sexta-feira, 18 de setembro de 2020

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Bolsonaro faz bom uso da mentira para se reeleger

Bolsonaro disse ontem: “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente], e o país que mais sofre ataques vindos de fora, no tocante ao seu meio-ambiente. O Brasil está de parabéns pela maneira como preserva o seu meio-ambiente".

Bolsonaro também disse ontem: “O Moro não tem que perguntar nada para mim. Ele tem de dizer: ‘Olha, você interferiu aqui. Fez isso, fez aquilo’. Isso a gente rebate rapidamente”.

Por que Bolsonaro disse que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente quando isso nunca foi verdade e definitivamente deixou de ser desde que ele assumiu o governo?

E por que disse que Sergio Moro não tem que perguntar nada para ele quando Moro jamais foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal a perguntar quando Bolsonaro fosse interrogado no processo que investiga sua tentativa de intervir na Polícia Federal?

Bolsonaro pode gostar de mentir, e mente diariamente, e não perde uma oportunidade de mentir. Mas não é por puro prazer, doença ou obsessão que mente. Mente conscientemente. A mentira serve à construção de um mundo paralelo que só o beneficia.


Foi assim ou não foi quando ele inventou a história do kit-gay, a mentira que mais lhe rendeu votos nas eleições passadas? Uma mentira a essa altura histórica, tanto quanto a de Trump sobre o nascimento de Barack Obama fora do território americano.

Foi assim ou não foi quando Bolsonaro inventou, e repete até hoje, que o Supremo retirou parte dos poderes que eram seus para combater o coronavírus e transferiu-os para governadores e prefeitos? Por isso ele teria ficado de mãos atadas.

Mentira estúpida, essa, para justificar o fracasso do governo federal no enfrentamento da pandemia que já matou mais de 135 mil pessoas e infectou 4,4 milhões. Cadê os 50 milhões de testes prometidos? Não passaram de 6,5 milhões, se muito.

Bolsonaro reescreve os fatos como um animador de tragédias

Jair Bolsonaro anda fazendo bico como animador de tragédias. O governo fez pouco caso da devastação das florestas na atual temporada de seca e viu o Pantanal bater recordes de queimadas nos últimos meses. Ainda assim, o presidente tentou jogar confete no desastre.

“O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente”, celebrou, durante um evento nesta quinta. “O Brasil está de parabéns pela maneira como preserva o seu meio ambiente.”

Bolsonaro desmontou a gestão ambiental, perseguiu fiscais, protegeu madeireiros e quis maquiar números do desmatamento. Recentemente, ele atribuiu as queimadas à população indígena e à geração espontânea. Só não demonstrou grande interesse em combater o fogo.

O presidente tomou gosto por comemorar os resultados de sua própria omissão. Para isso, vale distorcer informações, esconder problemas e até reescrever os fatos a seu favor.

Nas últimas semanas, Bolsonaro lançou uma campanha nas redes e em eventos oficiais para tentar convencer a população de que o governo fez tudo certo na pandemia que matou mais de 130 mil pessoas no país.

Depois de ter deixado o Ministério da Saúde sem titular por três meses, o presidente usou a posse de Eduardo Pazuello no cargo, na quarta, para aplaudir a si mesmo. Ainda que tenha previsto menos de 800 mortos na crise, Bolsonaro falava como se tivesse dado todas as respostas.

A cloroquina foi a estrela do discurso. O presidente voltou a fazer propaganda do remédio e disse que o governo se baseou na agência reguladora dos EUA para recomendá-lo. Bolsonaro só esqueceu que a própria FDA lançou em julho um alerta sobre os riscos do medicamento.

Ele também recordou, em tom laudatório, o pronunciamento de TV em que comparava a Covid-19 a um “resfriadinho”, em março. O presidente disse ter avisado que era preciso combater a doença e o desemprego. Naquele mesmo dia, porém, ele afirmou que o vírus passaria “em breve”. Só faltou dar parabéns a si mesmo por não ter feito quase nada.

As chamas da negação

As chamas ardem na Costa Oeste dos Estados Unidos e em dois importantes biomas nacionais, Amazônia e Pantanal. Debates essenciais nascem desses incêndios. O primeiro deles subiu para o topo da agenda na campanha para a presidência dos EUA: o aquecimento global. Lá, como aqui, há os que aceitam as evidências científicas e os que as negam.

