terça-feira, 26 de setembro de 2017

Teremos de escolher entre o ruim e o péssimo?

Há anos carrego comigo uma bandeira do Brasil em uma corrente. Sou daqueles que, quando bem mais jovem, ficava orgulhoso e se emocionava ao ouvir o hino nacional. Fiquei contente quando há dias li um texto de meu colega (e bússola para o jornalismo) Juan Arias, no qual caracterizava o nosso país como um “alegre caleidoscópio de felicidade”. Mas, ao contrário dele, não consigo mais ser tão otimista assim. Talvez o meu aparelho esteja embaçado e tenha se transformado em um caleidoscópio da desesperança.

Os escândalos de corrupção que varrem o país colaboram para o desânimo. A apreensão de 51 milhões de reais em um apartamento que era atribuído a Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Lula e Temer, trouxe uma sensação de impotência. Debilidade total. Milhões de brasileiros sabem que dificilmente terão acesso a tanto dinheiro durante toda a vida. A não ser que faça parte de esquemas criminosos. Ou ganhe na loteria.

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Há pouco mais de um ano, na abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, sentiu-se um sopro de esperança. Comentei com alguns amigos na época: “Esse é o meu país! Não aquele mar de corrupção que vemos todos os dias. Não aquelas brigas entre políticos para ver quem toma o poder do outro, sem pensar naqueles que eles governam. Ou deveriam governar”. Mas, como quase tudo de bom que há por aqui, durou muito pouco. As recorrentes denúncias de corrupção envolvendo até o que deveria ser o nosso “pão e circo”, mais uma vez, nos colocam para baixo.

O horizonte não parece nada animador. Mirando 2018, está claro que a renovação da classe política, por enquanto, está longe de ocorrer. E os que até o momento levantaram o dedo para sugerir uma eventual candidatura trazem mais preocupações do que empolgações. Uns têm discursos machistas, retrógrados, reacionários e chegam ao disparate de defender o armamento da população e a pena de morte – sim, quem defende que policiais têm de matar criminosos está defendendo a pena capital. Outros, insistem na privatização de quase todos os serviços estatais. Há ainda os que querem ampliar ainda mais a máquina estatal e conceder crédito aos que não têm como pagar. Há mais divergências do que consensos. A classe política está perdida e desacreditada. E os cidadãos, inertes.

Sinto, infelizmente, que os avanços ocorridos nos últimos 20 serão jogados na lata de lixo. Alguns deles já o foram. Na área ambiental, são inúmeros os alertas dados pelas organizações especialistas do setor. Na indígena, idem. E os que combatem a corrupção (ou deveriam fazê-lo) protagonizam frequentes trocas de ofensas. Os ataques deixaram o campo envolvendo acusados e acusadores. Juízes, advogados e procuradores, muitas vezes, discutem como se estivessem em torcidas opostas em um estádio de futebol. Nestes últimos anos, várias linhas foram ultrapassadas. De todos os lados. Não há dúvidas.

A divisão com a qual nos deparamos no Brasil nas eleições de 2014 ainda está longe de chegar ao fim. A intolerância que atinge até uma exposição de arte em um museu tem tudo para se fortalecer. A verdade das redes sociais parece ser mais real do que tudo. Assim, parece que corremos o sério risco de ter de escolher, em 2018, entre o ruim e o péssimo. Torço para que eu esteja errado. Ou que meu caleidoscópio seja consertado.

Mansões e Mucambos

Gilberto Freyre (1900-1987), seminal na análise sociológica da sociedade patriarcal brasileira, deu títulos de contraste às suas duas obras mais conhecidas, “Casa-Grande e Senzala” e “Sobrados e Mucambos”, lançadas nos anos 30 do século passado. Polêmico, ele via interseções muito singulares, “tropicais”, entre classes antagônicas. Haveria sempre um espaço de encontro, de intercâmbio, de recíproca influência.

Esse elo, se existiu, parece inteiramente perdido quando olhamos as cenas de agudos contrastes que a ex-capital do Império e da República produziu nos últimos dias.

