tumultos e autocarros queimados à volta de Lisboa.
O carro ainda mal entrou na estrada principal que há de levar-me ao meu destino e já o simpático motorista sentencia: “A culpa é dos africanos. Portam-se muito mal”. E, antes que eu tenha tempo de responder, conta-me que mora na Reboleira, onde teve problemas com vizinhos africanos.
Hesito. “O que devo dizer a este homem?”, pergunto-me, enquanto cravo os olhos na sua pele escura. “Já alguma vez foi maltratado por ser muçulmano?”, arrisco. Detém-se, como se não percebesse a pergunta. Não percebe. Insisto.
Aos poucos, vou tentando confrontá-lo com a forma como o vê quem olha para a maneira como está vestido e o entende como uma ameaça. Um outro. Ele que olha para os africanos como “outros”, todos iguais, é cego à ideia de que também ele pode ser um “outro” ameaçador.
Pergunta após pergunta, vejo-o a perceber o que lhe estou a tentar dizer. E é, então, ele que me pergunta por Odair Moniz, pelo homem que morreu baleado pela polícia. A cada resposta, a cada detalhe, faz um esgar, abana a cabeça. “Não é justo”, repete.
O carro para, cheguei ao meu destino. “É uma mulher muito inteligente e o que diz é justo”, diz-me com o sorriso sincero de quem chegou a algum lugar. Comovo-me com a ideia de que o levei até ali, quando é tão difícil sair do lugar de onde estamos.
Às vezes, é difícil ver. É quase sempre difícil ver. Mas a empatia é uma lente de aumentar que ajuda muito. Perceber que o “outro” também podemos ser nós ajuda muito.
Ninguém nasce com uma deficiência. O mundo é que não tem capacidade para nos acolher a todos da mesma maneira. Não há defeitos de pele. Há olhos que não sabem ver. Mas estamos sempre a tempo de aprender.
Demorei demasiado tempo a percebê-lo. Para lá chegar, foram precisos muitos relatos como este sobre o que uma rapariga ouviu do pai, ainda criança. Histórias como esta esbarraram demasiadas vezes na minha incredulidade. Seria possível? Somos cegos ao que não sentimos. Para quem nasce branco, o racismo pode ser invisível. Porque o racismo é uma coisa que se sente na pele. Crava-nos as unhas sem deixar marcas que se possam ver.
A discriminação faz-se num jogo de sombras. As coisas não são evidentes. O mundo tem demasiados matizes de cinzento. E das outras cores todas. “Não existe cor de pele”, corrijo pela enésima vez, enquanto o meu filho mais novo me pede um lápis bege. Uma e outra vez, é preciso corrigir o que nos parece natural, mas não é. Houve um momento em que aprendemos aquilo que repetimos sem pensar.
Somos parte de uma engrenagem. Muitos dos nossos movimentos nasceram muito antes de nós. É preciso um esforço enorme para travar essa máquina e perceber como nos impele a triturar os outros.
Os outros são sempre outros. Nunca somos nós. Nós somos diferentes. E há tantos matizes e tantas maneiras de não as vermos, de não nos vermos.
Encontro um homem vestido com uma djellaba azul clara e um pequeno hijab kippah de crochet branco no topo da cabeça, longas barbas pretas apenas abaixo do queixo e pele escura, que faz questão de me mostrar que fala Português enquanto me conduz num Uber. É simpático, bem-disposto, fala-me das notícias do dia e de quanto o impressionaram as histórias de tumultos e autocarros queimados à volta de Lisboa.
O carro ainda mal entrou na estrada principal que há de levar-me ao meu destino e já o simpático motorista sentencia: “A culpa é dos africanos. Portam-se muito mal”. E, antes que eu tenha tempo de responder, conta-me que mora na Reboleira, onde teve problemas com vizinhos africanos.
Hesito. “O que devo dizer a este homem?”, pergunto-me, enquanto cravo os olhos na sua pele escura. “Já alguma vez foi maltratado por ser muçulmano?”, arrisco. Detém-se, como se não percebesse a pergunta. Não percebe. Insisto.
Aos poucos, vou tentando confrontá-lo com a forma como o vê quem olha para a maneira como está vestido e o entende como uma ameaça. Um outro. Ele que olha para os africanos como “outros”, todos iguais, é cego à ideia de que também ele pode ser um “outro” ameaçador.
Pergunta após pergunta, vejo-o a perceber o que lhe estou a tentar dizer. E é, então, ele que me pergunta por Odair Moniz, pelo homem que morreu baleado pela polícia. A cada resposta, a cada detalhe, faz um esgar, abana a cabeça. “Não é justo”, repete.
O carro para, cheguei ao meu destino. “É uma mulher muito inteligente e o que diz é justo”, diz-me com o sorriso sincero de quem chegou a algum lugar. Comovo-me com a ideia de que o levei até ali, quando é tão difícil sair do lugar de onde estamos.