Um segundo debate decorre do próprio princípio de precaução. Se há realmente mudanças climáticas, os incêndios serão mais intensos a cada ano. Logo, é razoável nos preparamos melhor, em vez de sermos anualmente derrotados por eles.

No Pantanal já foram destruídos mais de 22 mil km2 de vegetação, uma área do tamanho de Israel. Serpentes e jacarés carbonizados estão por toda parte, o refúgio das araras azuis está ameaçado, chamas em Porto Jofre, onde se concentra uma centena de onças-pintadas.

O desastre neste ano é muitas vezes maior que o do ano passado, que tive a oportunidade de documentar. Muito possivelmente, a julgar pelas notícias, a maioria dos focos de incêndio foi provocada. Talvez por pessoas que sonham com um Pantanal transformado apenas em pastagens e campos plantados. Ignoram a riqueza que estão destruindo. São os mesmos que sonhavam em transformar a região em grandes canaviais. Não percebem que ao destruir a vegetação arruínam todo o ecossistema, os próprios peixes que se alimentam de pequenos frutos tendem a desaparecer.

Essa incompreensão básica está também no Palácio do Planalto. Bolsonaro sonha com campos de soja, muito gado, o que na cabeça dele significa aumento da produção. Deve ser por isso que todos riram no palácio quando uma jovem blogueira perguntou pelo incêndio no Pantanal.



Bolsonaro nega o aquecimento global. E pratica sua negação. As verbas para a prevenção de incêndios caíram sistematicamente de 2018 para cá. As destinadas a brigadas, que eram de R$ 23 milhões, foram reduzidas a R$ 9, 9 milhões.

Ele caminha decisivamente na contramão das tendências climáticas. Acha que seu voluntarismo pode afrontá-las com a mesma naturalidade com que muda as regras de trânsito. Em ambos os casos colheremos mortes e destruição.

Cessado o fogo, será difícil articular um projeto de replantio. Os bichos e a mata atrapalham a produção. A ajuda internacional será vista como ameaça à soberania nacional.

Apesar do negacionismo de Trump, o horizonte no Brasil é mais sombrio. Bolsonaro representa um tipo de pensamento que existe também em parte dos fazendeiros e amplamente nas Forças Armadas. Esse tipo de pensamento relaciona destruição ambiental com progresso. O próprio ministro Paulo Guedes disse que os americanos tinham destruído suas florestas e acabado com índios.

É o tipo de argumento clássico do pensamento dominante no governo brasileiro, hoje uma estranha amálgama de generais do Exército e pastores evangélicos. Não há outro caminho senão tentar convencê-los, antes que consigam destruir o País na suposição de que fortalecem a soberania terrena e nos aproximam do reino dos céus.

A produtividade de agrofloresta é um exemplo na Amazônia. Os lucros da exploração sustentável de açaí e castanha são outro. O potencial turístico do Pantanal, a própria capacidade do bioma de atrair investimentos, tudo isso tem de ser repetido à exaustão.

As gargalhadas diante das chamas que devoram um bioma como o Pantanal revelam apenas a distância entre a pobreza da mentalidade dominante e a riqueza de nossos recursos naturais. A utopia de um mundo plantado de soja, subsolo revolvido em busca de minérios, gado pastando na relva – tudo guardado por um exército vigilante, que pinta de branco as poucas árvores que restam, é, na verdade, um pesadelo. Seríamos uma nação que construiu com tenacidade um imenso deserto, teríamos transformado o mundo no espelho do nosso universo mental.

Quem acompanha o desastre do Pantanal desejaria que Bolsonaro tivesse uma ideia mínima do que está acontecendo. Com um pouco de humildade, ele se arrependeria de chamar as ONGs de um câncer que gostaria de extirpar. São as ONGs que se põem em campo, salvando grande parte dos animais feridos, sem nenhuma estrutura ou base financeira além da cooperação voluntária.

Quando cobri um desastre na Galícia constatei que o próprio governo pôs à disposição um pequeno hospital para as aves marinhas atingidas. Comparadas com a fauna do Pantanal, as aves marinhas da Galícia são só um pequeno grupo.

