sexta-feira, 5 de outubro de 2018

O fanatismo eleitoral

A eleição está fanatizada. Tal qual uma peleja futebolística com suas torcidas raivosas, capazes até de partir às vias de fato. A disputa nas urnas virou guerra fratricida e fascista. Não é mais o mero exercício da democracia. Longe disso! Partiu-se ao pugilismo raso, à política da pior espécie. O bate-boca, a troca de denúncias, facadas e balas marcaram a corrida presidencial. Assuntos e projetos cruciais cederam lugar ao lero-lero das imprecações sem fundamento. A negação dos fatos, a desvirtuação deles e mesmo o ataque virulento a sua veiculação, seja por qual meio for, passaram a prevalecer entre candidatos extremistas e o seu séquito de eleitores/adoradores que tomam as ruas a protestar e a denunciar falsos complôs de adversários. A mentira entrou na ordem do dia, de maneira descarada e perigosa. Foi assim nos idos do nazismo, quando o então ministro da propaganda alemã, Joseph Goebbels, pregava que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Muitos hoje atendem ao chamado, acreditam no que querem. Não no que é real. Como hordas de alienados prontos a serem aliciados. Uma foto publicada na grande imprensa é tachada de manipulação. Fake news. Os índices das pesquisas são desacreditados. Filmes, mensagens e imagens distorcidas ou espertamente sacadas de situações que não correspondem à realidade são incorporados ao arsenal de comunicação para turbinar esse ou aquele postulante. Ninguém aguenta mais a martelação infernal de memes, ataques sem qualquer cabimento e inverdades lançadas nas redes digitais para angariar votos e apoio – seja da maneira que for. O que vale é o irreal, o adequado à circunstância ou à ideia que se deseja transmitir. Tomam-se registros de velhas situações para lançá-los com outra roupagem e “comprovar” eventos que na verdade não existiram da maneira propagada. Faça o teste: ouse, atualmente, falar mal de um candidato admirado por seu interlocutor ou discordar do que ele diz. Logo receberá uma resposta atravessada, ou coisa pior. O patrulhamento ideológico tomou corpo e dimensão extraordinários. Se um grupo de mulheres reúne-se para criticar esse ou aquele presidenciável é tachado de adjetivos impublicáveis. Algo abominável, ridículo e totalitário. Nos últimos dias, na reta final da eleição, foram tantas as barbaridades que a onda chega a assombrar até os mais curtidos contendores. Ressurgido das cinzas da cadeia, José Dirceu, o petista empedernido, cupincha e capanga de Lula, disse que o PT tomaria o poder de qualquer jeito. O que seria, nas palavras dele, algo “muito diferente de ganhar uma eleição”. Questão de tempo, profetizou. No delírio insano das pragas, o esfaqueado Bolsonaro alardeou ser golpe ele não vencer a eleição contra o poste do lulopetismo, Fernando Haddad. Assim o embate entre o justiceiro e o pau-mandado promete novos desdobramentos, para além das urnas. Ao rejeitar as regras do jogo, ao negar a legitimidade dos adversários, ao incitar a violência por meio das armas e ao defender medidas que restringem direitos civis, como o controle da mídia, esses senhores flertam com o estrangulamento da democracia. Os líderes querem contestar o resultado nos tribunais. Enquanto isso, a Justiça também faz das suas. Na verdade, ela vem derrapando na politicagem não é de hoje, alimentando um verdadeiro pandemônio institucional sem precedentes. O que se assistiu nos últimos dias nesse sentido foi de cair o queixo. O amigo pessoal do petista Lula, nomeado justamento por ele para o Supremo, Ricardo Lewandowski, decidiu numa canetada autorizar uma entrevista do ex-presidente às vésperas da eleição, obviamente ciente do peso que suas palavras poderiam ter para influenciar o voto desse ou daquele indeciso. A decisão, se vingasse, seria de um casuísmo escrachado. O colega de STF, Luiz Fux, percebendo o absurdo da decisão e aproveitando um questionamento partidário, indeferiu a autorização e suspendeu o pedido. Lewandowski voltou à carga. Tornou a autorizar para, logo depois, ser desautorizado, dessa vez pelo presidente da Casa, Dias Toffoli. A interferência da Justiça no jogo eleitoral é, talvez, a face mais nefasta de um processo acelerado de deterioração das instituições. O País conflagrado, nas mãos de líderes também beligerantes, segue à deriva. Na esperança de logo encontrar um porto seguro, sem a hegemonia dos fanáticos.

