segunda-feira, 31 de maio de 2021
#Fora Bolsonaro
Esse talvez seja o papel mais importante da CPI da Pandemia. Assegurar ao cidadão, atropelado cotidianamente pelos impropérios de Bolsonaro, que há saídas legais para punir aqueles que mentem, enganam e atentam contra a vida. De pouca valia terá a exibição de testemunhos, das incongruências e mentiras deslavadas, se a Comissão se limitar à culpabilidade já sabida sem indicar punição.
Desde a redemocratização, todos os presidentes sofreram pedidos de impeachment. Fernando Collor renunciou antes de o Senado concluir a votação de sua cassação. Fernando Henrique Cardoso teve 24 representações contra ele; Lula, 37; Dilma Rousseff, 68, sendo afastada por crime de responsabilidade; e Michel Temer, 31. Em dois anos e meio, Bolsonaro já colhe 118 na Câmara, protocoladas por mais de 500 organizações da sociedade civil, com milhares de assinaturas de endosso.
O real adversário de Lula não é Bolsonaro
Não serão petistas ou bolsonaristas que definirão o resultado no ano que vem. Será o eleitorado que, na falta de um candidato com ar de novidade que se mostre viável até o início do ano que vem, acostumou-se a oscilar entre o que fede mais e o que fede menos. E Jair Bolsonaro fede muito mais, porque fede a mortes, enquanto o cheiro da corrupção e lavagem de dinheiro de Lula está se tornando cada vez mais rarefeito. Trata-se de constatação.
O chefão petista é muito mais esperto do que o oponente. Por trás das bandeiras vermelhas, há articulação intensa com políticos de todos os matizes e grandes empresários — entre eles, os mesmos que tentam segurar Paulo Guedes, elogiando algumas ações suas em público, não para agradar a Jair Bolsonaro, mas por entender que, sem o ex-super ministro da Economia na Esplanada, a situação poderia degringolar de vez. É preciso entregar um país não completamente arruinado ao ex-condenado. A divulgação do encontro dele com Fernando Henrique Cardoso é só a ponta do iceberg.
Enquanto Jair Bolsonaro aposta no antilulismo, com discurso extremado como se a polarização fosse a mesma de 2018, Lula aposta no antibolsonarismo, com discurso afável, pouco ideologizado, de “união nacional”, porque sabe que a polarização em 2022 será outra, a do extremismo versus “polo democrático”, e que o seu cheiro de ralo já não incomodará tanto, visto que o cheiro de morte do oponente já é bem mais acentuado. De qualquer forma, Jair Bolsonaro não saberia e não poderia fazer diferente: é um sujeito de inteligência limitada e enveredou pelo caminho sem volta da sociopatia. O atual presidente não é o real adversário de Lula, apesar da retórica do chefão petista. O real adversário de Lula é um nome forte que represente uma alternativa honesta e racional a ele. Mas esse nome ainda não existe e não se sabe se existirá a tempo.
Monólogo para um depredador ambiental
o aquecimento global,
o derretimento das geleiras,
as inundações,
os furacões,
os tufões,
as chuvas ácidas,
o desflorestamento,
a savanização,
mais extinção de espécies,
mais doenças transmitidas por
insetos,
mais epidemias,
mais pandemias,
mais câncer,
mais fome,
mais crianças esqueléticas
vagando nos lixões.
A inconstitucionalidade como tática
O presidente Jair Bolsonaro tem, no entanto, se valido desse sistema de controle para uma nefasta manobra. O objetivo tem sido fustigar o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de atos acintosamente inconstitucionais.
A manobra se dá da seguinte forma. O governo Bolsonaro propõe ações judiciais ou edita atos que, desde o início, já se sabe que o Supremo rejeitará, em razão de manifesta inconstitucionalidade. O objetivo, no entanto, não é obter o que foi pedido. O que se quer é a decisão negativa do Judiciário.
Depois, esse conjunto de decisões judiciais contrárias ao governo Bolsonaro – afinal, não se trata apenas de uma ação manifestamente inconstitucional, mas de uma série de medidas contrárias à Constituição – é usado como desculpa para a incompetência do próprio governo. A mensagem de irresponsabilidade é simples: o presidente Jair Bolsonaro tenta fazer o bem para o País, mas o Supremo não deixa.