Aqui, no Brasil, o trabalho é feito pela sociedade. Não importam os insultos vindos do mundo oficial, a esperança de reduzir o impacto destrutivo dessa passagem do fundamentalismo pelo poder ainda se baseia em solidariedade e trabalho voluntário. E tudo isso nos alcança num momento de pandemia, em que a capacidade de reação é limitada.

Ao intenso ataque do vírus soma-se a fumaça que atinge as grandes cidades da região. Restou-nos apenas a negação da dupla negação do governo: coronavírus e aquecimento global. Em ambos os casos, resistimos. Mas é impossível deixar de sonhar com um país em que governo e sociedade enfrentem juntos os desastres naturais e sanitários. A vida seria menos difícil.

Ladrões de mendigos e doentes

Não acredito! Agora foi demais. Deve ser uma das frases mais repetidas, e desmentidas, pela realidade do Brasil. Há sempre mais. Já tivemos quadrilhas de políticos e empresários que roubavam nas compras de sangue de hospitais públicos; que sugavam a merenda escolar da boca das crianças para seus bolsos; desviavam verbas para compra de ambulâncias. Próteses. Vacinas. Sempre dos que mais precisavam. Um dos maiores assaltos da quadrilha de Sérgio Cabral foi na Secretaria de Saúde de Sérgio Côrtes, um médico que roubava doentes.


Pelo perfil de covardia, crueldade e desprezo por seu semelhante, não é surpresa que justamente durante a pandemia, no pior momento, bandidos oficiais roubem na compra de respiradores, hospitais de campanha e remédios para a população pobre. A quadrilha de Witzel tinha uma tropa de assalto na Secretaria estadual de Saúde. O bando do satânico pastor Crivella saqueou verbas da saúde, outros desviaram R$ 41 milhões da Fundação Leão XIII, que existe para cuidar da população de rua. Roubaram dinheiro de mendigos!

Roubar sangue, ambulâncias, remédios, respiradores e merenda escolar seria moralmente mais grave do que achacar, receber propina, roubar de ricos e de empresas em obras publicas e programas governamentais? Tanto faz, a conta é sempre paga por todos, principalmente os pobres, que pagam impostos em tudo o que compram. 

Mas ladrão é ladrão. É uma vocação, vem de fábrica, tá no sangue, tantos são os sobrenomes em comum de filhos e mulheres de juízes denunciados por venda de sentenças que são advogados. No Brasil, não é a ocasião que faz o ladrão, é o ladrão que faz a ocasião. O mais impressionante é a covardia, crueldade e sadismo na escolha de sua presa indefesa: o elemento sabe que está roubando dos que mais precisam.

O que merece essa escória, a maioria impune com a cumplicidade do Judiciário e de um sistema legal feito para proteger quem pode mais?

Brasil da fome

 


Ventos ruins e sopros de esperança

Uma década depois da instituição do Dia Mundial da Democracia, 15 de setembro de 2010, o mundo está submerso em uma recessão democrática, que pode se aprofundar nesses tempos de pandemia, como alertou manifesto assinado por 160 intelectuais da América Latina e ex-presidentes, entre os quais Fernando Henrique Cardoso, Tabaré Vázquez, José Mujica e Mauricio Macri. O marco temporal do recuo da democracia é 2006, quando aumentou o número de países de índole autoritária e de democracias de baixa qualidade.

Esse fenômeno levou o cientista político Larry Diamond, da Universidade de Oxford e autor do livro “Ill winds” a ser o primeiro a usar o termo recessão democrática para definir o período que vivemos.

Com ele, chegou ao fim a terceira onda democrática, iniciada em 1974 com a crise das ditaduras. Uma por uma elas foram caindo em efeito dominó: Grécia, Portugal, Espanha. Nos anos 80 foi a vez das ditaduras militares da América Latina. Os ventos da democracia chegaram ao leste asiático, derrubaram o muro de Berlim, fizeram ruir as ditaduras do “socialismo real”. Com o fim da União Soviética houve um encolhimento de países de regime totalitários, ao tempo em que a democracia se estendeu para o leste europeu.

Mesmo na China de Deng Xiaoping houve afrouxamento do regime, apesar do massacre da Paz Celestial. Criou-se a expectativa de que o desenvolvimento e a integração da China na economia mundial desaguaria em uma democracia.