Imagem do Dia

Cross River Pound Ridge (EUA) 

Uma ditadura

As eleições para escolher o novo presidente colocam o eleitor brasileiro numa situação que nunca aconteceu antes. Eleições, normalmente, são uma das ferramentas mais importantes da democracia — mas no pleito deste fim de semana um dos lados tem como objetivo, caso saia vencedor, acabar com o regime democrático no Brasil. É uma droga de democracia, como todo mundo está cansado de saber, mas, por pior que seja, ainda é menos ruim que uma droga de ditadura — e é justamente isso que o consórcio formado pelo ex-presidente Lula, PT e sua vizinhança quer fazer no país. Eles não falam assim, é claro. Mas os atos concretos que prometem realizar depois de assumir o governo vão deformar de tal maneira o poder público, os direitos individuais e a máquina do Estado que o resultado prático vai ser a construção de um regime de força no Brasil. Não se trata apenas, como já aconteceu tantas outras vezes, de eleger um presidente ruim. O problema, agora, é que um dos possíveis finalistas, pelo que dizem há meses as “pesquisas de opinião”, tem um projeto público de ditadura para o país.


Acabar com o Poder Judiciário, por exemplo, anulando o seu tribunal mais elevado e interferindo nas decisões dos juízes e desembargadores — isso é ou não é uma providência básica que toda ditadura, sem exceção, julga indispensável tomar? Sim, é. Então: o candidato a presidente do PT promete que se for eleito vai criar um negócio chamado “controle social na administração da Justiça”. Isso quer dizer que as sentenças dos magistrados estarão sujeitas, no mundo real, a comitês externos ao Poder Judiciário, com membros nomeados pelo governo. Promete-­se, também, “repensar” os conselhos nacionais da Justiça e do Ministério Público. Todo mundo sabe muito bem o que significa “repensar” alguma coisa neste país — é virar a mesa. No caso, querem criar “ouvidorias”, compostas de pessoas que representem a “sociedade”, para vigiar juízes e o MP. Querem, ainda, criar algum sistema de cotas para a escolha de juízes, de forma a “favorecer o ingresso e a ascensão” de “todos os segmentos da população” nas carreiras do Judiciário, sobretudo as “vítimas históricas de desigualdades”. A coisa vai por aí afora, de mal a pior, mas o ex-deputado José Dirceu achou uma boa ideia acrescentar um plus a mais: conforme disse, deveriam ser tirados “todos os poderes do Supremo Tribunal Federal”. Segundo o pensador-chefe do PT, o “Judiciário não é um poder da República”. Quem manda, diz ele, é o povo, através do voto. Além do mais, afirmou, o que interessa é “tomar o poder”. Eleição é outra coisa.

O futuro governo Lula também promete criar oficialmente a censura à imprensa no Brasil. (Isso mesmo, governo Lula: o ex-presidente está na cadeia, condenado como ladrão em primeira e segunda instâncias, mas toda a estratégia do PT é provar que quem vai mandar de verdade no país é ele, e não seu preposto nas eleições.) Como acontece em relação à democracia, não se utiliza a palavra “censura”, assim abertamente; o que anunciam é o “controle social dos meios de comunicação”. É exatamente a mesma coisa. Esse “controle” não vai ser exercido pelo Espírito Santo. Quem vai “controlar” são pessoas de carne e osso nomeadas pelo governo, e “controlar” significa decidir o que a mídia pode ou não pode publicar. Isso é censura — e o resto é conversa, sobretudo os desmentidos de que haverá censura. A partir daí, só fica pior. Falam em “fortalecer” a prodigiosa TV Brasil — que eles mesmos inventaram —, que consegue gastar 1 bilhão de reais por ano de dinheiro público e até hoje tem audiência próxima ao zero. Falam em dar concessões de TV e de rádio a sindicatos, “coletivos” e “movimentos sociais” — e mais do mesmo.

O projeto do PT inclui também uma “Assembleia Constituinte” paralela ao Congresso, como se fez na Venezuela, para implantar um novo regime político e social no país. O que será isso? Nada fica dito em português claro, mas nem é preciso — basta ouvir o que dizem todos os dias as lideranças do partido. Propõem-se orientação “política” para o ensino básico, parceria com governos criminosos, como os da Venezuela e da Nicarágua, e com ditaduras africanas, e um governo dos “povos do campo, das águas e das florestas”, seja lá isso o que for. Mais que tudo, a candidatura do PT quer a volta dos governos Lula-Dilma — que acabam de ser acusados pelo ex-ministro Antonio Palocci de gastar 800 milhões de reais em dinheiro basicamente sujo para se manter no poder na última campanha presidencial. Francamente, não é preciso mais nada
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Salve-se no Legislativo

Não sei o que sairá das urnas no pleito presidencial. Se não confio (embora não as desconsidere) nas pesquisas de primeiro turno, não vejo porque levar em grande conta as de segundo turno, se ele ocorrer.