Às vezes, é difícil ver. É quase sempre difícil ver. Mas a empatia é uma lente de aumentar que ajuda muito. Perceber que o “outro” também podemos ser nós ajuda muito.
Ninguém nasce com uma deficiência. O mundo é que não tem capacidade para nos acolher a todos da mesma maneira. Não há defeitos de pele. Há olhos que não sabem ver. Mas estamos sempre a tempo de aprender.
O fantasma da Saúde na era da IA
Nos últimos anos, a proliferação de desinformação na área da saúde atingiu proporções alarmantes, especialmente nas plataformas digitais. João Henrique Rafael Junior, analista de Comunicação do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP, monitora essa situação desde 2019, quando começaram os trabalhos da União Pró-Vacina (UPVacina), observando como o ecossistema digital, em particular o Facebook, se tornou um terreno fértil para propagandas de remédios milagrosos. “Houve uma transição dessas propagandas do conteúdo orgânico para um modelo patrocinado, no qual muitos lucram com anúncios que colocam em risco a vida das pessoas”, destaca Rafael Junior.
Em um trabalho conjunto entre o IEA-RP e a Rádio USP Ribeirão, utilizando ferramentas da própria plataforma Meta, como a Biblioteca de Anúncios, foram mapeadas essas campanhas em dois dias do mês de setembro (25 e 29). A estratégia foi capturar e registrar manualmente esses anúncios, uma vez que, após a veiculação, eles são removidos sem deixar rastros. Com isso, foram coletadas 513 publicidades que promoviam produtos sem mostrar comprovação científica e muitas vezes sem autorização dos órgãos reguladores.
Entre os principais tópicos dessas propagandas estão tratamentos para diabete, saúde sexual, emagrecimento e problemas de visão. “O que vemos é uma mudança de paradigma proporcionada pela inteligência artificial (IA); conteúdos que antes eram restritos, na sua maioria, a textos e imagens estáticas, foram aprimorados para vídeos elaborados que manipulam imagem e voz de personalidades e autoridades. Também pode ser observado um aumento substancial em escala, com centenas e até milhares produzidos e impulsionados diariamente”, avalia Rafael Junior.
O professor Fernando Bellissimo Rodrigues, infectologista e chefe do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, alerta sobre os perigos da desinformação na saúde, que se intensificam com o uso crescente das redes sociais. Segundo o especialista, a internet está repleta de informações, algumas confiáveis, outras não, e cabe ao público separar o joio do trigo. “Alertamos as pessoas para confiar menos em informações oriundas de perfis individuais nas plataformas digitais e procurar fontes mais confiáveis, como associações de profissionais da saúde ou entidades, como a Sociedade Brasileira de Geriatria ou a Associação Brasileira de Nutrição, que são mais confiáveis do que opiniões divulgadas por influenciadores nas redes sociais”, afirma.
Rodrigues alerta, ainda, que a desinformação afeta de maneira desproporcional as pessoas com menor nível educacional. “A população com menor escolaridade tende a ser mais vulnerável a promessas milagrosas, embora pessoas de alta escolaridade também acabem sendo enganadas.”
Padrão perigoso
Essas campanhas patrocinadas, além de utilizarem imagens e logos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de maneira possivelmente fraudulenta, também exploram personalidades públicas para aumentar sua credibilidade.
O levantamento revelou que 27,5% dessas propagandas utilizam a imagem do médico Drauzio Varella, uma das figuras mais respeitadas na área da saúde no Brasil. Outras personalidades, como âncoras de telejornais e artistas renomados também aparecem.
As personalidades mais utilizadas nesses anúncios são, além de Drauzio Varella, o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, a apresentadora Ana Maria Braga e âncoras de telejornais nacionais, que alcançam milhões de pessoas. Além delas, aparece o deputado Celso Russomano e figuras como Carlos Alberto de Nóbrega e Susana Vieira, também frequentemente usadas, muitas vezes em anúncios que simulam entrevistas e programas televisivos para conferir um ar de autenticidade.
Em entrevista à Rádio USP Ribeirão Preto, o médico Drauzio Varella fez duras críticas ao uso indevido de sua imagem e voz em propagandas manipuladas por inteligência artificial que circulam pela internet. Ele classificou essas práticas como um “crime contra a saúde pública”, destacando que muitas pessoas, especialmente as mais vulneráveis, acabam acreditando que ele está de fato promovendo os produtos. “Essas propagandas de supostos medicamentos com meu nome, algumas delas até com a minha voz montada por IA, são um crime”, afirmou.
Varella também mencionou o papel das plataformas de redes sociais na disseminação dessas informações falsas. Ele destacou a Meta como uma das principais responsáveis por permitir a circulação desses conteúdos. Para o médico, essas quadrilhas atuam em conivência com as plataformas, especialmente a Meta, que distribui isso para todos os lados, acrescentando que “as plataformas não têm interesse em remover os vídeos, já que lucram com a divulgação”.