Exemplo dessa tática é a mais nova manobra do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia. A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o Supremo para questionar as medidas de restrição dos governadores de Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Norte.
O tema é pacífico. A Constituição prevê a competência compartilhada da União, Estados e municípios em relação à saúde pública.
Além disso, o Supremo, no primeiro semestre de 2020, já reconheceu que governadores e prefeitos podem decretar restrições para conter a pandemia. Ou seja, não há nenhuma dúvida sobre qual será a decisão do STF em relação à nova ação da AGU, mas mesmo assim – ou melhor, precisamente por isso – o governo Bolsonaro acionou o Supremo.
Outro ato para fustigar o Supremo diz respeito ao decreto, anunciado pelo Executivo federal, sobre as redes sociais. Sob o pretexto de regulamentar o Marco Civil da Internet, o presidente Jair Bolsonaro deseja proibir que as redes sociais excluam publicações ou suspendam perfis que contrariem as normas dessas plataformas.
As redes sociais não podem ser passivas no combate à desinformação. É crescente a percepção de que – para a saúde pública, para o livre debate de ideias e para a própria democracia – as redes sociais não podem ser um espaço sem lei.
O presidente Jair Bolsonaro promete, no entanto, fazer o exato oposto, impedindo que as redes sociais zelem pelos respectivos ambientes virtuais e pela validade de suas regras. É óbvio que um decreto com tal conteúdo não tem como prosperar no Supremo, por manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade. Mas isto é o que Jair Bolsonaro deseja: mais um pretexto para dizer a seus apoiadores que ele defendeu – e o Supremo negou – a liberdade de expressão.
Uma terceira medida sem a menor viabilidade, mas que por isso mesmo Jair Bolsonaro vem dedicando cada vez mais energia, é o voto impresso. O STF já declarou que é inconstitucional, pelos riscos de manipulação e pela desproporção do custo econômico, a obrigatoriedade da impressão de registros de votos depositados de forma eletrônica na urna. Na decisão, o Supremo lembrou que não há nenhum indício de fraude nas urnas eletrônicas. A fraude existia antes, quando se utilizava cédula de papel nas eleições.
A inviabilidade do voto impresso pouco importa, no entanto, a Jair Bolsonaro. Seu objetivo é disseminar a desconfiança no sistema eleitoral, para que possa apresentar sua eventual derrota eleitoral como resultado de um complô contra ele – um complô com a participação do Supremo.
O uso do aparato público – em última análise do dinheiro público – para produzir continuamente inconstitucionalidades não é apenas uma afronta ao Supremo. É um deboche com a Constituição e um vil insulto à Nação.
O neocinismo dos generais
Como explicar essa falta de seriedade no comportamento público de um general? Pazuello já havia antecipado a explicação na própria CPI.
Questionado sobre a frase “um manda, o outro obedece”, ele respondeu que isso é apenas uma coisa de internet. Na opinião dele, a internet é um espaço onde se pode falar qualquer coisa, sem o mínimo compromisso com a verdade ou a coerência.
O general Augusto Heleno, numa convenção do PSL, cantou o seguinte verso: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. Todos riram porque associaram Centrão a ladrão com rapidez.
Perguntado sobre isso, depois que Bolsonaro fez um acordo com o Centrão, o general Heleno sugeriu que o Centrão nem existe mais e que sua frase faz parte do show da política.
Assim como o general Pazuello vê a internet como um espaço onde se pode falar tudo, o general Heleno equipara a política a um show, sem correspondência com a realidade da vida do país.
Há alguns anos, num grande volume sobre democracia, seu organizador, Bruno Latour, registrou um dos prolemas que precipitavam essa decadência: a suposição de que não importam mais os fatos, mas sim as versões de cada um.
Ele citou um momento decisivo, quando Colin Powell, então secretário de Estado dos EUA, apresentou falsas imagens sobre instalações de armas de destruição em massa para justificar a intervenção americana no Iraque.
Os generais cooptados por Bolsonaro chegam à política num momento delicado. Em vez de buscar fortalecer os aspectos positivos dessa prática socialmente vital, eles decidiram navegar nas suas águas mais turvas.
São neocínicos porque se comportam como ex-seminaristas em seu primeiro carnaval. Grosseiramente mentem e expõem sua mentira, porque a consideram intrínseca à nova profissão.