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A suntuosa mansão do ex-governador fluminense Cabral e de sua esposa, em condomínio fechado de Mangaratiba, colocada em leilão com lance mínimo de R$ 8 milhões, é uma agressão às milhares de pequeninas e precárias casas da Rocinha, onde vivem cerca de 100 mil pessoas.

O dinheiro que Cabral, já condenado a 45 anos de cadeia, e sua organização criminosa viabilizaram para essa residência de luxo foi saqueado do Estado, que tanto carece dos serviços de educação, saúde, saneamento e segurança pública.

Esses doutores do poder e do roubo planejavam – no tempo das vacas gordas, antes de elas irem para o brejo – fazer um teleférico na Rocinha, desprezando o que os moradores consideravam prioridade. Já deviam ter planos propineiros acertados...

A sociedade está colhendo, a contragosto, o que o governo decadente do Rio de Janeiro plantou: criminalidade ilimitada.

Outro contraste: enquanto uma parcela da cidade festeja e dança, outra, bem mais numerosa, fica aterrorizada em meio ao fogo cruzado. Celebrar o quê?

A questão é trágica e complexa. Só há começo de solução a médio prazo. De imediato, ao cidadão comum resta torcer, rezar, orar para que a munição dos grupos armados acabe!

Diferentemente da “harmonia” de certa forma enxergada pelo Mestre de Apipucos, o que se imbrica agora é o banditismo oficial e o das quadrilhas do tráfico armado. A (falta de) “autoridade moral” dos ladrões de gravata e capital (alguns, enfim se dando mal!) e dos chefões do varejo das drogas ilícitas se equivale.

Este hoje de sangue e chumbo é consequência de anos do incremento do poder das máfias dentro e fora do Estado Nacional.

A terrível ironia, neste momento, é um presidente da República denunciado por participar de organização criminosa autorizando as Forças Armadas a ajudar a desmantelar... organizações criminosas.

Não nos iludamos, ainda que com o crescimento da sensação de segurança para quem estava sob tiroteio sem trégua: após 15 meses de ocupação militar na Maré, tudo voltou a ser como no indesejado antes.

Uma política de segurança pública eficaz pressupõe planejamento democrático e participativo, com envolvimento das comunidades (aproximação real); lisura dos agentes, sem conluio com o crime; combate efetivo e imediato ao crônico e crescente armamentismo; credibilidade e legitimidade dos governantes. E uma nova política de drogas, pois a da “guerra” fracassou.

Sem isso, tudo continuará paradoxal e toda ação será paliativa e frágil. Quem paga essa conta mortal é a população desamparada, qual marisco fustigado entre o rochedo e o mar.

Gente fora do mapa

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Outro mundo

O ministro Gilmar Mendes e o ex-procurador-geral Rodrigo Janot podem não concordar em nada, mas comportam-se como se estivessem unidos para sempre pelo deputado Justo Veríssimo – os dois querem, antes de qualquer outra coisa, que “o povo se exploda”, como dizia o personagem de Chico Anísio. O público pagante de impostos, que sustenta a ambos, acaba de ter a oportunidade de ver um e outro, quase lado a lado, voando em grande estilo para a Europa – ou, pelo menos, num estilo acima da imensa maioria de brasileiros que viaja de avião, ou, mais ainda, de ônibus, trem de subúrbio e a pé. Até quase à véspera, chamavam-se mutuamente de bandidos e coisas talvez piores, na frente de todo o mundo. Mas na hora da vida boa estavam juntos, no mesmo avião e na mais perfeita paz do Senhor, como homens civilizados que são, com os salários em dia e pagos por você. E o que aconteceu com a sua briga de vida ou morte em torno dos ideais patrióticos que dizem defender? Vai saber.