Em todo caso, recomendo que o voto parlamentar seja cuidadosamente selecionado com vistas a uma saudável renovação e conferido a candidatos dignos, com perfil conservador e liberal. Em qualquer desfecho, eles serão indispensáveis
Percival Puggina

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Disparo esta rajada assim à queima roupa sem vírgula nem ponto

minhas frases. minhas regras,

Tenho meus trinta e oito carregados até a boca. Muito cuidado. Cidadão amado até os dentes. A qualquer momento, uma fala perdida pode atingir um inocente desavisado. Por favor, retirem as crianças do texto.

Se a vida começa mesmo aos quarenta (tenho fé que comece) faltam vinte e quatro meses para o início da minha verdadeira jornada. Ainda que eu já mal consiga parar em pé. Quer dizer que venho correndo, alucinadamente, por esses dias e noites, durante esse tempo todo, só para chegar ao ponto de partida? É isto, mesmo, produção?

(So)Corro, mas não corro sozinho. Benditas e amadas moças me acompanham. Marquei passo em alguns trajetos, é verdade. Tropecei. Escolhi infelizes atalhos. Muitas vezes perdi o rumo. Estive para desistir em diversos momentos. Provei a exaustão de músculos e nervos. Fui vencido em incontáveis batalhas. E busquei em seus carinhos a paz que me revigora a alma e me põe de pé, sempre e outra vez.

Com meus trinta e oito carregados, não posso mais cometer alguns enganos, nem correr certos riscos. Tampouco, desperdiçar munição. Já aprendi que espoleta molhada nega chumbo. Que bala dumdum não é guloseima. Que algumas verdades são barris de pólvora. Boatos, granadas de mão. Mentiras, morteiros. Falsas notícias são armas de destruição em massa. E que os olhares da minha senhoura são condutores elétricos e têm efeito anestésico sobre este pobre moço.

Mas o que eu queria, mesmo, pra enfrentar a guerra diária, como proteção pessoal, era um colete à prova de malas. Tipo legítima defasa, sabe? Os malas, que são diversos, variados, surgem nos locais mais improváveis e estão em todos os lugares, não me atingiriam com suas inconveniências letais. Livre do risco de um mala traçante, poderia abrir mão da estratégia usual: fazer-me de morto.

Da guarita das minhas lembranças, espio, agora, eu menino. Tenho o porte (autorização da justiça do meu pai) de uma funda de galho de goiabeira e um saco de bolinhas de cinamomo. Faço a patrulha do bairro com minha viatura discreta de aro vinte e buzina fon fon. Seguro. Altivo. Destemido. Muito mais leve e confiante. Mais relaxado. Trocava na hora, meus trinta e oito e esta corrida insana, por aquela forquilha certeira e minha bike com rodinhas.

Tiago Maria

Sentimento do Brasil


Uma campanha à deriva no mundo

Mais ou menos conforme previa, a situação internacional teve pouco peso na campanha de 2018. Não se parou para pensar na sua complexidade e nas consequências no futuro próximo do Brasil. O tema ficou reduzido às relações com os países vizinhos: a Venezuela ocupou o centro, uma vez que seu drama atravessa a fronteira.

É um debate desconfortável para a esquerda, que apoia Maduro, pois milhões de pessoas na estrada julgam com os próprios pés o governo bolivariano. Mas se olhamos um pouco mais amplamente, há outros traços que favorecem a esquerda. A ascensão de Donald Trump já se dava num quadro de relativo declínio da supremacia americana, atenuada pela tática do soft power de Obama.

Trump optou por um caminho isolacionista, cortando vínculos multilaterais e abrindo mais espaço para a China, que o ocupa com rapidez. Embora expresse o temor dos americanos com a globalização, Trump ainda vive um processo de aprendizado, cheio de erros.

Os chineses, a julgar pela visão de Henry Kissinger, planejam por gerações, a escala de tempo de seu projeto é algo que supera de longe os planos de um só presidente. Além de ocupar os espaços abertos pelos EUA, a China se aproxima da Rússia, que, por sua vez, ampliou seu poderio militar. Um dado dessa força foi o anúncio de Putin sobre as novas armas nucelares, em março de 2018.