O problema se estende para além dos generais e alcança também a massa de militares incorporada pela administração civil do governo Bolsonaro. Ela encarna outro tipo de degradação da política, muito praticada pelos partidos fisiológicos. A principal característica dessa prática é ocupar cargos apenas pela proximidade política, sem nenhuma relação com o conhecimento específico para realizar as tarefas que deles decorrem.
Um exemplo mais radical é o próprio general Pazuello — e a equipe de militares deslocada para combater a maior pandemia desde a Gripe Espanhola, no princípio do século XX. Pazuello não é medico, não conhecia o SUS nem a doença que combateria, não estava informado das propriedades do remédio que seu ministério indicaria: a cloroquina.
As Forças Armadas trabalham com seriedade e disciplina, embora essa característica, a disciplina, tenha sido também detonada por Pazuello. Mas é ilusório alimentar a partir dessas qualidades uma sensação de onipotência salvacionista, como se os militares pudessem realizar melhor que os civis quaisquer tarefas de governo.
O resultado desses equívocos não será bom. Os generais tornaram-se políticos caricatos, a eficiência militar é colocada em dúvida, a própria preparação do generalato é um enigma diante da performance geral de Pazuello.
Ainda não é exatamente a Venezuela, mas estamos na fronteira.
A dúvida é a arma do negócio
Nos anos 50, um maço de cigarro nas mãos era tão comum quanto um celular é hoje. Foi quando dois pesquisadores ingleses, Richard Doll e Austin Hill, perceberam que os casos de câncer no pulmão cresceram seis vezes no Reino Unido em apenas 15 anos. Suspeitaram do cigarro e iniciaram uma pesquisa que salvaria muitas vidas, mudaria a história da saúde pública e do marketing político.
Para muita gente, a razão do aumento de casos de câncer estava na fumaça de carros, ônibus e caminhões que se multiplicavam com as novas estradas do Pós-Guerra. Como quase todo mundo fumava, inclusive os pesquisadores e os médicos do sistema de saúde, fazia sentido achar um culpado que não questionasse o sagrado ritual do cigarrinho de cada dia.
O estudo publicado em 1954 provou, de forma irrefutável, que fumar aumentava em 16 vezes a chance de desenvolver câncer de pulmão, além de ser também a causa de um surto de doenças cardiovasculares. Os próprios Doll e Hill deixaram de fumar, assim como os médicos, que, expostos a uma avalanche de dados, foram os primeiros a largar o vício.
Parecia ser questão de tempo para o consumo de cigarros diminuir, mas a lógica é frágil quando bate de frente com os interesses de uma indústria bilionária. Com a publicação dessa primeira pesquisa, começou uma guerra de narrativas que duraria décadas. Os executivos da indústria do tabaco se reuniram para discutir como enfrentar a ameaça à saúde de sua galinha dos ovos de ouro: o cigarro. Durante um desses encontros foi criada a arma psicológica que, se injetada nas cabeças da população, ganharia a guerra: a dúvida.
A indústria não atacava os pesquisadores, mas questionava os dados. Contratava outras pesquisas relacionando a poluição à incidência de câncer, ou as doenças cardiovasculares à má alimentação. Profissionais de relações públicas inundando a mídia com resultados conflitantes e com alarmantes pesquisas sobre qualquer outro vilão da saúde que tirasse o foco do cigarro. A nicotina adicionada ao cigarro era uma aliada, fazendo do fumante um dependente ávido por duvidar de qualquer dado questionando o hábito que lhe dava tanto prazer.
Décadas depois, graças a vários vazamentos de documentos secretos, a indústria do tabaco acabou exposta. Produtos criados para criar dependência, dados e índices manipulados levaram os CEOs das companhias ao Congresso americano, onde confessaram, de cabeça baixa, saber, desde os anos 50, do mal que o cigarro provocava. A dúvida se dissipou, fumar virou pecado e foi proibido em espaços públicos.
Turbinada pela chegada das mídias sociais, a maior arma de manipulação de massas já criada, essa estratégia de marketing de combate renasceu nas mãos dos ideólogos e marqueteiros da extrema-direita, prontos para declarar a guerra santa contra o statu quo.