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Mendes e Janot são um retrato impecável da infinita distância que separa gente como eles, majestades do nosso “Estado republicano”, e o resto da população do Brasil. São dois mundos que se afastam cada vez mais – o deles, que sobrevive, prospera e manda no país às custas do erário, e o dos brasileiros que trabalham para ganhar a vida como ela é. Mendes, mais uma vez, estava faltando ao serviço. Como fazem seus dez colegas de STF, diz o tempo todo que tem uma carga insuportável de trabalho, mas jamais explicará porque viaja em dias de expediente – isso porque já tem 60 dias de férias pagas. Janot, num país razoavelmente sério, não estaria passeando na Europa. Estaria, neste preciso momento, respondendo a algum processo por prevaricação ou coisa parecida – ou, pelo menos, tratando de se defender da perda do cargo e da aposentadoria, por inépcia e a bem do serviço público. Nenhum dos dois, é óbvio, está ligando a mínima para nada disso. Não têm de explicar nada. Não têm de justificar coisa nenhuma. Não têm de responder a ninguém. O povo que se exploda.

Como destruir uma estatal

É um naufrágio espetacular: está à beira da falência um serviço com cinco séculos de história, receita de R$ 20 bilhões por ano garantida por monopólio constitucional, 120 mil empregados na folha de pagamentos e escritórios em 88% das cidades brasileiras.

Com sucessivos prejuízos, os Correios ficaram virtualmente inviabilizados porque foram transformados em mercadoria no balcão de governos, partidos e sindicatos.

A insatisfação dos clientes cresce de forma exponencial. Em São Paulo, por exemplo, o volume de reclamações já é 607% maior que cinco anos atrás e 120% acima do recorde do ano passado, segundo os registros do Procon paulistano até o último dia 15 de setembro.

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Esta semana começou com a terceira greve dos últimos 11 meses. Serviços postais em 20 estados amanheceram ontem prejudicados por causa de uma antiga disputa entre a Central Única de Trabalhadores, braço sindical do PT, e entidades emergentes no sindicalismo.

A empresa foi estatizada há 220 anos. Seu processo de destruição é recente e coincide com a deterioração dos padrões da política doméstica. Evidências da anarquia, com múltiplos episódios de corrupção, clientelismo político e sindical, começaram a ser expostas quando o governo Lula chancelou nomeados do PT, PCdoB, PTB, PDT e PMDB, entre outros, para o comando dos Correios e do Postalis, o fundo de pensão dos carteiros.

Em meados de agosto de 2005, Lula recebeu um relatório de auditoria sobre sete em cada dez contratos assinados em 40 departamentos dos Correios, durante os seus 19 meses de governo. Em valor, correspondiam a dois terços do faturamento anual. O documento descrevia 525 tipos de irregularidades, a maior parte classificada como de “alto risco” para a empresa.

No desgoverno, gastaram-se R$ 13 bilhões (corrigidos pelo IGP-M) em equipamentos e tecnologia sem análise de viabilidade técnica, de custos e de condições jurídicas, alguns com pagamentos antecipados e sem comprovação. Num deles, pagou-se R$ 178 milhões por uma “avaliação da gestão”. O resultado? “Insuficiente”, ironizaram os auditores.

Nessa mesma época, o fundo de pensão dos Correios passou grande parte dos seus recursos à gestão da Atlântica Administradora de Recursos, em parceria com o banco Mellon, dos EUA. Mais tarde, o Postalis descobriu que o dinheiro havia evaporado na compra de títulos sem valor da Venezuela e da Argentina. O prejuízo estimado em R$ 5 bilhões.

Enquanto isso, o caixa da empresa era drenado em mais R$ 5 bilhões para socorrer o governo Dilma Rousseff, sob a forma de pagamento de dividendos à União.

Com Michel Temer, tudo mudou para continuar onde está, inclusive a inapetência para enfrentar a crise.

