segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
Depois da ceia
Enquanto os últimos traços da ceia de Natal vão vagarosamente desaparecendo enterro dos ossos, já dá para ver 2017 virando a esquina. A gente vai se acostumando com a ideia de que, o ano, finalmente, está no fim.
O ano foi longo. Muito longo. Aconteceu de muito um todo. Até demais. Ano de mudanças. Em casa e fora. Goste-se ou não. Termina apontando o fim de vários passados. E aponta para a ausência de futuros claros.
Em 2016, tudo foi transformação. Mas nada se consolidou ou permitiu apostar em direção. Sentiram-se somente os resultados da entropia emergindo do colapso do velho, reagindo aos fluidos da insatisfação difusão, generalizada.
De certo é que o passado já não satisfazia. Mas ninguém sabe dizer o que se deseja para o futuro. E emergiram os radicais, os populistas, os demagogos. Brandindo receitas simples, fáceis e erradas a serem aplicadas em escala global.
Ao mesmo tempo, faltam ideias que façam sentido. Rejeitar o velho não é suficiente. Precisa inventar o novo. E ai, parece, a humanidade esta empacando. E muito. Não parecem ainda existir boas saídas que enderecem os interesses da multidão de desatendidos pelo passado recente.
Nos trópicos, a situação é ainda mais preocupante. Enquanto digerimos a incerteza global, o país enfrenta os resultados de suas próprias mazelas. Olha relutantemente para o espelho. E tenta não reconhecer o que vê.
É país que resistiu em reconhecer as próprias mazelas. Cobrou com cinismo o sacrifício alheio sem oferecer o próprio. E perdeu tempo. Muito e precioso tempo que não votará. Continuou a combater mudanças necessárias a sua própria sobrevivência futura. Talvez imaginando que o amanha não chegará.
Enquanto a gente se perdeu em dúvidas inexistentes, as oportunidades escorreram por entre os dedos. E os beneficiados pelo passado permaneceram encastelados em suas posições, pintados para a guerra, protegendo milimetricamente seus privilégios. Tomando as instituições como reféns de interesses.
2016 realmente não fez muito sentido. Ainda bem que está no fim. Que 2017 nos traga bom senso. A gente precisa. Muito.
O ano foi longo. Muito longo. Aconteceu de muito um todo. Até demais. Ano de mudanças. Em casa e fora. Goste-se ou não. Termina apontando o fim de vários passados. E aponta para a ausência de futuros claros.
Em 2016, tudo foi transformação. Mas nada se consolidou ou permitiu apostar em direção. Sentiram-se somente os resultados da entropia emergindo do colapso do velho, reagindo aos fluidos da insatisfação difusão, generalizada.
Ao mesmo tempo, faltam ideias que façam sentido. Rejeitar o velho não é suficiente. Precisa inventar o novo. E ai, parece, a humanidade esta empacando. E muito. Não parecem ainda existir boas saídas que enderecem os interesses da multidão de desatendidos pelo passado recente.
Nos trópicos, a situação é ainda mais preocupante. Enquanto digerimos a incerteza global, o país enfrenta os resultados de suas próprias mazelas. Olha relutantemente para o espelho. E tenta não reconhecer o que vê.
É país que resistiu em reconhecer as próprias mazelas. Cobrou com cinismo o sacrifício alheio sem oferecer o próprio. E perdeu tempo. Muito e precioso tempo que não votará. Continuou a combater mudanças necessárias a sua própria sobrevivência futura. Talvez imaginando que o amanha não chegará.
Enquanto a gente se perdeu em dúvidas inexistentes, as oportunidades escorreram por entre os dedos. E os beneficiados pelo passado permaneceram encastelados em suas posições, pintados para a guerra, protegendo milimetricamente seus privilégios. Tomando as instituições como reféns de interesses.
2016 realmente não fez muito sentido. Ainda bem que está no fim. Que 2017 nos traga bom senso. A gente precisa. Muito.
Tempo de big band
Helen Forrest canta "You made me love you" com
a orquestra de Harry James em "Private Buckaroo" (1942)
Quando prevalece a mediocridade
O imenso laranjal
Fui amigo de Ivan Lessa (1935-2012) por 40 anos e tínhamos várias fixações em comum: baixos profundos como Billy Eckstine, Al Hibbler e Herb Jeffries, artigos de Kenneth Tynan, filmes com Maria Montez e Sabu. Nossa única discordância se devia à sua mania de chamar o Brasil de “Bananão”. Eu achava a classificação injusta – não que o Brasil não fizesse por merecer, mas porque não se aplicava tecnicamente.
O termo “República das bananas” foi criado em 1904 pelo contista americano O. Henry, que se refugiou numa delas para fugir à polícia de seu país. A dita república era Honduras, com seus espessos bananais, mas o epíteto definia também o Panamá, Cuba, Haiti, a Nicarágua e a República Dominicana, todos dominados pela United Fruit por volta de 1900. O presidente Teddy Roosevelt (1901-09) gostou da expressão e decretou que os EUA tinham o direito de intervir nas “Repúblicas das bananas” quando quisessem.