A tática continua a mesma: questionar certezas para criar dúvidas. Negar a ciência, embaralhar dados, reescrever a história, inundar a rede de fake news oferecendo uma realidade paralela a todos os que têm como hobby desconfiar de qualquer fato que contradiga suas próprias opiniões e certezas. O inimigo agora é a imprensa, a academia, a ciência, o liberalismo, todos parte de uma conspiração da elite intelectual de esquerda, que teria como único objetivo o domínio mundial.
A indústria do petróleo e do carvão gerando pesquisas conflitantes com a opinião unânime da comunidade científica sobre a influência do homem no aquecimento global, colocando a pulga da dúvida atrás das orelhas de muita gente e atrasando políticas para a mudança da matriz energética mundial.
O movimento antivacina e seus médicos de Facebook, criando o mito da cloroquina, da vacina com chips da Microsoft, DNA mutante, efeitos colaterais em números astronômicos, minando a confiança da população na única ferramenta disponível para erradicar a pandemia: a vacina.
O marketing da dúvida não conseguiu salvar a indústria do cigarro. Assistindo na CPI às mentiras de ministros sobre a má-fé do governo na condução da pandemia expostas por cartas, documentos, dados e fatos, não tenho dúvida de que, um dia, ser trumpista, negacionista, obscurantista, terraplanista ou bolsonarista será tão constrangedor quanto acender um cigarro num elevador.
Incompetência fúnebre
A pandemia deu um conteúdo fúnebre à inépcia do governo Bolsonaro. Num primeiro momento, morria-se de Covid. Desde dezembro de 2020, mês em que o Butantan e a Pfizer deixaram de entregar os milhões de doses que o Ministério da Saúde demorou a comprar, morre-se no Brasil de falta de vacina
Aumento da pobreza e falta de comida transformam ovo em 'prato principal' na pandemia
Com o agravamento da crise financeira causada pela pandemia do coronavírus e as constantes altas do preço da carne, aliados à perda da renda e do emprego, o ovo tornou-se a principal fonte de proteínas de muitas famílias.
"Eu sempre comprava costela, bife ou frango. Mas hoje bife é para rico. Aqui em casa, nem pensar. Quando compro alguma coisa diferente, é coxa e sobrecoxa. Até o pé do frango está caro", afirmou Maria José, que mora com o marido e a filha na Brasilândia, zona norte de São Paulo.
"Antes, a gente sempre colocava carne na mesa. Mas hoje a gente faz tudo com ovo. Omelete, ovo frito, cozido. Daqui a alguns dias, a gente não vai aguentar mais", contou à reportagem.
Um estudo do grupo de pesquisas Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy (Comida por Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares em uma Bioeconomia, em tradução livre), da Universidade Livre de Berlim, apontou que o ovo foi o alimento que teve maior aumento no consumo dos brasileiros durante a pandemia: 18,8%.
Na avaliação dos pesquisadores, esse crescimento no consumo de ovos aponta para uma clara substituição no consumo de carne, que teve redução de 44%.
O número de pessoas que disse ter comido mais carne, entre novembro e dezembro de 2020, foi de apenas 3,2%.
O vendedor de ovos Leonardo Carlos Ribeiro Cabral, de 37 anos, sentiu essa mudança. Suas vendas dispararam.
Cabral entrou nesse mercado há seis anos como ambulante, vendendo cartelas de porta em porta e anunciando o produto por meio de um alto-falante, em uma Kombi.
Mas a perda de renda e a fome durante a pandemia fizeram o negócio de Cabral prosperar. Hoje, ele tem três funcionários que vendem o alimento em carros nas ruas.
"A gente mudou da água para o vinho. Eu tinha duas peruas velhas que usava para vender ovos. Hoje, comprei uma van, comprei um carro novo e estou construindo quatro casas para investimento porque não sei até quando vai durar essas vendas", afirmou.
Cabral contou que percebeu uma mudança no perfil de seus clientes no último ano.
"Antes, as pessoas de classe média não compravam. Hoje, elas são as que mais compram, principalmente quando a Prefeitura fecha os comércios e as pessoas não podem sair de casa. Se eu soubesse que vender ovo seria tão bom, hoje eu teria um galinheiro", afirmou sorrindo.
Ele cita um de seus clientes, que compra ovos para revender: um taxista que deixou de fazer corridas e encheu o carro com o produto para comercializar na zona norte da capital paulista.
Agnaldo Machado dos Santos, de 34 anos, tem história parecida. Ele trabalhava como motorista de aplicativo, mas foi alertado por um amigo sobre o aquecimento do mercado de venda de ovos e agora usa o carro para vender o produto na rua.