O médico também revelou que está movendo uma ação contra a Meta, em função do uso da sua imagem, mas é cético quanto ao sucesso da iniciativa. “A chance de ganhar é muito pequena, porque, claro, eles são muito poderosos”, disse Varella. Apesar disso, ele mencionou uma denúncia ao Ministério Público que, segundo ele, já conseguiu identificar duas quadrilhas envolvidas nesse esquema. Para Varella, as plataformas são “tão criminosas quanto aqueles que divulgam essas falsidades”.
Já a especialista em Vigilância Sanitária da Gerência de Fiscalização da Anvisa, Alessandra Pessoa, também em entrevista à Rádio USP Ribeirão Preto,destacou que o monitoramento do comércio eletrônico e da publicidade de produtos de saúde na internet se intensificou após a pandemia. “A Anvisa iniciou em 2021 o monitoramento ativo de propaganda na internet, utilizando inteligência artificial para rastrear produtos fiscalizados em plataformas de comércio on-line 24 horas por dia, sete dias por semana. Com essa iniciativa, chamada Epinette, já foram rastreadas mais de 100 milhões de páginas, das quais mais de 200 mil continham algum tipo de conteúdo irregular”, informa a especialista.
Entre os principais desafios enfrentados pela Anvisa, Alessandra aponta a grande quantidade de sites e perfis que fazem publicidade de produtos regulados, além da dificuldade de caracterizar como publicidade alguns conteúdos postados nas redes sociais por figuras públicas, como artistas e esportistas, ou mesmo por profissionais de saúde de destaque.
Saúde em risco
Essas áreas são especialmente preocupantes, pois os produtos prometem soluções rápidas e fáceis para problemas sérios de saúde, desviando as pessoas dos tratamentos médicos apropriados. Além dessas categorias, outros temas incluem tratamentos para visão (7%), que prometem curas milagrosas para catarata e glaucoma; dermatologia (6%), com produtos que alegam reverter sinais de envelhecimento e eliminar cicatrizes; e medicamentos para gordura no fígado e dores nas articulações (6%), que geralmente têm como alvo os idosos. A análise mostra que algumas dessas propagandas chegam a afirmar, inclusive, que o produto cura o câncer.
Essa segmentação demonstra que as propagandas buscam atingir públicos vulneráveis, especialmente pessoas mais velhas, que podem ter mais dificuldade em verificar a veracidade das informações, e aquelas que estão enfrentando algum problema grave de saúde e enxergam no produto a solução para seu caso”, informa o analista João Rafael.
O professor Rodrigues lembra que também há um uso indiscriminado de polivitamínicos e suplementos que, segundo ele, são amplamente propagados como essenciais para a saúde geral, o que, em muitos casos, é enganoso. “Os polivitamínicos têm indicações específicas, como em casos de deficiência vitamínica ou dificuldades de absorção, mas não são indicados para uso generalizado”, critica. Ele destacou que muitos suplementos vendidos em academias não entregam o que prometem. “A proteína de um suplemento não é melhor do que a que vem do leite, do ovo ou da carne”, pontua.
O professor Rodolfo Borges dos Reis, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia e professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, vê com preocupação o crescente uso de suplementos alimentares divulgados na mídia. Segundo ele, esses produtos, por não se enquadrarem na categoria de medicamentos, não passam pelos rigorosos testes de eficácia ou regulamentação da Anvisa, o que resulta na ausência de estudos científicos que comprovem seus benefícios. “A população muitas vezes se deixa fascinar por remédios naturais que, além de serem ineficazes, podem causar danos, já que não foram devidamente testados”, alerta o professor.
O professor, que é especialista em Urologia Oncológica, também destaca que a comercialização desses suplementos, muitas vezes feita por meio de plataformas digitais e impulsionada por ferramentas de inteligência artificial, seleciona grupos-alvo suscetíveis a determinadas doenças. Essa prática, segundo o professor, é preocupante, especialmente no caso de produtos que afetam o eixo hormonal e são vendidos como fitoterápicos. Ele reforça a importância de consultar um médico especialista, como um urologista, para obter orientações adequadas. “Existem medicamentos eficazes para tratar e aliviar os sintomas urinários da hiperplasia prostática benigna, além da necessidade de descartar o câncer de próstata em estágios iniciais ou avançados”, explica.
Máquina de desinformação
O levantamento mostra que 83% dessas propagandas estão no formato de vídeos e 17% utilizam imagens estáticas tradicionais. Em relação aos vídeos, fortes evidências indicam que 62% usam manipulação por IA com informações falsas. “Esses fatores revelam uma preferência clara pela produção de vídeos, que são mais eficazes para atrair e engajar o público. É um mecanismo sofisticado que se apropria da confiança depositada nas figuras públicas e no suposto selo de aprovação da Anvisa para vender produtos duvidosos e, muitas vezes, ineficazes”, destaca Rafael Junior.