Consegui perguntar a alguns candidatos sobre a relação com a China, que já é o maior parceiro comercial do Brasil e vive um momento de expansão. Existe um debate sobre o papel da China como investidora em países da África. Alguns consideram que ela exerce um forte poder político por meio da presença econômica, interferindo até nos marcos regulatórios. Outros afirmam que a fragilidade desses países não pode ser atribuída à ação chinesa, mas ao precário sistema jurídico local. Este argumento é interessante, porque os europeus parecem abertos e até felizes com a atração dos capitais chineses.

Essa questão ficou mais ou menos no ar, a partir de um consenso de que o capital chinês é bem-vindo. Bolsonaro afirmou que os chineses podem comprar e vender no Brasil, mas não comprar o Brasil. Não ficou claro se sua restrição é apenas à compra de terras ou se falava de um Brasil menos material do que o chão, matas e rios.

A verdade é que a correlação de forças muda no mundo e o peso econômico da China será cada vez maior. Mas não é conveniente subestimar não só o poder econômico, mas a influência cultural norte-americana.

Se olharmos a guerra cultural que se travou na campanha entre esquerda e direita, veremos que ela não é só influenciada pelos norte-americanos, como também se entrelaça com o debate de lá. Vários artistas americanos opinaram sobre a eleição brasileira por encontrarem pontos de identidade com a luta que travam contra Donald Trump.

China e Rússia não veriam com bons olhos manifestações de gays e mulheres em seu território. Nesse campo cultural, ambas se colocam num campo oposto ao que se chama de visão de esquerda no Brasil.

A esquerda soube se aproximar das lutas identitárias e carimbá-las como uma decorrência de sua visão de mundo. Pessoalmente, reconheço que tive um papel nisso.

Mas algumas dessas lutas em outro contexto, como o russo, por exemplo, nascem no reduto liberal. E é compreensível, porque quase todas elas tratam, no fundo, de liberdades individuais.

Na campanha brasileira as coisas não aparecem com nitidez. De um lado, uma aliança entre conservadores nos costumes e liberais na economia. É um encontro que tende a produzir faíscas. Em recente entrevista, Vargas Llosa criticou o economista liberal Paulo Guedes por se associar a Bolsonaro. Ele acha que são visões incompatíveis.

De outro, na esquerda, a análise da queda de Dilma parece ter concluído que era preciso não apenas ganhar as eleições, como tomar o poder. O que significa reduzir os poderes que a confrontaram: Justiça e imprensa. Dificilmente a tendência autoritária na visão de governo não se chocará com as pessoas que votaram apenas porque temiam Bolsonaro.

Para mim, todas essas peças que se juntam e se opõem precisam ser mais bem avaliadas. Minha conclusão momentânea é que, no poder, só uma direita soft ou uma esquerda soft evitariam a turbulência.

Li uma frase engraçada sobre eleições: são como um bufê, você não pode pedir um ovo frito. Mas depois das eleições, quem sabe? O vencedor será o presidente de todos os brasileiros. Nem todos cabem no figurino dos ideólogos.

Quanto à política externa, que ficará ainda por ser mais bem discutida, é essencial que seja compreendida como algo nacional e não definido por uma visão estritamente partidária. Não só porque a estreiteza exclui um consenso interno mais amplo. É que a complexidade do mundo assim o exige.

No passado, quase nunca discutíamos o papel do Brasil no mundo. Pelo menos, antes de avaliarmos que mundo é esse a que nos referimos. Se a campanha não fizer isso no segundo turno, certamente o problema reaparece no ano que vem.

Um dos pontos que devem ser muito bem pesados é a política ambiental. Bolsonaro tem proximidade com Trump nesse tema. Porém adotar a mesma política no caso brasileiro significa um grande impacto internacional.

Certamente foi grande o impacto da saída dos EUA do Acordo de Paris, por exemplo. A importância dos norte-americanos na política ambiental decorre muito de sua importância econômica, seu papel na redução de emissões. No caso brasileiro, qualquer passo atrás será visto com sobressalto. É como se uma potência ambiental deixasse de se unir ao esforço planetário para atenuar as mudanças climáticas.

Tudo isso em véspera de eleição fica um pouco em suspenso como uma camada de pó. Quando a poeira baixar... Vamos esperar o que dizem as vozes de domingo. São o farol que vai clarear o novo pedaço do caminho.