Os anos 90 foram o apogeu da terceira onda democrática, com o multilateralismo em alta e a afirmação da democracia como o grande valor universal. Ao final do século 20, as ideologias e regimes totalitários – de direita ou de esquerda – tinham sido derrotados. O Brasil singrou nesses mares, vivenciando o maior período de sua história sem quarteladas ou interrupção democrática. A Constituição-Cidadã de 1988 alargou a democracia política e social.



Larry Diamond tem razão quando define 2006 como o marco temporal do fim dessa onda. Mas foi sobretudo na segunda década deste século que a recessão democrática se expandiu. Seu ponto culminante foi a vitória de Donald Trump. Com ela, instalou-se uma cultura autoritária no berço da democracia moderna. A onda chegaria ao Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. A resiliência das nossas instituições tem segurado o tranco, mas a qualidade da nossa democracia foi rebaixada significativamente.

O populismo, de direita ou de esquerda, espraiou-se pelos quatro cantos do mundo. Na América Latina, tivemos o populismo de esquerda. Na Europa, a vaga nacional-populista de direita gerou regimes híbridos – formalmente democráticos, mas com forte viés autoritário - como os da Hungria, Polônia e Turquia. A Índia do primeiro ministro Narendra Modi deixou de ser a maior democracia do mundo em termos populacionais para se tornar um país de regime híbrido, tendendo para o autoritarismo. O colapso da Primavera Árabe foi parte desse roteiro.

Na Europa ocidental emergiram lideranças da extrema-direita como Matteo Salvini, na Itália, e Marine Le Pen, na França. E, pela primeira vez depois da segunda guerra mundial, surgiu um partido forte de extrema direita na Alemanha. A União Europeia, o mais avançado arcabouço institucional do multilateralismo, foi duramente golpeada com a vitória do Brexit na Grã-Bretanha.

A Rússia, país sem cultura democrática arraigada, saiu da ditadura do partido único para o nacional-populismo de Wladimir Putin, assim como tinha saído do czarismo para o “socialismo real”. O novo “czar de todas as Rússias” fez ressurgir das cinzas o pan-eslavismo, reposicionando-a na geopolítica mundial como grande player. Na China de Xin Jinping, o Partido Comunista suprimiu tendências internas e reforçou o seu controle sobre a economia e a sociedade. O modelo autoritário chinês se apresenta como meritocrático alternativo à “democracia disfuncional”.

Não é a primeira vez na história em que a “disfuncionalidade” da democracia é contraposta à racionalidade e eficácia de regimes totalitários. Nos anos 30, o fascismo e o comunismo vendiam-se como alternativas à “ineficiência” da democracia. A Itália de Benito Mussolini jactava-se porque os trens saiam no horário, enquanto o stalinismo vangloriava-se de ter tirado a Rússia do seu atraso, transformando-a em uma potência mundial. Ao final do século 20 os vitoriosos não foram o fascismo ou o socialismo. Foram o capitalismo e a democracia.

Sim, ventos ruins varrem o mundo nesses dez anos de Dia Mundial da Democracia, mas há sopros de esperança no apagar das luzes da década. Mesmo em países de regimes híbridos, como a Polônia e a Hungria, há sinais positivos. A última eleição polonesa revelou um país divido ao meio, com quase metade da população se manifestando favorável à democracia.

Na Hungria de Viktor Orbán, partidos de oposição pela primeira vez se uniram para disputar as próximas eleições. O nacional-populismo, por sua vez, mostrou-se impotente diante da pandemia. O isolacionismo foi incapaz de responder à crise sanitária global. O negacionismo, por sua vez, desnudou lideranças como Matteo Salvini e Donald Trump.

A resposta assertiva da União Europeia para a reconstrução das economias dos países afetados pela pandemia serviu de contenção à vaga nacional-populista.

Angela Merkel se afirmou como a grande liderança europeia, quiçá mundial. A eleição alemã acontecerá no ano que vem, mas as pesquisas já indicam um fortalecimento robusto do partido de Merkel – o CDU. Seu partido acaba de ser vitorioso nas eleições municipais na região mais populosa da Alemanha e o Partido Verde se afirmou como segunda força. O grande derrotado foi o Alternativa Para a Alemanha, de extrema-direita, com apenas 5% dos votos.