O Brasil, por produzir café, ficou meio a salvo dessa categoria. Além disso, os EUA nunca se meteram a bestas conosco — não ostensivamente. Depois, diversificamos a produção e até nos industrializamos. Mas Ivan não se convencia. De sua janela em Bolton Gardens, Londres, onde passou seus últimos 34 anos, continuou a nos ver como o “Bananão”.
Mas eu estava certo, e a Lava Jato tem provado isso a todo instante no noticiário. A cada corrupto ou corruptor exposto nas investigações, surgem dezenas, centenas de “laranjas”, que emprestaram seus nomes ou empresas — amigos, filhos, cunhados, mulheres, ex-mulheres, caseiros, faxineiras, gráficas, oficinas, borracharias, “consultorias” e o que for, todos fantasmas, sem falar num certo lava-jato em Brasília —, pelos quais escoaram bilhões em propinas, caixas dois, “palestras”, imóveis, joias.
“Bananão”? Não. Um fértil e imenso laranjal.
À venda na lojinha
Até a atmosfera anda inquieta. Nem panelas se batem: o ambiente é de perplexidade e desencanto.
As maldades vão sendo feitas todas de uma vez para que, sentindo-se-lhes menos o gosto, ofendam menos; os alívios vão sendo anunciados a conta gotas para se realizarem num futuro incerto, na ceia de Natal talvez, “neste momento de solidariedade entre patrões e empregados”.
O Estado está restituindo generosamente aos grupos econômicos a força que deles recebeu: os interesses do capital coincidem agora com os interesses do governo central.
O assalto é geral. E o risco é enorme.
Chama-se uma concorrência pública internacional para a contratação de serviços de sensoreamento remoto por satélite que, por razões de segurança, é exclusivo a nacionais.
Aprova-se, a toque de caixa, a devolução dos bens reversíveis da União à indústria de telecomunicação que implicará numa tunga de R$ 100 bilhões, mais que Lava-Jato e mensalão juntos.
Equipara-se a mulher ao homem apenas para o efeito cruel da aposentadoria impossível. Impossível até porque ninguém mais se interessará em contribuir para a previdência oficial, optando pelo trabalho informal ou por regar a horta fértil da previdência privada.
Libera-se o acesso do trabalhador à sua conta do FGTS, que parece ter-se transformado em cartório de proteção da indústria da construção. A mini reforma trabalhista é presente de Natal.
Na reforma política, outro avanço de primeiro mundo: acena-se acabar com o voto obrigatório.
A unidade política é frágil. A Federação está falida. Já, já virão a anarquia e os calotes, campo propício para o ressurgimento dos movimentos separatistas e para manobras dos espertalhões de ocasião.
Não há nada de novo neste resumo; apenas a oportunidade. É todo inspirado no velho Maquiavel, aquele cuja obra – O Príncipe – todos odiaram por 500 anos. Os ricos pelo medo de perderem a riqueza, os pobres pelo medo de perderem a liberdade, os religiosos pela heresia, os bons pela desonestidade, os maus pela maldade ainda maior.
Ouçamos Nicolau: “O que ascende ao principado com a ajuda dos poderosos se mantém com mais dificuldade do que aquele que é eleito pelo povo. São seus inimigos todos os que se sentem ofendidos pelo fato de ocupar o principado. O povo deve ser mimado ou exterminado, pois, se se vingam de ofensas leves, das graves já não podem fazê-lo”.
Eduardo Simbalista
As maldades vão sendo feitas todas de uma vez para que, sentindo-se-lhes menos o gosto, ofendam menos; os alívios vão sendo anunciados a conta gotas para se realizarem num futuro incerto, na ceia de Natal talvez, “neste momento de solidariedade entre patrões e empregados”.
O Estado está restituindo generosamente aos grupos econômicos a força que deles recebeu: os interesses do capital coincidem agora com os interesses do governo central.
O assalto é geral. E o risco é enorme.
Aprova-se, a toque de caixa, a devolução dos bens reversíveis da União à indústria de telecomunicação que implicará numa tunga de R$ 100 bilhões, mais que Lava-Jato e mensalão juntos.
Equipara-se a mulher ao homem apenas para o efeito cruel da aposentadoria impossível. Impossível até porque ninguém mais se interessará em contribuir para a previdência oficial, optando pelo trabalho informal ou por regar a horta fértil da previdência privada.
Libera-se o acesso do trabalhador à sua conta do FGTS, que parece ter-se transformado em cartório de proteção da indústria da construção. A mini reforma trabalhista é presente de Natal.
Na reforma política, outro avanço de primeiro mundo: acena-se acabar com o voto obrigatório.
A unidade política é frágil. A Federação está falida. Já, já virão a anarquia e os calotes, campo propício para o ressurgimento dos movimentos separatistas e para manobras dos espertalhões de ocasião.
Não há nada de novo neste resumo; apenas a oportunidade. É todo inspirado no velho Maquiavel, aquele cuja obra – O Príncipe – todos odiaram por 500 anos. Os ricos pelo medo de perderem a riqueza, os pobres pelo medo de perderem a liberdade, os religiosos pela heresia, os bons pela desonestidade, os maus pela maldade ainda maior.