O quadro lembra o samba de Bezerra da Silva:
“Antigamente governavam decente, sem sacrilégio
Hoje são indecentes, cheios de privilégio
É só caô, caô pra cima do povo
Promessa de um Brasil novo
E uma política moderna
Para tirar o Brasil dessa baderna
Só quando o morcego doar sangue
E o saci cruzar as pernas.”
José Casado

A fidelidade ao eleitor

Um em cada quatro deputados da atual legislatura trocou de partido, informou o Estado a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desde janeiro de 2015, dos 513 parlamentares, 124 mudaram de legenda. E um quarto desse grupo, 31 deputados, trocou de partido mais de uma vez. Há casos de quem, nesses dois anos e nove meses, passou por quatro legendas.

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É muita troca para um sistema eleitoral onde os mandatos pertencem aos partidos, e não aos candidatos. Vale lembrar que não são permitidas candidaturas independentes, sem filiação partidária. Ou seja, no Brasil a representação política é sempre feita por meio das legendas. É dessa realidade fundamental que nasce a regra da fidelidade partidária, que deve valer para todas as eleições, tanto as proporcionais – como ocorre na escolha de deputados federais, estaduais e distritais e de vereadores – como as majoritárias, para os cargos de prefeito, governador, senador e presidente da República.

Acertadamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em 2007 que os mandatos pertencem aos partidos, e não aos candidatos, e, portanto, quem troca de legenda deve perder o cargo. Na decisão, porém, a Suprema Corte reconheceu essa realidade apenas para as eleições proporcionais, como se o cerne da questão sobre a fidelidade partidária fosse o método de aferição do resultado da eleição – se por meio do coeficiente eleitoral, se pelos votos atribuídos a cada candidato.

É claro que, em eleições proporcionais, a fidelidade partidária ganha ainda mais importância, pois uma posterior troca de partidos sem a perda de mandato desvirtua completamente a representação. Mas também nas eleições majoritárias, por força do papel da legenda na representação, deve existir a regra da fidelidade partidária. Nesse sentido, era muito oportuna a redação original da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282/2016, que, além de proibir as coligações partidárias nas eleições proporcionais e fixar uma cláusula de desempenho aos partidos políticos, estabelecia que também nas eleições majoritárias a desfiliação da legenda acarretaria a perda do mandato.

Tal restrição não foi, no entanto, bem acolhida por boa parte dos deputados e, como reconheceu recentemente a relatora da PEC 282/2016, deputada Shéridan (PSDB-RR), a supressão dos artigos relativos à fidelidade partidária é um dos poucos consensos na próxima votação do segundo turno da proposta na Câmara. Perde-se assim uma oportunidade real de melhorar o sistema eleitoral.

Depois, esses parlamentares tão empenhados na defesa da infidelidade partidária não devem se assustar se os eleitores não se veem representados por eles. Na realidade, sempre que a fidelidade partidária é desrespeitada, comete-se uma violência contra a vontade do eleitor, como se a sua escolha na urna tivesse pouca importância. O mínimo compromisso de um representante eleito é manter-se no partido pelo qual obteve o cargo.

De acordo com o TSE, desde a decisão do STF em 2007, mais de 400 deputados trocaram de partido. E, desse total, apenas dois deputados perderam o mandato por infidelidade partidária. Essa quase impunidade é reflexo das medidas que o Congresso aprovou para relaxar a fidelidade partidária. Estabeleceu-se, por exemplo, a possibilidade de trocar de legenda, em determinados períodos, sem a perda de mandato. São as chamadas janelas partidárias. Além disso, fixou-se que se pode trocar de partido por “justa causa”. Ao lado de motivos razoáveis, como a discriminação política pessoal ou uma mudança no programa partidário, a legislação incluiu como justa causa o surgimento de um novo partido.

Em palavras de um deputado que trocou quatro vezes de legenda, “se você escolher o partido correto, você já tem 50% de chance de se eleger”. Na verdade, as frouxas regras relativas à fidelidade partidária, em vez de permitir a sobrevivência política dos parlamentares, são uma grande cunha entre a população e a vida política do País, a ampliar cada vez mais a grande distância já existente. Tudo o que desprestigia os partidos desprestigia a representação, desprestigia a democracia.