O fato mais esperançoso vem dos Estados Unidos, onde uma cultura de unidade nacional instalou-se primeiro no Partido Democrata e vem conquistando corações e mentes. Joe Biden lidera, até agora, as pesquisas. Depois de oscilar para baixo, recuperou terreno nas simulações diárias do site FiveThirtyEight, com 75% de chances de vitória.

Uma possível vitória de Joe Biden não significará necessariamente o fim da recessão democrática e nem sequer o começo do fim, mas talvez o fim do começo, para usar a genial frase de Winston Churchill.
Hubert Alquéres

INSS humilha clientela e Bolsonaro finge não ver

Deve haver, escondido nos subterrâneos do INSS, uma escola de ineficiência, desrespeito e humilhação. Não é possível que os responsáveis pelo órgão nasçam com tanta tarimba. O instituto é, hoje, o local onde há a maior possibilidade de se criar um órgão público inteiramente novo. Caos não falta.

Fechadas desde março, as agências do INSS programaram-se para reabrir nesta segunda-feira. Houve de tudo, exceto respeito à clientela. A principal demanda era a realização de perícias médicas. Produziram-se filas, reclamações e humilhações. Consultas? Nenhuma. Os médicos não deram as caras.

Cerca de 750 mil brasileiros aguardam na fila por uma perícia que lhes permita começar a receber benefícios como o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Desse total, algo como 7 mil pessoas marcaram hora pelo telefone, como exige o INSS. Deram com a cara na porta.



A Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais concluiu que não havia segurança sanitária para a realização dos exames. Avaliou-se que, desprotegidos, doutores e pacientes seriam presas fáceis para o coronavírus. Faltou avisar a clientela..

Crítico do isolamento social, Jair Bolsonaro defende a reabertura de tudo —de boteco a shopping center. Só não consegue reabrir os guichês do INSS. As agências deveriam ter voltado a funcionar em 13 de julho. Nada.

Sob a alegação de que o tempo era curto, reagendou-se a volta para 3 de agosto. Nem sinal. Reprogramou-se o retorno para esta segunda-feira, 14 de setembro. Deu no que deu.

Pela lei, o INSS é obrigado a analisar os pedidos de benefício no prazo máximo de 45 dias. Há pessoas na fila há mais de seis meses. Gente pobre, à espera de auxílio-doença, pensão por velhice ou deficiência (BPC).

Por uma dessas ironias fatais, o INSS coabita com a Receita Federal o organograma do Ministério da Economia. Numa repartição, morde-se o bolso do contribuinte com tecnologia e eficiência dignas do século 21. Noutra, o mesmo Estado oferece serviços do século 19.

O cliente pobre do INSS só será notado por Jair Bolsonaro no dia em que se declarar um brasileiro sem fins lucrativos e se reorganizar como igreja. Nessa condição, não precisará marcar hora. Será recebido com tapete vermelho, subirá pelo elevador privativo e entrará no gabinete presidencial sem bater.

'Tenho sangue nas mãos'

Em um memorando interno de 6.600 palavras para colegas de trabalho, a cientista de dados Sophie Zhang disse que, sem supervisão, tomou decisões "que afetaram presidentes" de países ao redor do mundo.

"Tenho sangue nas mãos", escreveu ela no memorando, do qual partes foram publicadas pelo site Buzzfeed sem seu conhecimento.

Em resposta, o Facebook disse que está "trabalhando muito para impedir maus usuários e comportamentos não autênticos."

Em seu memorando, Zhang afirmou: "Nos três anos que passei no Facebook, encontrei várias tentativas flagrantes de governos nacionais e estrangeiros de abusar de nossa plataforma em grandes escalas para enganar seus próprios cidadãos e criar notícias internacionais em várias ocasiões."

"Eu pessoalmente, sem supervisão, tomei decisões que afetaram presidentes e agi contra tantos políticos proeminentes globalmente que perdi a conta", acrescentou ela.


Segundo o Buzzfeed, que disse ter compartilhado apenas as partes de seu memorando que eram de interesse público, Zhang recusou um pacote de indenização de Us$ 64 mil (R$ 335 mil), sob a condição de que ela não compartilhasse seu memorando.