Ouçamos Nicolau: “O que ascende ao principado com a ajuda dos poderosos se mantém com mais dificuldade do que aquele que é eleito pelo povo. São seus inimigos todos os que se sentem ofendidos pelo fato de ocupar o principado. O povo deve ser mimado ou exterminado, pois, se se vingam de ofensas leves, das graves já não podem fazê-lo”.
Eduardo Simbalista
Vergonha de ser brasileiro
É o que constata pesquisa inédita feita pelo Ibope em todo o território brasileiro, entre os dias 8 e 12 de dezembro.
Em 2001, ainda no governo FH, aqueles que declaravam ter “muito orgulho” eram 58% da população; hoje, são 34%.
Quem tinha “pouco” ou “nenhum” orgulho, em compensação, passou de 19% para 30% dos brasileiros neste período.
'Sabe a vergonha que sentimos por nos considerarem ladrões só por sermos brasileiros?'
Sandra, vizinha e amiga da família, me contava ao voltar de uma recente viagem aos Estados Unidos, onde tinha ido visitar os netos, que estava triste por constatar a imagem que os brasileiros têm em algumas cidades daquele país.
Ela me dizia que, ao entrar em um supermercado, colocaram discretamente uma funcionária ao seu lado quando perceberam que era brasileira, para ver se “roubava alguma coisa”.
Disse-me, com um sentimento de indignação: “Sabe a vergonha que sentimos por nos considerarem ladrões só por sermos brasileiros?”
De fato, existe o perigo de que o mundo pense que todos os brasileiros são corruptos como boa parte de seus políticos. E os corruptos se interessam em consolidar a ideia de que a corrupção está no DNA dessa sociedade.
Ninguém nega que também haja, como em todas as partes do mundo, cidadãos comuns que cometem pequenas corrupções. Nada, no entanto, é comparável com o que está surgindo nos porões escuros da corrupção política.
Seria uma ofensa e um desrespeito a esses cidadãos honrados que passam a vida trabalhando, ou que sofrem com o ferrão do desemprego e nem por isso se corrompem.
E que hoje são as vítimas econômicas da grande corrupção político-empresarial.
O perigo de que a imagem do Brasil acabe deturpada pelas notícias que chegam ao exterior sobre os escândalos de corrupção política, considerada uma das maiores do mundo, é real e injusto.
Esse baile de milhões de reais subtraídos do Estado; a quantidade de figuras públicas denunciadas, julgadas, presas e condenadas: deputados, senadores, ministros e ex-ministros, prefeitos e vereadores, e junto com eles os maiores empresários do país, vai criando um caleidoscópio que acaba oferecendo uma figura deformada do que é de como vive a sociedade como um todo.
É injusto, porque o Brasil real, o que trabalha e se endivida, o que não rouba e se conforma com o que ganha, representa 98% dos mais de 200 milhões de habitantes.
Basta um dado fornecido pela ONG Transparência Brasil para constatar o abismo ético que existe entre as pessoas comuns e os políticos: 59% dos deputados (303 em 513) têm algum problema na Justiça e até já tiveram condenações em primeira instância. Por outro lado, só 2% da sociedade tem algum processo judicial pendente, segundo o presidente da OAB Subseção de Santos, Rodrigo Julião.
Entre os ex-ministros dos governos progressistas de Lula e Dilma, 18 são investigados. E nos poucos meses de vida do atual governo de Temer, seis ministros já saíram.
Mais de 40 políticos com foro privilegiado esperam ser julgados pelo Supremo, alguns com até 12 processos em curso, sem contar os que poderão ser envolvidos no escândalo da Odebrecht, apelidado de “Delação do Fim do Mundo”. Calcula-se que mais de 100 políticos sejam acusados de corrupção.
Nos últimos 24 anos, dois presidentes da República, quatro presidentes da Câmara e três presidentes do Senado renunciaram ou tiveram de deixar seus cargos.
É uma lúgubre caravana de políticos importantes envolvidos em corrupção, que a sociedade observa incrédula e enfurecida. Essa sociedade que, sobretudo nas grandes cidades, utiliza todos os dias o transporte público para realizar seu trabalho, tantas vezes alienante, e para quem o aumento de alguns centavos na passagem do ônibus ou do metrô é motivo de angústia.
É o que dizia uma mulher trabalhadora, já idosa, que caminhava no Rio mancando e com o olhar triste e perdido.
Queixava-se a um repórter que a entrevistava que, para ela, “dois reais significavam muito dinheiro e dor”.
Ao contrário de tantos dos seus políticos que nadam no luxo com o dinheiro roubado do erário público, os brasileiros buscam seus momentos de felicidade no que de melhor e mais simples lhes oferece a vida, sabendo contentar-se com o fruto do seu trabalho.
O antigo ditado “pobre, mas honrado” não é algo fora de moda no Brasil. Continua sendo verdade para a massa de milhões de trabalhadores anônimos que tentam transmiti-lo aos seus filhos.
São eles que têm mais direito de se escandalizar com a corrupção de seus políticos e de exigir que prestem contas.
Podemos criticá-los quando aplaudem, ao ver os políticos, pela primeira vez neste país, entrando na prisão, cabisbaixos ou arrogantes?