A análise também revelou que 96% dos anúncios direcionam os usuários para conversas no WhatsApp, onde o vendedor mantém contato direto com a pessoa, aumentando a vulnerabilidade e a possibilidade de golpes. “Essa tática é extremamente perigosa porque o usuário é incentivado a fornecer seus dados pessoais e, muitas vezes, efetuar compras sem qualquer garantia de segurança ou qualidade”, afirma Rafael Junior.
Dados preocupantes
Dos 513 anúncios coletados, 73% foram veiculados simultaneamente no Facebook e no Instagram, mostrando que a Meta está diretamente envolvida em promover esses produtos. Apenas 26% dos anúncios ficaram restritos ao Facebook e 1% dos anúncios foram exclusivos do Instagram. Essa ampla distribuição é facilitada pela própria empresa, que fornece as ferramentas para segmentar e atingir diversos públicos, gerando lucros significativos com essas campanhas. O analista também chama a atenção para o fato de o Facebook, o Instagram e o WhatsApp serem produtos da empresa Meta.
Os dados evidenciam que o Facebook e o Instagram hospedam essas propagandas e lucram com elas, devido ao uso intensivo de suas ferramentas de publicidade. Rafael Junior destaca que, apesar das limitações impostas pela plataforma, como a restrição de anúncios de medicamentos, que exigem prescrição médica, essas regras são facilmente contornadas pelos anunciantes. Alguns desses produtos, anunciados como naturais ou cosméticos, escapam das regulações permitindo a proliferação de informações duvidosas.
Além disso, os dados também revelam que quase 80% das páginas que promovem essas propagandas são novas, criadas ainda em 2024, e cerca de 90% delas possuem menos de 2.500 seguidores, evidenciando que os responsáveis operam de maneira estratégica para evitar detecção. Caso uma página seja denunciada ou bloqueada, rapidamente outra é criada, mantendo o esquema ativo. “Esse perfil, de página pequena e recém-criada, de maneira alguma seria capaz de atingir um público mais amplo se o conteúdo não fosse impulsionado”, diz Rafael Junior.
Para o analista, a prática evidencia um problema sistêmico: “O próprio Facebook se beneficia ao permitir a criação de páginas, lucrando com as propagandas enquanto alega promover segurança e regulamentação”.
Apesar dos esforços de regulamentação nas plataformas digitais para conter anúncios enganosos, o professor Rodrigues acredita que tais medidas são insuficientes. “As notícias falsas continuam circulando impunemente e há uma dificuldade tanto jurídica quanto técnica para responsabilizar os autores dessas fraudes.”
A gerente de fiscalização da Anvisa alerta para os riscos associados ao consumo de produtos de saúde sem a devida orientação. “O primeiro ponto é não usar medicamentos ou produtos de saúde sem a orientação de um profissional habilitado. Outro ponto fundamental é desconfiar de produtos que prometem resultados milagrosos, como emagrecimento rápido ou cura de doenças crônicas, porque geralmente não passaram por testes ou comprovação científica”, ressalta Alessandra, enfatizando a importância de verificar se o produto está regularizado junto aos órgãos de vigilância sanitária. Essa verificação pode ser feita no site da Anvisa neste link.
Para combater essas práticas, a Anvisa estabeleceu uma aproximação com diversas plataformas de comércio eletrônico, orientando-as sobre como verificar a regularização de produtos antes de serem expostos para venda. “Essa parceria já permitiu melhorias nos critérios de exposição desses produtos nos sites”, afirma.
Consequências para a saúde pública
O impacto desse tipo de propaganda é profundo nas pessoas que abandonam tratamentos convencionais para adotar as soluções milagrosas apresentadas nos anúncios. Produtos que prometem cura para diabete incentivam pacientes a suspenderem o uso de insulina, enquanto remédios que alegam tratar a próstata são vendidos como alternativas aos procedimentos médicos aprovados. Em outro exemplo alarmante, medicamentos para cura de problemas de visão incentivam a suspensão de cirurgias oftalmológicas, o que pode resultar em complicações graves para os pacientes.
Sobre os tratamentos milagrosos para catarata e glaucoma, a professora Cássia Senger, do Departamento de Oftalmologia e Anomalias Craniofaciais da Faculdade de Medicina de Bauru (FMBRU) da USP, alerta para os perigos de confiar em promessas de cura rápida e soluções não comprovadas. “É fundamental que as pessoas entendam que não há uma cura milagrosa para as doenças crônicas degenerativas”, enfatiza. Ela destaca a importância de buscar informações seguras, consultando a literatura científica e verificando se o tratamento sugerido é regulamentado pelos órgãos de saúde.