Paisagem brasileira

Barcos na baía da Guanabara, Cardosinho

Seis brasileiros concentram a mesma riqueza que a metade da população mais pobre

Jorge Paulo Lemann (AB Inbev), Joseph Safra (Banco Safra), Marcel Hermmann Telles (AB Inbev), Carlos Alberto Sicupira (AB Inbev), Eduardo Saverin (Facebook) e Ermirio Pereira de Moraes (Grupo Votorantim) são as seis pessoas mais ricas do Brasil. Eles concentram, juntos, a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres do país, ou seja, a metade da população brasileira (207,7 milhões). Estes seis bilionários, se gastassem um milhão de reais por dia, juntos, levariam 36 anos para esgotar o equivalente ao seu patrimônio. Foi o que revelou um estudo sobre desigualdade social realizado pela Oxfam.

O levantamento também revelou que os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95% da população. Além disso, mostra que os super ricos (0,1% da população brasileira hoje) ganham em um mês o mesmo que uma pessoa que recebe um salário mínimo (937 reais) - cerca de 23% da população brasileira - ganharia trabalhando por 19 anos seguidos. Os dados também apontaram para a desigualdade de gênero e raça: mantida a tendência dos últimos 20 anos, mulheres ganharão o mesmo salário que homens em 2047, enquanto negros terão equiparação de renda com brancos somente em 2089.

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Segundo Katia Maia, diretora executiva da Oxfam e coordenadora da pesquisa, o Brasil chegou a avançar rumo à correção da desigualdade nos últimos anos, por meio de programas sociais como o Bolsa Família, mas ainda está muito distante de ser um país que enfrenta a desigualdade como prioridade. Além disso, de acordo com ela, somente aumentar a inclusão dos mais pobres não resolve o problema. "Na base da pirâmide houve inclusão nos últimos anos, mas a questão é o topo", diz. "Ampliar a base é importante, mas existe um limite. E se você não redistribui o que tem no topo, chega um momento em que não tem como ampliar a base", explica.
América Latina

Neste ano, o Brasil despencou 19 posições no ranking de desigualdade social da ONU, figurando entre os 10 mais desiguais do mundo. Na América Latina, só fica atrás da Colômbia e de Honduras. Para alcançar o nível de desigualdade da Argentina, por exemplo, o Brasil levaria 31 anos. Onze anos para alcançar o México, 35 o Uruguai e três o Chile.

Mas para isso, Katia Maia propõe mudanças como uma reforma tributária. "França e Espanha, por exemplo, têm mais impostos do que o Brasil. Mas a nossa tributação está focada nos mais pobres e na classe média", explica ela. "Precisamos de uma tributação justa. Rever nosso imposto de renda, acabar com os paraísos fiscais e cobrar tributo sobre dividendos". Outra coisa importante, segundo Katia Maia, é aproximar a população destes temas. "Reforma tributária é um tema tão distante e tecnocrata, que as pessoas se espantam com o assunto", diz. "A população sabe que paga muitos impostos, mas é importante que a sociedade esteja encaixada neste debate para começar a pressionar o Governo pela reforma".

A aprovação da PEC do teto de gastos, de acordo com Katia Maia, é outro ponto importante. Para ela, é uma medida que deveria ser revertida, caso o país realmente deseje avançar na redução da desigualdade. "É uma medida equivocada", diz. "Se você congela o gasto social, você limita o avanço que o Brasil poderia fazer nesta área". Para ela, mais do que controlar a quantidade do gasto, é preciso controlar o equilíbrio orçamentário e saber executar o gasto.

Além das questões econômicas, o cenário político também é importante neste contexto. "Estamos atravessando um momento de riscos e retrocessos", diz Katia Maia. "Os níveis de desigualdade no Brasil são inaceitáveis, mas, mais do que isso, é possível de ser mudado".