Ela me dizia que, ao entrar em um supermercado, colocaram discretamente uma funcionária ao seu lado quando perceberam que era brasileira, para ver se “roubava alguma coisa”.
Disse-me, com um sentimento de indignação: “Sabe a vergonha que sentimos por nos considerarem ladrões só por sermos brasileiros?”
De fato, existe o perigo de que o mundo pense que todos os brasileiros são corruptos como boa parte de seus políticos. E os corruptos se interessam em consolidar a ideia de que a corrupção está no DNA dessa sociedade.
Ninguém nega que também haja, como em todas as partes do mundo, cidadãos comuns que cometem pequenas corrupções. Nada, no entanto, é comparável com o que está surgindo nos porões escuros da corrupção política.
Seria uma ofensa e um desrespeito a esses cidadãos honrados que passam a vida trabalhando, ou que sofrem com o ferrão do desemprego e nem por isso se corrompem.
E que hoje são as vítimas econômicas da grande corrupção político-empresarial.
O perigo de que a imagem do Brasil acabe deturpada pelas notícias que chegam ao exterior sobre os escândalos de corrupção política, considerada uma das maiores do mundo, é real e injusto.
Esse baile de milhões de reais subtraídos do Estado; a quantidade de figuras públicas denunciadas, julgadas, presas e condenadas: deputados, senadores, ministros e ex-ministros, prefeitos e vereadores, e junto com eles os maiores empresários do país, vai criando um caleidoscópio que acaba oferecendo uma figura deformada do que é de como vive a sociedade como um todo.
É injusto, porque o Brasil real, o que trabalha e se endivida, o que não rouba e se conforma com o que ganha, representa 98% dos mais de 200 milhões de habitantes.
Basta um dado fornecido pela ONG Transparência Brasil para constatar o abismo ético que existe entre as pessoas comuns e os políticos: 59% dos deputados (303 em 513) têm algum problema na Justiça e até já tiveram condenações em primeira instância. Por outro lado, só 2% da sociedade tem algum processo judicial pendente, segundo o presidente da OAB Subseção de Santos, Rodrigo Julião.
Entre os ex-ministros dos governos progressistas de Lula e Dilma, 18 são investigados. E nos poucos meses de vida do atual governo de Temer, seis ministros já saíram.
Mais de 40 políticos com foro privilegiado esperam ser julgados pelo Supremo, alguns com até 12 processos em curso, sem contar os que poderão ser envolvidos no escândalo da Odebrecht, apelidado de “Delação do Fim do Mundo”. Calcula-se que mais de 100 políticos sejam acusados de corrupção.
Nos últimos 24 anos, dois presidentes da República, quatro presidentes da Câmara e três presidentes do Senado renunciaram ou tiveram de deixar seus cargos.
É uma lúgubre caravana de políticos importantes envolvidos em corrupção, que a sociedade observa incrédula e enfurecida. Essa sociedade que, sobretudo nas grandes cidades, utiliza todos os dias o transporte público para realizar seu trabalho, tantas vezes alienante, e para quem o aumento de alguns centavos na passagem do ônibus ou do metrô é motivo de angústia.
É o que dizia uma mulher trabalhadora, já idosa, que caminhava no Rio mancando e com o olhar triste e perdido.
Queixava-se a um repórter que a entrevistava que, para ela, “dois reais significavam muito dinheiro e dor”.
Ao contrário de tantos dos seus políticos que nadam no luxo com o dinheiro roubado do erário público, os brasileiros buscam seus momentos de felicidade no que de melhor e mais simples lhes oferece a vida, sabendo contentar-se com o fruto do seu trabalho.
O antigo ditado “pobre, mas honrado” não é algo fora de moda no Brasil. Continua sendo verdade para a massa de milhões de trabalhadores anônimos que tentam transmiti-lo aos seus filhos.
São eles que têm mais direito de se escandalizar com a corrupção de seus políticos e de exigir que prestem contas.
Podemos criticá-los quando aplaudem, ao ver os políticos, pela primeira vez neste país, entrando na prisão, cabisbaixos ou arrogantes?
Os líderes do futuro?
O ano de 2016 não foi o de nossos sonhos. Cobramos muito dos políticos, dos juízes e dos empreiteiros. Cobramos ética, honestidade, austeridade, caráter, cidadania. O Brasil atravessa crise de valores. Pode ser positiva no final. Se temos instrução e dinheiro – raro privilégio no Brasil –, precisamos fazer nossa parte como pais e mães.
Não estamos fazendo.
Um exemplo são as festas nababescas e regadas a coma alcoólico, organizadas no Rio de Janeiro pela empresa FormaIdeal Obah para a formatura, no ensino médio, de jovens e adolescentes. Publiquei em ÉPOCA, em 2014, “Uma elite perdida”, sobre a festa de R$ 800 mil do Santo Inácio. A elite citada se descabelou, me xingou. Pais e rebentos do Santo Inácio se reuniram, o reitor soltou uma nota.