O bondage da bondade

Alguém escreveu numa rede social, “o mundo precisa de mais bondade”. Li a postagem e não comentei a não ser mentalmente. Pareceu-me de desconfiar. Que o mundo precisa é de bondade é a primeira de todas as verdades. Alguns comentaristas corajosos concordaram com o utilizador da rede social, por norma um criativo bem-humorado, cuja afirmação se estranhou. No dia seguinte, o mesmo utilizador esclareceu, “desculpem, o post de ontem resultou errado por causa do corretor ortográfico. O que eu queria dizer é que o mundo precisa de mais bondage.” Todos riram. Agora, sim, havia coerência. Bondage, sim. Vamos rir. Eu estou entre os que se riram.

A bondade deixou de ser uma qualidade. Não sei se alguma vez foi. É uma vergonha ser bom. Ser bom é ser mole, ser fraco e vencido. Há em nós uma bondade intrínseca contra a qual lutamos todos os dias, por não ser boa ideia evidenciá-la. Ninguém lhe acha graça. Há uma bondade que passamos a vida a calar, a controlar. E, contudo, se háalgo de que o mundo precisa é de bondade. Mais nada.

Isabela Figeuriredo

Um referendo sobre Lula

Seria surreal se não fosse verdade. Dois candidatos foram determinantes na fase crucial da campanha eleitoral, que agora se encaminha para o fim, sem sequer terem estado presentes nela. Todos os demais, que corajosamente se digladiaram de debate em debate na TV, não terão chance. A contribuição deles em termos de conteúdo não desempenhará papel algum.

Jair Messias Bolsonaro, um dos que não estiveram presentes, ficou internado durante quase todo o mês de setembro após ser esfaqueado. O outro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, permaneceu atrás das grades – assim como nos cinco meses anteriores. Neste ano de 2018, parece não ter importância se um candidato está ou não fisicamente presente na campanha eleitoral. Ou se ele – como no caso de Lula, barrado pela Justiça – pode ou não ser candidato oficialmente.

Em 7 de outubro, o Brasil vai decidir sobre Lula. Quem o considera um vilão e odeia tudo o que ele representa vota em Bolsonaro. Quem odeia tudo aquilo contra o que Lula se coloca – começando pelo presidente Michel Temer, passando pela Justiça, promotores e juízes, até os militares – vota em Lula. Ou seja, em Fernando Haddad. Agora depende de quem é retratado como mais odioso: o "fascista e racista" Bolsonaro ou o "comunista" Lula.


Em ambos os casos, trata-se da figura de Lula, e não da de Bolsonaro. Pois Bolsonaro só existe politicamente, sobretudo, por causa de Lula. Ele deve sua ascensão, em primeiro lugar, ao ódio que manifestou publicamente contra todas as mudanças que Lula e o PT trouxeram ao Brasil. Mais tarde, inflamou sua base com os apelos para que Lula fosse para a cadeia. Quando isso aconteceu, Bolsonaro reajustou suas mensagens em vídeo: agora se tratava de impedir que Lula fosse libertado por um presidente Haddad e continuasse seu plano de transformar o Brasil numa nova Cuba.

Enquanto isso, o candidato substituto do PT, Haddad, se apresenta como um outdoor ambulante de Lula. O ex-presidente pediu repetidas vezes que não fosse julgado pela Justiça – isto é, pelo juiz federal Sérgio Moro –, mas sim pelo povo brasileiro. Nas urnas, e não num tribunal. E é isso o que Lula receberá agora. No próximo domingo – ou no mais tardar no segundo turno, em 28 de outubro – o povo vai proferir a sentença sobre o ex-presidente.

Para alguns, Lula é o maior brasileiro de todos os tempos; para outros, o maior vilão. Ambos os lados têm suas opiniões reforçadas pelas redes sociais. Informações objetivas, soluções construtivas e contribuições sensatas para o debate não são oferecidas. Geralmente, há apenas veneno puro, pulverizado sem piedade sobre o arqui-inimigo político.

Há muito tempo não se trata mais de conteúdo, da política econômica acertada, de uma melhora da educação e da saúde. Nada disso vai decidir as eleições, nada disso é importante. O que conta é prejudicar o outro, com puro ódio. Não há espaço para mais informações nas postagens no Facebook, assim como não há vontade de debater.

Estas são as primeiras eleições no Brasil cujos temas não são mais norteados pela imprensa tradicional. Agora, dominam grupos anárquicos no Whatsapp e postagens no Facebook sobre o fluxo de (des)informação, e quase ninguém mais sabe o que é falso nas notícias. E isso também não interessa. Porque o fake está na moda, e a verdade foi há muito tempo substituída pelo instinto. As eleições serão vencidas por aquele que conseguir meter medo e pintar o inimigo de forma ainda mais odiosa do que ele próprio é visto pelo adversário.
Thomas Milz