A professora também chama a atenção para os riscos do abandono de tratamentos convencionais, especialmente no caso do glaucoma, uma doença degenerativa e irreversível. “O paciente que para o tratamento indicado e adota medidas alternativas acaba perdendo o acompanhamento adequado. O glaucoma é uma doença silenciosa, sem dor ou incômodo, e quando o paciente percebe, a perda da visão já ocorreu e é irreversível.”
Além disso, ela ressalta que, no caso da catarata, a única solução viável atualmente é a cirurgia. “Não existe colírio, exercício ou medicação oral que resolva a catarata. A cirurgia é o único tratamento eficaz, e o atraso na realização desse procedimento pode aumentar os riscos.”
A oftalmologista reforça a necessidade de campanhas de conscientização. “A comunidade oftalmológica busca colaborar e combater a desinformação, promovendo acesso a informações corretas e seguras sobre as doenças oculares, especialmente através do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.”
Caminhos para o combate à desinformação
Pelos riscos que oferecem, as plataformas digitais precisam ser responsabilizadas e reguladas com maior rigor para impedir que continuem lucrando com anúncios que promovem desinformação e produtos duvidosos. “Além disso, campanhas de conscientização e verificação de informações, especialmente em temas relacionados à saúde, devem ser ampliadas”, enfatizam todos os entrevistados.
Sobre a importância de uma legislação mais rigorosa para combater a desinformação na área da saúde, a professora Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP e líder do Grupo de Pesquisa Direito, Ética e Inteligência Artificial do CNPq-USP, destacou que a disseminação de informações falsas, especialmente durante crises sanitárias como a pandemia da covid-19, motivou a apresentação de projetos de lei no Brasil. “Um exemplo é o PL 693/2020, que trata da responsabilidade sanitária das autoridades públicas e tipifica o crime de divulgação de informações falsas que coloquem em risco a segurança sanitária.”
Segundo a professora, embora já existam iniciativas como o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como o “PL das Fake News”, que visa à responsabilização das plataformas digitais, a eficácia dessas medidas depende da conscientização da população. “Podemos criar leis rigorosas, mas, sem educação, o combate à desinformação será limitado, especialmente na área da saúde”, alerta a professora.
Cristina Godoy também ressaltou o papel das plataformas digitais na disseminação de informações falsas e como estas devem ser responsabilizadas ao serem notificadas judicialmente sobre conteúdos nocivos à saúde. Ela explicou que, além de remover o conteúdo prejudicial, as plataformas devem estar sujeitas a uma regulamentação mais rígida. “O debate sobre o papel dessas plataformas está presente em fóruns nacionais e internacionais, como exemplificado pela União Europeia, que já adotou medidas para impor responsabilidades mais severas às empresas digitais.”
A professora Cristina, que também coordena o Grupo de Estudos em Direito e Tecnologia (TechLaw) do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP, enfatizou que, além de uma legislação adequada, é essencial o desenvolvimento de estratégias educacionais para que a sociedade saiba identificar e evitar a desinformação, principalmente no campo da saúde. Ela citou, como exemplo, o guia virtual elaborado em parceria com a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, voltado para a capacitação de agentes de saúde no combate às notícias falsas.
Em um trabalho conjunto entre o IEA-RP e a Rádio USP Ribeirão, utilizando ferramentas da própria plataforma Meta, como a Biblioteca de Anúncios, foram mapeadas essas campanhas em dois dias do mês de setembro (25 e 29). A estratégia foi capturar e registrar manualmente esses anúncios, uma vez que, após a veiculação, eles são removidos sem deixar rastros. Com isso, foram coletadas 513 publicidades que promoviam produtos sem mostrar comprovação científica e muitas vezes sem autorização dos órgãos reguladores.
Entre os principais tópicos dessas propagandas estão tratamentos para diabete, saúde sexual, emagrecimento e problemas de visão. “O que vemos é uma mudança de paradigma proporcionada pela inteligência artificial (IA); conteúdos que antes eram restritos, na sua maioria, a textos e imagens estáticas, foram aprimorados para vídeos elaborados que manipulam imagem e voz de personalidades e autoridades. Também pode ser observado um aumento substancial em escala, com centenas e até milhares produzidos e impulsionados diariamente”, avalia Rafael Junior.
O professor Fernando Bellissimo Rodrigues, infectologista e chefe do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, alerta sobre os perigos da desinformação na saúde, que se intensificam com o uso crescente das redes sociais. Segundo o especialista, a internet está repleta de informações, algumas confiáveis, outras não, e cabe ao público separar o joio do trigo. “Alertamos as pessoas para confiar menos em informações oriundas de perfis individuais nas plataformas digitais e procurar fontes mais confiáveis, como associações de profissionais da saúde ou entidades, como a Sociedade Brasileira de Geriatria ou a Associação Brasileira de Nutrição, que são mais confiáveis do que opiniões divulgadas por influenciadores nas redes sociais”, afirma.
Rodrigues alerta, ainda, que a desinformação afeta de maneira desproporcional as pessoas com menor nível educacional. “A população com menor escolaridade tende a ser mais vulnerável a promessas milagrosas, embora pessoas de alta escolaridade também acabem sendo enganadas.”