Interessante é que, agora, houve uma cisão dos alunos do Santo Inácio – uma ala consciente celebrou a formatura com festa bem mais modesta. A Forma ignorou o ano da crise: 180 pais do Santo Inácio pagaram R$ 2.700 para participar. E foram vendidos 2 mil convites avulsos de R$ 300. Ou seja, R$ 1.086.000, por baixo, foram arrecadados pela Forma com os convites. A Forma não tem nada de “Ideal”. Só de “Obah”.
A festa do PH, colégio cujo slogan é “Escreva seu futuro com PH”, foi descrita pela jornalista Kika Gama Lobo em seu perfil no Facebook. Eis trechos de seu depoimento de mãe de meninas com juízo. Mãe trabalhadora e “quase solteira”, agora casada pela segunda vez, Kika nunca foi careta, mas se chocou com o clima de Sodoma e Gomorra.
“Foi uma superprodução tipo Hollywood. Paguei caríssimo, em 12 vezes. Linda decoração, comida a rodo, rodízio de japonês, som de prima, vestidos de Oscar, rapazes de tuxedo, mas me pergunto: pra que tanta bebida? Vi quatro ilhas de vodkas, cervejas, espumantes, drinks, energéticos – tipo festa de Bacco. A certa hora eram zumbis sacolejantes, com olhares perdidos dando PT (na gíria deles, ‘perda total’, nada a ver com partido, se bem que podia ser). Uma excitação forçada, uma alegria de gôndola, garotos e garotas vulgarmente em transe... (...) Vi meninas dançando em cima de pufes, vestidos curtíssimos, saltos altíssimos, decotes profundos – balinhas rolando, maconha no ar, mistura de etílicos, o som de proibidões que bradavam a cultura da bunda, do sexo, da droga, das armas, e as patricinhas se igualando a meninas da periferia em gingado e atitudes. No banheiro, a imagem da decadência, com vômitos e sujeira. (...) Eles já não tinham mais sapato, gravatas, enfeites do cabelo, bolsas... eram apenas corpos entregues... Os meninos pareciam lobos, caçando... As presas estavam ali. (...) Na volta, na fila do táxi, meninas sozinhas ou em duplas – seminuas e alteradas pela bebida – entrando nos ubers da vida... (...) Ainda acho que temos de educar melhor nossos filhos. Me incluo nisso. Passei tempo demais fora de casa, trabalhando, me desculpando por isso...” A festa do PH se intitulou “Reborn of the Sphinx”. Existe tema mais cafona – e num inglês totalmente errado, porque o certo seria “Rebirth of the Sphinx”? Vamos checar algumas regras da Forma para curtir saudavelmente essas festas cheias de menores.
■ Não jurarás amor, mas jurarás pinga.
■ Valorizarás cada GOTA de bebida.
■ O juízo perderás.
■ Se manterás impuro.
■ Não se preocuparás com o que a sociedade pensará.
■ Sarrarás.
■ Rebolarás o bumbum.
■ Com a língua, matarás.
■ Jamais se intimidarás com grandes copos e grandes doses, pois dessas demonstrações de coragem (sic) virão os grandes porres e a noite mais épica da sua vida.
Depois de publicar “Uma elite perdida”, recebi mensagem de um médico, Manuel Alexandre da Silva, que trabalhava no Hospital Municipal da Mulher Fernando Magalhães, referência em atendimento a vítimas de violência sexual:
“Atendemos no fim de 2013 uma adolescente de 15 anos, uma americana, filha de pai brasileiro que tinha vindo passar as festas de fim de ano com os parentes no Rio. Levada por sua prima à festa de formatura do colégio Santo Inácio, após embriagar-se, foi levada da festa por um desconhecido que a estuprou no interior de um táxi. Desnecessário comentar as condições psicológicas desta menor e de seus pais, diante de tamanha brutalidade. Parabéns pelo artigo, que espero repercutir nas consciências dos pais que patrocinam tal descalabro”.
Os pais que ousam criticar custos e formato das festas da FormaIdeal são expulsos da organização. Mas pagam a festa. Capitulam, por medo de desgostar os filhos e por achar a festa importante para “o futuro profissional dos filhos”. Não, nós não estamos fazendo nosso papel – e não adianta exigir da escola ou dos governos o que somos incapazes de fazer em casa. Vamos mudar para poder protestar.
Não estamos fazendo.
Um exemplo são as festas nababescas e regadas a coma alcoólico, organizadas no Rio de Janeiro pela empresa FormaIdeal Obah para a formatura, no ensino médio, de jovens e adolescentes. Publiquei em ÉPOCA, em 2014, “Uma elite perdida”, sobre a festa de R$ 800 mil do Santo Inácio. A elite citada se descabelou, me xingou. Pais e rebentos do Santo Inácio se reuniram, o reitor soltou uma nota.
Interessante é que, agora, houve uma cisão dos alunos do Santo Inácio – uma ala consciente celebrou a formatura com festa bem mais modesta. A Forma ignorou o ano da crise: 180 pais do Santo Inácio pagaram R$ 2.700 para participar. E foram vendidos 2 mil convites avulsos de R$ 300. Ou seja, R$ 1.086.000, por baixo, foram arrecadados pela Forma com os convites. A Forma não tem nada de “Ideal”. Só de “Obah”.