"Eu encho o porta-malas com caixas de ovos, abro em um lugar com grande movimento e fico ali com uma placa por uns 20 minutos. Depois vou mudando de lugar ao longo do dia. Chego a ganhar 50% a mais do que fazendo corridas", contou Santos.
O economista Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social, afirmou que a queda na renda provocada pela pandemia agrava uma tendência crescente de insegurança alimentar que o Brasil atravessa nos últimos anos.
A Food for Justice apontou que, em abril de 2021, 59,4% dos domicílios do país se encontravam em situação de insegurança alimentar. Isso ocorre quando uma família diz ter preocupação com a falta de alimentos em casa ou já enfrenta dificuldades para conseguir fazer todas as refeições.
De acordo com o estudo da Food for Justice, os mais altos percentuais de insegurança alimentar são registrados em famílias com apenas uma fonte de renda (66,3%). Isso se acentua ainda mais quando essa responsável é uma mulher (73,8%) ou uma pessoa parda (67,8%) ou preta (66,8%).
Uma pesquisa feita pelo Data Favela, uma parceria entre Instituto Locomotiva e a Central Única das Favelas (Cufa), em fevereiro, apontou que, entre os 16 milhões de brasileiros que moram em favelas, 67% tiveram de cortar itens básicos do orçamento com o fim do auxílio emergencial, como comida e material de limpeza.
Outros 68% afirmaram que, nos 15 dias anteriores à pesquisa, em ao menos um dia faltou dinheiro para comprar comida. Oito em cada dez famílias disseram que, se não tivessem recebido doações, não teriam condições de se alimentar, comprar produtos de higiene e limpeza ou pagar as contas básicas durante os meses de pandemia.
A crise fez o consumo de carne no Brasil chegar ao menor patamar em 25 anos, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), desde o início da série histórica, em 1996.
Hoje, cada brasileiro consome, em média, 26,4 kg de carne por ano. Isso significa uma queda de quase 14% na comparação com 2019, um ano antes da pandemia. A queda em relação a 2020 é de 4%, segundo o Conab.
Economistas apontam que, com a alta do dólar, os produtores preferem vender a carne para outros países, como a China, que paga em dólares.
Mas nem o ovo escapou ileso da crise. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas, no último ano, seu preço teve uma alta acumulada de 11,45%, enquanto a inflação do consumidor foi de 6,35%.
"Se o ovo não tivesse ficado mais caro, eu estaria vendendo ainda mais", disse Leonardo Cabral.
O preço da sua caixa de ovos, com 30 unidades, passou de R$ 10 para R$ 15, um aumento de 50%.
A aposentada Maria de Araújo conta que, onde ela mora, o ovo encareceu bastante também. A cartela com uma dúzia, que custava R$ 8, hoje sai por R$ 13.
"Se continuar assim, até ovo vai ser difícil comprar", afirmou à BBC News Brasil.
O economista Marcelo Neri, da FGV, diz que a procura maior pelo ovo causou essa subida repentina do preço.
"O aumento do preço das commodities e a variação cambial causaram uma alta nos alimentos", afirmou o professor da FGV.
Isso faz com que as famílias procurem por proteínas que tenham um custo mais baixo. Mas Neri pondera que o mercado deve se ajustar e os preços devem diminuir, seguindo tendências históricas.
"O aumento das commodities é uma boa notícia para a macroeconomia brasileira, mas ruim para o consumidor. A notícia boa é que esse aumento não veio para ficar. O preço das commodities flutua, e eu diria que isso não é um choque permanente", afirmou Neri.
Mas o economista ressalta que há uma tendência de piora da insegurança alimentar desde 2014. Um fenômeno, segundo ele, ligado ao aumento da desigualdade e pobreza.
Neri explica que o auxílio emergencial ajudou a reduzir esse problema, mas que parte desse benefício foi anulado pelo encarecimento dos alimentos.
Para o economista, a melhor solução hoje para amenizar o impacto na alta dos preços é investir na melhoria de renda da população e aguardar para que os valores voltem a patamares pelo menos mais próximos dos anteriores.
"As outras alternativas, como o controle de preços, não são boas. A gente já experimentou isso no passado e viu que causa escassez porque as pessoas consomem e gera uma corrida que não chega a lugar nenhum. Temos que pensar em políticas estruturais e de melhora de renda da população", afirmou Neri.