País dos descarados

O descaramento público e notório é o pão nosso da cada dia
 

Idiotas que creem na salvação pela tecnologia ignoram essência humana

A fenomenologia científica da idiotia contemporânea ocupará muito tempo nos anais dos congressos de antropologia e etnopsiquiatria nos próximos mil anos. Isso se esses mil anos não forem tomados por esses tipos sofisticados de idiotas que dominam, em grande parte, o mundo "rico" atual.

Você não sabe o que é um idiota da tecnologia? Veja o filme "O Círculo", com Emma Watson e Tom Hanks. A personagem interpretada por ela é o exemplo típico de um idiota da tecnologia. O personagem interpretado por ele, o vilão, é mais saudável do que ela, a "santinha" da história.

Eis uma primeira característica desse tipo de comportamento: o idiota da tecnologia é alguém que vê o avanço da tecnologia como fato evidente de que o mundo será melhor e de que, retirando de circulação os poucos vilões (como o personagem do Hanks no filme em questão), o resto da humanidade (a maioria soberana) caminhará em direção a um futuro de "uso responsável" da ferramenta.

A ferramenta de redes sociais do filme é simples: todos veem todos o tempo todo. Como diz a personagem da Watson: "Every secret is a lie" (todo segredo é uma mentira).


Ao longo do filme, algo de terrível acontece com ela e um amigo seu, mas, diante do horror da destruição da privacidade, ela opta por comparar os riscos dessa ferramenta com aviões que raramente caem, mas que nem por isso deixamos de voar.

Nessa comparação reside a identidade do idiota da tecnologia. Ele é um incapaz de apreender que o ser humano, quando exposto a demasiada luz, dissolve. Torna-se um monstro. É na sombra que a alma sobrevive. Na ausência de informação plena. Numa certa tensão com a impossibilidade, com o fracasso. Só idiotas "creem" no sucesso como redenção do humano -ou quem nunca teve sucesso na vida.

Num dado momento, ao ser entrevistada para entrar no "Círculo", a empresa em questão, ela diz que o pior que pode acontecer à humanidade é "ter potencialidades não realizadas". Outro traço do idiota da tecnologia. Não entende que a realização da potencialidade absoluta é a "demonização" do humano. E que os inteligentinhos da tecnologia não me venham com seu mimimi. É um descrente que aqui vos escreve. Quem defende o humano pleno (o "pós-humano" como dizem por aí), ou o faz por ignorância ou por má-fé.

No filme, nossa idiota, após levar seu melhor amigo à morte por conta do assédio de um bando de pessoas, que como um enxame de abelhas o localizam e o acossam por meio de seus celulares e da ferramenta de localização do "Círculo", chega à conclusão de que eliminando o dono da empresa (o capitalista egoísta interpretado por Hanks) e abrindo a ferramenta para o mundo inteiro, todo o risco acabará.

Na última cena, todo mundo vê todo mundo no mundo todo, em tempo real. Quem não percebe a distopia nessa sequência é um idiota da tecnologia.

A ideia de transparência absoluta da vida é uma monstruosidade em que, infelizmente, muitos creem. A democracia plena.

O fato de que a falta de transparência pode levar à corrupção faz com que os idiotas da tecnologia achem que instalando a transparência plena (todos veem todos o tempo todo em tempo real) acontecerá a pureza absoluta no mundo.

Não. Levará a outro tipo de corrupção: aquela já descrita, ainda de forma "fascista", na obra "1984" de George Orwell. Não há tirano maior do que o controle de todos por todos. A soberania absoluta do "povo" sobre as pessoas é pior do que a tirania de Lênin ou Stálin. O maior fascismo é a democracia de todos contra o indivíduo. Não há onde se esconder.

Fiodor Dostoiévski (1821-1881), o maior profeta desse tipo de horror moderno (entre outros profetizados por ele), viu o sonho da "democracia das redes sociais plena" em 1851 no Hyde Park em Londres: o Palácio de Cristal, a casa do futuro (fato ao qual o autor alude em seu livro "Memórias do Subsolo").

Diante do delírio dos que viam nessa casa transparente a beleza das tecnologias do progresso, em que todos seriam "objetos da informação", Dostoiévski fez o diagnóstico que vale para esses idiotas das tecnologias da informação hoje: só o homem escondido no subsolo sobreviverá.