Em resposta, o Facebook afirmou: "Construímos equipes especializadas, trabalhando com os principais especialistas, para impedir que malfeitores abusem de nossos sistemas, resultando na remoção de mais de 100 redes por comportamento coordenado não autêntico."

"É um trabalho muito complicado que essas equipes fazem em tempo integral. Trabalhar contra comportamentos não autênticos coordenados é nossa prioridade, mas também estamos abordando os problemas de spam e falso engajamento", acrescentou a empresa.

"Investigamos cada questão cuidadosamente, incluindo aquelas levantadas por Zhang, antes de tomarmos medidas ou de fazer afirmações públicas como uma empresa", disse o Facebook.

No memorando, ela cita diferentes exemplos de manipulação política ou tentativa de manipulação no período em que esteve no Facebook, entre eles:

- 10,5 milhões de falsas reações e falsos seguidores foram removidos de perfis de políticos de destaque no Brasil e nos Estados Unidos nas eleições de 2018 (respectivamente, presidencial e legislativa).

- O Facebook, diz ela, demorou nove meses para agir com base em informações de que robôs (bots) estavam sendo usados para impulsionar o presidente de Honduras, Juan Orlando Hernandez.

- No Azerbaijão, o partido do governo usou milhares de robôs para perseguir a oposição

- Um pesquisador da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) informou ao Facebook ter encontrado atividades oriundas da Rússia sobre um grande figura política americana, as quais teriam sido removidas por Zhang.-

Contas falsas de robôs foram descobertas na Bolívia e no Equador, mas o problema não foi priorizado pelo Facebook devido à carga de trabalho, segundo ela.

- Zhang diz que descobriu e removeu 672 mil contas falsas que atuavam contra ministros da Saúde em todo o mundo durante a pandemia

- Na Índia, Zhang diz que trabalhou para excluir uma sofisticada rede com mais de mil usuários que trabalhavam para influenciar uma eleição local em Nova Déli.

"O Facebook projeta uma imagem de força e competência para o mundo exterior, mas a realidade é que muitas de nossas ações são acidentes imprudentes e descuidados."

Ela disse que a necessidade de tomar inúmeras decisões sobre muitos países diferentes afetou sua saúde e a fez se sentir responsável por distúrbios civis em locais que ela não priorizou.

Suas revelações vieram à tona apenas uma semana depois que o ex-engenheiro do Facebook Ashok Chandwaney acusou a empresa de lucrar com a disseminação de ódio.

Carole Cadwalladr, a jornalista do Reino Unido que expôs o escândalo envolvendo o uso de dados do Facebook pela consultoria Cambridge Analytica, tuitou: "A velocidade e a escala dos danos que o Facebook está causando às democracias em todo o mundo são verdadeiramente aterrorizantes."

Na análise de Marianna Spring, repórter da BBC especializada em desinformação, ''o memorando explosivo confirma as preocupações que foram levantadas há muito tempo sobre a capacidade do Facebook de enfrentar a interferência estrangeira e as campanhas de desinformação''.

Mas, embora a maioria dos olhos esteja voltada para a interferência russa na política dos Estados Unidos após a eleição de 2016, o testemunho da ex-funcionária chama a atenção para eventos democráticos para além do Ocidente.

O fracasso do Facebook em lidar com a desinformação em outros idiomas foi investigado durante a pandemia — o memorando alega que a empresa já lutou para combater as campanhas de interferência em países que não falam inglês.

''O memorando também levanta grandes preocupações sobre a enorme responsabilidade concedida aos moderadores do Facebook, cujas decisões podem afetar eventos democráticos, resultados políticos e a vida das pessoas em todo o mundo'', prossegue Spring.

''Isso, sem dúvida, aumentará as preocupações sobre o trabalho do Facebook para enfrentar as campanhas de interferência e desinformação à medida que as próximas eleições nos EUA se aproximam. Mas deve nos lembrar que o Facebook também desempenha um papel em eventos democráticos fora dos Estados Unidos''.