Padrão perigoso
Essas campanhas patrocinadas, além de utilizarem imagens e logos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de maneira possivelmente fraudulenta, também exploram personalidades públicas para aumentar sua credibilidade.
O levantamento revelou que 27,5% dessas propagandas utilizam a imagem do médico Drauzio Varella, uma das figuras mais respeitadas na área da saúde no Brasil. Outras personalidades, como âncoras de telejornais e artistas renomados também aparecem.
As personalidades mais utilizadas nesses anúncios são, além de Drauzio Varella, o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, a apresentadora Ana Maria Braga e âncoras de telejornais nacionais, que alcançam milhões de pessoas. Além delas, aparece o deputado Celso Russomano e figuras como Carlos Alberto de Nóbrega e Susana Vieira, também frequentemente usadas, muitas vezes em anúncios que simulam entrevistas e programas televisivos para conferir um ar de autenticidade.
Em entrevista à Rádio USP Ribeirão Preto, o médico Drauzio Varella fez duras críticas ao uso indevido de sua imagem e voz em propagandas manipuladas por inteligência artificial que circulam pela internet. Ele classificou essas práticas como um “crime contra a saúde pública”, destacando que muitas pessoas, especialmente as mais vulneráveis, acabam acreditando que ele está de fato promovendo os produtos. “Essas propagandas de supostos medicamentos com meu nome, algumas delas até com a minha voz montada por IA, são um crime”, afirmou.
Varella também mencionou o papel das plataformas de redes sociais na disseminação dessas informações falsas. Ele destacou a Meta como uma das principais responsáveis por permitir a circulação desses conteúdos. Para o médico, essas quadrilhas atuam em conivência com as plataformas, especialmente a Meta, que distribui isso para todos os lados, acrescentando que “as plataformas não têm interesse em remover os vídeos, já que lucram com a divulgação”.
O médico também revelou que está movendo uma ação contra a Meta, em função do uso da sua imagem, mas é cético quanto ao sucesso da iniciativa. “A chance de ganhar é muito pequena, porque, claro, eles são muito poderosos”, disse Varella. Apesar disso, ele mencionou uma denúncia ao Ministério Público que, segundo ele, já conseguiu identificar duas quadrilhas envolvidas nesse esquema. Para Varella, as plataformas são “tão criminosas quanto aqueles que divulgam essas falsidades”.
Já a especialista em Vigilância Sanitária da Gerência de Fiscalização da Anvisa, Alessandra Pessoa, também em entrevista à Rádio USP Ribeirão Preto,destacou que o monitoramento do comércio eletrônico e da publicidade de produtos de saúde na internet se intensificou após a pandemia. “A Anvisa iniciou em 2021 o monitoramento ativo de propaganda na internet, utilizando inteligência artificial para rastrear produtos fiscalizados em plataformas de comércio on-line 24 horas por dia, sete dias por semana. Com essa iniciativa, chamada Epinette, já foram rastreadas mais de 100 milhões de páginas, das quais mais de 200 mil continham algum tipo de conteúdo irregular”, informa a especialista.
Entre os principais desafios enfrentados pela Anvisa, Alessandra aponta a grande quantidade de sites e perfis que fazem publicidade de produtos regulados, além da dificuldade de caracterizar como publicidade alguns conteúdos postados nas redes sociais por figuras públicas, como artistas e esportistas, ou mesmo por profissionais de saúde de destaque.
Saúde em risco
Essas áreas são especialmente preocupantes, pois os produtos prometem soluções rápidas e fáceis para problemas sérios de saúde, desviando as pessoas dos tratamentos médicos apropriados. Além dessas categorias, outros temas incluem tratamentos para visão (7%), que prometem curas milagrosas para catarata e glaucoma; dermatologia (6%), com produtos que alegam reverter sinais de envelhecimento e eliminar cicatrizes; e medicamentos para gordura no fígado e dores nas articulações (6%), que geralmente têm como alvo os idosos. A análise mostra que algumas dessas propagandas chegam a afirmar, inclusive, que o produto cura o câncer.
Essa segmentação demonstra que as propagandas buscam atingir públicos vulneráveis, especialmente pessoas mais velhas, que podem ter mais dificuldade em verificar a veracidade das informações, e aquelas que estão enfrentando algum problema grave de saúde e enxergam no produto a solução para seu caso”, informa o analista João Rafael.
O professor Rodrigues lembra que também há um uso indiscriminado de polivitamínicos e suplementos que, segundo ele, são amplamente propagados como essenciais para a saúde geral, o que, em muitos casos, é enganoso. “Os polivitamínicos têm indicações específicas, como em casos de deficiência vitamínica ou dificuldades de absorção, mas não são indicados para uso generalizado”, critica. Ele destacou que muitos suplementos vendidos em academias não entregam o que prometem. “A proteína de um suplemento não é melhor do que a que vem do leite, do ovo ou da carne”, pontua.