O Brasil de Bolsonaro já não é uma democracia
Trata-se de uma obra densa. A síntese conceitual revela a profundidade da corrupção e sugere que o combate ao deletério fenômeno atenda à múltipla visão da diversidade das causas: políticas, econômicas, sociais, institucionais e culturais.
De logo, alerta para o discurso moralista, retórica populista e bandeira do combate aos fatos visíveis com ênfase nos aspectos jurídico-penais: um apelo simplista e sedutor quando as raízes da corrupção exigem uma agenda reformista ampla e consistente. O enfrentamento da questão, além de permanente, se coloca diante de uma “economia criminal” que permeia o tecido social das nações de modo complexo e sustentada por uma força destruidora a exemplo das estratégias e do aparato tecnológico do narcotráfico.
É um sistema globalizado que resulta de um conluio entre autoridades e criminosos: a máfia do século XXI. O Brasil ultrapassou a era da propina e do pixuleco. No arsenal das armas, a mais eficiente é a solidez da democracia. Somente a força do regime e de suas instituições são capazes de atacar o crime e assegurar a paz social.
Nesta linha de raciocínio, Manuel Castells, respeitável estudioso da dinâmica social da democracia e pioneiro na percepção da “sociedade em rede”, em parceria com Francisco Calderon, lançaram recentemente no Brasil A nova América Latina (Ed. Schwartz – Rio de Janeiro, 2019).
Em entrevista ao Valor Econômico, Castells afirma, a partir de constatações empíricas, “a falta de representatividade dos políticos”, acrescentando que “os movimentos sociais são a defesa contra os retrocessos”. Para medir o aumento da violência e da desigualdade, criaram o índice de desenvolvimento desumano
Sobre o nosso país, foi contundente: “O Brasil de Bolsonaro já não é uma democracia […] a corrupção em grande escala, exemplificada pela Odebrecht, condicionou a política brasileira. Parte do Congresso é uma coleção de caciques regionais e grupos de pressão privada […] Tudo isso não é democracia porque a democracia é mais do que votar a cada quatro anos em eleições condicionadas pelo dinheiro e poderes ocultos”.
Porém, esperançoso, diz: “Há vida depois de Bolsonaro”.
Que prevaleça a mediania aristotélica: “virtude está no meio, os extremos são os vícios”.
Essas capas são uma mentira
A NÃO cobertura do 29M por grande parte da grande imprensa dá a dimensão da gravidade do que estamos vivendo, o que sabemos bem, e dá a dimensão da complexidade do que estamos vivendo, para além do que seria possível imaginar. Os grandes jornais acham que podem ignorar a realidade e continuar se apresentando como imprensa. Podemos pensar que, além de todos os significados, não aprenderam nada com a ditadura militar. Daqui uns 30 anos vão vir com explicações, arrependimentos e mea culpas. Mas é muito pior do que isso. Fizeram uma escolha – e fizeram essa escolha mesmo sabendo o que ela custa para um jornal. Sacrificaram o jornalismo em nome dessa escolha. Se alguém ainda não tinha entendido, agora entendeu.
Significa muito o que aconteceu nessas capas. Vai render muitos livros e teses acadêmicas. Mas, agora, neste momento, precisamos lutar pela vida. E já entendemos que uma parcela significativa da grande imprensa já começou a sacrificar os fatos e a ocultar a realidade, mesmo que a realidade sejam centenas de milhares de brasileiras e brasileiros na ruas.
Um jornal mostra se merece esse nome nos momentos cruciais vividos pela sociedade, aqueles em que a imprensa é mais necessária do que nunca à democracia. A ampla crise vivida pelo Brasil poderia ser o momento em que a imprensa mostraria o quanto é necessária e insubstituível, como tem acontecido em outros países, em que a imprensa voltou a ser valorizada como agente fundamental para o restabelecimento da verdade. O que testemunhamos com essas capas é uma traição a todos os princípios do jornalismo. Essas capas são uma mentira. Felizmente, esses não são os únicos jornais do Brasil. Leiam (escutem e assistam) quem tem respeito pela nossa inteligência, quem tem respeito pelo jornalismo, quem tem respeito pelos fatos.
Sinto nojo. Mas também uma enorme tristeza.