A festa do PH, colégio cujo slogan é “Escreva seu futuro com PH”, foi descrita pela jornalista Kika Gama Lobo em seu perfil no Facebook. Eis trechos de seu depoimento de mãe de meninas com juízo. Mãe trabalhadora e “quase solteira”, agora casada pela segunda vez, Kika nunca foi careta, mas se chocou com o clima de Sodoma e Gomorra.
“Foi uma superprodução tipo Hollywood. Paguei caríssimo, em 12 vezes. Linda decoração, comida a rodo, rodízio de japonês, som de prima, vestidos de Oscar, rapazes de tuxedo, mas me pergunto: pra que tanta bebida? Vi quatro ilhas de vodkas, cervejas, espumantes, drinks, energéticos – tipo festa de Bacco. A certa hora eram zumbis sacolejantes, com olhares perdidos dando PT (na gíria deles, ‘perda total’, nada a ver com partido, se bem que podia ser). Uma excitação forçada, uma alegria de gôndola, garotos e garotas vulgarmente em transe... (...) Vi meninas dançando em cima de pufes, vestidos curtíssimos, saltos altíssimos, decotes profundos – balinhas rolando, maconha no ar, mistura de etílicos, o som de proibidões que bradavam a cultura da bunda, do sexo, da droga, das armas, e as patricinhas se igualando a meninas da periferia em gingado e atitudes. No banheiro, a imagem da decadência, com vômitos e sujeira. (...) Eles já não tinham mais sapato, gravatas, enfeites do cabelo, bolsas... eram apenas corpos entregues... Os meninos pareciam lobos, caçando... As presas estavam ali. (...) Na volta, na fila do táxi, meninas sozinhas ou em duplas – seminuas e alteradas pela bebida – entrando nos ubers da vida... (...) Ainda acho que temos de educar melhor nossos filhos. Me incluo nisso. Passei tempo demais fora de casa, trabalhando, me desculpando por isso...” A festa do PH se intitulou “Reborn of the Sphinx”. Existe tema mais cafona – e num inglês totalmente errado, porque o certo seria “Rebirth of the Sphinx”? Vamos checar algumas regras da Forma para curtir saudavelmente essas festas cheias de menores.
■ Não jurarás amor, mas jurarás pinga.
■ Valorizarás cada GOTA de bebida.
■ O juízo perderás.
■ Se manterás impuro.
■ Não se preocuparás com o que a sociedade pensará.
■ Sarrarás.
■ Rebolarás o bumbum.
■ Com a língua, matarás.
■ Jamais se intimidarás com grandes copos e grandes doses, pois dessas demonstrações de coragem (sic) virão os grandes porres e a noite mais épica da sua vida.
Depois de publicar “Uma elite perdida”, recebi mensagem de um médico, Manuel Alexandre da Silva, que trabalhava no Hospital Municipal da Mulher Fernando Magalhães, referência em atendimento a vítimas de violência sexual:
“Atendemos no fim de 2013 uma adolescente de 15 anos, uma americana, filha de pai brasileiro que tinha vindo passar as festas de fim de ano com os parentes no Rio. Levada por sua prima à festa de formatura do colégio Santo Inácio, após embriagar-se, foi levada da festa por um desconhecido que a estuprou no interior de um táxi. Desnecessário comentar as condições psicológicas desta menor e de seus pais, diante de tamanha brutalidade. Parabéns pelo artigo, que espero repercutir nas consciências dos pais que patrocinam tal descalabro”.
Os pais que ousam criticar custos e formato das festas da FormaIdeal são expulsos da organização. Mas pagam a festa. Capitulam, por medo de desgostar os filhos e por achar a festa importante para “o futuro profissional dos filhos”. Não, nós não estamos fazendo nosso papel – e não adianta exigir da escola ou dos governos o que somos incapazes de fazer em casa. Vamos mudar para poder protestar.
No futuro de Temer cabu tudo, menos realidade
Esboçado num discurso de final de ano, levado ao ar na noite de Natal, o futuro do Brasil de Michel Temer está ali, na esquina, radioso, pronto para ser desfrutado. Nele, “2017 será o ano em que derrotaremos a crise.” Os empresários, prenhes de confiança, “voltarão a investir e vamos recuperar os empregos perdidos.” (Leia no rodapé a íntegra do pronunciamento de Temer)
Como qualquer outro futuro, o futuro do país de Temer é um espaço impreciso e impalpável. O presidente pode vender para si mesmo e para os brasileiros crédulos qualquer coisa, pois o futuro não pode ser cobrado nem conferido. Mas Temer poderia pelo menos ajustar o seu futuro à realidade do Banco Central, que reduziu de 1,3% para 0,8% sua expectativa de crescimento (pode me chamar de estagnação) do PIB para 2017.
De resto, Temer esqueceu de mencionar —ou lembrou de omitir— duas palavras em seu discurso: Lava Jato. Em maio, quando assumiu provisoriamente a presidência da República, o mesmo orador dissera o seguinte: “A Lava Jato tornou-se referência. E como tal deve ter prosseguimento e proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la.”