O professor Rodolfo Borges dos Reis, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia e professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, vê com preocupação o crescente uso de suplementos alimentares divulgados na mídia. Segundo ele, esses produtos, por não se enquadrarem na categoria de medicamentos, não passam pelos rigorosos testes de eficácia ou regulamentação da Anvisa, o que resulta na ausência de estudos científicos que comprovem seus benefícios. “A população muitas vezes se deixa fascinar por remédios naturais que, além de serem ineficazes, podem causar danos, já que não foram devidamente testados”, alerta o professor.
O professor, que é especialista em Urologia Oncológica, também destaca que a comercialização desses suplementos, muitas vezes feita por meio de plataformas digitais e impulsionada por ferramentas de inteligência artificial, seleciona grupos-alvo suscetíveis a determinadas doenças. Essa prática, segundo o professor, é preocupante, especialmente no caso de produtos que afetam o eixo hormonal e são vendidos como fitoterápicos. Ele reforça a importância de consultar um médico especialista, como um urologista, para obter orientações adequadas. “Existem medicamentos eficazes para tratar e aliviar os sintomas urinários da hiperplasia prostática benigna, além da necessidade de descartar o câncer de próstata em estágios iniciais ou avançados”, explica.
Máquina de desinformação
O levantamento mostra que 83% dessas propagandas estão no formato de vídeos e 17% utilizam imagens estáticas tradicionais. Em relação aos vídeos, fortes evidências indicam que 62% usam manipulação por IA com informações falsas. “Esses fatores revelam uma preferência clara pela produção de vídeos, que são mais eficazes para atrair e engajar o público. É um mecanismo sofisticado que se apropria da confiança depositada nas figuras públicas e no suposto selo de aprovação da Anvisa para vender produtos duvidosos e, muitas vezes, ineficazes”, destaca Rafael Junior.
A análise também revelou que 96% dos anúncios direcionam os usuários para conversas no WhatsApp, onde o vendedor mantém contato direto com a pessoa, aumentando a vulnerabilidade e a possibilidade de golpes. “Essa tática é extremamente perigosa porque o usuário é incentivado a fornecer seus dados pessoais e, muitas vezes, efetuar compras sem qualquer garantia de segurança ou qualidade”, afirma Rafael Junior.
Dados preocupantes
Dos 513 anúncios coletados, 73% foram veiculados simultaneamente no Facebook e no Instagram, mostrando que a Meta está diretamente envolvida em promover esses produtos. Apenas 26% dos anúncios ficaram restritos ao Facebook e 1% dos anúncios foram exclusivos do Instagram. Essa ampla distribuição é facilitada pela própria empresa, que fornece as ferramentas para segmentar e atingir diversos públicos, gerando lucros significativos com essas campanhas. O analista também chama a atenção para o fato de o Facebook, o Instagram e o WhatsApp serem produtos da empresa Meta.
Os dados evidenciam que o Facebook e o Instagram hospedam essas propagandas e lucram com elas, devido ao uso intensivo de suas ferramentas de publicidade. Rafael Junior destaca que, apesar das limitações impostas pela plataforma, como a restrição de anúncios de medicamentos, que exigem prescrição médica, essas regras são facilmente contornadas pelos anunciantes. Alguns desses produtos, anunciados como naturais ou cosméticos, escapam das regulações permitindo a proliferação de informações duvidosas.
Além disso, os dados também revelam que quase 80% das páginas que promovem essas propagandas são novas, criadas ainda em 2024, e cerca de 90% delas possuem menos de 2.500 seguidores, evidenciando que os responsáveis operam de maneira estratégica para evitar detecção. Caso uma página seja denunciada ou bloqueada, rapidamente outra é criada, mantendo o esquema ativo. “Esse perfil, de página pequena e recém-criada, de maneira alguma seria capaz de atingir um público mais amplo se o conteúdo não fosse impulsionado”, diz Rafael Junior.
Para o analista, a prática evidencia um problema sistêmico: “O próprio Facebook se beneficia ao permitir a criação de páginas, lucrando com as propagandas enquanto alega promover segurança e regulamentação”.
Apesar dos esforços de regulamentação nas plataformas digitais para conter anúncios enganosos, o professor Rodrigues acredita que tais medidas são insuficientes. “As notícias falsas continuam circulando impunemente e há uma dificuldade tanto jurídica quanto técnica para responsabilizar os autores dessas fraudes.”
A gerente de fiscalização da Anvisa alerta para os riscos associados ao consumo de produtos de saúde sem a devida orientação. “O primeiro ponto é não usar medicamentos ou produtos de saúde sem a orientação de um profissional habilitado. Outro ponto fundamental é desconfiar de produtos que prometem resultados milagrosos, como emagrecimento rápido ou cura de doenças crônicas, porque geralmente não passaram por testes ou comprovação científica”, ressalta Alessandra, enfatizando a importância de verificar se o produto está regularizado junto aos órgãos de vigilância sanitária. Essa verificação pode ser feita no site da Anvisa neste link.