Temer contraria Fazenda e troca Bolsa Sonegador por enterro da segunda denúncia

A segunda denúncia da Procuradoria contra Michel Temer, ora em tramitação na Câmara, tornou Brasília um pouco mais ilógica. Inverteram-se os papeis. O presidente da República já não tem apoiadores no Congresso. Os parlamentares governistas é que têm o presidente. Eles fazem gato-sapato de Temer. Nesta segunda-feira, arrancaram do presidente mais um mimo: o Bolsa Sonegador.

Às vésperas da votação da denúncia que deseja ver enterrada no plenário da Câmara, Temer cedeu às pressões dos parlamentares para modificar a medida provisória que instituiu a mais recente versão do Refis, como são chamados os programas de refinanciamento de dívidas com o fisco. A contragosto da equipe econômica do governo, o novo texto oferecerá condições açucaradas aos sonegadores: descontos de até 90% nos juros, 70% nas multas e 25% nos encargos financeiros.


Medidas provisórias, como se sabe, entram em vigor a partir de sua edição. Perdem a eficácia se o Congresso as rejeitar ou deixar de apreciar. A MP do Refis foi baixada por Temer com o propósito de render ao fisco uma coleta estimada em R$ 13 bilhões. Enviada ao Congresso, a proposta ganhou um relator providencial: o deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), cujas empresas acumulam débitos tributários de R$ 67,8 milhões.

A perspectiva de arrecadação despencou na proporção direta das benesses que Cardoso Júnior ofereceu a si mesmo a aos demais sonegadores da República. Se a proposta do deputado prevalecesse, a previsão de receita seria de R$ 500 milhões, não de R$ 13 bilhões. O governo levou o pé à porta. Reeditou a MP. Muitos devedores agarraram-se à versão original e compareceram aos guichês do fisco para acertar suas dívidas.

O Ministério da Fazenda faz mistério sobre o montante arrecadado. Estima-se que entraram nos cofres do Tesouro algo como R$ 9 bilhões. As adesões ao programa podem ocorrer até a próxima sexta-feira (29). E o prazo de validade da MP do Refis vence no dia 11 de outubro. A equipe de Henrique Meirelles passou a considerar que não votar a medida no Congresso seria um fabuloso negócio, pois os acertos já firmados com devedores seriam mantidos.

Eis que sobreveio a nova denúncia em que a Procuradoria acusa Temer de organização criminosa e obstrução da Justiça. Aproveitando-se do fato de que passaram da condição de apoiadores para a de donos de Temer, os governistas atropelaram a equipe da Fazenda. O acerto foi costurado em reunião com os líderes do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e no Congresso, André Moura (PSC-SE). A dupla esteve no Planalto na noite passada.

Participaram da articulação os ministros palacianos Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). Ambos têm interesse direto em adular os congressistas, pois foram incluídos na denúncia contra Temer como membros da “organização criminisa” do PMDB da Câmara. Pelo Ministério da Fazenda, testemunhou a rendição o secretário-executivo Eduardo Guardia.

Agora, os parlamentares correm para votar o Bolsa Sonegador antes de sexta-feira. Não faltam interessados. Há na Câmara 291 deputados pendurados na Receita Federal. Juntos, devem R$ 1 bilhão. No Senado, há 46 devedores. O espeto tributário dos senadores soma cerca de R$ 2 bilhões. Tudo isso sem mencionar os casos de parlamentares cujas campanhas foram financiadas por grandes sonegadores.

Lançado em sucessivas versões, o Refis tornou-se nos últimos 15 anos uma iniciativa injusta e burra. É injusta porque cria dois tipos de guichês na Receita. Num, quem deve paga suas dívidas. Noutro, quem sonega é premiado com descontos camaradas. A mágica é burra porque estimula bons pagadores a brincar de esconde-esconde com o fisco, só para entrar na fila do próximo Refis.