Pois bem, decorridos sete meses e várias tentativas frustradas de ''estancar a sangria'', os aliados de Temer estão presos ou sitiados por inquéritos. A cúpula do “novo” governo caiu ou está pendurada nos lábios dos delatores da Lava Jato. O nome do próprio presidente soou nas delações da Odebrecht. Seu pescoço encontra-se na guilhotina do Tribunal Superior Eleitoral, que decidirá no primeiro semestre de 2017 se baixa a lâmina.
Num cenário assim, tão conturbado, o máximo que Temer poderia dizer seria algo como “o futuro a Deus Pertence.” E ainda correria o risco de ouvir uma pergunta incômoda: “E quanto ao passado, quem responderá por ele?” Mas o ambiente é de festa. E o brasileiro, que costuma ser otimista entre o Natal e o Carnaval, deve estar ávido por viver neste país maravilhoso que Temer esboçou na tevê, seja ele onde for.
Como qualquer outro futuro, o futuro do país de Temer é um espaço impreciso e impalpável. O presidente pode vender para si mesmo e para os brasileiros crédulos qualquer coisa, pois o futuro não pode ser cobrado nem conferido. Mas Temer poderia pelo menos ajustar o seu futuro à realidade do Banco Central, que reduziu de 1,3% para 0,8% sua expectativa de crescimento (pode me chamar de estagnação) do PIB para 2017.
De resto, Temer esqueceu de mencionar —ou lembrou de omitir— duas palavras em seu discurso: Lava Jato. Em maio, quando assumiu provisoriamente a presidência da República, o mesmo orador dissera o seguinte: “A Lava Jato tornou-se referência. E como tal deve ter prosseguimento e proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la.”
Pois bem, decorridos sete meses e várias tentativas frustradas de ''estancar a sangria'', os aliados de Temer estão presos ou sitiados por inquéritos. A cúpula do “novo” governo caiu ou está pendurada nos lábios dos delatores da Lava Jato. O nome do próprio presidente soou nas delações da Odebrecht. Seu pescoço encontra-se na guilhotina do Tribunal Superior Eleitoral, que decidirá no primeiro semestre de 2017 se baixa a lâmina.
Num cenário assim, tão conturbado, o máximo que Temer poderia dizer seria algo como “o futuro a Deus Pertence.” E ainda correria o risco de ouvir uma pergunta incômoda: “E quanto ao passado, quem responderá por ele?” Mas o ambiente é de festa. E o brasileiro, que costuma ser otimista entre o Natal e o Carnaval, deve estar ávido por viver neste país maravilhoso que Temer esboçou na tevê, seja ele onde for.
Sombras no ambiente
Não são boas as notícias ambientais. O desmatamento aumentou fortemente nos últimos dois anos e nada sugere que isso vá mudar porque o governo Temer acaba de dar um péssimo sinal ao reduzir o tamanho de uma área de proteção, a Floresta de Jamanxin, no Pará. O governo cancelou um leilão de energia alternativa, mesmo com 100 interessados na disputa que poderiam investir R$ 8 bilhões.
As diversas crises andam sugando a atenção do Brasil, a tal ponto que tem havido pouco espaço para se noticiar, debater e refletir os riscos ambientais e climáticos que estão surgindo. Só nas últimas semanas houve esses dois. Pela primeira vez desde 2009 não haverá um leilão em que produtores e eventuais compradores de energia limpa se encontram.
— O governo deu uma justificativa velha para desmarcar o leilão. Disse que a recessão diminuiu o consumo de energia. A questão é que era um leilão de reserva, feito para substituir energia termelétrica, mais suja e mais cara — disse Élbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica.
Sem o investimento nessa reserva limpa, o país usará, quando precisar, a energia fóssil. Élbia diz que o governo desrespeitou o setor:
— O governo publicou a portaria e o setor se preparou para o leilão. Estávamos com mais de 100 investidores estrangeiros no país para o leilão e três dias antes o governo cancelou. A demanda poderia chegar a 1 GW de potência instalada. Isso renderia R$ 8 bilhões de investimento e cerca de 15 mil empregos em toda a cadeia produtiva. A economia em emissões seria de 2 milhões de toneladas de CO2.
Outra má notícia foi que no último dia 19 o governo reduziu a área de uma floresta nacional, exposta e vulnerável à grilagem, beneficiando grileiros que invadiram terra protegida. Quando o Estado cede nesse tipo de embate, é um péssimo sinal porque incentiva outras invasões na mesma área.
O desmatamento se alimenta de sinais de fraqueza ou de cumplicidade do Estado. Quando o governo reduz os recursos para fiscalização e controle, como fez o governo Dilma, e dá sinais em seguida de que vai anistiar quem grila, confirma a ideia de que o crime compensa. A mesma Jamanxin já havia sofrido perda de tamanho na administração passada, mas nada se compara ao que o governo Temer fez: reduziu por medida provisória em 43% o território da Floresta Nacional, aceitando a presença de produtores que mantêm na área 110 mil cabeças de gado. Alegam que já estavam lá quando a Floresta Nacional foi criada, mas quem acompanha o desmatamento na Amazônia sabe que não é verdade. Eles ocuparam porque o governo Dilma vinha dando sinais de fraqueza. Agora o governo Temer confirmou a impressão. Em junho, um policial foi morto durante uma operação do Ibama no local. A resposta, em vez de ser mais fiscalização e controle, foi a redução da área protegida.