Para combater essas práticas, a Anvisa estabeleceu uma aproximação com diversas plataformas de comércio eletrônico, orientando-as sobre como verificar a regularização de produtos antes de serem expostos para venda. “Essa parceria já permitiu melhorias nos critérios de exposição desses produtos nos sites”, afirma.
Consequências para a saúde pública
O impacto desse tipo de propaganda é profundo nas pessoas que abandonam tratamentos convencionais para adotar as soluções milagrosas apresentadas nos anúncios. Produtos que prometem cura para diabete incentivam pacientes a suspenderem o uso de insulina, enquanto remédios que alegam tratar a próstata são vendidos como alternativas aos procedimentos médicos aprovados. Em outro exemplo alarmante, medicamentos para cura de problemas de visão incentivam a suspensão de cirurgias oftalmológicas, o que pode resultar em complicações graves para os pacientes.
Sobre os tratamentos milagrosos para catarata e glaucoma, a professora Cássia Senger, do Departamento de Oftalmologia e Anomalias Craniofaciais da Faculdade de Medicina de Bauru (FMBRU) da USP, alerta para os perigos de confiar em promessas de cura rápida e soluções não comprovadas. “É fundamental que as pessoas entendam que não há uma cura milagrosa para as doenças crônicas degenerativas”, enfatiza. Ela destaca a importância de buscar informações seguras, consultando a literatura científica e verificando se o tratamento sugerido é regulamentado pelos órgãos de saúde.
A professora também chama a atenção para os riscos do abandono de tratamentos convencionais, especialmente no caso do glaucoma, uma doença degenerativa e irreversível. “O paciente que para o tratamento indicado e adota medidas alternativas acaba perdendo o acompanhamento adequado. O glaucoma é uma doença silenciosa, sem dor ou incômodo, e quando o paciente percebe, a perda da visão já ocorreu e é irreversível.”
Além disso, ela ressalta que, no caso da catarata, a única solução viável atualmente é a cirurgia. “Não existe colírio, exercício ou medicação oral que resolva a catarata. A cirurgia é o único tratamento eficaz, e o atraso na realização desse procedimento pode aumentar os riscos.”
A oftalmologista reforça a necessidade de campanhas de conscientização. “A comunidade oftalmológica busca colaborar e combater a desinformação, promovendo acesso a informações corretas e seguras sobre as doenças oculares, especialmente através do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.”
Caminhos para o combate à desinformação
Pelos riscos que oferecem, as plataformas digitais precisam ser responsabilizadas e reguladas com maior rigor para impedir que continuem lucrando com anúncios que promovem desinformação e produtos duvidosos. “Além disso, campanhas de conscientização e verificação de informações, especialmente em temas relacionados à saúde, devem ser ampliadas”, enfatizam todos os entrevistados.
Sobre a importância de uma legislação mais rigorosa para combater a desinformação na área da saúde, a professora Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP e líder do Grupo de Pesquisa Direito, Ética e Inteligência Artificial do CNPq-USP, destacou que a disseminação de informações falsas, especialmente durante crises sanitárias como a pandemia da covid-19, motivou a apresentação de projetos de lei no Brasil. “Um exemplo é o PL 693/2020, que trata da responsabilidade sanitária das autoridades públicas e tipifica o crime de divulgação de informações falsas que coloquem em risco a segurança sanitária.”
Segundo a professora, embora já existam iniciativas como o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como o “PL das Fake News”, que visa à responsabilização das plataformas digitais, a eficácia dessas medidas depende da conscientização da população. “Podemos criar leis rigorosas, mas, sem educação, o combate à desinformação será limitado, especialmente na área da saúde”, alerta a professora.
Cristina Godoy também ressaltou o papel das plataformas digitais na disseminação de informações falsas e como estas devem ser responsabilizadas ao serem notificadas judicialmente sobre conteúdos nocivos à saúde. Ela explicou que, além de remover o conteúdo prejudicial, as plataformas devem estar sujeitas a uma regulamentação mais rígida. “O debate sobre o papel dessas plataformas está presente em fóruns nacionais e internacionais, como exemplificado pela União Europeia, que já adotou medidas para impor responsabilidades mais severas às empresas digitais.”
A professora Cristina, que também coordena o Grupo de Estudos em Direito e Tecnologia (TechLaw) do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP, enfatizou que, além de uma legislação adequada, é essencial o desenvolvimento de estratégias educacionais para que a sociedade saiba identificar e evitar a desinformação, principalmente no campo da saúde. Ela citou, como exemplo, o guia virtual elaborado em parceria com a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, voltado para a capacitação de agentes de saúde no combate às notícias falsas.
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