Fogo no Pantanal e as nossas aflições

O Pantanal é uma lindeza. Quem vê não quer parar de olhar aquela beleza de alagado, aquela multidão de pássaros. Há pontos do Pantanal que se a gente admirar bem cedinho fica pensando que deve ter sido assim o começo do mundo. São 150 mil km2 no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Até o dia 13, estavam queimados 29 mil km2. Isso é um quinto do bioma. Mas o fogo avança um pouco mais a cada dia. No Parque Estadual Encontro das Águas, 85% da área está queimada e lá moram onças pintadas. O Pantanal é a maior planície alagada do mundo. O Brasil tem tudo imenso quando o assunto é ativo ambiental. É dono da maior parte da maior floresta tropical do planeta. Tem a maioria das águas da maior bacia hidrográfica do mundo. Que tamanha insensatez a nossa.

— A gente está assistindo a uma tragédia anunciada e crescente. No começo do mês, eram 12% do Pantanal afetados e agora aumentou para 19%. A fauna está sendo muito atingida, os animais estão desidratados e sem comida e isso vai acabar afetando todo o ciclo de reprodução de animais listados em situação de extinção. A gente está vendo também um impacto econômico imenso — diz a cientista política Alice Thuault, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida (ICV).

Nossas aflições se somam. O que afeta a Amazônia agrava o problema no Pantanal, que precisa do Cerrado. Os biomas se falam.

— O nível dos rios está muito baixo. Isso é cíclico, mas o desmatamento da Amazônia está impactando o equilíbrio do Pantanal. Eu digo que é tragédia anunciada porque todo mundo viu o que estava acontecendo, e a gente não deu conta, como sociedade, de colocar isso na agenda pública, dos tomadores de decisão — diz Alice Thuault.

Os tomadores de decisão no Brasil estão empurrando o país para o abismo ambiental. Este governo desprezou todos os alertas, desmontou o Ibama e o ICMBio, tirou dinheiro dos seus orçamentos, não liberou os recursos que tinha em caixa, estimulou insistentemente o crime ambiental por atos, por palavras, por portarias e instruções, passando sempre a boiada nas leis. Espantou até os países que estavam doando para o Brasil proteger suas riquezas.

— Pelo corte de recursos, a máquina pública não está presente. O dinheiro do Fundo Amazônia está fazendo falta nas ações de preservação. O Mato Grosso tem um Corpo de Bombeiros antigo, mas que está sem orçamento. O Prevfogo, do Ibama, este ano não fez a qualificação de brigadistas, por causa da Covid — diz a diretora do ICV.

Perto do Parque Encontro das Águas fica a Baía do Guató, última terra indígena demarcada. Todas as aldeias dos Guató foram destruídas pelo fogo que não começou lá, mas sim em terras vizinhas:

— Hoje recebi a imagem da água que eles têm para beber, parece barro. Na Baía dos Guató foram protocolados vários pedidos para montar brigadas. Estão todos esquecidos do poder público. Primeiro é preciso apagar o fogo, depois será necessário socorrer as comunidades. Os indígenas e também os quilombolas que perderam toda a sua produção de subsistência.

Uma tragédia que se desdobra em várias. De onde veio o fogo? As investigações mostram que 67% da destruição foi consequência de incêndios que começaram em nove pontos, cinco deles em áreas que têm cadastro ambiental rural de fazendas dedicadas à pecuária.

O Pantanal é muito específico. Quem vê tanta água, na época da cheia, acredita que ela sempre estará lá. Mas o bioma é frágil. As águas estão de visita, precisam do Cerrado preservado, porque no Cerrado, que parece seco, é onde nascem as águas. Se a Amazônia arde, o Pantanal fica mais seco. A fragilidade da vida se vê, por exemplo, na Arara Azul. Grande e linda e vulnerável. Ela tem suas exigências. Precisa de uma árvore, o manduvi (Sterculia apetala) para sobreviver. E faz seus ninhos nas árvores velhas que já têm um oco, onde elas se instalam na reprodução. Por um trabalho de 30 anos do Instituto Arara Azul a população dessas aves começou a aumentar. O que será delas ao fim dessa devastação?

O Pantanal é uma das preciosidades do Brasil. A flora é resiliente, ela pode voltar devagar, e com a ajuda de viveiros para o replantio, pensa a diretora do ICV. Mas a fauna está morrendo. Há organizações que estão saindo para hidratar os animais. A natureza do Brasil está pagando um preço alto demais.