\O Pará foi o estado onde houve mais aumento do desmatamento em 2015, quando na Amazônia como um todo a destruição da floresta subiu 24%. Em 2016, os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ainda provisórios, mostram uma elevação de 29%. Em 2012, o desmatamento ilegal foi de 4,6 mil km2. Este ano, o dado provisório é de quase 8 mil km2. E o mais espantoso é isso ocorrer em plena recessão, quando normalmente tudo reflui, inclusive a derrubada ilegal de madeira, como aconteceu em 2009. Os sinais que o governo Dilma deu e Temer tem dado são tão eloquentes que mesmo num ambiente em que todas as taxas econômicas são de queda, as de destruição da floresta são cada vez mais altas.
A solitária boa notícia foi a mudança da política do BNDES, anunciada pela nova administração, de não financiar usina a carvão e a óleo combustível e subsidiar a produção de energia solar. Sobre as usinas do Rio Tapajós, o governo dá sinais de que vai recuar da decisão de suspendê-las. O presidente Temer falou que uma das conquistas do seu governo, na área ambiental, foi oficializar na ONU os compromissos do Acordo de Paris. Alguém precisa dizer a ele que para cumprir o que prometeu o Brasil tem que reduzir as emissões e isso se faz com combate ao desmatamento e estímulo à energia limpa. Seu governo está caminhando no sentido oposto. O nome disso é retrocesso.
Míriam Leitão
As diversas crises andam sugando a atenção do Brasil, a tal ponto que tem havido pouco espaço para se noticiar, debater e refletir os riscos ambientais e climáticos que estão surgindo. Só nas últimas semanas houve esses dois. Pela primeira vez desde 2009 não haverá um leilão em que produtores e eventuais compradores de energia limpa se encontram.
— O governo deu uma justificativa velha para desmarcar o leilão. Disse que a recessão diminuiu o consumo de energia. A questão é que era um leilão de reserva, feito para substituir energia termelétrica, mais suja e mais cara — disse Élbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica.
Sem o investimento nessa reserva limpa, o país usará, quando precisar, a energia fóssil. Élbia diz que o governo desrespeitou o setor:
— O governo publicou a portaria e o setor se preparou para o leilão. Estávamos com mais de 100 investidores estrangeiros no país para o leilão e três dias antes o governo cancelou. A demanda poderia chegar a 1 GW de potência instalada. Isso renderia R$ 8 bilhões de investimento e cerca de 15 mil empregos em toda a cadeia produtiva. A economia em emissões seria de 2 milhões de toneladas de CO2.
Galileu Zansky |
O desmatamento se alimenta de sinais de fraqueza ou de cumplicidade do Estado. Quando o governo reduz os recursos para fiscalização e controle, como fez o governo Dilma, e dá sinais em seguida de que vai anistiar quem grila, confirma a ideia de que o crime compensa. A mesma Jamanxin já havia sofrido perda de tamanho na administração passada, mas nada se compara ao que o governo Temer fez: reduziu por medida provisória em 43% o território da Floresta Nacional, aceitando a presença de produtores que mantêm na área 110 mil cabeças de gado. Alegam que já estavam lá quando a Floresta Nacional foi criada, mas quem acompanha o desmatamento na Amazônia sabe que não é verdade. Eles ocuparam porque o governo Dilma vinha dando sinais de fraqueza. Agora o governo Temer confirmou a impressão. Em junho, um policial foi morto durante uma operação do Ibama no local. A resposta, em vez de ser mais fiscalização e controle, foi a redução da área protegida.
\O Pará foi o estado onde houve mais aumento do desmatamento em 2015, quando na Amazônia como um todo a destruição da floresta subiu 24%. Em 2016, os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ainda provisórios, mostram uma elevação de 29%. Em 2012, o desmatamento ilegal foi de 4,6 mil km2. Este ano, o dado provisório é de quase 8 mil km2. E o mais espantoso é isso ocorrer em plena recessão, quando normalmente tudo reflui, inclusive a derrubada ilegal de madeira, como aconteceu em 2009. Os sinais que o governo Dilma deu e Temer tem dado são tão eloquentes que mesmo num ambiente em que todas as taxas econômicas são de queda, as de destruição da floresta são cada vez mais altas.
A solitária boa notícia foi a mudança da política do BNDES, anunciada pela nova administração, de não financiar usina a carvão e a óleo combustível e subsidiar a produção de energia solar. Sobre as usinas do Rio Tapajós, o governo dá sinais de que vai recuar da decisão de suspendê-las. O presidente Temer falou que uma das conquistas do seu governo, na área ambiental, foi oficializar na ONU os compromissos do Acordo de Paris. Alguém precisa dizer a ele que para cumprir o que prometeu o Brasil tem que reduzir as emissões e isso se faz com combate ao desmatamento e estímulo à energia limpa. Seu governo está caminhando no sentido oposto. O nome disso é retrocesso.
Míriam Leitão
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